Sua senhoria, o dinheiro!

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Seja para qual finalidade for, nisso reside o poder escondido do dinheiro. Ele pode comprar o necessário, o supérfluo, o lícito e até aquilo que não se imagina.

Na padaria, meu amigo Pedro, em conversa sobre a vida cotidiana, proferiu uma frase emblemática: “O dinheiro é um péssimo patrão e um excelente escravo”. Aquela máxima formulada pelo filósofo inglês Francis Bacon não me saiu da cabeça. E fui percebendo que se trata de uma chave de leitura que pode ser utilizada na macroeconomia, na microeconomia, na economia familiar, na economia pessoal, etc. Pode servir de parâmetro para analisar a política, as relações sociais e também muitas psicoses individuais e/ou coletivas.

O dinheiro detém poder objetivo/material, mas, ao mesmo tempo, subjetivo/simbólico. E, na maioria das vezes, esses poderes não são equivalentes entre si.

Alguém pode possuir pouco dinheiro e absolutizar o seu valor. De outra parte, pode acontecer que alguém possua grande quantidade de bens (trocáveis por dinheiro) e não se apegue de forma absoluta ou doentia a eles. Entretanto, isso parece ser mais raro. 

O papel que o dinheiro exerce sobre a vida das pessoas coloca em xeque questões de ordem ética. No alvorecer do pensamento filosófico, Aristóteles afirmou que “o dinheiro é a medida de todas as coisas”. E pode sê-lo para o bem ou para o mal.

Ainda de forma embrionária, nas obras Ética a Nicômaco e A Política ele aponta que o dinheiro assume três funções: como meio de troca, como medida de valor e como reserva de valor. Tais conceitos serviram de base para múltiplas teorias complexas sobre esse senhor chamado dinheiro, que, de algum modo, nos governa ao longo da história.

Acerca do dinheiro e, por extensão, sobre todos os bens e riquezas, pairam diversas exortações de cunho religioso. Nas palavras de Jesus, “ninguém pode servir a dois senhores, pois odiará a um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24). O apóstolo Paulo, por sua vez, sentenciou: “a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro” (ITm 6,10). Em geral, as religiões concordam que o dinheiro não é um mal em si, mas a forma de obtê-lo e de usá-lo pode levar à corrupção da alma humana.

Na sociedade de mercado, quem não tem dinheiro fica privado de produtos e serviços essenciais.

O dinheiro (no caso, a falta dele), não raras vezes, se configura como um determinante da escravidão, da opressão, da exclusão, da fome e da miséria. No limite, impõe a desumanização. De outra parte, a tomada do dinheiro como um patrão com poderes absolutos, mantém os impérios, a ganância, o lucro e a concentração da propriedade privada. Sobre essa máxima se afirma o capitalismo.

Enquanto isso, o diálogo seguia na padaria. Não demorou a que surgisse um rapaz. De pronto, disse ter fome, o que segue sendo uma grande chaga social. Ao invés de pedir pão, como seria de se esperar, pediu dinheiro. Muitos logo dirão que o utilizaria para outras finalidades.

Seja para qual finalidade for, nisso reside o poder escondido do dinheiro. Ele pode comprar o necessário, o supérfluo, o lícito e até aquilo que não se imagina.

Nessas variações de patrão e empregado é que se esconde seu poder misterioso a que cada um pode atribuir, usufruir ou a ele se submeter. Pelo dinheiro podemos nos escravizar a nós mesmos ou a outros. Por isso, bem advertia o filósofo francês Montesquieu: “O dinheiro é valioso desde que saibamos desprezá-lo”.

Nessa altura, veio à memória a filosofia de bolso que o amigo Valter costuma repetir. Segundo ele, se é verdade que “o dinheiro é do diabo, viver sem ele é um inferno”.

Na verdade, diante do dinheiro, alguns poucos vivem uma espécie de “paraíso terrestre” por serem senhores de muitos bens; uma grande parcela da sociedade experimenta um contínuo “purgatório”, por precisar controlar muito bem seus recursos limitados a fim de satisfazer as necessidades básicas. Entretanto, a grande maioria da população enfrenta realidades infernais ante a impossibilidade de adquirir o mínimo necessário para manter-se vivo.

Para construir uma sociedade mais igualitária, sem carências nem excessos, sua senhoria, o dinheiro, não pode governar de forma absoluta, nem funcionar como um patrão perverso que subjuga, corrompe e domina. Daí a necessidade de fortalecer a política do bem comum, a democracia econômica, a justiça social e a cidadania plena para que a vida e a dignidade humana de todas as pessoas estejam acima do senhorio do dinheiro e do império do capital!

Autor: Dirceu Benincá

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