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Sobre furacões

Viver a experiência de furacões como força da natureza, como episódio violento na vida psíquica ou como resultado de decisões prepotentes de lideranças públicas irresponsáveis traz consequências maiores, menores ou irreparáveis. Não ficamos imunes ao surgimento de furacões em nossas vidas.

Há furacões físicos, nas previsões metereológicas, que assolam cidades e países, deixando atrás de si sinais de mortes. Há, também, outros tipos de furacões emocionais, que produzem desastres violentos, na vida psíquica das pessoas, tornando-as quase incapazes de cuidar de si.

E há uma terceira ordem de furacões assoladores na vida política das sociedades, povos e nações, cujas consequências podem ser imprevisíveis e desoladoras. Viveu-se essa experiência, desde as origens da vida civil organizada, passando por todos os descalabros de poder e de extermínio escravista, até o tempo das guerras modernas, culminando com a explosão da bomba atômica.

Na atualidade, quando imaginávamos que pudéssemos ter atingido um patamar superior, pelas conquistas dos avanços republicanos e democráticos, aliados às conquistas científicas e tecnológicas, presenciamos o espetáculo trágico de atitudes e ações discriminatórias e preconceituosas de diversos tipos raciais, religiosos, econômicos e políticos, de parte de governos, líderes partidários e supremacistas que desejam impor sua vontade por se sentirem privilegiados pela riqueza e a cor da pele que possuem. Esse cenário vulcânico é atroz!  E não tem Inteligência Artificial que resolva, uma vez que a inteligência natural é a responsável por guerras e genocídios, numa expressão refinada da maldade humana.

Como avaliar, qual desses tipos é o mais aniquilador, uma vez que todos resultam de ações e descuidos da humanidade, que destrói o planeta em que vive e mata com soberania os que julga inimigos e seres inferiores?!

Em suas diferentes escalas cíclicas, os furacões são temidos, por suas características e pela própria fragilidade do ser humano, que se depara com seus limites.

Tanto os furacões físicos, quanto os emocionais e os que atingem o ordenamento político são vertiginosos, enfurecidos, rompem obstáculos, produzem inundações, destruindo resistências e barreiras físicas, emocionais e morais.

Quais experiências e consequências podem produzir a passagem de um furacão por nossas vidas? Sabemos ou saberemos, verdadeiramente, quais serão nossas reações?

Ainda que possamos nos prevenir contra os furacões físicos, porque anunciados, tomando diversas medidas de proteção e cuidado, há pessoas e famílias que nem sempre conseguem chegar aos melhores locais, por absoluta falta de condições materiais. 

Em relação ao furacão emocional, que pode surgir de forma intempestiva, inusitada, imprevisível, ocasiona perplexidade nas pessoas atingidas, cuja perplexidade é robusta, diante do inesperado.

No que se refere aos furacões na vida civil, na ordem política, o mais grave é que se trata de escolhas e decisões dos mais fortes em riquezas e poder e que melhor sabem manipular o imaginário popular com mentiras e ameaças de toda ordem.

Viver a experiência de furacões como força da natureza, como episódio violento na vida psíquica ou como resultado de decisões prepotentes de lideranças públicas irresponsáveis traz consequências maiores, menores ou irreparáveis. Não ficamos imunes ao surgimento de furacões em nossas vidas.

Autora: Cecilia Pires. Este artigo foi escrito, quando estive fora do Brasil, em Miami, na Flórida, nos meses de setembro e outubro e resultaram essas reflexões. Também escreveu e publicou no site “A fala das águas”: www.neipies.com/a-fala-das-aguas/

Edição: A. R.

Querida Alma

Sento-me para escrever-te e, ao mesmo tempo, para descrever a inquietude que agita meu ser após o encontro com o semblante perdido de um animal. Nunca imaginei que um olhar pudesse carregar o peso de tanto sofrimento, que uma simples troca de olhares pudesse ser o espelho de uma humanidade ausente.

O animal, em sua forma que desmentia a crueldade, era um ser de uma pureza dilacerada, marcada pelo descaso e pela dor. É como se cada fibra de seu corpo sussurrasse o eco de uma dor inaudita, uma dor que não se encontra nos livros nem se expressa nas palavras, mas que pulsa em uma forma de  expressão crua e inarticulada.

A tragédia não está apenas no sofrimento visível, mas no que ele revela sobre nossa própria natureza. O que somos senão a sombra de nossa própria indiferença? Há algo de irremediavelmente sombrio no fato de que seres sencientes possam ser reduzidos a objetos de nosso descaso. É uma cegueira que não permite ver que, ao maltratar um animal, mutilamos a nós mesmos, como se a essência de nossa humanidade se perdesse na violência de nosso  comportamento.

Observando o animal, não pude evitar a sensação de que sua dor era um espelho de nossa própria fragilidade. Nós, seres humanos, que acreditamos ser senhores do mundo, estamos na verdade indefinidos diante do espelho da nossa própria criação. Ao olhar para o animal, vi a face do que não queremos ver: a nossa própria vulnerabilidade e o nosso medo.

E ao fazer esta reflexão, percebo que o verdadeiro questionamento não está na capacidade de sentir, mas na disposição de reconhecer e amar o outro em sua totalidade, em sua essência mais pura. A relação que temos com os animais é um reflexo brutal de nossa relação conosco mesmos e com o mundo. É uma conexão profunda e essencial, que, se ignorada, nos arrasta para um abismo de insensibilidade.

Que possamos encontrar uma forma de remediar essa tristeza e trazer de volta a luz para os olhos que foram ofuscados pelo sofrimento. Que o nosso olhar para os animais seja um reflexo de nossa compaixão e um lembrete de que, ao cuidar deles, cuidamos de nossa própria humanidade.

Com consideração e esperança, da sua querida amiga.

Caroline Gobet Barbosa, 3ª série – CTPasso Fundo

Um Desafio ao Escritor e ao Leitor

Certamente, todos já ouviram falar sobre a importância da concisão na escrita. Mas você sabia que há um gênero de texto em que tal atributo é palavra de ordem? Trata-se do microconto.

            Como o prefixo já indica, o microconto constitui uma narrativa curta, uma história completa, condensada em poucas palavras. Dependendo do grau de brevidade do texto, sua denominação pode variar. Geralmente, de 50 a 300 palavras, considera-se um miniconto; até 50 palavras, um microconto; e até 20 palavras, um nanoconto. 

