Os recursos tecnológicos têm sido um dos grandes fomentadores dessas mudanças comportamentais, não deixando assim o amor imune a eles (recursos tecnológicos). Nesta sociedade, os vínculos ocorrem por uma espécie de conexão, que assim como as ligações moleculares de uma substância em estado líquido, são mais fáceis de serem desfeitas, quando comparadas aos átomos de um elemento sólido.
O tempo presente vem sendo considerado como o tempo das incertezas e mudanças, tempo de contradições e paradoxos, tempos de abundância e penúria. Os opostos continuam sendo demarcados com forte intensidade. Essas mudanças e incertezas vêm produzindo um processo de mutação na educação, gerando novas crises para a educação escolar, colocando em cheque o modelo, os conteúdos, as metodologias e o próprio sentido da educação vigente inaugurada nos primórdios da modernidade sólida.
Em análise sobre a educação, seus fins e a atuação do educador nesse panorama atual, Bauman (2002, p. 58) ressalta que em nenhum outro momento decisivo da história, os educadores foram confrontados com um desafio realmente comparável ao que o divisor de águas contemporâneo apresenta. Simplesmente, jamais estivemos nesta situação antes. A arte de viver (Bauman, 2009) em um mundo supersaturado de informação ainda está por ser aprendida. Da mesma forma que a arte de viver, ainda mais difícil, de preparar a humanidade para a vida dos relacionamentos humanos num mundo líquido.
A sociedade tem experimentado mudanças drásticas nos relacionamentos. Os recursos tecnológicos têm sido um dos grandes fomentadores dessas mudanças comportamentais, não deixando assim o amor imune a eles (recursos tecnológicos).
Nesta sociedade, os vínculos ocorrem por uma espécie de conexão, que assim como as ligações moleculares de uma substância em estado líquido, são mais fáceis de serem desfeitas, quando comparadas aos átomos de um elemento sólido. Nessas relações, segundo Bauman (2004, p.132) há “uma incerteza em relação ao futuro, fragilidade da posição social e insegurança existencial”.
Esta incerteza se aplica aos mais diversos âmbitos como o político, o econômico e o amoroso. É este último que Bauman trata com maior ênfase na obra Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos (2004).
O autor desencadeia uma série de conceitos, entre eles, a “cultura do passageiro”, que tem influenciado os relacionamentos, principalmente, os namoros, de modo que os valores consumistas são observados nestes relacionamentos. A partir disso, relacionar-se de modo fixo significa fechar-se para outras possibilidades, assim como num relacionamento comercial. A diferença é que no mercado há consultorias e pesquisas que tem por objetivo a execução financeira mais rentável; já nas relações amorosas, o objetivo é a conexão em que a empatia pelo parceiro torna-se fragilizada.
Nesta possibilidade, para desvincular-se afetivamente basta desconectar-se já que o “silêncio equivale a exclusão” (BAUMAN, 2004). O prejuízo emocional do término de uma relação é minimizado com uma simples eliminação de contato, possibilitando, pelo caráter flexível das relações, a entrega emocional a outro laço amoroso. Assim, o ato de conectar e desconectar é o agente mantenedor dos relacionamentos na modernidade líquida.
Para Bauman (2004, p. 22) numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro. “A promessa de aprender a arte de amar é a oferta (falsa, enganosa, mas que se deseja ardentemente que seja verdadeira) de construir a “experiência amorosa” à semelhança de outras mercadorias”, que fascinam e seduzem exibindo todas essas características e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultados sem esforço.
Na sociedade líquida, tememos o amor “desenvolvemos o crônico medo de sermos deixados para trás, de sermos excluídos” (BAUMAN, 2008, p. 29). Por isso, preferimos diluir as relações para consumi-las. Os relacionamentos tornaram-se comercializáveis como qualquer outra mercadoria. As redes sociais tornam-se utensílios quantitativos para maior obtenção de amigos, likes e relacionamentos que se dissolvem pelos dedos. Nossas relações são cada vez mais “flexíveis”, gerando níveis de insegurança sempre maiores.
