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Da ética do trabalho à estética do consumo

Há consequências profundas deste deslocamento da centralidade da “ética do trabalho” para a “estética do consumo”. Isso não significa que as pessoas não precisam mais trabalhar, mas, sim, que o consumismo é mais importante que o trabalho, ou melhor, o trabalho se dá em função do consumismo.

Max Weber (1999), certamente um dos sociólogos que de forma mais lúcida diagnosticou a sociedade moderna, ao tratar da Ética protestante e o espírito do capitalismo, assinalou com propriedade que se em algum lugar se deveria buscar a gênese do capitalismo moderno, esse lugar seria o momento em que aconteceu uma separação entre o âmbito dos negócios e o âmbito doméstico. Essa separação significa que os negócios passam a fazer parte de algo que está para além da fronteira do espaço compartilhado por uma determinada comunidade de povos ou grêmios artesanais onde as famílias estavam instaladas.

Reforçando o diagnóstico weberiano, Bauman (2010, p.110), diz que “os negócios se aventuram para além de uma autêntica fronteira e se adentram em uma terra do nada, livre de toda preocupação moral e limitação legal, e pronta para ser subordinada ao código de conduta dos próprios negócios”. Essa extraterritorialidade da moral acabou resultando no “avanço do potencial industrial”, bem como no “crescimento da riqueza”, apesar de ter como efeito colateral a produção “de grandes doses de sofrimento e pobreza”.

Na leitura de Bauman (2000), um dos principais valores que possibilitou a construção da modernidade sólida ou sociedade de produtores, foi a “ética do trabalho”. No que consiste essa ética? Quais suas origens? Por que ela foi tão importante para o avanço industrial e a produção da riqueza? Que fatores fizeram com tivesse como efeito colateral a produção de sofrimento e pobreza? Por que em determinado momento a “ética do trabalho” entra em crise promovendo a passagem para a “estética do consumo”?

Em seu livro Trabajo, consumismo y nuevos pobres, Bauman (2000) faz uma instigante análise desse processo. Em seu primeiro capítulo faz uma preciosa análise do surgimento e assimilação da “ética do trabalho”.

Para Bauman (2000, p.37-42) a ética do trabalho pode ser caracterizada por duas premissas explícitas e duas pressuposições tácitas. A primeira premissa explícita diz que se você quer conseguir o necessário para viver e ser feliz, então deve fazer algo que os demais consideram valioso e digno de ser pago, pois se te dou algo, recebo algo em troca. A segunda premissa diz que é ruim contentar-se com o que se tem, pois é moralmente danoso conformar-se com o que já se conseguiu; é ruim deixar de esforçar-se depois de ter alcançado uma suposta satisfação; não é adequado descansar, a não ser para recuperar as forças para seguir trabalhando, pois trabalhar é um valor em si mesmo e uma atividade nobre e hierarquizadora; trabalhar é bom; deixar de fazê-lo é ruim.

A primeira pressuposição tácita, que de uma certa maneira sustenta as premissas acima expostas, é de que a maioria das pessoas tem uma capacidade de trabalho que pode vender e pode ganhar sua vida oferecendo tal capacidade para ser recompensada em forma de salário. O trabalho é o estado normal dos seres humanos; anormal é não trabalhar. Isso significa que a maioria das pessoas, ao trabalharem, está cumprindo suas obrigações, e seria “injusto” deixar de fazer aquilo que se deveria fazer. A segunda pressuposição é de que só o trabalho, cujo valor é reconhecido pelos demais pelo fato de ser remunerado, tem um valor moral consagrado pela “ética do trabalho”.

A ética do trabalho continua Bauman (2000, p.18), serviu para difundir o hábito de tornar as pessoas produtivas, pois possibilita combater, destruir e erradicar os obstáculos que impedem o novo e esplêndido mundo que se pretendia construir na modernidade. “O trabalho dignifica o homem”, dizia uma encíclica papal; “o trabalho forja o caráter e produz a riqueza”, corroborava o senso comum. Essa foi a crônica oficial que foi instaurada para construir a sociedade do progresso, da produtividade, do bom rendimento.

Mas para isso era necessário disciplinar as pessoas, treiná-las e convencê-las de que a obediência era necessária para construir esse modelo societário. Era necessário instaurar uma instrução mecânica que pudesse habituar os trabalhadores a “obedecer sem pensar”, ou seja, seriam “pequenas engrenagens sem alma integradas a um mecanismo mais complexo”. Sendo assim, diz Bauman (2000, p.20-21), “a imposição da ética do trabalho implicava a renuncia à liberdade”, pois significava impor o controle e a subordinação ante uma vida que para os trabalhadores não era “nem nobre”, “nem ajustada a seus próprios princípios morais”.

A ética do trabalho representava a grande luta para vencer as correntes do obscurantismo, da ignorância, do velho sistema e as forças da natureza. A natureza devia ser conquistada e obrigada a servir os seres humanos; o trabalho seria o grande responsável por esse êxito e os inventores os protagonistas desse novo mundo. Por isso que todas as forças de resistência à “ética do trabalho” deveriam ser combatidas e silenciadas em prol do progresso e construção de um mundo produtivo e disciplinado.

A ética do trabalho era ao mesmo tempo “uma visão construtiva” e “a fórmula para obter um trabalhador eficiente”. Por isso era necessário realizar uma cruzada, uma guerra contra os “tradicionalismos” e todas as inclinações para o ócio ou a satisfação primária das necessidades. “Na guerra contra o ‘tradicionalismo’ dos pobres anteriores à época industrial”, diz Bauman (2000, p.26), “os inimigos declarados da ética do trabalho eram, ostensivamente, a modéstia das necessidades desses homens e a mediocridade de seus desejos”.

Na implantação e fixação da “ética do trabalho”, não é de estranhar que os mendigos, os indigentes, os deficientes, os incapazes e mesmos os velhos e enfermos são considerados os indesejados.

Essa ideia de eliminar os desocupados é facilmente identificada, por exemplo, na obra La Idea de la pobreza, de Gertrude Himmelfarb (1988, p.193), quando diz: “Os mendigos, como os ratos, podiam efetivamente ser eliminados com esse método; ao menos podiam apartá-los de sua vista. Só fazia falta decidir-se a trata-los como ratos, partindo do suposto de que os pobres desleixados estão aqui só como uma moléstia que tem de ser limpada até por-lhe fim”. Por isso era necessário limitar a assistência, combater o ócio, tornar cada vez mais “desgraçada” a vida dos desocupados, para convencer os trabalhadores das fábricas que “a miséria fabril pareceria, em comparação [com a situação de vida dos miseráveis], um golpe de sorte ou uma benção” (BAUMAN, 2000, p.28).