Nomenclaturas à parte, o fato é que essas micronarrativas de ficção, já desenvolvidas por grandes autores internacionais como Franz Kafka, Anton Tchekhov, Jorge Luis Borges e também nacionais, como Dalton Trevisan, Lygia Fagundes Telles e Marina Colasanti, têm se tornado febre nos últimos anos, impulsionadas pela dinamicidade das redes sociais.

Brevidade, contudo, não significa superficialidade. Muito pelo contrário. A principal característica dessas narrativas é justamente dizer o máximo com o mínimo. Para isso, haja criatividade do escritor: metáforas, ironias, intertextualidade, uma imensidão de recursos para sugerir sentidos ao leitor, o qual precisa servir-se de seu conhecimento de mundo e de suas habilidades de leitura para depreendê-los. Um fascinante jogo que já me conquistou há algum tempo. Lanço aqui o desafio com algumas de minhas produções. Vamos mergulhar juntos nesse mundo?

TRATAMENTO PREVENTIVO

A saúde oftálmica do príncipe exige cuidados rigorosos. Rapunzel decide ir ao cabeleireiro. Não sem antes conferir a cotação no mercado de cabelos para Mega Hair. A saúde financeira da princesa exige cuidados redobrados.

(Semifinalista no Prêmio Microconto de Ouro-2024, promovido pela Casa Brasileira de Livros)

SORRISO SARCÁSTICO

Ela tinha o mar no nome, mas o mar não conhecia.

– Muié, ganhemu o sorteiu da Rádiu! Vamu passá o Reveião no Rio!

– A sorte, finalmente, sorriu pra gente! – pensou ela.

O ônibus corria… não mais que seu coração.

Uma curva fechada. O salto no vazio. O grito desesperado do marido:

– MAR-IIIIII-A!

RENASCIMENTO DE NARCISO

Ainda criança, dançava flamenco. Narciso vermelho no cabelo, graça no corpo.

-Moça de respeito não dança, casa! – diz o pai.

Cortam-se sonho e flor. Concreta-se o jardim.

Filhos crescem. Marido morre. Concreto racha. Pela fenda, surge o broto. Pela orelha, sente ela os ramos. E a flor desabrocha.

ÚLTIMA VISITA AO MUSEU

– Amor, olha que incrível! A Inteligência Artificial dá vida às pinturas!

Ele não respondeu. E nem mais o poderia. Estático permanecia em frente ao quadro da Medusa.

METAMORFOSE II

“Certa manhã, ao despertar de sonhos agitados, Gregor Samsa deu consigo na cama”. Numa cama estranha. E com um estranho!?

Ao avistar o gato, constatou que havia sido transformado em um monstruoso presente…

Autora: Rosemery Lorenz

E se a barbárie tivesse vencido?

Há alguns meses escrevi um artigo sobre a banalidade do mal, conceito que ainda hoje reverbera sua atualidade, mesmo que nele enfiemos outras métricas e perspectivas. O reconhecimento da face torpe da condição humana, dadas certas circunstâncias, principalmente associadas à recusa do pensar, pode levar pessoas comuns a práticas desumanas, ou a se associarem com relativa facilidade às benesses conquistadas pelos algozes de ponta. Hannah Arendt indica o despojamento da faculdade de pensar e o esfacelamento do mundo comum, do espaço do agir e falar na esfera pública, este, inclusive, podendo ser desdobrado como consequência daquele, como a gênese do fascismo/nazismo. Lentamente cada espaço, cada célula vai sendo subsumida ao cálculo, ao fascínio dos encurtamentos políticos, esticados pela propaganda facínora de líderes e ideias que tornam os indivíduos massa indiscernível, aniquilando a condição singular. A barbárie  é a radicalização desse processo.

O ponto fulcral da autora é tentar compreender, como ela mesma diz, compreender não é o mesmo que perdoar (devemos lembrar que Hannah Arendt era judia e precisou fugir da Alemanha), como pessoas comuns, “normais” são capazes de matar milhões de outros seres humanos a partir de uma lógica de extermínio produtivo e calculado. 

Hoje desdobro a partir de um questionamento: e se a política da morte nazi-fascista tivesse vencido? Se a sanha da barbárie ocupasse cada centímetro das relações, instituições e afetos curvados sobre nossos corpos, sentiriam seus algozes e cúmplices algum desconforto em continuar empurrando milhares/milhões para o extermínio? Não podemos naturalizar a morte, banalizar práticas e ideias políticas alicerçadas no ódio e na desumanização. Também não podemos esquecer as marcas do Integralismo e as raízes autoritárias e cambiantes da nossa já nem tão jovem democracia; muito menos esquecer que há pouco mais de um ano, milhares de pessoas se aglutinavam na frente de quartéis para pedir “pacificamente” pelo fim da democracia, pelo direito a renunciar aos próprios direitos, desdobrando uma performance que ainda hoje encontra respaldo na nossa sociedade.

O ódio e a barbárie não são posições políticas, mas repercutem da anulação do espaço público, da ausência da política, e precisamos estar sempre atentos aos que em nome da família e dos bons costumes, geralmente, cavam seus tentáculos no tecido dirigível das massas. Nos ocupemos de pensar o quanto já não fomos conduzidos pelos meandros da banalização da vida e dos afetos. Como já nos alertou Walter Benjamin, “se perdermos, sequer os mortos estarão a salvo”.

E se tivessem vencido, de que lado estaríamos?

Autora: Marli Silveira

Acadêmica da Academia Rio-grandense de Letras Também escreveu e publicou no site ” A banalidade do mal”: www.neipies.com/a-banalidade-do-mal/

Edição: A. R.

Autoimagem: quando o vazio é existencial, não há matéria que o preencha

Horas bem vividas com a família, com os amigos, tempo dedicado à prática de alguma atividade física, às artes, cuidados com alimentação (sem excessos), boas leituras e qualidade de sono irão resultar em uma satisfação muito maior do que artificialidades.