“Fabricamos a pressa, a velocidade das coisas, do tempo, perdendo-nos no espaço onde habitamos. Não nos permitimos mais perder tempo para celebrar o amor verdadeiro, para parar no tempo. Não queremos mais perder tempo nas pequenas coisas mais simples e cotidianas. Temos grandes negócios a resolver, a decidir, e precisamos correr atrás de uma máquina. Somos robôs de uma engrenagem que nós mesmos criamos. (Pe. Gerson Schmidt) Leia mais:https://www.neipies.com/o-amor-no-tempo-eterno-agora/
As relações amorosas passam a ser vivenciadas de uma maneira mais insegura, com dúvidas acrescidas à já irresistível e temerária atração de se unir ao outro. Nunca houve tanta liberdade na escolha de parceiros, nem tanta variedade de modelos de relacionamentos, no entanto, em nenhum outro tempo os casais se sentiram tão ansiosos e prontos para rever, ou reverter, o rumo da relação como agora.
Neste sentido, as relações liquefeitas se desfazem ao término do interesse que as mantinha. Vínculos e compromissos são considerados grilhões que impedem diferentes consumos e o estabelecimento de novas relações pautadas em interesses concretos. No entanto, a solidariedade, fundamental para o bem-estar da comunidade, ainda não é consumível, pois é decorrente de laços mais estreitos que envolvem obrigações e responsabilidades em relação ao outro.
Sob esta ótica, amor e felicidade estão cada vez mais relacionados ao objeto de consumo, sendo descartável ou não, não importa, o que “permanece” são apenas os desejos próprios de uma sociedade cada vez mais egoísta e egocêntrica, em que, os laços humanos são desfeitos com a mesma rapidez que uma “descurtida” em alguma página do facebook que não favorece mais.
Esta sociedade de consumidores instigados, forçados e induzidos pelo mercado do consumo, de relações líquidas e “bom enquanto dure”, as chances de libertação dos ditames do mercado são mínimas, o que ocorre também na perspectiva da educação voltada para o mercado.
Para pensar em outras possibilidades, é necessária a revolução cultural que questione esse sistema dominado pela ‘ética’ da privação, do individualismo alienado, da ganância e do lucro. Em uma sociedade dividida como a nossa entre os “poucos que têm muito” e os “muitos que tem pouco”, a cultura é o terreno onde se dá a luta pela manutenção ou superação das divisões sociais. “Nada menos que uma “revolução cultural” pode funcionar” (BAUMAN, 2013, p. 31).
Para Bauman (2013), embora os poderes do atual sistema educacional pareçam limitados, e ele próprio seja cada vez mais submetido ao jogo consumista, esse sistema ainda tem poderes de transformação suficientes para ser considerado um dos fatores promissores para essa revolução. Há um menosprezo desalentador com que se trata a escola, principalmente por aqueles que querem transformá-la numa empresa, numa engrenagem de formatar mentes e corpos para o mercado consumista e de servidão voluntária.
Entretanto, é pela escola que deveríamos recomeçar. Não uma escola empresarial que emita o mercado e transforma as experiências formativas em mercadorias instrumentais que podem ser trocadas por dinheiro, mas uma escola do conhecimento, das vivências solidárias, do espirito cooperativo, das experiências formativas éticas.
Uma escola que cultive a virtude, o amor, a coragem, a justiçam a prudência, a liberdade, o bem viver. Uma escola que seja promotora de humanidade e não de robôs. Uma escola aberta a diversidade, ao pensamento crítico e criativo e onde se torna possível a boa convivência. Uma escola que seja o centro da vida pulsante de uma comunidade que prima pela vida cidadã. Utopia? Algo impossível de acontecer? Talvez não se tivermos a coragem de dar a educação a centralidade que ela merece no hierarquia de nossas prioridades.
Referências:
BAUMAN, Zygmunt. Desafios educacionais da Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Revista TB, 2002.
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
BAUMAN, Zygmunt. A arte da vida. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
BAUMAN, Zygmunt. Sobre educação e juventude: conversas com Ricardo Mazzeo. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
Essas catástrofes ambientais e socioambientais têm muitas causas. O modo pelo qual os humanos produzem e consomem, o sistema de produção capitalista essencialmente depredador, as formas de organização social e os fins éticos das sociedades e dos indivíduos estão na raiz dessas causas.
Estamos vivenciando a maior catástrofe ambiental da história do Rio Grande do Sul e iniciando mais uma Semana do Meio Ambiente que se repete a cada ano, pautando temas importantes, mas não mudamos nosso modo de pensar e de viver. A Lei Federal nº 9.795/1999 que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental (Pnea) completou 25 anos de vigência na véspera das enchentes e está relegada pelas reformas educacionais recentes, pelos gestores públicos e pelas instituições ensino.