Por isso era necessário criar estratégias que viessem diminuir a assistência, ou até proibi-la, para que não houvesse opção de escolha. “Para promover a ética do trabalho”, diz Bauman (2000, p.31), “se recitaram inúmeros sermões desde os púlpitos das igrejas, se escreveram dezenas de relatos moralizantes e se multiplicaram as escolas dominicais, destinadas a encher as mentes jovens com regras e valores adequados”. Não dar opção era a estratégia fundamental para que os “obreiros” se submetessem a ética do trabalho.

Buscar um emprego, submeter-se as suas regras, formar uma imagem idealizada de si mesmo, superar as imperfeições, achar um remédio para curar as enfermidades eram atividades que poderiam ser sintetizadas na ação de trabalhar. “Dar-lhes trabalho a todos, converter a todos em trabalhadores assalariados, era a fórmula para resolver os problemas que a sociedade pudera ter sofrido como consequência de sua imperfeição e imaturidade” (BAUMAN, 2000, p.33).

Tanto o capitalismo quanto o comunismo colocaram no mundo do trabalho o preceito para o progresso da sociedade. O trabalho tornou-se, ao mesmo tempo, em ambas os “modelos societários”, o eixo da vida individual e a ordem social, assim como a garantia de sobrevivência para a sociedade em seu conjunto.

O trabalho e, principalmente, o tipo de trabalho, caracterizava o tipo de individuo: além de assegurar o sustento, o tipo de trabalho realizado definia o lugar que cada indivíduo ocupava na colocação social e avaliação individual. A identidade de cada um se forjava a partir do tipo de trabalho que se exercia, a empresa que trabalhava ou o cargo que ocupava. Era o trabalho que definia os pares, a quem se poderia comparar e, principalmente, o tipo de vida que podia aspirar.

“A careira laboral”, diz Bauman (2000, p.34), “marcava o itinerário da vida e, retrospectivamente, oferecia o testemunho mais importante do êxito ou do fracasso de uma pessoa”. A carreira significava, paradoxalmente, a principal fonte de “confiança ou insegurança”, de “satisfação pessoal ou de autoreprovacão”, de “orgulho ou de vergonha”. “Em síntese”, diz Bauman (2000, p.35), “o trabalho era o principal ponto de referência, ao redor do qual se planejavam e ordenavam todas as outras atividades da vida”.

No âmbito da ordem social, o trabalho era o lugar mais importante para a integração social. Era no trabalho que se forjava o “caráter social” necessário para perpetuar “uma sociedade ordenada”. O “trabalho na fábrica” e o “serviço militar obrigatório” eram, para usar um conceito foucaltiano, a principal “instituição panóptica” da sociedade moderna. Os que não podiam trabalhar ou os que não possuíam emprego significavam uma ameaça, pois estariam fora do controle da ordem social.  “A gente sem emprego era gente sem patrão, gente fora de controle: nada os vigiava, supervisava nem submetia a uma rotina regular, reforçada por oportunas sanções” (BAUMAN, 2000, p.35).

Até mesmo o modelo de saúde do século XIX estava regrado pela capacidade do homem realizar o esforço físico requerido tanto para a fábrica como para o exército. A ordem social iniciada na ditadura mecânica da fábrica se prolongava na “família patriarcal forte e estável do homem empregado”.

“Dentro da família”, diz Bauman (2000, p.36), “se esperava que os maridos/pais, cumprissem, entre suas mulheres e filhos, o mesmo papel de vigilância e disciplina que os capatazes de fábrica e os sargentos do exército exerciam sobre eles nas oficinas e quartéis”.

Por último, o trabalho foi apresentado como questão de sobrevivência e prosperidade da sociedade: o trabalho seria o grande responsável para a produção da riqueza, para o processo de transformação dos recursos naturais em bens e serviços para a população.

“Em resumo”, corrobora Bauman (2000, p.37), “o trabalho ocupava uma posição central nos três níveis da sociedade moderna: o individual, o social e o referido ao sistema de produção de bens. Além disso, o trabalho atuava como eixo para unir esses três níveis e era fator principal para negociar, alcançar e preservar a comunicação entre eles”.  A ética do trabalho colocava todos a abraçarem “voluntariamente”, com alegria e entusiasmo, o que surgia como necessidade inevitável.

No entanto, a ética do trabalho não teve seu pleno êxito, pois não foi plenamente aceita, principalmente por parte dos novos trabalhadores que viam em sua condição a perda da liberdade. Por isso, na leitura de Bauman (2000, p.40) era necessário programar uma nova estratégia. Progressivamente houve um deslocamento da ética do trabalho para “os incentivos materiais do trabalho”, ou seja, “ganhar mais dinheiro”. A ética do trabalho foi sutilmente sendo substituída pela ideia de que ganhar mais seria uma forma de restaurar a dignidade humana perdida no desgaste da mão de obra industrial. Esse processo foi decisivo para desenvolver a moderna sociedade industrial. O ganhar mais poderia significar uma motivação autêntica para a liberdade.

Na visão de Bauman (2000, p.41) esse processo foi decisivo para a passagem posterior da “sociedade de produtores” para a “sociedade de consumidores”. Essa última transformação não foi unívoca e também não teve as mesmas consequências. Poderíamos, por exemplo, destacar a diferença entre o mundo capitalista e o mundo comunista: neste último, a apelação ao consumidor que se ocultava no produtor foi pouco sistemática, pouco convincente e carente de energia.

“Por esta e outras razões”, diz Bauman (2000, p.41), “se aprofundou a diferença entre as versões da modernidade, e o crescimento do consumismo que transformou de forma decisiva a vida do ocidente atemorizou o regime comunista que, tomado por surpresa, incapaz de atualizar-se e mais disposto que nunca a reduzir suas perdas, teve que admitir sua inferioridade e declinou”.

“A nossa sociedade é uma sociedade de consumidores”, afirma categoricamente Bauman (2000) ao iniciar a explanação sobre a passagem da “ética do trabalho” para a “estética do consumo”. O que isso significa?

Que modificações aconteceram para determinar essa passagem? A que nos referimos quando falamos de uma sociedade de consumidores? Como acontecem as relações entre indivíduo e sociedade na “estética do consumo”?

O consumo sempre existiu; em todas as sociedades e em todos os tempos o consumo é inerente à vida: para viver é necessário consumir alimento, energia, água. No entanto, na sociedade de consumidores, o consumo passa a ter um novo sentido: é necessário ter tanto a capacidade quanto a vontade de consumir.  Essa passagem da ética do trabalho para a estética do consumo não é algo automático e nem simples.

Conforme nos adverte Bauman (2000, p.45), tal passagem “significou múltiplas e profundas mudanças”. Em primeiro lugar é necessário prepara e educar a gente para o consumo, assim como elaborar estratégias para que o consumo se torne uma necessidade permanente, insaciável e progressiva. As antigas estratégias desenvolvidas pelas instituições panópticas que moldavam a gente para um comportamento rotineiro e monótono e limitavam ou eliminavam a possibilidade de escolha, não servem mais para “modelar” um autêntico consumidor.