Li recentemente uma entrevista de um “influencer” brasileiro dizendo ter recebido R$ 15 mil para aplicar botox em seu rosto e divulgar a clínica que o patrocinou. Disse ainda ter recorrido, posteriormente, à uma harmonização facial para recuperar a autoestima e a confiançaMais tarde, após ter participado de um reality show e ouvir comentários negativos sobre sua aparência, decidiu por realizar mais aplicações. Deixou claro que tais declarações tiveram influência na percepção que tinha sobre si mesmo e, por isso, passou a ficar muito insatisfeito com a sua aparência.

Na ocasião, começou a receber propostas para realizar parceria com clínicas estéticas. Em sua fala:“Passei a receber propostas de marcas para mexer no meu rosto e ganhar por elas. Na minha cabeça, isso era só benefício. Encontrei naquele meio uma forma de monetizar. Por exemplo, para uma aplicação de botox, ganhava R$ 15 mil pela divulgação. O implante de cabelo na barba rendeu R$ 50 mil. A lipoaspiração foi quase R$ 100 mil”. Resumindo: depois de tantos procedimentos (artificiais, segundo ele) que lhe renderam algum dinheiro, insatisfeito com os resultados, optou por retirá-los, o que implicou num demorado processo e mais riscos à sua saúde.

 O relato acima apenas reflete o sentimento de muitas pessoas com baixa autoestima, algumas das quais, se tivessem a seus alcances condições financeiras para procedimentos clínicos, os fariam. Em busca de quê? Qual a segurança com relação à saúde?

Temos lido e assistido com frequência sobre procedimentos estéticos malsucedidos (alguns resultando em mortes) por profissionais despreparados ou então não habilitados para tal, ou ainda, em clínicas e consultórios sem o mínimo de condições de socorros emergenciais, caso necessários.

Reitero: em busca de quê? Há muitas insatisfações que vão além das de ordem da estética: por exemplo, aquelas decorrentes de relacionamentos amorosos frustrantes, de desempenhos medíocres em seus trabalhos, da falta de habilidade em educar os filhos, da impaciência em dar atenção aos seus pais, tantas, que não há procedimento clínico algum que as resolvam.

Desculpem-me o trocadilho, mas quando a busca por “harmonização facial” se dá em corpos que estão em desarmonia interna, vivendo conflitos, medos, inseguranças e ansiedades, o resultado será apenas de fachada, pois a insatisfação interna continuará existindo.Não há matéria alguma que preencha um vazio que seja da ordem existencial.

 É preciso olhar para si com confiança e aceitar que alguns fios de cabelos brancos e rugas na pele podem simbolizar troféus conquistados. Entender que é possível, sim, cuidar muito bem de sua aparência sem, no entanto, acreditar que isso seja o mais importante, pois, o tempo é inexorável, e suas marcas virão, independentemente de feições de beleza ou de condição social. 

Horas bem vividas com a família, com os amigos, tempo dedicado à prática de alguma atividade física, às artes, cuidados com alimentação (sem excessos), boas leituras e qualidade de sono irão resultar em uma satisfação muito maior do que artificialidades.

Nestas horas de dúvidas, a intervenção pelo trabalho de escuta que um psicoterapeuta proporciona pode auxiliar na tomada de decisões. Não se trata de ser contra tais procedimentos, mas sim, sobre se é isto mesmo que se busca. Poder compartilhar com segurança relatos de angústia ou de ansiedade, questionar-se sobre seus planos, orientar-se sobre a escolha de uma clínica ou profissional para seus intentos, o ajudará, de maneira mais sensata e equilibrada na sua decisão.

Além do que, um trabalho psicoterápico voltado à valorização do sujeito, à elevação de sua autoestima, resultará em maior segurança pessoal e na aprendizagem de que não devemos dar muita importância ao que os outros dizem. Aliás, já escrevi sobre isso: o maior arrependimento que as pessoas dizem ter em seus momentos finais é o de terem tido uma vida muito preocupada com a opinião dos outros.Viva para ti mesmo, viva a tua vida e seja feliz!

Autor: César A R de Oliveira – psicólogo. Também escreveu e publicou no site “O mundo muda quando eu mudo”: https://www.neipies.com/o-mundo-muda-quando-eu-mudo/

Educação inclusiva deve ir além dos alunos e se estender também aos professores

Mesmo com avanços na legislação, ainda há muito a ser feito para garantir a inclusão de quem ensina. (Matéria de Carol Firmino, da Revista Nova Escola)

Embora os debates sobre acessibilidade nas escolas se concentrem muitas vezes nos estudantes, a questão sobre professores com deficiência também faz parte das discussões sobre Educação inclusiva. É igualmente importante refletir sobre as condições de trabalho dos docentes que enfrentam esses desafios. Hoje, eles ainda encontram uma série de barreiras, desde a falta de infraestrutura nas instituições até a ausência de políticas públicas que garantam de fato a inclusão.

Para que haja a real integração de todos os indivíduos no ambiente escolar, independentemente de suas características, o local deve ser acessível e acolhedor também para os professores com deficiência. Isso inclui desde adaptações físicas nas escolas, como rampas e elevadores, até tecnologias assistivas, materiais pedagógicos adequados e um ambiente que valorize a diversidade. Apesar de alguns avanços, como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), de 2015, muitos professores precisam superar obstáculos diários para exercer sua profissão.

Desafios persistentes

A LBI é destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoas com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. Mas, segundo Talita Delfino, coordenadora pedagógica na rede municipal de São Paulo e mestre em Educação, os resultados de seu estudo “Atividades e grupos: formação de professores, pessoas com deficiência, desigualdade” indicam que há uma longa distância a ser percorrida quando se trata dessas condições igualitárias. 

A pesquisa, que focou na capital paulista, apontou que apenas 0,05% dos professores do município têm algum tipo de deficiência, indicando estar longe do que prevê a Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência (Lei nº 8.213/1991). Conforme a legislação, as empresas privadas de todo o país devem reservar entre 2% e 5% das vagas para pessoas com deficiência ou reabilitadas, conforme o número total de empregados. O índice também fica longe do que determinam a Lei nº 8.112/1990 e o Decreto nº 9.508/2018, vigentes no setor público, que estabelecem que concursos federais, estaduais ou municipais precisam separar, no mínimo, 5% e até 20% das vagas para PCDs, sempre que houver essa possibilidade.

Porém, há muitos desafios para a plena implementação dessas leis, principalmente em relação à adaptação dos ambientes e à capacitação para receber os profissionais de maneira adequada.