Até recentemente, a maioria de nós permaneceu alheia aos alertas que a comunidade científica vem, há muitas décadas, emitindo sobre as mudanças climáticas, o declínio da biodiversidade, a intoxicação dos organismos pela poluição químico-industrial, aquecimento global, as ilhas de calor e possibilidade de eventos climáticos extremos e intensos.
Em 2013 foi elaborado um documento denominado “Consenso científico sobre a manutenção dos Sistemas de Suporte da Vida da humanidade no século XXI”, assinado por mais de 1,3 mil cientistas, pesquisadores, ONGs, estudantes e demais cidadãos, que alertava:
A terra está rapidamente se aproximando de um ponto crítico (tipping point). Os impactos humanos estão causando danos alarmantes ao nosso planeta. Como cientistas que estudamos a interação dos homens com o resto da biosfera, valendo-nos de um amplo espectro de abordagens, concordamos que é imensa a evidência de que os humanos estão deteriorando os ecossistemas que suportam a vida. Predizemos também, com base na melhor informação científica disponível, que, mantida a via atual, a qualidade de vida humana sofrerá substancial degradação por volta de 2050.
Cooperar ou perecer
Na abertura da 27ª Conferência das partes (COP 27), em Shamrm el-Sheikh no Egito, em 2022, António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas sentenciou: “A humanidade tem uma escolha: cooperar ou perecer. Ou fechamos um pacto de solidariedade climática ou um pacto de suicídio coletivo”.
O cenário catastrófico produzido pelas enchentes no Rio Grande do Sul (RS) não é uma exceção, ao contrário, é uma reprodução, em larga escala, das tragédias em anos recentes no litoral paulista, na Baixada Fluminense, no sul da Bahia, em Recife e, há poucas décadas, em Santa Catarina.
Em todas as situações, há centenas de mortes, milhares de pessoas desabrigadas e desalojadas, casas destruídas, empresas danificadas, cidades inteiras debaixo d’água e traumas de várias ordens.
O mais angustiante é que os estados, cidades e gestões não estão preparadas para lidar com os efeitos das mudanças climáticas, o que agrava os riscos e os impactos.
Essas catástrofes ambientais e socioambientais têm muitas causas. A maioria deriva das ações humanas no planeta e sobre a natureza. O modo pelo qual os humanos produzem e consomem, o sistema de produção capitalista essencialmente depredador, as formas de organização social e os fins éticos das sociedades e dos indivíduos estão na raiz dessas causas. E, ainda, a crise ambiental é concebida, também, como uma crise civilizacional.
Em 2020, na revista científica Nature, foi publicado um estudo que demonstrava que o total dos objetos construídos pela humanidade acabava de superar, pela primeira vez, a massa somada das formas de vida na Terra.
A transformação de matérias-primas naturais em artefatos humanos cresceu de forma tão vertiginosa que, a cada semana, os novos objetos feitos pela nossa espécie superam o peso corporal de cada pessoa viva hoje, afirmava o estudo.
A chamada massa antropogênica, como decidiram designá-la, ultrapassou a marca de 1,1 teratonelada (ou 1,1 trilhão de toneladas) em 2020 e tem dobrado de tamanho a cada 20 anos ao longo do último século, segundo os autores do estudo.
Esta catástrofe de maio no estado do RS é um evento climático potencialmente destrutivo demais para ser considerado como uma mera intercorrência climática, evento natural ou evento apocalíptico segundo a narrativa dos negacionistas.
Eventos climáticos extremos têm sido reportados com maior frequência em diversos locais no mundo, especialmente na presente década. Enchentes devastadoras ocorrem após períodos de estiagem, revelando uma crise de gestão hídrica a ser enfrentada pelo estado.
São 447 municípios atingidos, e no início de junho, o total de vítima fatais já ultrapassava 170, além de centenas de feridos, dezenas de pessoas desaparecidas e mais de 600 mil pessoas desalojadas. São ao menos 532 escolas danificadas, com centenas de milhares estudantes matriculados prejudicados.
Além das perdas ainda não contabilizadas de animais de criação, a perda parcial ou total de lavouras, comprometimento da indústria, a destruição de pontes, rodovias e a estrutura de cidades inteiras, levando o estado a decretar estado de calamidade pública.
O professor pesquisador Roberto Rafael Dias da Silva (Unisinos), lembra que ao estudarmos as implicações do Antropoceno, certamente conhecíamos que as ações humanas têm produzido efeitos globais.