Na sociedade de consumidores, diz Bauman (2000, p.45), “a ausência de rotina e um estado de escolha permanente, sem dúvida, constituem as virtudes essenciais e os requisitos indispensáveis para converter-se em autêntico consumidor”. Por isso o desejo de consumir deve ser permanentemente renovado, ou seja, “o desejo não deseja a satisfação”; pelo contrário no consumidor ideal “o desejo deseja o desejo” numa busca sem fim.

Aumentar a capacidade de consumo e não dar descanso aos consumidores é a estratégia mais importante para alimentar e fortalecer a sociedade de consumo.

Para tanto, é necessário expor os consumidores em um ambiente de novas tentações, numa situação de permanente excitação para o desejo de comprar e consumir. “Em uma sociedade de consumo bem aceitada”, diz Bauman (2000, p.47), “os consumidores buscam ativamente a sedução. Vão de uma atração a outra, passam de tentação em tentação”, devido as infinitas ofertas que estão a disposição. Nada mais ilustrativo do que as vitrines e atrações de um Shopping Center de qualquer cidade. Mas o mais importante dessa formatação do consumidor ideal ressaltado por Bauman (2000, p.47), é que “essa ‘obrigação’ internalizada, essa impossibilidade de viver sua própria vida de qualquer outra forma possível, se lhes apresenta como um livre exercício de vontade”.

Os consumidores se sentem “poderosos”, pois podem “mandar, julgar, criticar e eleger” seus objetos de consumo diante de uma variedade e diversidade de opções. No entanto os consumidores da “estética do consumo” devem cumprir com seu dever: “comprar, comprar muito e comprar mais”, pois o “crescimento econômico” depende do “fervor e do rigor de seus consumidores”.

“Flexibilidade” é o novo lema a ser admirado e seguido na “estética do consumo”. Isso implica um novo tipo de relação e uma nova forma de construir a própria identidade. Nada é perdurável: profissão, carreira, formação, moda, cultura, valores, deveres, trabalho, tudo pertence ao “império do efêmero”, para usar uma expressão que deu o título de uma das obras de Lipovetsky.

Como bem expressa o conciso e contundente aforismo de George Steiner, citado por Bauman (2000, p.50): “todo produto cultural é concebido para produzir ‘um impacto máximo e cair em desuso de imediato’”. Nesse cenário de “flexibilidade” a própria ideia de identidade se torna algo movediço e, possivelmente, inútil. “Talvez”, como destaca Bauman (2000, p.51) seria melhor falar em “identidades no plural”, pois ao longo da vida, “muitas delas serão abandonadas e esquecidas”. Da mesma forma que os bens de consumo, a identidade deve pertencer a alguém a um determinado momento e tende a ser consumida e desaparecer em prol de outras identidades novas e melhores.

A “estética do consumo” tem uma suposta ou aparente vantagem diante da “ética do trabalho”: o consumidor tem a liberdade de escolher. “A uma sociedade de consumo”, diz Bauman (2000, p.52), “é enfadonho qualquer restrição legal imposta à liberdade de escolha, é perturbador o que está fora da lei dos possíveis objetos de consumo, e expressa esse desagrado com seu amplo apoio a grande maioria das medidas ‘desregulatórias’”.

“Mais dinheiro no bolso do consumidor” elegido como slogan de certos políticos objetivando diminuir a carga tributária dos contribuintes, pode ser traduzido como uma fórmula sutil de dar mais direito de escolha ao consumidor, “um direito já internalizado e transformado em vocação de vida”.

Na “ética do trabalho” na sociedade de produtores, a ação coletiva é primordial: “a produção é uma empresa coletiva, que supõe a divisão de tarefas, a cooperação entre os agentes e a coordenação de suas atividades” (BAUMAN, 2000, p.53). Na “estética do consumo” na sociedade de consumidores ocorre exatamente o contrário: o consumo é uma atividade individual, “de uma só pessoa”, pois “é uma atividade que se cumpre saciando e despertando o desejo” permanentemente.

Mesmo que os consumidores se reúnem para consumir, vide a concentração de pessoas nos Shopping centers, o consumo é uma experiência por completo solitária “que se vive individualmente”. O coletivo é necessário apenas para testemunhar “o caráter individual da escolha e do consumo”. “A liberdade de escolha”, diz Bauman (2000, p.54), “é o bastão que mede a estratificação na sociedade de consumo”. E continua: “É, também, o marco em que seus membros, os consumidores, inscrevem as aspirações de sua vida: um marco que dirige os esforços em prol da própria superação e define o ideal de uma ‘boa vida’”.

Há consequências profundas deste deslocamento da centralidade da “ética do trabalho” para a “estética do consumo”. Isso não significa que as pessoas não precisam mais trabalhar, mas, sim, que o consumismo é mais importante que o trabalho, ou melhor, o trabalho se dá em função do consumismo. E para dar conta de satisfazer o desejo consumista as pessoas trabalham cada vez mais, ou hipotecam a própria vida para conseguir crédito para consumir aquilo que os ganhos com o trabalho não são suficientes. Assim, temos uma sociedade de endividados que “gastam” sua vida para pagar a dívida contraída por empréstimos para satisfazer os desejos consumistas.

Para os que tiverem interesse em aprofundar as reflexões rapidamente expostas no presente inscrito, indico duas coletâneas que se complementam nessa direção: Leituras sobre Zygmunt Bauman e a educação (Fávero; Tonieto; Consaltér, 2019) e Leituras sobre Educação e neoliberalismo (Fávero; Tonieto; Consaltér, 2019). Segue o link de acesso gratuito da segunda coletânea:

https://www.researchgate.net/publication/384017399_Leituras_sobre_Educacao_e_Neoliberalismo

Referências:

BAUMAN, Zygmunt. Trabajo, consumismo y nuevos pobres. Barcelona: Gedisa, 2000.

BAUMAN, Zygmunt. Mundo consumo. México: Paidós, 2010.

ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

FÁVERO, Altair Alberto: TONIETO, Carina; CONSALTÉR, Evandro (orgs.). Leituras sobre Educação e Neoliberalismo. Curitiba: CRV, 2020.

FÁVERO, Altair Alberto: TONIETO, Carina; CONSALTÉR, Evandro (orgs.). Leituras sobre Zygmunt Bauman e a Educação. Curitiba: CRV, 2019.

HEMMELFARB, Gertrude. La Idea de la pobreza: Inglaterra a principios de la era industrial. México: Fondo de Cultura Económica, 1988.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 13 ed. São Paulo: Pioneira, 1999.