No caso da docência, Talita explica que essas dificuldades já se iniciam antes mesmo da contratação e do ingresso na carreira: “São etapas violentas e arbitrárias, na medida em que há mecanismos violentos para fazer o candidato comprovar reiteradas vezes que tem uma deficiência. E a cada questão de saúde, sua capacidade laboral é posta à prova, ainda que não haja qualquer relação com o quadro clínico”, diz. Uma professora com mobilidade reduzida entrevistada por Talita relatou que já recebeu questionamentos sobre sua competência até mesmo em uma perícia por gripe. 

Preconceito e ausência de políticas públicas

Em Brejo Santo (CE), Maria Luciana Alves Lima Rocha, que tem baixa visão, é professora e formadora da rede municipal. Ela conta que, apesar de não ter enfrentado muitas dificuldades para entrar no mercado, pois é concursada, percebe a ausência de políticas públicas para professores PCDs. Ela comenta que muitos costumam ser desviados de sua função ou até mesmo afastados ao atestar uma deficiência. 

No seu dia a dia, Maria considera que um dos maiores obstáculos está relacionado à tecnologia assistiva , pois a disponibilidade de ferramentas ainda é limitada. Esse tipo de tecnologia visa compensar limitações físicas, sensoriais ou cognitivas, proporcionando maior independência e inclusão. “Em 2023, participei de uma formação para pessoas com deficiência visual com dois professores que têm cegueira. Só assim consegui ampliar meus conhecimentos para usar as [poucas] ferramentas disponíveis. Por exemplo, quando o material didático usado em sala traz letras muito pequenas, eu as amplio com o tablet.”

Além disso, a dúvida sobre a competência dos educadores PCDs, muitas vezes, é reproduzida pelos pares, que não confiam 100% na condução das turmas por esses profissionais. “Existe o preconceito de acharem que sou menos capaz porque enxergo menos e uso óculos com grau alto. Certa vez, uma colega disse que eu não serviria para determinada atividade porque não enxergava de longe”, completa. 

Trabalhando com autonomia

Professora na EM Terezinha Picoli Cezarotto, em Cascavel (PR), Angela Maria de Souza tem Transtorno do Espectro Autista (TEA) e faz parte da rede Conectando Saberes (CS) da Comunidade NOVA ESCOLA. Ela recorda que, ainda como aluna do Ensino Médio, a atenção que recebeu de uma educadora a fez perceber que era alguém capaz e inteligente. “Despertou em mim um interesse pela aprendizagem que antes não existia. Esse apoio emocional me encorajou a buscar conhecimentos e a desenvolver uma nova relação com a escola, que, até então, eu via com desconfiança.” 

Mais tarde, trabalhando com alunos pequenos, Angela diz que passou a perceber a importância de um olhar sensível e inclusivo na Educação. “Compreendi que não se tratava apenas de ensinar conteúdos, mas de construir um ambiente acolhedor, onde cada criança pudesse se sentir valorizada e segura”, destaca. 

No entanto, ela lembra que o mercado de trabalho lhe apresentou desafios, como a necessidade de ressignificar sua comunicação e interação com outros professores, por mais que tenha encontrado apoio: “A maioria deles respeita minhas limitações e oferece suporte sempre que necessário. Mas sei que ainda existem pessoas que estão em processo de desenvolvimento da empatia e compreensão sobre o tema.” 

Entre as adaptações que Angela considera importantes para que mais professores com deficiência possam atuar de maneira autônoma e segura, ela cita:

  • no que se refere às condições físicas, é fundamental que as escolas tenham estruturas acessíveis, com espaços que permitam a circulação de todos, independentemente de suas necessidades. Isso inclui rampas, banheiros adaptados, mobiliário etc.;
  • do ponto de vista pedagógico, é necessário formação continuada que capacite os profissionais da Educação a lidar com diferentes realidades, por meio da troca de experiências e práticas entre colegas, além de workshops que ajudem a desmistificar preconceitos;
  • em relação aos recursos tecnológicos, usar ferramentas que facilitem o registro de atividades e a comunicação, como softwares de transcrição, programas de leitura e plataformas de ensino a distância, podem contribuir com o trabalho do professor, permitindo que ele se concentre mais na interação com os alunos. Recursos adaptativos, como quadros digitais interativos e dispositivos móveis, também podem enriquecer o ambiente de aprendizado.

A presença de professores com deficiência nas escolas é um dos caminhos para desenvolver uma sociedade mais inclusiva, diversa e equitativa. Esses profissionais não só desempenham seu papel no processo educacional, como também trazem consigo contribuições únicas que enriquecem a experiência de aprendizagem dos alunos. 

“Quando os estudantes veem um professor com deficiência atuando ativamente em sua função, há uma quebra de estereótipos e preconceitos, mostrando que as limitações não definem a capacidade de alguém”, defende a professora Angela. “Essa visão inclusiva também ajuda a promover o sentimento de empatia e aceitação entre as crianças, preparando-as para interagir de maneira mais respeitosa e solidária com a diversidade que existe no mundo.”

Por Carol Firmino

16/10/2024

FONTE: https://novaescola.org.br/conteudo/21970/educacao-inclusiva-deve-se-estender-tambem-aos-professores?

Privatização, militarização e patrulhamento da educação

Uma ação se impõe a todos professores, gestores, escolas, entidades educacionais e científicas: resistir internamente e demonstrar aos jovens e seus responsáveis a necessidade da defesa da escola pública com professores respeitados e valorizados.

Segundo os dados do Censo da Educação Superior de 2023, as Instituições de Ensino Superior (IES) – sendo algumas empresas privadas de capital aberto – concentram 79,3% das matrículas no ensino superior do Brasil e, os ingressantes no mesmo ano, correspondem 90% na esfera privada. Isto corresponde que no Brasil apenas 20,7% dos estudantes estudam em instituições públicas, enquanto nos países membros da OCDE são mais de 63% das matrículas na esfera pública.

Já na Educação Básica brasileira, segundo o Censo Escolar do Inep/2023, registraram‐se 47,3 milhões de matrículas nas 178,5 mil escolas, sendo 19,9% na rede privada e 81,1% nas redes públicas municipais, estaduais e federal. Praticamente o inverso do que ocorre no ensino superior.

