A elite, do alto de sua superioridade,
acha razoável negar comida a quem
vive debaixo de um viaduto.
Já a classe média,
vê como correto humilhar alguém
por não ter um diploma superior.
Dois episódios recentes trouxeram à tona a insensibilidade de segmentos de nossa sociedade. Bia Doria, primeira-dama paulista, em vídeo aconselhou os espectadores a não ajudar os sem-teto com comidas e roupas, pois, segundo ela, eles “gostam” de viver nas ruas.
Padre Júlio Renato Lancellotti, com 71 anos, é um grande defensor do povo de rua em São Paulo. Conheça entrevista que o mesmo já concedeu à jornalista Márcia Machado, em nosso site.
Um casal carioca, sem máscara, foi abordado por um fiscal que os alertou de forma educada como “cidadãos”. “Cidadão não!” foi a resposta, “engenheiro civil formado. Melhor do que você”.
Estes episódios não causam espanto para quem conhece nossa elite. É sobejamente conhecida a sua insensibilidade. Seus genes egoístas são bem poderosos. A educação e a cultura travam, há séculos, um combate duro contra eles.
Para Jessé Souza “o desprezo secular e escravocrata pelas classes populares ganha um autoridade inaudita e passa a ser usado com pose de quem sabe muito. Juntas, a demonização da política e do Estado e a estigmatização das classes populares constituem o alfa e o ômega do conservadorismo da sociedade brasileira cevado midiaticamente todos os dias desde então”.
Estes dois revoltantes episódios revelam a opressão que permeia as relações sociais entre nós. É o mesmo descaso devotado aos escravos no espaço de 300 anos. O desprezo e a humilhação que essa classe sofre desde o berço, unindo socialização precária, que é o essencial do seu aspecto de classe, com o preconceito covarde e secular contra o escravo, que é o seu aspecto de raça, a levam a fantasiar sua realidade intolerável.
E aí surge o indivíduo que cai nas drogas, especialmente no álcool. Para se transformar em morador de rua e sem-teto, é um passo. Seria porque “gostam” de tal situação ??
“A elite do dinheiro tende a perceber seu privilégio como decorrente de uma superioridade inata. Já a classe média tende a imitar a elite endinheirada na sua autopercepção de classe como sensível e de bom gosto, mostrando que essa forma é essencial para toda a separação das classes do privilégio em relação às classes populares”, segundo Jessé Souza.
A elite, do alto de sua superioridade, acha razoável negar comida a quem vive debaixo de um viaduto. Já a classe média, vê como correto humilhar alguém por não ter um diploma superior.
É o Brasil mantendo sua tradição de desigualdade, onde a barbárie foi incorporado ao cotidiano.
Em outra publicação neste site, já escrevemos que “nossa sociedade é fruto de um pacto dos donos poder para perpetuar um modelo social cruel forjado na escravidão. A brutal desigualdade de renda continua a ser o traço que nos caracteriza. O atual governo veio para manter e consolidar esta infâmia”.