Autor: Altair Alberto Fávero – email: altairfavero@gmail.com Professor e pesquisador do Gepes/PPGEdu/UPF. Também escreveu e publicou no site “A promessa da felicidade na modernidade líquida”: www.neipies.com/a-promessa-de-felicidade-na-modernidade-liquida/

Edição: A. R.

Juventude, ciência e ensino pela pesquisa

Aguçar o interesse dos jovens com estas temáticas é estratégico e fundamental, porém seu envolvimento depende mais de políticas públicas do que responsabilizar os estudantes.

Outubro é o mês dedicado à Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) com o objetivo de mobilizar e conscientizar a população, em especial crianças e jovens, com temas e atividades da área, valorizando a criatividade, a atitude científica e o ensino pela pesquisa. Neste mês, geralmente, se concentram e ocorrem as principais feiras científicas nas escolas, universidades e entidades científicas.

Aguçar o interesse dos jovens com estas temáticas é estratégico e fundamental, porém seu envolvimento depende mais de políticas públicas do que responsabilizar os estudantes.

Nossa educação é que deveria ser um processo e um espaço público repleto de oportunidades aos estudantes a práticas de reflexão, investigação e discussão, desenvolvendo aprendizagens pela pesquisa e apreendendo a identificar os problemas e desafios do mundo atual e seus impactos em nossas vidas.

No entanto, a cultura educacional brasileira predominante é “dar aula” expositiva aos estudantes em detrimento da “fazer aulas” por meio da pesquisa. Todas as iniciativas nesta perspectiva são válidas, mas não basta promover pequenas experiências esporádicas, como feiras ou eventos de iniciação científica. É preciso priorizar e investir massivamente em laboratórios, infraestrutura tecnológica, formação de professores e pesquisa-ação nas escolas públicas e instituições de ensino superior (IES).

As primeiras iniciativas de programas de iniciação científica no Brasil se fortaleceram na década de 1990, embora houvesse concessões esporádicas de bolsas nessa modalidade desde a criação do CNPq em 1951.

A criação do Programa de Iniciação Científica do CNPq destinado a estudantes de graduação se deu em 1993. Só dez anos depois, em 2003, foi criado o primeiro programa do CNPq destinado ao ensino médio.

No Brasil, tanto a educação como a pesquisa são iniciativas somente do século XX.

No ensino superior brasileiro é quase inacreditável que, das 2.595 Instituições de Ensino Superior (IES), somente se exija pesquisa-ensino-extensão das 205 universidades. As demais 2.349 faculdades e centros universitários não tem obrigação de fazer e promover o ensino pela pesquisa e nem a produção de conhecimento novo.

Interesse dos Jovens e relevância social por ciência e tecnologia

De acordo com a pesquisa O que os jovens brasileiros pensam sobre ciência e tecnologia – 2024, realizada pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da C&T (INCT/CPCT), que entrevistou 2.276 jovens de 15 a 24 anos, entre 3 e 25 de fevereiro deste ano, é elevado o interesse dos jovens por vários temas, como: 77% se afirmam ter muito interesse ou interesse por meio ambiente, 67% por ciência e tecnologia e 66% por medicina e saúde – percentuais superiores aos declarados por religião (63%), esportes (63%), arte e cultura (59%) e política (28%).

Por outro lado, 32% afirmaram que o espaço mais visitado são as bibliotecas. Já os museus ou espaços de ciência foram visitados apenas por 8% dos entrevistados. Entre as causas para a não visitação a um museu ou espaço de ciência estão “não tive tempo” e “não existem em minha região”.

Destaca-se, ainda, o desejo dos jovens por maior controle e participação social nas escolhas científicas e tecnológicas. A maioria acredita que a população deve ser ouvida nas grandes decisões sobre os rumos da C&T (84% concordam totalmente ou parcialmente) e desejam maior regulamentação da pesquisa científica por parte do estado (79%).

A pesquisa revela que as opiniões e as atitudes dos jovens brasileiros sobre temas da ciência, tecnologia e inovação indicam diversos aspectos positivos e muitos desafios.

Existe um grupo que parece mais atento às estratégias de desinformação e que demonstra maior equilíbrio em suas percepções. Mas, também, há um público que se informa basicamente pela internet e redes sociais, ambientes em que há maior circulação de notícias falsas e conteúdos duvidosos, e que apresenta baixo acesso a atividades científico-culturais.

Os dados demonstram que os jovens estão vulneráveis à desinformação, à possibilidade de participar em atividades de democratização do conhecimento e ao grau de familiaridade com conceitos científicos. As preocupações sobre aspectos específicos da C&T são muito diferentes em diferentes grupos.

Isso aponta para a necessidade de se pensar ações e conteúdos específicos para nossos jovens, tão diversos e bastante interessados em participar ativamente de uma cidadania que, cada vez mais, precisa de apropriação social da C&T para ser exercida plenamente.

Estes resultados podem direcionar não só gestores, mas também educadores, profissionais de comunicação e os próprios cientistas, em suas ações de aprendizado, apropriação do conhecimento e fortalecimento da cidadania científica.

O debate sobre a importância do ensino de ciências e do método científico tem ganhado força diante da disseminação de notícias falsas e da negação da ciência nos mais diversos espaços da sociedade. E na escola não é diferente.

“Os tensionamentos entre os valores trazidos pelos estudantes de suas casas e o que é ensinado em sala de aula sempre foram comuns. No entanto, nos últimos anos, a ascensão de valores conservadores que levam à negação de consensos científicos se exacerbou”, avalia a professora Sandra Selles, da UFF.

Ela atribui essa mudança a um movimento contemporâneo conservador atrelado a princípios religiosos e que envolve a universalização de padrões morais e a negação de consensos científicos.

A professora chama a atenção para o fato de que esse fenômeno é intensificado pelo uso massivo das redes sociais, que aceleram a disseminação de pautas negacionistas, e de que não se trata de meras atitudes individuais, mas de ideias de circulação massiva que têm o poder de atrasar ou mudar a direção de políticas públicas.

Ensino pela pesquisa e autonomia intelectual dos estudantes

Já o educador Pedro Demo, autor de mais de 100 livros, defende a pesquisa como princípio científico e educativo apregoando que ela não deve mais ser considerada algo distante, própria das práticas acadêmicas, mas incorporada aos processos de ensino e de aprendizagem.

O educador aponta que o professor maneja duas rédeas estratégicas para a vida dos estudantes: pode contribuir para forjar sujeitos capazes de história própria, bem como pode fomentar em cada jovem a habilidade de conhecimento com autonomia, em nome da e para a autonomia. Isto implica, necessariamente, educar e conhecer para gestar cidadãos capazes de mudar a sociedade em nome do bem comum.

O processo de formação do estudante compreende o apoio por outra pessoa, geralmente mais adulta, no sentido da construção da autoria e da autonomia. Este outro é apoio, pois ninguém se emancipa sozinho. O outro nos constitui. Formar, segundo Demo significa aprender a construir-se como referência das próprias oportunidades, no contexto social.