O que isto tem a ver com privatização, militarização e patrulhamento da educação?

 É este “mercado” de 48 milhões de matrículas, de fundos públicos, de mentas criativas e abertas a aprendizagens, de estruturas instaladas, de investimentos necessários e de possibilidades de fundos de investimentos disponibilizados inclusive por bancos públicos.

Existem várias outras formas privatizantes da educação pública nacional na educação básica, por meio de convênios, vouchers, homeschooling, charters schools (ONGs e Entidades privadas administrando escolas públicas), a entrega de escolas a organizações sociais (OS) e organizações da sociedade civil de interesse público (Oscip); a militarização das escolas da educação básica, os sistemas privados apostilados e de gestão de equipamentos e redes, a avaliação em larga escala quase sempre entendida como a única aferição de qualidade.

Na educação superior a privatização ocorre por meio do Prouni, do Fies, da desregulamentação e da EaD de forma indiscriminada do setor privado superior, entre outras formas de privatização e que geram ampla possibilidade de realização dos interesses do capital aplicado no mercado educacional” (Fineduca, Carta de Curitiba, 2023 e Carta de São Luiz 2024).

Outras iniciativas de privatização recentes estão em pauta: são as Parcerias Público privadas (PPP). No Brasil já existem mais de 60 iniciativas de Parcerias Público-Privadas (PPP) de educação em diferentes estágios de implementação. Alguns estão em estágio avançado e outras estão sendo acelerados após as últimas eleições municipais, como é o caso São Paulo e do Rio Grande do Sul.

A prefeitura de Belo Horizonte foi pioneira no modelo de PPPs de escolas públicas. A concessionária – Inova BH –, é responsável pela construção e a administração de 55 escolas ao longo de 20 anos. No Paraná, o atual governo sancionou a Lei 22.006/2024, que institui o programa “Parceiro da Escola”, aprovada pela Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) em dois turnos que autoriza, inicialmente, a venda de 204 escolas estaduais para empresas.

O governo estadual de São Paulo já realizou em 29 de outubro o primeiro leilão de 16 escolas públicas estaduais na região Oeste e a a empresa vencedora é sócia da empresa responsável pela administração de sete cemitérios em São Paulo. No dia 04 de novembro foi realizado o segundo leilão com mais 16 escolas privatizadas e a empresa vencedora foi O consórcio SP+ Escola, prestadora serviços em rodovias.

Os estudantes foram impedidos de acessar a entrada da B3, onde ocorreu o leilão. Um grupo tentou acessar e a polícia usou bombas de gás e ergueu escudos contra o grupo. Eles também deram golpes de cassetete em alguns manifestantes. Ao invés da escuta e do diálogo com jovens que pensam diferente, aplica-se a repressão como método de ensinagem.

O governo do estado do Rio Grande do Sul lançou em julho de 2024 um edital de Consulta Pública de parceria público-privada (PPP) para qualificação de infraestrutura e gestão administrativa de 99 escolas estaduais, localizadas em áreas de vulnerabilidade social, mas a grande maioria na região metropolitana de Porto Alegre. O edital da PPP da Educação deve ser publicado em dezembro deste ano e a previsão é de que o leilão ocorra em fevereiro de 2025.

A associação De Olho No Material Escolar (Donme), com apenas três anos, financiada pelo lobby do Agronegócio brasileiro tem como para patrulhar a política nacional dos livros didáticos , conquistou associados em 17 estados e 129 cidades e vem ganhando espaço em instituições públicas. Já fechou parceria com a Universidade de São Paulo (USP), tem portas abertas nas secretarias de Educação e de Agricultura do estado e mantém diálogos com a cúpula do Congresso, em Brasília, na tentativa de influenciar o novo Plano Nacional de Educação (PNE). A finalidade da associação é incidir que conteúdos podem ser abordados e como devem sê-lo, ou seja, uma ingerência externa sobre as funções das instituições educativas e dos educadores.

A falácia que estas parcerias e patrulhamentos não terão interferência na gestão e proposta pedagógica das escolas – pois a privatização estaria focada nos “serviços não pedagógicos” –, é pura falácia. Para o pesquisador Fernado Cássio (USP), tudo na escola é pedagógico. Todos sabemos que é impossível dissociar a gestão pedagógica de uma pretensa gestão “não-pedagógica”.

Dentro de uma escola, tudo é pedagógico. As decisões executivas sobre os usos dos espaços são pedagógicas. A cozinha onde se preparam as refeições é espaço pedagógico. O acesso livre da comunidade escolar é necessário e pedagógico. O jardim é espaço pedagógico. Os profissionais da secretaria e do apoio escolar são, pela mesma razão, profissionais da educação. A arquitetura das escolas, das salas de aula e dos laboratórios é pedagógica e formativa.

Ao mesmo tempo, adverte o professor, a indissociabilidade entre pedagógico e “não-pedagógico” que serve para demonstrar a ilegalidade da militarização escolar (também ela uma forma de privatização da educação pública) é solenemente ignorada por agentes governamentais quando se trata de defender a PPP redentora do erário; a solução mágica que permitiria construir escolas públicas “por fora” do orçamento público.

Com isso percebemos que a “PPP” destes governos estaduais pode ser a antessala para fins e interesses muito maiores. Ricos como são, estes estados pioneiros de PPP, não dependem do setor privado para construir escolas, mas o fazem pela crença privatista de seus gestores e supostos especialistas em educação, que preferem encher as burras de um consórcio empresarial com dinheiro público a reconhecer que seria menos complicado e mais barato construir escolas e financiá-las de forma regular e adequada pelo poder público estatal.

Tanto a população do Estado do RS como a de SP já sentirem na pele a precarização e a impessoalidade dos serviços privatizados de energia com os recentes eventos climáticos, bem como dos serviços de telecomunicações que encareceram muito com forte queda na qualidade, sem canais de atendimento as pessoas (clientes), obrigando-as a reclamarem para dispositivos e aplicativos robotizados.

A escola não é uma empresa nem a educação um bem do capital. Policiais militares não são educadores e nunca estiveram no rol de profissionais autorizados a exercer esta função pública tão relevante. A educação é um processo humano, social e dialógico. A autoria da gestão e da ação pedagógica do professor é decisiva para pensar as mudanças necessárias na educação e na escola.

