Meu
vizinho disse que estrela
lembra um partido comunista.
Eu pedi o que colocar e ele
me emprestou um revólver.
Está na Bíblia, ele me disse.
Que não lhe estranhe o rubor em meu rosto, nem minha vergonha contida. Aqui estou para confessar o maior segredo de meus trinta e dois natais.Vou contá-lo com medo de apedrejamento público. Falarei com um temor adulto de ser tido como louco.
Aos cinquenta, a vida me convenceu de que Papai Noel existe. Verdade que aceitei resignado, notícia transparente como seu olhar que me lê. Papai Noel existe e a chuva nos molha os cabelos. Papai Noel existe e a terra gira ao redor do sol.
Contam às crianças que os bebês nascem da barriga da mãe de uma sementinha de papai. Mentem aos pequenos que Jesus é de gesso e defende armas.
Ninguém conta a elas que os adultos se matam sem motivo, que há uns comendo peru na noite do dia 24 e outros lambendo os ossos no amanhecer.
Minha confissão tardia torna-se um pedido de perdão. Não a você ou ao mundo. Não é, muito menos, espera de clemência ou piedade. Quero é que Papai Noel continue me presenteando na vida.
Oportuno dizer, também, que não é apenas em dezembro que recebo regalias. Há, ainda, abril e junho, fevereiro e setembro, enfim, nos meses de 28, 30 e31 dias.
Perdoe-me, Noel, pela ingratidão de anos! Minha confissão, quase pública, é uma pena alternativa por meus desatinos, por minha infidelidade ao bom velhinho, por minha ignorância e vergonha, por achar que os presentes ganhos eram só os compráveis no comércio.
Quanta ilusão alimentei de que era o dinheiro que me proporcionava os presentes da vida! Papai Noel sempre aqui ao meu lado, alentando-me quando aborrecido, orientando-me em silêncio, fortalecendo-me com sabedoria, abraçando-me nos amigos, amando-me na esposa, sorrindo-me nas crianças, ensinando-me nos mestres ou alunos, ajudando-me nos caminhos cotidianos, surpreendendo-me em tantos momentos singulares.
Papai Noel é parceiro desde aquela noite, há cinquenta dezembros atrás, quando, sobrevoando o mundo pendurado no bico da cegonha, eu sonhava. Comigo esteve mesmo nos tempos céticos, quando se apagava em mim a límpida verdade do Natal.
Eu acredito em Papai Noel mas, por favor, será que seria possível o bom velhinho explicar aos pais dos meninos de Paraisópolis alguma razão sensata para seus filhos morrerem pisoteados?
Eu acredito em Papai Noel, mas seria possível envenenar menos os alimentos e derrubar menos árvores na Amazônia?
Será que o Papai Noel poderia levar para a Lapônia essa gente ignorante que cuida do Ministério da Educação, essa gente racista que cuida da Fundação Palmares, essa gente assassina que cuida da Secretaria de Direitos Humanos, esses religiosos endemoniados que exploram os pobres nas igrejas?
Eu acredito em Papai Noel. Mas, será que eu poderia pedir de Natal que ele cuidasse mais da educação e dos professores no Rio Grande do Sul?
Meu vizinho mandou eu tirar a estrela da ponta do pinheirinho. Disse que estrela lembra um partido comunista. Eu pedi o que colocar e ele me emprestou um revólver. Está na Bíblia, ele me disse.
“Aproveitemos o Natal para nos humanizar. Humanizar é nosso maior trabalho e desafio como ser humano. Viver sozinho e só não vale a pena! Que o Natal tenha a força para nos inspirar para a vida que se faz sempre solidária”. (Nei Alberto Pies)
https://www.revistamissoes.org.br/2017/12/o-natal-e-da-familia/