Neste sentido, duas referências são relevantes: a) autoria – habilidade de construir a vida como texto próprio, no plano individual e coletivo, e como expressão de cidadania ativa; b) autonomia – habilidade de gestar roteiro de aperfeiçoamento incessante da personalidade, tendo como resultado a constituição de sujeito capaz de história própria.

Pedro Demo, também, adverte que autoria e autonomia não podem ser completas, porque não somos seres completos. Somos seres inacabados. Formação implica capacidade de convivência com outras autorias e autonomias, igualitariamente.

Da mesma forma, formação e aprendizagem não são sinônimos. Aprendizagem acrescenta habilidades relativas à produção do conhecimento e o “aprender a aprender” é tipicamente formativo, no sentido que se baseia na gestação de autoria e autonomia.

Por coerência, prossegue Pedro Demo, a aprendizagem precisa desenvolver habilidades de dentro para fora, tais como:

  • pesquisa – capacidade de manejar conhecimento próprio, questionar, argumentar, fundamentar, duvidar;
  • elaboração própria – lemos um autor para nos tornarmos autor, não mero porta-voz;
  • argumentação – fazer ciência é saber argumentar e principalmente autoquestionar;
  • espirito crítico – é o manejo da incerteza com sua potencialidade disruptivo; e
  • comunicação desimpedida e bem-educada – liberdade de expressão, diálogo crítico, arte de produzir consensos possíveis, saber pensar, saber escutar o outro, falar na sua vez e falar apenas se tiver o que dizer.

Por contingências históricas, nossa educação brasileira e nossas instituições formadoras se vinculam a procedimentos de “ensino”. Até hoje persiste a concepção de “professor horista” contratado para “dar aula”, onde o professor transmite para o estudante o que ele absorveu de maneira reprodutiva de outros autores.

Como, na sua grande maioria, não somos autores, não conseguimos transformar os estudantes em autores de suas aprendizagens e conhecimentos. O ensino pela pesquisa é uma das estratégias que requer professores autores formandos estudantes protagonistas.

O desenvolvimento da autonomia e do protagonismo estudantil decorrem de processos participativos, coletivos e autorais dos docentes e discentes. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.

Por consequência, ensinar exige rigorosidade metódica e pesquisa, pois quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto mais se constrói e desenvolve a “curiosidade epistemológica”, sem a qual não alcançamos o conhecimento cabal do objeto.

Porém, como ter uma escola emancipatória em uma sociedade opressora? Como motivar, especialmente as crianças e os jovens, num país com extremas desigualdades, com racismo histórico e estrutural, com machismo, exclusão socioeconômica, gravidez precoce, o poder do tráfico, entre outros contextos que configuram o cenário brasileiro atual?

Nos falta valorização e referências científicas reconhecidas.  Porque a Argentina, o México, a Costa Rica e a Guatemala – países latino-americanos – possuem Prêmios Nobels e o Brasil ainda não? Por que nossos cientistas precisam trabalhar fora do país?

É inaceitável que o Brasil, uma das dez maiores economias do mundo, continue persistindo e negando o direito a educação, a ciência e cultura para 86% dos adolescentes e jovens que estudam nas escolas públicas.

Não culpe nem responsabilize as crianças os jovens estudantes pela desvalorização e interesse pela ciência. Esta responsabilidade é das elites e de seus governantes, que não permitem maiores investimentos na Ciência, na Pesquisa e na Educação com qualidade em todas as escolas pelo Brasil.

A comprovação é que a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), em conjunto com diversas outras entidades científicas, acabam de manifestarem-se sobre a redução de recursos para Ciência no Projeto de Lei Orçamentária para 2025, expressando: “seguimos entendendo que o Brasil não pode prescindir da ciência e da tecnologia para alçar voos mais altos como Nação, assegurando não só seu crescimento econômico, mas também o desenvolvimento social que seu povo merece.

E só conseguiremos isso com investimentos fortes no sistema público de P&D e incentivo ao desenvolvimento tecnológico empresarial. Buscar esse equilíbrio é fundamental”.

FONTE: www.extraclasse.org.br/opiniao/2024/10/juventude-ciencia-e-ensino-pela-pesquisa/

Autor: Gabriel Grabowski, professor e pesquisador. Também já escreveu e publicou no site “A juventude não é preguiçosa, ela pensa o mundo diferente”: www.neipies.com/a-juventude-nao-e-preguicosa-ela-pensa-o-mundo-diferente/

Edição: A. R.

Indigestão burocrática

Em conceituação, narrativa e intento, a Lei de Gestão Democrática em vigência no Rio Grande do Sul está em desacordo ou, no mínimo, em flagrante contradição com o que motivou sua inscrição na Carta Constitucional de 1988 e implica num infeliz “indigestão burocrática”.

Da lei à vida: aquilo antes aprovado agora passa à prática e se veem confirmadas as nossas críticas e preocupações. Quando denunciávamos o teor da nova legislação que versa sobre o princípio constitucional da Gestão Democrática, não o fazíamos por desagrado, veleidade ou oposição pura e simples, mas porque o exame dos pressupostos inscritos na redação do texto indicava um método e sistema estranho e avesso àquilo construído e conquistado historicamente pelo movimento educacional.

Ao tempo da aprovação da nova versão da Lei de Gestão Democrática – no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul sob o Governo Eduardo Leite  – incluída num pacote de propostas e medidas batizado de “marco legal da educação” e que tinha ainda o incentivo à municipalização, a desresponsabilização do entendimento estadual em ofertar ciclo completo do ensino fundamental, mudanças na composição e representatividade no Conselho Estadual de Educação e alterações no Ensino Técnico e Profissional, expressávamos a avaliação de que a mesma seria transformada em algo burocrático, tecnocrático e autoritário.

As exigências não dialogam com a realidade social, muito menos com a concepção política do que representa a escola no sistema de educação ou mesmo no imaginário das pessoas. Cursos prévios obrigatórios – com teor e conteúdos discricionários, prazos exíguos e condições precárias de acompanhamento e realização – são apenas a primeira parte de um rosário de imposições e dificuldades.

A aplicação – em caráter excludente – de prova de conhecimentos pode parecer inquestionável, afinal quem pode ser contra uma seleção que distingue e separa “melhores vs. piores” ou “preparados vs. inaptos”. Volta-se à carga: condições de estudo, conteúdo exigido (que circunscreve e aponta para determinado conceito e prática educacional), anulação da dimensão intrinsecamente relacional e humana da gestão político-pedagógico de um educandário. É a substituição da democracia pela burocracia, com óbvios caracteres tecnocráticos e riscos autoritários.