Quando relacionarmos estes processos de privatização, de militarização, de patrulhamento ideológicos dos livros e da liberdade de ensinar e aprender concomitante com a destruição da carreira docente pública e o apagão docente – desinteresse pela profissão -, configura-se um cenário de destruição da educação básica de qualidade para os filhos da grande maioria da população brasileira.

Ataques à autonomia docente, liberdade de cátedra, liberdade de ensinar e aprender com os estudantes já são parte de nosso cotidiano. A falta de professores não é apenas consequência de descaso com a educação, mas um projeto de destruição da ciência, da cultura e da educação básica pública de qualidade social e emancipatória.

As atuais (contra)reformas educacionais são, também, parte constitutiva da manutenção e do aprofundamento do apartheid social, rasgando a Constituição de 1988 e se destinam aos 85% dos jovens que frequentam as escolas públicas no Brasil. O que lhes é oferecido é um currículo mínimo, esvaziado de conteúdo, de educação integral, científica e tecnológica, em escolas precarizadas, com docentes desmotivados pela destruição de suas carreiras e condições de trabalho. Este é o propósito, o método e o conteúdo das reformas conservadoras neoliberais da ultradireita.

Uma ação se impõe a todos professores, gestores, escolas, entidades educacionais e científicas: resistir internamente e demonstrar aos jovens e seus responsáveis a necessidade da defesa da escola pública com professores respeitados e valorizados. Todos precisamos sonhar e lutar juntos pelo direito a educação pública com qualidade e a escola precisa ser o espaço comum e coletivo da formação e da participação democrática.

Autor: Gabriel Grabowski, professor e pesquisador. Também escreveu e publicou no site “Escola não é empresa, policial não é educador”:  www.neipies.com/escola-nao-e-empresa-policial-nao-e-educador/

Edição: A. R.

Cinema Itinerante Kaingang em escolas da rede municipal de Passo Fundo

“Tudo o que fazemos e transformamos é natureza”

O projeto “Cinema Itinerante Kaingang” é uma iniciativa que busca democratizar o acesso ao cinema e valorizar a diversidade cultural brasileira, especialmente a cultura Kaingang. Através de um Domo inovador, o projeto oferece uma experiência cinematográfica imersiva, abordando temas que provocam reflexão sobre identidade cultural. Ao final, o projeto pretende deixar um legado duradouro, consolidando essas cidades como polos de apreciação cinematográfica. Destina-se, preferencialmente, a estudantes de escolas públicas.

O projeto pensado pelo cacique Adelino Domingos conta com financiamento da Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022) e do Pró-Cultura, e tem a produção cultural da Conecta Cultura e da Nova Consciência Produções, além da parceria com o Instituto Sétimo Saber. Adelino é cacique da comunidade Fag Nor de Passo Fundo, localizada às margens da BR 285, na região do aeroporto. 

O Instituto Sétimo Saber é parceiro do Projeto. Segundo a idealizadora do Instituto, a educadora Adriana Fêrreira, “este projeto é uma oportunidade de acesso da comunidade sobre cultura indígena, fomentando o conhecimento dos povos originários do Brasil. É um projeto encantador, pois trata da história e riqueza cultural do nosso país”.

Um dos idealizadores do projeto, Ricardo Pacheco, destaca que “a invisibilidade social imposta pela sociedade não indígena aos povos originários nos levou a enxergar a necessidade de organização social da comunidade Kaingang FÁG NOR bem como à outras comunidades e junto a produtora Nova Consciência estamos buscando reverter esse quadro oportunizando a essas comunidades acessar esses editais, criando uma associação para eles e para pleitear um Ponto de Cultura e organizando suas redes sociais para comercializarem seus artesanatos. Este projeto do Cinema Itinerante cumpre esta grande finalidade de dar visibilidade às nossas comunidades indígenas, mostrando aos estudantes elementos culturais e de visão de mundo indígena”.

FILMES

A classificação dos filmes é livre. Lista de obras audiovisuais imersivas no formato fulldome para exibição no projeto Cinema Itinerante Kaingang (total 40’00” minutos de duração):

*Viagem Rupestre (2024). 8’00”. Acervo Artístico da UFSM.

*Ecopoética Gaúcha (2024) 4’00’’. LabInter UFSM.

* Raízes (2024). 12’00”. Planetário da UNIPAMPA

* Kamê e Kanhru (2024). 4’00”. Projeto DNA Afetivo Kame Kanhru.

*Flecha 2 – O sol e a flor (2021). 12’00”. Selvagem – Ciclo de estudos sobre a vida.

“Cinema Itinerante Kaingang” em 2 escolas da rede municipal de Passo Fundo

Acompanhamos a execução do projeto Cinema Itinerante Kaingang na Escola Municipal de Ensino Fundamental Eloy Pinheiro Machado. Pudemos observar uma experiência incrível, proporcionada aos estudantes de todas as séries do Ensino Fundamental neste dia. Esta atividade também ocorreu nesta semana, dia 29/10, na EMEF São Luiz Gonzaga.

Repercutimos as avaliações de professores destes dois educandários sobre a atividade.

A professora de Ciências da EMEF Eloy Pinheiro Machado, Andreia Benetti Moraes manifestou-se dizendo que “ao estar e participar desse espaço educativo diferenciado, a experiência do Cinema Itinerante me levou a repensar e compreender como nós seres humanos somos parte do universo e que somos natureza. Por outro lado, pensei no quanto nos distanciamos do mundo natural. Ciência e espiritualidade foram expressas em imagens e palavras, se complementando para ressignificar a nossa existência e tudo que existe. A atividade foi muito boa e positiva para mim e para os estudantes que acompanhei”.

O vice-diretor desta mesma escola, Tiago Stieven, manifestou reconhecimento da importante atividade:

“na data de 31 de outubro, nossa Escola teve a oportunidade de receber o Projeto Cinema Itinerante com foco na cultura Kaingang. Foi uma experiência diferenciada para nossos alunos, pois puderam por meio de diferentes manifestações como, por exemplo, a imagem, o som, a pintura, o movimento, acessar a cultura desse povo indígena. Além disso, destacamos que a iniciativa demonstra que é possível construir o conhecimento para além dos muros da escola. Permitiu, também, que os conteúdos e temas estudados em sala de aula saíssem do campo da abstração e adquirissem significado, visto que foram ressignificados por parte dos alunos que vivenciaram a atividade. Por fim, a atividade poderá ser retomada em sala de aula através do debate acerca do que foi experienciado pelos alunos”.