O planeta sente um conjunto de transformações – pelo clima, pelas águas, pela paisagem – e, talvez em nosso estado estejamos descobrindo da forma mais dura: nós, humanos, estamos sentindo em nossos corpos a nova condição.
Nova agenda socioambiental
“Precisamos, agora, retomar a educação ambiental formal e não formal, integral, crítica, comprometida com a justiça climática, com a ética socioambiental e proteção de todos os seres vivos da natureza”
As políticas educacionais precisam trazer para o seu interior um novo direcionamento para tratar questões ligadas à justiça climática. Não um projeto, não um tema transversal, não uma cartilha para ser aplicada nas escolas: mas uma nova agenda na perspectiva socioambiental.
A maioria dos brasileiros e gaúchos se mostraram solidários para com o sofrimento alheio, porém, a maioria não se dispõe a questionar e lutar por mudanças que reduzam o aquecimento global, a crise ambiental, a promoção do consumo consciente, da justiça ambiental e o cuidado da natureza.
Entre tantas urgências e novas agendas que se apresentam no contexto atual é fundamental retomarmos a Educação Ambiental e Climática com a seriedade em todas as instituições de ensino, públicas e privada, da educação infantil a pós-graduação.
A Educação Ambiental foi praticamente extinta pelas recentes reformas educacionais nos currículos escolares. No seu espaço está sendo priorizada a educação financeira, empreendedora e inovadora, na perspectiva do sucesso profissional individual e do capital financeiro.
Precisamos, agora, retomar a educação ambiental formal e não formal, integral, crítica, comprometida com a justiça climática, com a ética socioambiental e proteção de todos os seres vivos da natureza.
Já há gestores educacionais propondo, mais uma vez, “rever os currículos”, repensar a “formação de professores para o mundo incerto e imprevisível” e intensificar a formação socioemocional dos estudantes reconstruir as mesmas escolas nos mesmos territórios.
É mais relevante e urgente retomarmos as políticas, os programas e os projetos de educação ambiental em todos as escolas e em todos os cursos nas universidades públicas, comunitárias e privadas, bem como nas empresas, ONGs, GTGs, meios de comunicação, centros comunitários e espaços comuns coletivos.
O Brasil tem uma política e um marco legal de educação ambiental bem desenhado e avançado. No papel. Não implementado. Agora, é necessário cessar de negligenciar e assumir a implementação disseminada da Educação Ambiental, desenvolvendo uma compreensão integrada do meio ambiente e suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos.
É imperativo, também, que todas as instituições educativas assumam e incorporem a agenda das mudanças climáticas nos currículos de todos os níveis de ensino; que formem professores de todas as áreas do conhecimento para abordar o tema; que empoderem as juventudes para participarem das decisões da agenda climática e, integrem estratégias educacionais às políticas públicas sociais e ambientais.
A Política Nacional de Educação Ambiental (Lei nº 9.795/1999) e a Política Estadual de Educação Ambiental (Lei nº 11.730/2002), atualizada pela lei nº 13.597/2010), já estabelecem que todos estudantes e cidadãos têm direito à educação ambiental, incumbindo:
– o poder público a definir e implementar políticas pública de EA;– às instituições educativas, promover a educação ambiental;– aos meios de comunicação de massa, colaborar de maneira ativa e permanente na disseminação de informações;– às empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas, promover programas destinados à capacitação dos trabalhadores e,– à sociedade como um todo, manter atenção permanente à formação de valores e atitudes voltadas para a prevenção.
As políticas e programas de Educação Ambiental, também, já estabelecem como objetivos primordiais: desenvolver uma compreensão integrada do meio ambiente e suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos; estimular o fortalecimento de uma consciência crítica sobre a questão ambiental e social; incentivar a participação comunitária, ativa, permanente e responsável na proteção, preservação e conservação do equilíbrio do meio ambiente; construção de uma sociedade ambientalmente equilibrada, fundada nos princípios da liberdade, igualdade, empatia, solidariedade, democracia, justiça social, responsabilidade e sustentabilidade; fortalecer os princípios de cidadania, solidariedade e autodeterminação dos povos tradicionais e comunidades locais, entre outros.
Educação ambiental
O Conselho de Educação do Rio Grande do Sul (CEEd/RS) elaborou e instituiu em 2021 as Diretrizes Curriculares Estaduais para a Educação Ambiental no Sistema Estadual de Ensino, por meio da Resolução 363/2021, após escuta ativa à sociedade, as redes de ensino e especialistas.