Ainda que vencidas estas etapas problemáticas, restam como obstáculos e impeditivos a própria eleição (e o fato de que se reduz ano a ano a disponibilidade de habilitados ao cargo na medida em que quase 60% dos professores e mais do que isso entre os funcionários não são servidores de carreira e não se realizam concursos públicos conforme a necessidade de preenchimento das vacâncias). E cumpre registrar que o texto legal conserva o absurdo dispositivo de proibição a detentores de mandatos sindicais em concorrer ao cargo (derrubado em caráter liminar pelo Sindicato).

Resta como outro aspecto equivocado e deletério do novo procedimento a exigência de apresentação e aprovação de Plano de Gestão que acompanhe e obedeça estritamente as

diretrizes e ordenamentos da SEDUC, verdadeira afronta a um dos pilares da Gestão Democrática, o a autonomia e que faz letra morta do Projeto Político-pedagógico da escola.

Em conceituação, narrativa e intento, a Lei de Gestão Democrática em vigência no Rio Grande do Sul está em desacordo ou, no mínimo, em flagrante contradição com o que motivou sua inscrição na Carta Constitucional de 1988 e implica num infeliz “indigestão burocrática”.

Apesar dos pesares, Sindicato e categoria – de maneira responsável e inteligente – participarão do processo realmente existente como forma de resistência e construção de bases concretas que possam num momento futuro reaver as máximas de uma Gestão Democrática de verdade em todo o Rio Grande do Sul.

Autor: Alex Sarat, Diretor do CPERS Sindicato, da CNTE e da CT. Estreia hoje sua primeira coluna no site.

Edição: A. R.

Porto alegre – quem perde, quem ganha?

Sem “papas na língua” começo uma série de artigos nos quais falarei sempre e cada vez mais de nossa Porto Alegre. Por enquanto “nossa”; amanhã, não sei…

Aqui quem escreve é um “não eleito”. Vão dizer que é choro de “derrotado”. Nada disso: aos 71, não tenho mais idade para chorar sobre o “leite derramado”. A verdade é que um terço dos porto-alegrenses negou o processo eleitoral em 2024. Não importam as razões do absenteísmo, de todo modo foi rejeição à política.

Fiquei decepcionado com a votação que fiz, 2406 votos. Outrora, fiz quase 9 mil. Com menos amplitude de campanha. Os tempos eram outros. Neste momento não há espaço para “políticos intelectualizados, com visão abrangente de mundo, dotados daquele humanismo universal que Marx via como a essência superior dos seres”, escreve um amigo meu, que não é do PT. Aqueles tempos acabaram.

Com orgulho me considero um dos resistentes ao “domínio do particular, à visão fragmentada das coisas, da pequenez dos interesses de grupos”, usando os ditos do amigo. Recebi dezenas de recados e uma frase foi recorrente: “perdeu a cidade”. Há anos me preparo para a revisão do Plano Diretor. Estive novato na melhor de suas formulações em 1999, como estive em 2009. Queria estar agora. Não estarei. Lastimo por isso, não só pelo meu preparo, pois em minha volta há os melhores quadros do urbanismo local.

O que será da revisão? Pela força da direita mais radical, pelos amigos do Estado mínimo, pelos adoradores do Capital e das privatizações, salve-se quem puder, o que sobrará de nosso capital? Meu compromisso sempre foi com a verdade e com o livre debate. Agora, sem as amarras do parlamento, sem condições de concorrer mais uma vez, vou tentar trazer à baila todos os temas cruciais da cidade, como pensador.

Vou desagradar os segmentos majoritários da atualidade no parlamento, reflexo da sociedade. E sem “papas na língua” começo uma série de artigos nos quais falarei sempre e cada vez mais de nossa Porto Alegre. Por enquanto “nossa”; amanhã, não sei…

 Autor: Adeli Sell, professor, escritor e bacharel em Direito. Também escreveu e publicou no site crônica “Os gaúchos”: www.neipies.com/os-gauchos/

Edição: A. R.

Força feminina na gestão pública em Marau, RS

Naura Bordignon, 45 anos, é uma das poucas mulheres prefeitas eleitas neste pleito eleitoral de 2024. Apenas 39 dos 492 eleitos no primeiro turno do RS são mulheres. Número corresponde a 7,93% do total. Gênero feminino predomina população no estado.

Nesta entrevista exclusiva ao site, a prefeita eleita Naura Bordignon falará da sua experiência em gestão pública, da sua avaliação sobre o pleito eleitoral 2024 e sobre as suas propostas para administrar a pujante e próspera cidade de Marau, RS.

Conte-nos, brevemente, um pouco de tua trajetória pessoal e política junto à comunidade marauense.

Sou filha de agricultores e nasci no interior de Marau, onde aprendi, desde muito cedo, o valor do trabalho duro e da união comunitária. Minha formação em Direito me deu uma base sólida para atuar na administração pública, e nos últimos oito anos, tive a oportunidade de ser chefe de gabinete do Prefeito Iura Kurtz. Esse período foi fundamental para o meu crescimento profissional e pessoal, pois pude estar diretamente envolvida em grandes conquistas para a cidade, especialmente no que se refere ao desenvolvimento do interior, à educação e à saúde. Ao longo desse tempo, estive sempre próxima das comunidades, ouvindo suas necessidades e buscando soluções práticas e justas.

 O que representa estar entre tão poucas mulheres eleitas prefeitas no primeiro turno, nas eleições de 2024, no RS?

É uma honra e uma grande responsabilidade estar entre as poucas mulheres eleitas como prefeitas no Rio Grande do Sul. Sabemos que as mulheres são a maioria da população, mas ainda ocupamos um espaço pequeno na política, o que torna essa conquista ainda mais significativa. Representar a força feminina na gestão pública é também um compromisso de inspirar outras mulheres a acreditar que podem ocupar qualquer espaço de decisão. O protagonismo feminino é essencial para a construção de uma sociedade mais igualitária e inclusiva.

Conte-nos como vinha se preparando para chegar a tão importante cargo no município de Marau, RS?

Minha preparação foi feita ao longo de toda a minha trajetória na administração pública, especialmente nos oito anos como chefe de gabinete do Prefeito Iura. Nesse período, participei ativamente de decisões estratégicas para Marau, sempre com o foco em melhorar a vida das pessoas e desenvolver o município de forma sustentável. Além disso, sempre busquei me capacitar, estudar e estar em constante diálogo com as comunidades, entendendo suas necessidades e expectativas. Isso me deu a base e a experiência necessárias para assumir esse novo desafio com segurança e responsabilidade.

Como avalia a eleição municipal que transcorreu no último domingo, dia 06 de outubro de 2024?