O vice-diretor da EMEF São Luiz Gonzaga, Sírio Chies também manifestou a importância deste projeto ter sido realizado na sua escola, nos turnos da manhã e tarde, permitindo que todos os estudantes pudessem passar pela experiência do Cinema Itinerante.

“Recebemos em nossa escola, no dia 29/10, o projeto Cinema Itinerante. Este projeto tratou da cultura indígena, em especial a Kaingang, retratando as diferentes formas dos indígenas ver e organizar seu mundo. Os alunos gostaram muito da experiência e tiveram acesso a cultura dos primeiros povos deste país através de imagens, sons e histórias. Com a ideia de intercambiar aspectos antropológicos, o projeto apresentou elementos eficazes para discutir posteriores em sala de aula”.

Leia também: matéria publicada no Jornal O Nacional de Passo Fundo: https://www.onacional.com.br/cultura,7/2024/10/30/projeto-criado-por-cacique-da-vi,129467

Fotos: Divulgação/ EMEF São Luiz Gonzaga e EMEF Eloy Pinheiro Machado

Edição: A. R.

Memória de finados: ato de fé

A memória das pessoas falecidas é também muito importante. Tem a ver com a consciência histórica e de que a pessoa não está solta no mundo. Uma das grandes dificuldades neste mundo é a falta da consciência histórica, a desconexão com o passado e com o futuro.

Neste dia 02 de novembro muitos brasileiros farão memória de seus entes queridos já falecidos. Os gestos que acentuam a memória são diversos: visita aos cemitérios, orações, limpeza de túmulos, oferta de flores, acendimentos de velas, oferta de missas, orações, entre outros.

Não se deixa passar sem acento uma data que é significativa para a maioria das pessoas. Diz respeito à nossa humanidade. Aqueles que passaram pelas nossas vidas e deixaram marcas em nossos corações partem fisicamente, mas a lembrança fica. O ser humano cultiva seus afetos, sofre com as perdas, sente pelas situações de luto. É desafiado a continuar a viver e caminhar, porque só caminha quem tem esperança e a esperança é a virtude dos cristãos.  

É importante compreender o luto para além de uma realidade em si, fechado.

Neste caso beira à esterilidade. É perigoso. Cabe compreendê-lo como sinal de um processo maior. O luto aponta para o sentimento de perda de alguém que foi muito importante e, sendo importante, faz falta. Reclamamos sua ausência. Triste seria se não sentíssemos falta de pessoas que passaram pelas nossas vidas e que não estão entre nós.

O dia de finados convida a algumas ações significativas que ajudam a viver a ponte com os entes queridos, compreendendo que a morte não é barreira ou muro intransponível, mas é compreendida à luz da fé. Convida também a lermos a nossa vida na condição de cristãos, especialmente o sentido que damos a ela e as opções que fazemos enquanto somos portadores do “sopro vital” dom e graça de Deus.  São estas as ações:  

A visita ao cemitério é um rito marcante que envolve outras atividades como a limpeza dos túmulos, o oferecimento de flores e o acendimento de velas.  É como expressar o não esquecimento do familiar ou amigo que ali está sepultado. Esta ida tem um caráter de saudade, memória e reverência aos falecidos. Revela uma ligação com o passado experenciado, de pertença à vida e às relações com aquela pessoa que foram importantes. E, na perspectiva pessoal, a relação com o futuro, a realidade reservada a todos os viventes, assim como expressa o ditado popular: “a morte é a única certeza do horizonte”.   

A memória das pessoas falecidas é também muito importante. Tem a ver com a consciência histórica e de que a pessoa não está solta no mundo. Uma das grandes dificuldades neste mundo é a falta da consciência histórica, a desconexão com o passado e com o futuro.

A memória das pessoas que foram significativas em nossas vidas ajuda o ser humano a tomar consciência da sua história e das pessoas que foram importantes nessa história. A ela deve-se um tributo. A tradição cristã foi muito sábia ao perder esta consciência da história porque ela é impulso e alento do caminhar rumo ao futuro. Fazer esta memória não é saudosismo estéril, mas reconhecimento de que não estamos sozinhos no mundo, somos pessoas de relações.

A terceira ação é a prece pelos mortos. É compromisso cristão muito antigo rezar pelos mortos. Tem raízes bíblicas. O texto de Macabeus menciona a necessidade da oração pelos mortos em vista da sua salvação (2 Mc 12, 38-45). Outros textos também mencionam a prece pelas pessoas que morreram. Jesus rezou pelo seu amigo Lázaro (Jo 11, 41-44). Os apóstolos rezavam  pelas pessoas falecidas (Atos 9,36-40).   Nos séculos IV e V já havia a recomendação da prece pelos mártires e falecidos e no século XII demarcou-se a data de 02 de novembro como o dia de se rezar pelos mortos.

A tradição cristã compreende que a oração pelos mortos é uma obra de misericórdia espiritual. A prece pelos mortos fortalece o laço de comunhão com os entes queridos mediado pela fé. Se intercedemos pelos vivos, rezemos também pelos mortos, aqueles que nos aguardam na morada eterna porque nos precederam seguindo o primogênito entre os mortos o Cristo ressuscitado.

A oração pelos mortos é memória e ato de fé.

Autor: Pe. Ari Antonio dos Reis. Também escreveu e publicou no site “Rezar pela unidade cristã”: www.neipies.com/rezar-pela-unidade-crista/

Edição: A. R.

7 lugares imperdíveis para você visitar. Antes de morrer

Vivemos para fora de nós mesmos, na maior parte do tempo. Para os demais que nos observam, para o grupo em que fazemos parte, para a plateia que nos assiste. 

1º) Um lugar maravilhoso para ser visitado com urgência, e o mais importante de todos, é o lugar onde o outro vive. O mais próximo.

Ali mesmo, onde mora o nosso amigo oculto, com seu sorriso disfarçado, com seu silêncio e isolamento.  Há muito o que aprender ali. Vive-se a julgar quem nos rodeia, geralmente com a nossa régua, e, enquanto estivermos bem achamos que o outro também está.  Uma expiada, porém, uma visita rápida, poderemos encontrar a pessoa que conhecemos sorrindo, escondendo uma vida que se despedaça aos poucos, no limite de sua existência, abandonada. Demore-se nesta visita.

