De acordo com estudiosos da temática,
posse de uma arma não é sinônimo de proteção.
A arma funciona como a força do fraco.
Multiplicam-se pelo território nacional os clubes de escola de tiro ao alvo. “Santa Catarina está entre os três estados com maior número de clubes de tiro do país, ao lado de Rio Grande do Sul e de São Paulo, com cerca de 120 estabelecimentos cada um. Em janeiro deste ano, eram 838 os clubes de tiro no Brasil, segundo o Exército” (AMORIM, Silvia, Este clube é bala, in: Revista Época, nº 1088, Editora Globo, pág. 37).
De acordo com o mesmo artigo, Eduardo e Carlos Bolsonaro frequentam o “Clube e Escola de Tiro .38”, localizado na região Metropolitana de Florianópolis. “Eduardo não se cansa de defender, durante as horas de lazer atirando em Santa Catariana, a ampliação dos direitos de colecionadores, atiradores e caçadores – grupo conhecido como CAC. A reivindicação foi atendida por um decreto presidencial do pai”.
O que pode significar esse aumento de escolas e essa sede histriônica de cuspir fogo e bala? Que implicações terá o decreto do presidente Jair Bolsonaro que “facilita e amplia a concessão de porte de armas para um conjunto de 20 profissões, como políticos eleitos, servidores públicos que trabalham na área de segurança pública, advogados em atuação pública, caminhoneiros, oficiais de justiça, profissionais de imprensa que atuam em coberturas policiais e agentes de trânsito, entre outras categorias”? Um “tiro no pé”, comenta o editorial da revista.
Não faltam os argumentos a favor e contra um maior acesso às armas de fogo. Argumentos que vão desde a atitude subjetiva e psicológica do cidadão, até a insistência no direito de legítima defesa, diante da integridade física e da propriedade privada. Tampouco faltam armas no Brasil, considerado “entre os sete países mais armados do mundo”.
Existem oito armas para cada grupo de 100 mil habitantes. O país tem em circulação 16 milhões de armas – quase metade sem registro legal”, ainda conforme o citado editorial.
No modesto ponto de vista de um cidadão comum, aumentar o número de armas é aumentar o número de mortes por assassinato. A equação é matemática: mais armas, mais balas, mais gente potencialmente atingida.
Quem garante que a posse de uma arma torna a pessoa menos vulnerável e mais segura? O mais provável é que a autodefesa represente um suicídio. Pressupondo que o cidadão esteja armado, é natural que a ousadia e a agressividade por parte dos criminosos tenda a crescer. O criminoso antecipa-se à vítima, até mesmo para roubar-lhe a própria arma. Esta última, ao fim e ao cabo, pode acabar reforçando o arsenal já considerável do crime organizado. Vale aqui a máxima de que violência gera violência.
Mas não é só isso! Por trás dos argumentos falados, existem interesses silenciados. As palavras ditas supõem palavras não ditas, as linhas supõem entrelinhas. A arma funciona como a força do fraco.
Em lugar de reflexão e diálogo pelos canais democráticos instituídos, é mais fácil disparar balas, palavrões, ofensas e ameaças pelas redes sociais.
O mesmo se verifica com frequência no interior de muitas casas, protegidas pelo “segredo familiar”. Em vez de sentar para conversar, apela-se para o grito, o tapa, o soco e o pontapé… E para o tiro, se houver uma arma de fogo ao alcance dos nervos exaltados. Neste caso intrafamiliar, as mulheres e crianças resultam como vítimas. Quantos hematomas ocultos e quantas lágrimas engolidas em silêncio, para não piorar as coisas! Os feminicídios e abusos sexuais espalham-se pelo país!
Enquanto isso, para a indústria das armas, o que importa é fabricar e comercializar o máximo de unidades. Produzir e vender instrumentos de morte rende mais que criar políticas públicas para melhorar a situação do trabalho, da saúde, da educação, da habitação, da alimentação… Enfim, o bem-estar e a paz para o conjunto da população.
Mais perverso ainda, porém, é transferir da esfera pública para a esfera privada o ônus e a responsabilidade da segurança pessoal e familiar. Segurança aparente e enganosa, pois, de acordo com numerosos estudiosos da temática, a posse de uma arma não é sinônimo de proteção. O remédio, longe de trazer a cura, tende a agravar o quadro precário da política nacional de segurança.