A eleição de 2024 foi marcada por um processo democrático intenso, mas muito respeitoso. Pude sentir o apoio da população marauense durante toda a campanha, e isso refletiu nas urnas. Ao mesmo tempo, acredito que o pleito demonstrou que a população de Marau quer continuidade no trabalho que já vem sendo feito, mas também espera inovações e melhorias. Essa confiança depositada em mim e na minha equipe nos motiva a seguir firmes no propósito de fazer Marau continuar crescendo e sendo uma cidade melhor para todos.

Quais são, na sua visão, os desafios de suceder uma administração bem avaliada como a de Iura Kurtz (prefeito eleito por duas gestões e do seu partido MDB)?

Sucedê-lo é, sem dúvida, um grande desafio, já que ele teve uma gestão muito bem avaliada pela população e realizou transformações importantes para o município. No entanto, também é uma oportunidade de dar continuidade a projetos estruturantes que já estão em andamento e, ao mesmo tempo, imprimir meu próprio estilo de gestão, focado na proximidade com as pessoas e na inovação. O principal desafio é manter o ritmo de crescimento e atender às novas demandas que surgem conforme a cidade evolui.

Quais são suas propostas para administrar a cidade de Marau, RS, de 2025-2028?

Nossa gestão será focada em continuar o desenvolvimento sustentável de Marau, projetando nosso município para os próximos anos e décadas, com projetos que promovam a melhoria da qualidade de vida da população. Entre as prioridades, destacam-se a ampliação dos serviços de saúde, com a construção de um novo posto de saúde na região norte, a continuidade das melhorias no trânsito e na infraestrutura urbana, além de investimentos em educação e no fortalecimento da economia local. Também daremos uma atenção especial ao desenvolvimento do interior, buscando sempre valorizar e apoiar nossas comunidades rurais.

Por que a política é a mais autêntica e eficiente forma de resolver os problemas sociais e estruturantes das comunidades, a partir dos municípios (sejam eles pequenos, de médio ou grande porte)?

A política é a ferramenta mais eficaz porque é através dela que podemos promover as transformações necessárias para o bem-estar da população. No nível municipal, temos a vantagem de estar mais próximos das pessoas, entendendo diretamente suas necessidades e expectativas. Isso nos permite agir de forma rápida e assertiva, criando políticas públicas que realmente impactam o dia a dia das comunidades. Quando feita com seriedade e compromisso, a política é, sem dúvida, o meio mais eficiente para resolver os problemas sociais e estruturais que afetam nossos municípios.

Outras considerações que desejarias fazer.

Gostaria de agradecer a cada um que depositou sua confiança em mim e na nossa equipe. Sei que os desafios são grandes, mas estou pronta para enfrentá-los com dedicação e seriedade, sempre priorizando o diálogo e a participação da comunidade nas decisões que tomaremos ao longo dos próximos anos. Marau tem um futuro promissor pela frente, e com o apoio de todos, tenho certeza de que continuaremos avançando rumo ao desenvolvimento e à qualidade de vida que todos merecem.

Fotos: Divulgação/arquivo pessoal

Edição: A. R.

Somos professores, somos tesouros

De um dia de formação, passa a rosa, vem a reflexão!

Professor! Professores, suas vidas valem ouro.

Temos fome de valorização, de cuidado e proteção.

Temos sede de acolhimento, respeito, afeição, da verdadeira relação.

Somos pessoas, somos professores, somos educadores, temos missão.

Não buscamos perfeição e sim superação, aprendizagem e processo.

Queremos esperançar, falar, gritar, ouvir, protestar, exigir e vibrar.

Continuamos acreditando, construindo, transformando.

Desistir, nunca! Levantar e avançar sempre. E, nesse caminho, vamos desatando nós, criando laços e entrelaços.

Somos tesouros. Nossa riqueza?  A palavra.

Somos exemplo, somos mãos, somos bençãos!

Nosso segredo? Estudo, planejamento, reflexão, ação, gratidão. Não sabemos, mas o que fica é a história, a memória, o legado, a formação.

E ao final do dia, desejamos nos permitir, nos acolher, nos abraçar, viver, semear e colher. Aprender, tentar e errar. Sofrer, chorar, protestar. Sentir, sorrir, conquistar, nos emocionar, porque nossa vida vale ouro e isso é ser professor.

Leia também: Poesia escrita em 2019, Nossas mãos!: https://www.neipies.com/nossas-maos/

Autora: Profª Adriana Severo dos Santos, EMEF Zeferino Demétrio Costi, Coordenação Anos Finais, 25/09/2024. Também escreveu e publicou no site poesia “Nossas mãos”: www.neipies.com/nossas-maos/

Falta pouco, meu pobre João!

Esqueça o dia, qualquer dia meu pobre João!

E que fique assim, o dito pelo não dito.

Pois o que era se para ouvir em silêncio,

não foi dito. E virou grito,

o maldito pito.

Esqueça a noite João, a raiva e o pavor.

Lembre-se!  Em um tempo foi bom sonhar.

E ao ver este senhor no andor, em dor,

ninguém veio acudir. Aliás,

 viraram o olhar.

Esqueça o fio da fúria!  Um dia passará.

Quem se importou ou quem esqueceu.

Sequer um sapé, um rio, uma curva, terão vocês.

Então a foice os podou, depois queimou,

matou e nem doeu.

Esqueça a dor e vire a face, João, a outra.

Saiba que nada mudará neste chão vil:

o insulto, o desprezo, nesta vida ou noutra.

Pois de ódio em ódio,

seu rosto há de brilhar no céu de anil.

(15/08/2023)

Autor: Nelceu A. Zanatta. Também escreveu e publicou no site a crônica “Para pensar no teto de todos nós”: https://www.neipies.com/para-pensar-no-teto-de-todos-nos/

Edição: A. R.

Mudança de perspectiva

Neste céu de manto azul,

Pelo vento pastoreados,

Carneirinhos de algodão

São, aos poucos, transformados em

Monstros aterradores,

Cuspindo raios, prantos, dores,

Nos vastos rincões do sul.

Parceiros do dia a dia,

Nos banhos e pescarias,

Rios, riachos e sangas,

Tão mansas corredeiras,

Tornam-se sobremaneira

Tsunamis arrasadores

De vidas, sonhos, cores.

Está tudo acabado…

Recuso-me a acreditar que

Irá renascer meu pago,

Feridas vão cicatrizar,

O povo, hoje, cansado

Mais forte irá levantar.

Já que é difícil mudar

Realidade tão dura,

Muda-se o modo de olhar.

Isso faz parte da cura.

O fim é um novo começo.

Que tal olhar o avesso?

Para entrar em novo clima,

Leia de baixo pra cima.

Poema originalmente publicado na obra “Sol das Águas de Maio” (2024, p. 220-221) a qual constitui o resultado de ações solidárias entre escritores independentes, idealizada e coordenada por Nurimar Bianchi (Soledade/RS), com o objetivo de levar livros e recursos às populações atingidas pelas enchentes de maio no estado. O lançamento do livro em Passo Fundo será no próximo dia 05 de maio, no Auditório da Academia Passo-Fundense de Letras (APL).

