O ódio gratuito, planejado e produzido sobre pessoas que não se aceita, sempre esteve à disposição: de famílias a governos. Mas agora ficou pior, pois descobriram que o ódio, como produto, vende muito. As grandes mídias descobriram que ódio vende!
Um dia, todos fomos imigrantes. Nós ou nossos pais, avós ou bisavós. Caminhamos por uma Terra que não é nossa. Ser imigrante, pode significar arrastar-se para fora de um país, aos pedaços, para se remontar em outro.
As linhas invisíveis que contornam os continentes, países ou mesmo cidades, em mapas que tanto orgulham as populações, já foram traços insignificantes para reinos e impérios.
O mundo está cheio de construções e colunas esplêndidas, em ruínas, mas que um dia foram a casa de Reis e Imperadores arrogantes; os que pensavam que o seu poder seria eterno. Nem Salomão aguentou muito tempo. A Rainha do Sul, a que Jesus se referiu¹ e que se cogita, teve um affair com o Rei, também desapareceu e dela quase ninguém se lembra.
Quando os governantes de plantão não leem a história por completo, ou nela não se fiam, estão condenados a repetir a sua pior parte. Seria interessante levar o Sr. Trump e sua corte até Roma. De preferência ao Fórum Romano e suas ruínas, para que tivessem uma visão do que acontece quando reis pensaram ser deuses. Os restos das construções, que um dia foram magníficas, estão ali, à disposição da poeira e de suas mentes obscuras. Poderão admirar o poder esfarelado quando só se pensa em seus intramuros.
Deveriam aprender com Nero, que saiu corrido do Império, perseguido e indo ao encontro de seu suicídio, porque o povo começou a detestá-lo.
Roma caiu por diversos motivos, mas um dos menos estudados foi a sua incapacidade de fazer alianças. O seu orgulho e a sua pretensa imortalidade, não impediram que os bárbaros ingressassem em suas legiões e a devorassem por dentro. Os inimigos das nações não vivem fora de seus muros. E imigrantes e escravos, novamente, serviram de sustentação aos delírios dos seus Imperadores.
Seria mais inteligente fazer um acordo com Átila, o huno, do que ter de enfrentá-lo e suportar a invasão da Itália, pois ali foram empurrados os mesmos bárbaros, por uma liderança incontestável e que desafiou todos os poderes na época. E o Império veio abaixo!
Acordos com pretensos invasores, alianças com reinos revoltosos, o fim da espúria escravidão, e tudo poderia prolongar a sua vida e manter Roma intocada por mais mil anos.
Mas no que seus Césares optaram? A sua escolha foi pelo enfrentamento, a animosidade e o degredo a quem se opusesse. O poder traz consigo o hálito da eternidade.
Quando Tito e seu Pai, Vespasiano, em 71 DC, desfilaram em Roma com a mobília do Templo Judaico e o seu Candelabro, não imaginavam que logo à sua frente, o mesmo Império renegaria seus deuses inventados, como Jupiter, para se curvar diante de uma ‘seita’ inspirada em um tal Jesus² e que fora iniciada por pescadores iletrados, justamente na Jerusalém saqueada. Quem passar por Roma poderá ver o Arco do Triunfo, que ainda permanece de pé. Mas o resto desabou.
Aliás, em Jerusalém, encontrava-se a maior tolerância de imigrantes que se tem notícia. Temos uma ideia no livro de Atos,³ capítulo dois.
“E como os ouvimos falar em nossa própria língua materna, partos, medos e elamitas e os naturais da Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Ponto e Ásia; da Frígia e da Panfília, do Egito e das regiões da Líbia, nas imediações de Cirene, e romanos que aqui residem, tanto judeus como prosélitos, cretenses e arábios… Como os ouvimos falar?”
Não nos parece que o mundo inteiro estava ali representado? Pois é, todos os países debaixo do céu…
Será que esta página do Evangelho foi rasgada pelos que odeiam imigrantes?
Paulo, agora convertido, foi pregar em Atenas (4). Encontrou um altar que falava de um deus desconhecido, como que idolatrado por atenienses e estoicos. Ninguém o impediu; entrou e saiu.
Maria, levou a sua família que se iniciava para o Egito (5) e nada consta que foram detidos em sua passagem.
Faltou os povos do Egito Antigo gritarem:
_Viva Maria imigrante!
Bem, nem a isso esta cristandade obsoleta de hoje respeitaria.
Será que não retornamos aos tempos de um deus desconhecido?
