Livro visionário de Aldo Huxley, Admirável Mundo Novo inspira debates sobre o futuro da humanidade .
O livro Admirável Mundo Novo é um romance escrito por Aldo Huxley em 1932. Contendo 306 páginas e dividido em 18 capítulos, conta a história de uma nova organização mundial, onde a evolução da tecnologia possibilitou avanços em diversas áreas como a reprodução dos seres humanos, a clonagem em larga escala e a construção de castas sociais, geradas a partir do nascimento dos indivíduos pela engenharia genética. Também retrata a manipulação psicológica onde o amor não pode ser cogitado nem estimulado, mas em compensação, o sexo é banalizado e assume o protagonismo das relações sociais.
Segundo Bauman (1925-2017), “[…] a vulnerabilidade das identidades individuais e a precariedade da solitária construção da identidade levam os construtores da identidade a procurar cabides em que possam, em conjunto, pendurar seus medos e ansiedades individualmente experimentados e, depois disso, realizar os ritos de exorcismo em companhia de outros indivíduos também assustados e ansiosos.”
É assim, que em Admirável Mundo Novo presenciamos a quebra do princípio da identidade humana, onde o que hoje consideramos como direitos humanos, neste mundo de Huxley, não existe mais – as regras do jogo da vida mudaram. A vida não é gerada a partir do corpo da mulher, e sim desenvolvida em laboratórios e centros de pesquisa, onde são construídas e modeladas as identidades de cada ser, antes mesmo de “nascerem”. Portanto, a busca incessante pelo descobrimento das identidades aparecem com frequência no livro, especialmente quando Bernard Marx se questiona do porque não consegue se encaixar na sua casta, já que ele é diferente dos Alfa-Mais, os jovens, reunidos em grupos debatem sobre o que consideram certo e errado.
A “quebra” da inocência e do não descobrimento de que existem outras formas de viver em sociedade se dá quando, os jovens “evoluídos” visitam o campo dos “selvagens”. Lá, presenciam coisas que não conseguiam imaginar que existiam, pois era a forma primitiva de viver em comunidade.
Bauman nos diz que “a comunidade realmente existente” será diferente da de seus sonhos — mais semelhante a seu contrário: aumentará seus temores e insegurança em vez de diluí-los ou deixá-los de lado. Exigirá vigilância vinte e quatro horas por dia e a afiação diária das espadas, para a luta, dia sim, dia não, para manter os estranhos fora dos muros e para caçar os vira-casacas em seu próprio meio”. É isso que acontece quando saímos da zona de conforto e da bolha social que vivemos, conhecemos outras realidades e outros modos de conviver – quebramos a ideia de que determinado jeito de ser é o que deve ser mantido e passamos a questionar atitudes cotidianas.
A conscientização de que lá fora é diferente, desestabiliza e fragiliza a comunidade existente em nós mesmos, e, consequentemente nos faz querer sair e vivenciar novas experiências.
Outro fator desestabilizante é a vontade dos jovens de consumir o comprimido chamado desoma, que dá a eles a sensação de calmaria, paz e satisfação, impedindo-os de questionar ou mesmo sentir outros sentimentos que não fossem os pré-definidos para eles sentirem. É como se, ao verem a verdadeira realidade, quisessem tapar os olhos e voltar a escuridão – aos lugares que para eles eram mais cômodos de viver. É a típica história da caverna de Platão, onde o conhecimento e o questionamento são sufocados e mortos pelos ignorantes, que não deixam (e não querem) pensar de outros jeitos.
Aliás, o comprimido de soma – tão difundido no livro abre outro leque de questionamentos: o da dependência dos seres humanos à tecnologização. Atualmente vivemos em um mundo onde não nos imaginamos sem o uso de drogas e medicamentos (que de certa forma nos auxilia em diversos momentos), porém com a evolução da tecnologia e o desenvolvimento de novos tipos desses medicamentos, estamos caminhando para a realidade de Admirável Mundo Novo, onde basta tomar um comprimido de soma e os problemas estão resolvidos, não há tristeza, raiva ou descontrole. Já há medicamentos para controle da depressão, onde segundo a ADEB (Associação de Apoio aos Doentes, Depressivos e Bipolares), “atuam no cérebro, modificando e corrigindo a transmissão neuroquímica em áreas do sistema nervoso que regulam o estado do humor (o nível da vitalidade, energia, interesse, emoções e a variação entre alegria e tristeza), quando o humor está afetado negativamente num grau significativo”. No livro, eles atuam basicamente assim, mas de forma mais intensa e já estão inseridos na vivência cotidiana de todos os seres humanos – quase que estabelecendo uma interligação entre o corpo e o medicamento.
Massimo Canevacci (1942) vai nos dizer que esta interdependência pode ser considerada uma espécie de “bodycorps”, onde a tecnologia está gradualmente integrada ao ser vivo. É a fusão do objeto tecnológico com o corpo humano, criando uma simbiose – um processo de dependência, onde um não sobrevive sem o outro.
O Admirável Mundo Novo produz grandes e tormentosas reflexões sobre o futuro que nos espera enquanto sociedade. A reflexão sobre como e até onde utilizaremos a tecnologia é um dos pontos fortes do livro, tal como a visão futurística do autor, que já em 1932 conseguiu escrever esta obra pensando em questões que permeavam, mas ainda de forma primitiva os acontecimentos do mundo na época. É muito recomendável para quem deseja se aprofundar em questões ligadas à ética, tecnologia e psicologia, traçando um paralelo do que já está acontecendo em nosso mundo e do que ainda está por vir.
Autor: Anthony Buqui. Também escreveu crônica “Empresas de comunicação não sabem se comunicar com público mais jovem: s https://www.neipies.com/empresas-de-comunicacao-nao-sabem-se-comunicar-com-publico-mais-jovem/
Edição: A. R.