2ª) Outro lugar excepcional para se visitar com mais frequência é a casa dos nossos pais.  Se é que eles têm ainda casa, autonomia, ou se já não vivem em espaços de convivência, arrastando-se pelas salas, esperando pela sua hora.  Visite seus pais com mais frequência, não deve faltar muito.  Esqueça conflitos ou mágoas, pois nada disso tem qualquer valor nessa hora. Ouça-os, em suas limitações e dores, em sua solidão e desmemória, imaginando como serão os seus últimos dias.  Faz muito bem ao espírito desejar a eles uma boa passagem, porque o tempo conspira contra nós todos os dias e a cada amanhecer a menos, seguiremos os passos dos nossos pais.

3ª) Vá com urgência ao hospital, qualquer um, principalmente se você anda desanimado.  Caminhar pelos corredores de algum deles é uma viagem imperdível.  E caminhar sem ajuda de alguém, então, serão passos mágicos. Isso porque não valorizamos nossa saúde, não tem jeito.  Até chegar a hora de precisar de um, passamos pela frente de hospitais todos os dias. Pouco ficamos interessados pelos gritos que eventualmente ouvimos.  Pense em um centro de esperanças contínuas, onde as pessoas aprendem a viver nos seus limites, muitas delas vivendo a última noite de sua viagem. Os hospitais fazem parte da verdadeira religião a que Tiago nos fala. Não faltam em seus quartos, órfãos e viúvas. Ali, nossa visita vale ouro em estado líquido.  Ao vivenciarmos a dimensão humana pronta para se extinguir, percebemos a loucura da correria diária e da nossa inútil e assustadora ansiedade cotidiana.

4º) Outra viagem interessante, é a que você pode fazer até a casa de um dos seus primeiros professores.  O primeiro deles, se possível. Agora que você está formado, tem o carro do ano, visite o seu antigo mestre.  É uma viagem impactante.  Veja onde ele ou ela moram e mantenha em perspectiva que devem morar na mesma casa e possuir, possivelmente, os mesmos móveis de sempre.  Muitos professores têm na sua missão um pacto com a escassez.  Atravessaram a vida na escola sem um salário digno e nunca, nunca, deixaram de preparar seus alunos, inclusive você, a buscar a prosperidade.  Sim, porque se você pode estacionar seu carro novo em frente à sua casa, saiba que o seu professor abria caminhos, mesmo quando você não via direção alguma.

5º) Sem precisar comprar qualquer passagem, inicie uma visita, rápida, que seja, a uma livraria.  São poucas, não será difícil escolher.  Tente se demorar ali e passeie pelas suas prateleiras. Olhe os livros, pense neles, ponha-se no lugar de quem nunca os leu e não pode viajar em suas páginas no sofá de sua casa. Os livros formam o chão de uma sociedade, e seus livreiros, conduzem as pessoas a caminho de sua liberdade e bem-estar. Elas tentam sobreviver, vendendo o que pode ser vendido na área, chamando clientes, inovando. Mesmo que a sociedade não se interesse mais por livros, obcecada que está por imagens, faça o ponto uma vez por semana em uma delas.  Antes que desaparecem de vez.

6º) Embarque diariamente no trem que o leva ao mundo do desapego. Considere que dividir o que você tem, o que é, pode ser libertador. Porque quanto mais se dá, em vida, mais vida retorna a nós mesmos. Não se trata de levar casacos e tralhas nesta visita.  Há que se dividir o tempo, sua capacidade em ouvir, em sentir-se parte de quem fala e sente.  Muitas vezes, as roupas são a ponta de uma necessidade maior, uma vontade de falar para alguém como nós, se é que estamos prontos a ouvir.  E tem ainda aquele desapego infinito, quando tudo o que se tem para dividir é o ombro.  Como aquele doador incomum, que não tendo nada para dividir, ofereceu o seu tempo livre para chorar com o amigo. Somente se ganha a vida, perdendo-a.

7°) Finalmente, mais interessante do que visitar a Capadócia ou a Place Vendôme, a viagem mais significativa a fazer é para dentro de si mesmo.  Jesus falou em Lucas, que o Reino de Deus está dentro de nós.  O que estamos esperando? Imaginem que viagem!

 De preferência, compre uma passagem só de ida.

Não é segura, porém, porque ali se encontram todos os enfrentamentos e desequilíbrios, mas também as batalhas a vencer e o retorno à vida plena.

Vivemos para fora de nós mesmos, na maior parte do tempo. Para os demais que nos observam, para o grupo em que fazemos parte, para a plateia que nos assiste. 

Mas é dentro de cada um que se encontram os segredos todos.  Ali, no meio do Reino, é que vamos nos deparar com as pilastras corroídas de nossa vida e dos nossos propósitos, em sua maioria, perdidos. Não é por acaso que vemos Jesus, o tempo todo, afastando-se, e escondido, orando. Claro, buscava a si mesmo, as forças que na realidade se confundem. Olhando para dentro de si mesmo foi onde encontrou sentido em sua missão.  

A viagem para dentro de cada um é uma partida sem volta, pois aos que encontram uma razão em sua vida, dificilmente retornarão para buscar fora dela, justamente onde a perderam. Mas as chaves que podem abrir as portas de uma nova consciência estão ali.

O Autoconhecimento e a compreensão de si mesmo, vale uma passagem ao Reino dos Céus.  Retornando, você viajará por um novo mundo com seu propósito resgatado e com sua missão definida, olhando agora o universo pela perspectiva de quem o criou e não pela de quem o destrói.

Vale a viagem, vale uma vida! 

Referências:

1.O Reino de Deus está dentro de vós. Lucas 17:20-25

2. A verdadeira religião… Tiago 1:27

3. Capadócia.  Roteiro turístico na Turquia

4. Place Vendôme. Praça em Paris, fundada em 1699.

Autor: Nelceu A. Zanatta,28/10/2024. Também escreveu e publicou no site “Arvores não conversam? Sinos não falam”: www.neipies.com/arvores-nao-conversam-sinos-nao-falam-no-jardins-das-rejeicoes-tudo-e-possivel/

Edição: A. R.

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