Os Impérios nunca cresceriam sem mão de obra barata, escrava ou servil de que dispunham. E contra estas mesmas gentes, sem demora, os poderosos locais sempre se levantaram diante de cada nova crise. A história tem memória.
Qual bíblia que os novos senhores do mundo estão lendo? Será mais uma inventada? Ou leem somente passagens do seu agrado! Mas afinal, não são todos cristãos estes donos dos novos tempos, mesmo que de mentirinha?
Não temos notícia de tanta rejeição a imigrantes quanto nesses três meses passados. Em um piscar de olhos todos transformaram-se em criminosos? Até dezembro, lá fora, limpavam latrinas e cortavam grama. Na virada do ano foram cuspidos.
Ninguém resiste a fé humana e Roma sucumbiu ao seu tempo. Assim como haverá tempo para mais ruínas daqui em diante. As cusparadas que Jesus levou, ajudou a torná-lo maior: no mais completo, mais humano e no mais divino de todos os homens, em todos as épocas. Ele aceitava Judeus e gentios, migrantes e nativos, confirmando mais tarde o que Paulo falou que “Deus não faz acepção de pessoas” (6). Pois de cobradores de impostos a prostitutas, Jesus aceitava a todos, moradores ou forasteiros, antecipando o próprio discurso de Paulo.
Os totalitarismos, geralmente fundamentados em certezas mofadas, quando não querem perder seus adeptos, criam um inimigo comum a ser derrotado. Hitler reuniu quase um país inteiro, construindo a narrativa de ódio aos judeus. Recentemente, a ditadura Argentina elegeu as Malvinas como sendo a bandeira nacional a ser hasteada. Em ambos os casos, a morte certa; mesmo que aquela, em muitos milhões de mortos a mais que esta. Pelos nossos dias, a ciência e as vacinas tornaram-se os novos inimigos a serem vencidos. Muitos morrerão pela sua causa.
O ódio gratuito, planejado e produzido sobre pessoas que não se aceita, sempre esteve à disposição: de famílias a governos. Mas agora ficou pior, pois descobriram que o ódio, como produto, vende muito. As grandes mídias descobriram que ódio vende!
Pensem! E muitos ‘iluminados’, precisando que parcelas da população permaneçam obtusas, elegeram o branco como a cor preferida, a imigração e a pobreza forasteira como contaminantes a serem expulsos.
É ódio de causa e efeito.
Mas o povo que consentir na mentira, terá de viver sob suas teias. A mentira precisa de reposições continuadas e diárias para se manter viva. É necessário mentir e mentir mil vezes, para quem sabe, tornar-se verdade. Segundo Goebbels, Ministro da Propaganda Nazista, ela se torna.
A simples verdade subsiste por si mesma, contudo.
Os imigrantes que vimos descer de aviões, recentemente, acorrentados, bem que nos lembram os antigos escravos de Roma. Chegando como restos de uma guerra romana, depois de haver lutado contra a Gália ou a Trácia, agora retornam rendidos e humilhados pelo capricho de um Imperador.
Na Alemanha, primeiro se atacou um inimigo imaginário, somente depois, muito depois, quando os amigos é que desapareciam a população pulou da cama. E, então, milhares emigraram. Os exemplos são quase infinitos.
Por quais razões se odeia tanto a imigração?
Fôssemos nós os imigrantes desse avião, que correntes gostaríamos de usar?
REFERÊNCIAS:
- Fala-se que era a Rainha de Sabá. Mateus 12:42
- Na versão de 1969, Almeida, revisada e corrigida, “um tal Jesus”. Atos 25:19
- Atos 2:9,10 e 11
- Atos 17:23
- Mateus 2:14
- Romanos 2:11
- Nota do autor: fundamentamos a nossa reflexão no Novo Testamento, tentando traduzir a tolerância por ele anunciada; onde cabem todas as raças, de patrícios a gentios. Os líderes e mandatários do mundo real, precisam provar, em ações, os reflexos de sua fé. Ninguém é obrigado a acreditar na Bíblia. Mas quem a levanta em suas mãos terá de sustentá-la. Caso contrário, teremos de chamá-los de difamadores das Escrituras e oportunistas da fé alheia.
Autor: Nelceu A. Zanatta. Também escreveu e publicou no site “Seremos todos imigrantes em Marte”?: www.neipies.com/seremos-todos-imigrantes-em-marte/
Edição: A. R.
Mais uma grande reflexão de Nelceu Zanatta, um escritor com formação humanista e uma percepção crítica da realidade. Parabéns!