Não há ser humano órfão de lugar, mesmo que leve uma vida itinerante, isto é, sem lugar fixo. Todos nós sentimos saudade de algum lugar por onde passamos ou moramos.
“Tapera” é a denominação que damos a uma casa que foi habitada por pessoas em um tempo passado. A tapera, a “casa velha”, não é uma casa abandonada e esquecida apenas pelo fato de ninguém mais morar nela. A tapera, ou casarão, como a chamamos, é onde moram as lembranças de tempos próximos ou longínquos. A tapera, habitação em ruínas, é o lugar da nostalgia das vivências marcantes. Mesmo o estradeiro ou o nômade guardam na mente e no coração as paisagens por onde passaram.
Não há ser humano órfão de lugar, mesmo que leve uma vida itinerante, isto é, sem lugar fixo. Todos nós sentimos saudade de algum lugar por onde passamos ou moramos.
A tapera normalmente nos leva a um tempo de convivência familiar, com as memórias da infância e até mesmo da fase adulta. A tapera evoca os sentimentos das partidas e das mudanças. É difícil avistar uma tapera e ficar neutro diante dela, porque não é apenas um amontoado de telhados, janelas e portas caídas, corroídas pelos cupins. Ali permanecem os vestígios das pegadas humanas. Tornou-se um espaço sagrado, como uma liturgia a evocar infinitas lembranças.
A saudade não é um não-lugar. A lembrança é um sentimento afetivo, positivo ou negativo. Por isso, a nostalgia não é uma quimera fantasmagórica ou um “soluço psíquico”. A lembrança é a base antropológica das vivências existenciais, que constitui a espiritualidade do mundo vivido em sua fantasia e realidade. A fantasia e a realidade sempre nos trazem de volta para o chão da vida. Quanto mais estamos na fantasia, mais dentro da realidade estaremos, e só suportamos o peso da realidade por causa do alívio da fantasia. Sem fantasia, a vida se transforma em um peso insuportável.
A tapera, a “casa abandonada”, é a evocação do tempo conjugado no espaço.
A tapera é a estruturação de sentido, porque é sempre o espaço que indica as experiências vividas no tempo. A tapera é uma interpelação das memórias que ali estão presentes. As músicas, poesias e crônicas inspiradas em taperas são o recado do tempo que grita nelas para se evitar a amnésia do humano ausente. É neste sentido que a poesia não é outra coisa senão a rouquidão do tempo. A destruição de uma tapera, “da casa velha”, é a eliminação dos vestígios das pessoas ou grupos que por ali passaram.
Cada parede, telhado e esteio encontrados ao relento do tempo são sinais de que alguém morou naquele lugar, por isso são depositários de memórias. Nossa mente é povoada desses lugares onde vivemos parte de nossa vida. Quem não se lembra da primeira casa, do quintal, do terreiro e até mesmo do campinho das muitas brincadeiras? Os trilhos que davam acesso às casas da vizinhança para os encontros das prosas nos repetidos serões. Ao enxergar uma tapera à beira das estradas, logo nos vem à mente que ali habitaram pessoas que construíram suas subjetividades em muitas vivências tertúlicas.
Quem não fica emocionado quando vê uma fotografia da casa dos bisavós? A imagem expressa naquela foto revela muitas lembranças adormecidas.
Na verdade, a tapera, a “casa velha”, é o lugar onde habita a saudade. Em mim, há muitas moradias que trago “fixadas” na memória e que, geograficamente, não é mais possível encontrar, porque a fúria do progresso na sua fase de modernização destruiu todas essas moradias.
Como é bom sentir saudade da primeira casa onde a mãe nos assistiu e comemorou a vitória de nossos primeiros passinhos. Trago, bem fresquinho, guardado na mente, a minha primeira casa, construída de pau a pique, sem quintal e sem portão. No lugar dessa primeira casa foi construída outra de alvenaria, mas que, na atualidade, é uma tapera repleta de memórias de uma época que se foi.
Autor: José André da Costa , msf. Também escreveu e publicou no site “Do Cansaço”: www.neipies.com/do-cansaco/
Edição: A. R.