Essas diretrizes estaduais reafirmam e ampliam a concepção de que a “Educação Ambiental envolve o entendimento de uma educação cidadã, responsável, crítica, participativa, em que cada sujeito aprende com conhecimentos científicos e com o reconhecimento dos saberes tradicionais, possibilitando a tomada de decisões transformadoras, a partir do meio ambiente natural ou construído, no qual as pessoas e demais seres se integram”.
As diretrizes estaduais de Educação Ambiental estabelecem que as escolas públicas e privadas devem prever, em suas atividades pedagógicas prático-teóricas, a adoção do meio ambiente local, incorporando a participação da comunidade na identificação dos problemas e de suas causas.
Também preconiza a realização de ações de acompanhamento e de participação em campanhas de proteção ao meio ambiente; a incorporação do conhecimento e o acompanhamento de programas e projetos em curso, no âmbito de regiões, bacias e microbacias hidrográficas.
A orientação é também para que as escolas próximas a mananciais hídricos, como arroios, rios, áreas úmidas, lagoas, lagos e lagunas, bem como de áreas de recarga de aquíferos, deverão contemplar em seus trabalhos pedagógicos a proteção, a defesa e a recuperação destes corpos hídricos, em parceria com municípios, comitês de bacia, organizações não governamentais e outros.
As enchentes surpreenderam muitas comunidades exatamente por não conhecerem essas realidades e possibilidades.
O marco legal gaúcho determina que as escolas de educação básica e instituições de ensino superior, pertencentes ao sistema estadual de ensino, devem incorporar e abordar um conjunto de temas transversais, em seus currículos, tais como: desertificação e erosão; uso de agrotóxicos; queimadas e incêndios; resíduos sólidos; saneamento; conhecimento sobre o desenvolvimento de programas de microbacias; segurança alimentar, alimentação saudável, orgânica, vegetariana e natural; mudanças climáticas; direitos ambientais, direitos dos animais e direitos humanos; ecologia e gênero; agroecologia e racismo ambiental.
Temos consciência que a educação ambiental e climática não resolverá essas causas estruturais de natureza econômica, social, política e ambiental. Porém, ensina a pensar, refletir e desenvolver uma consciência crítica capaz de transformar os seres humanos que poderão repensar nossa forma de viver neste planeta terra que não somos donos e dependemos dele para existir.
Acúmulo e colapso ambiental
Nesta perspectiva, Luiz marques, pesquisador da Unicamp, autor de Capitalismo e colapso ambiental (Ed. Unicamp, 2016) e coautor de O decênio decisivo: propostas para uma política de sobrevivência (Ed. Elefante, 2023) reafirma a importância de todas essas estratégias, porém, adverte que sistema econômico capitalista é o maior responsável pela crise climática mundial e a ameaça real de vida humana no planeta terra.
“O sistema econômico capitalista triunfou porque se mostrou, de todos, o mais capaz de acumular riqueza, de criar excedente, e de se expandir. Mas, justamente porque prima por essas qualidades, justamente porque essas qualidades o definem, esse sistema econômico é prisioneiro delas. Ele não tem a liberdade de se autolimitar. Dito de outra maneira, ele é incapaz de não destruir, em sua engrenagem acumulativa, a riqueza biológica de nosso planeta e os equilíbrios do sistema Terra que o permitiam ao longo do Holoceno toda civilização. Hoje, a escolha é desmontar peça a peça essa engrenagem ou nos condenarmos a sofrer suas consequências, vale dizer, no melhor dos casos, nos condenarmos a condições de vida muito mais adversas que as que essa civilização da acumulação nos proporcionou”, afirma o autor à página 655 deste último livro.
Para Marques, o fato simples, incontornável e insofismável que constitui nossa agenda é que ao homem contemporâneo não resta outra alternativa senão tentar o que parece hoje, e talvez mais do que nunca, inverossímil, tentar superar o capitalismo, “se por isso se entende superar, ao mesmo tempo, a engrenagem insana da acumulação e a miséria filosófica do antropocentrismo”.
Educação ambiental e climática já para conscientizar e esperançar, ou seja, mudar!
Quem vos dirige a palavra é uma colega, atualmente aposentada do magistério estadual, mas que já completou bodas de ouro dando aulas.
Vocês não estão sozinhos ou solitários neste embate desafiante de verem suas coisas, tão importantes, serem levadas pela correnteza das águas, inclusive, para alguns também, terem entes queridos tragados pela voragem impetuosa dos rios. Há uma rede de vibrações positivas, de nossos pensamentos, carregadas de amor, carinho, levadas pelas correntes do éter que procura chegar em seus corações com mensagens inarticuladas de coragem, ânimo, fé e esperança.
