Com frequência ouvimos dizer que o tempo é o senhor da história ou da razão. Mas, esta não é a única interpretação possível. Podemos compreender o tempo também como servo dos que fazem a história. E, todos fazemos história, embora nem sempre a façamos como gostaríamos ou deveríamos.
O nosso tempo individual é limitado e irrepetível. O da história, é muito mais amplo e indefinido. A esta história geral, à qual todos nos inserimos, costumamos nos referir com destaque maior. Até a grafamos com letra maiúscula: a História.
Vivemos influenciados e, em grande medida, condicionados ao nosso tempo histórico. Embora seja um tempo com inúmeras possibilidades que não existiam em outros tempos, só podemos viver no tempo de agora. Mesmo que tenha havido um desencaixe radical entre o tempo e o espaço nessa nossa temporalidade, não conseguimos retroagir, retardar ou acelerar o tempo. Não obstante sejamos obrigados a viver esse tempo, não significa que ele nos determine. Portanto, ele não é o senhor absoluto; não reina de forma total sobre nós. Se assim fosse, seríamos apenas uma peça no tempo, qual ponteiro de um relógio analógico.
O relógio é uma máquina de registrar o tempo cronológico. O relógio de sol já era utilizado pelo babilônicos há 5.000 a.C. Mas, o primeiro relógio mecânico só foi inventado em 725 d.C. pelo monge budista chinês Yi Xing. Consistia em um sistema com baldes, engrenagens e queda d’água que demarcava as horas. Ao longo dos tempos, essa máquina de medir o tempo foi adquirindo os mais diferentes formatos, incluindo o Corpus Clock, construído em 2008, em Cambridge, no Reino Unido. Trata-se de um relógio famoso, tendo em cima um gafanhoto gigante que vai “devorando” o tempo conforme ele passa.
Na mitologia grega, Chronos ou Kronos era o deus do tempo, representado com uma foice, gadanha ou harpe. Um deus que impunha medo por devorar os próprios filhos a fim de que nenhum deles viesse a roubar-lhe o trono. Ao mesmo tempo em que o Kronos vai nos engolindo qual gafanhotos devoram a plantação, há um tempo de outra natureza. É o Kairós, um tempo favorável e agradável, que nos alimenta a esperança. Na mitologia grega, Kairós era o deus do tempo não linear, da boa oportunidade. Para o cristianismo, o Kairós é o tempo de Deus, tempo da graça. Um tempo de caráter qualitativo e não quantitativo. Entre esses tempos qualitativos, está o Advento, caracterizado como um período de espera ativa.
A grande maravilha de viver no tempo é poder dar rumo e sentido ao nosso tempo individual e coletivo. Temos a capacidade e o compromisso de agir e intervir no curto ou encurtado tempo particular em que existimos e no incerto tempo da comunidade humana sobre a terra. Enquanto seres temporais dotados de consciência atemporal e desejantes de eternidade, não nos é salutar parar no tempo. E também não está ao nosso alcance fazer o tempo parar. Mas, podemos, isso sim, construir tempos melhores. Piores também podemos. Porém, será pior para nós que experimentamos esse tempo e poderá sê-lo inclusive para os que vierem em tempos futuros.
Diante dos senhores da História, muitos se rebaixam ou são rebaixados; se humilham ou são humilhados; se escravizam ou são escravizados.
Há senhores que, no mau uso de seu poder, se apropriam de corpos humanos como se fossem objetos e mercadorias. Fazem o mesmo com a Casa Comum, não respeitando os seus tempos. Ao atentar contra as dinâmicas e os direitos da natureza, acabam por produzir e acelerar o caos para todos.
Maus ou bons senhores do tempo e da História podemos ser todos nós. E nesses tempos tem sido tão difícil parar para pensar sobre isso, inclusive porque, como senhores relativos do tempo, temos atropelado a vida como nunca antes na História. Temos reservado pouco ou nada de tempo (o qual segue a nosso dispor) para fazer o que realmente importa para que sejamos mais humanos e fraternos.
De um modo ou de outro, vem chegando mais um final de ano. Tempo em que nos damos conta que o tempo corre ligeiro e é implacável. Ele nos consome sem perdão e sem distinção. E nós continuamos com nossas mazelas, nossas arrogâncias, nossas injustiças e petulâncias… Seguimos com o ódio nosso de cada dia, a guerra, a fome, as doenças dos nossos e de outros tempos; as desigualdades, a agitação, a ansiedade e a depressão; a falta de empatia e a ausência de utopias.
Eis que o Natal vem e já está aí. “Então é Natal, e o que você fez…” cantam perguntando aqui e acolá. Ainda há tempo para fazer um tempo diferente, como Jesus nascido noutros tempos e renascido nos tempos que permitirmos em nossa história sempre desejou. Feliz Natal com esperança e desejos de tempos mais humanizados, solidários e sustentáveis. Que nenhum tempo nos seja em vão. Que tenhamos sempre motivação e coragem para nos colocarmos a serviço da construção de tempos melhores e felizes para todos!
Autor: Dirceu Benincá, professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e autor do livro “Em tempos de ebulição”. Também escreveu e publicou no site “Indiferença política: um caminho perigoso”: www.neipies.com/indiferenca-politica-um-caminho-perigoso/
Edição: A. R.