Autora: Roseméri Lorenz. Também escreveu e publicou no site o texto “Decepção pronominal”: https://www.neipies.com/decepcao-pronominal/

Edição: A. R.

Por um amor que vale a pena

Seu amor contagia. Suas palavras ateiam fogo nos corações ávidos de vida. Sua postura subversiva ante as demandas da vida desafiam seus pares a que deixem o ostracismo e voltem a acreditar num amor que valha a pena. Sinceramente, espero ser contado entre esses.

Todos sonhamos viver um grande amor. Do tipo que nos deixe sem fôlego, sem sono, sem chão. Uma paixão arrebatadora, digna de um roteiro de cinema.

Poucos, porém, realizam tal sonho. Daí vem a frustração, o desapontamento com o roteiro que a vida nos impõe. Somos vencidos pela rotina. A monotonia sabota nossos sonhos. Não há dragões a serem vencidos pelo mocinho valente, nem mocinha a ser salva. Não há príncipe para despertar a princesa de seu sono profundo. O sapo segue sendo sapo, mesmo depois do beijo.

As cores da vida vão se desbotando aos poucos. Temos aquela amarga impressão de termos sido enganados. Tudo não passou de um conto… não de fadas, mas do vigário. É esse súbito desapontamento com a vida o responsável por parir o que chamamos de maturidade.

Seguimos em nossa jornada, cativos do cronograma existencial. Acordar, escovar os dentes, tomar café, sair para o trabalho, voltar para casa, jantar, voltar a dormir. Dia após dia, os mesmos cenários, o mesmo script, a mesma dor, o mesmo sorriso amarelo, o mesmo tudo. Já decoramos nosso papel. Já sabemos o que dizer e como proceder em cada situação ‘inusitada’. Infelizmente, de inusitada só tem o nome. Tudo é absolutamente previsível.

De repente, 30. E mais um pouco, 40. E quando menos esperamos, 50, 60, 70, tchau.

Tomando emprestada a frase de um célebre humorista brasileiro já falecido, não tenho medo de morrer, tenho é pena. Pena por não ter vivido tudo o que havia para se viver.

Os maiores arrependimentos não são por aquilo que fizemos, mas pelo que deixamos de fazer.

Parafraseando Lennon, a vida vai passando, escapando-nos pelos dedos, enquanto estamos ocupados com outras coisas.

Mas há os que conseguem escapar da tirania das trivialidades. Há os que se recusam a ser simples engrenagens de um sistema fadado a entrar em colapso. Estes, embora tenham crescido, lá no fundo ainda são crianças. Abaixo da crosta, das camadas geológicas da alma, ainda há um magma buscando passagem, pronto para entrar em erupção.

Esses ainda cortejam a ingenuidade, o idealismo. Não importa o quão desgastados estejam seus corpos, suas mentes seguem intactas, ou nas palavras de Paulo, o apóstolo, seu ‘homem interior’ se renova dia a dia. São os que descobriram que há vida após a adolescência.

Estes não se contentam em ser plateia, figurantes ou coadjuvantes, antes, decidiram protagonizar a história escrita pelo Supremo Roteirista.

Apesar de crescidinhos, ainda acreditam que o mundo possa ser um lugar melhor. Ainda acalentam sonhos. O cinismo não logrou capturá-los.

Por isso, vivem e deixam viver quem quer que aposte no amor.

Seu amor contagia. Suas palavras ateiam fogo nos corações ávidos de vida. Sua postura subversiva ante as demandas da vida desafiam seus pares a que deixem o ostracismo e voltem a acreditar num amor que valha a pena.

Sinceramente, espero ser contado entre esses.

Autor: Hermes C. Fernandes. Também escreveu e publicou no site a crônica “Do que você jamais deveria se arrepender”: www.neipies.com/do-que-voce-jamais-deveria-se-arrepender/

Uma escola que ensine a subir escadas

O tempo avança, inventamos a roda e ficamos muito mais rápidos, mas ouso aqui afirmar: a escada é uma invenção ainda mais sábia pois nos leva “ao céu ” um passo de cada vez. É preciso ensinar a subir escadas!

Em meus mais inspirados dias destes 25 anos de atuação pedagógica, aprimorei técnicas psicomotoras de desenvolvimento infantil na primeira infância que auxiliaram várias gerações a alcançarem uma passagem tranquila para alunos e professoras pela fase desafiadora do Fundamental I.

Modéstia à parte, a criatividade sempre foi fundamento de atividade e mesmo no desafiador período de tempos pandêmicos as aulas de educação física e psicomotricidade transformavam qualquer ambiente e objetos em ferramentas essenciais para o desenvolvimento neurofuncional.

Sim, as crianças aprendem a ler, a escrever, a calcular, a organizar, a distribuir e a pensar sobre as ações desenvolvidas lá mesmo, no pátio, na educação física.

Entre as ferramentas permanentes das minhas aulas, a escada sempre foi utensílio básico para o desenvolvimento cognitivo global de um grupo de crianças. O ato que parece simplista, desnecessário e até de risco para alguns, faz com que a criança estabeleça metas, objetivos, escalas de mudança, vença o medo, compreenda seus próprios limites, ganhe força, equilíbrio, estabilidade, espaço temporal, agilidade, utilize-se de membros superiores e inferiores, estimule a curvatura normal da coluna e na pior das visões pedagógicas e com licença poética, “Alcance o céu”.

Pois bem, o tempo passou, já não atuo mais na educação formal e o que vejo hoje é que parece não termos absorvido o impacto de precisarmos nos manter vivos diante da tecnologia, não aprendemos mais a subir escadas.

Recordo-me da minha professora de primeira série que parou uma aula inteira, por várias vezes, as atividades para me ensinar a colocar o pé um em cada degrau. Pois assim aprendi com minha mãe, deficiente física, e isso me atrasava e aos colegas. Lembrei de escolas privadas que não colocam crianças a subir escadas em razão de um possível “risco” e lembrei também das escolas públicas que enjaulam as crianças em sala, muitas vezes por falta de espaço ou em prol de uma disciplina que criança, família e escola não tem ou ainda para digitalizar as experiências pensando apenas na rede social da vez.

Pois bem, o tempo avança, inventamos a roda e ficamos muito mais rápidos, mas ouso aqui afirmar: a escada é uma invenção ainda mais sábia pois nos leva “ao céu ” um passo de cada vez. É preciso ensinar a subir escadas!

Autor: Alexandre da Rosa Vieira, Acadêmico Academia Passofundense de Letras, cadeira 26. Também já escreveu e publicou no site a crônica “Educação: um buraco de minhoca”: https://www.neipies.com/educacao-um-buraco-de-minhoca/

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