Vocês fazem parte do grupo que exerce a profissão mais nobre da sociedade: os que preparam as gerações novas para enfrentarem a vida. Levantem a cabeça, olhem para o céu, vislumbrem o futuro que em breve será repleto de alegria.
Jesus também foi professor, o Mestre por excelência, e Ele nos diz: “Pedi e obtereis, buscai e achareis”. É preciso neste momento saber entregar a Ele a nossa prece. Integrar-se na oração é uma atitude que demonstra maturidade psíquica e saúde mental, apesar do sofrimento atroz que envolve vossas almas.
Em outra publicação no site, escrevemos queJesus explorava a imaginação de seus ouvintes pois, cada um, com a plasticidade de seu pensamento, criava mentalmente a cena dos episódios narrados na história, que sempre envolvia situações cotidianas, comuns à compreensão de todos.
Naturalmente, sabemos que vai ser preciso muito trabalho, ação, atividade, organização, elegendo prioridades para recomeçar. Buscar seus direitos de receber ajuda federal, estadual e municipal registrando-se legalmente para acessar estas fontes de recursos, sem intermediários. Os sindicatos a que cada um está vinculado estão acolhendo seus filiados, cadastrando-os, registrando suas necessidades pessoais, e, dentro do possível, encaminhando ajuda.
Queridos colegas, não se deixem envolver pela excessiva tristeza, apatia, depressão. Evitem ficarem centrados em torno do problema. Movimentar-se e compreender que é necessária uma cota de sacrifício para conseguir a superação gradativa da tragédia individual e coletiva.
As famílias de muitos alunos também perderam tudo. Não há mais a casa, móveis, roupas, material escolar, lembranças. Muitas escolas também foram arrasadas, ruas, bairros inteiros, municípios. Agora é olhar para a frente, para o futuro. Tudo passa na vida…
É aconselhável, segundo a Psicologia, que é a ciência da alma, que a pessoa que passa por um trauma desta magnitude, com muitas perdas, aprenda a parar algumas vezes ao dia e olhar para dentro de si mesma, conectar-se com as dimensões superiores da vida, respirar fundo, inspirar, expirar, em silêncio, e reencontrar seu equilíbrio emocional e espiritual. Chorar em silêncio, de vez em quando, lava a alma. Buscar a Deus, nosso Pai, entregar-se nas mãos Dele.
Tenham em mente que tudo que foi destruído pelas águas vai renascer, se regenerar, se renovar, para melhor. A História da humanidade registra que grandes avanços, em todas as áreas da vida, ocorrem depois de cataclismos destruidores. As agressões climáticas que se vive hoje estão modificando e recuperando a paisagem natural que o homem agrediu.
Na verdade, não existe estabilidade permanente na vida, tudo está em gradativa mudança. Estamos, sempre, sujeitos à alteração e à transformação repentina em nossas vidas pessoais. Para tal, é preciso flexibilidade para a mudança, desapego, sair do foco daquilo em que nos apegamos. É a lei divina da destruição, que faz parte da vida e que promove crescimento. É saudável nos renovarmos, nos desapegarmos das coisas materiais. Evitar ficar apegado ao passado.
Claro, queridos amigos, que existe um tempo de dor, de sofrimento, luto pelas perdas materiais e, ou afetivas; é normal. Não crescemos efetivamente se não tivermos perdas, elas são experiências necessárias para nosso desenvolvimento emocional e espiritual.
Nosso Mestre e irmão maior, Jesus, o nosso amigo certo das horas incertas, nos consola: “Bem-aventurados os aflitos porque serão consolados” (Mateus, V, vv 5) Por isso, não desanimar, lembrar que a prece, na crise atual, é apoio para nossa alma atormentada.
Vamos refletir: quais serão as consequências destes desafios que nos tiram do prumo? É questão de tempo e de muito trabalho produtivo. Temos a certeza de que todos sairemos melhores e mais felizes desta situação.
Não fiquem calados: gritem, chorem, peçam ajuda dos colegas que, como eu, não foram atingidos pelas águas; que mesmo aposentados, continuamos vibramos por nossa gloriosa profissão. Contem conosco. Vamos nos unir em pensamento, pelas redes sociais, para que possamos trocar experiências e práticas docentes que dão certo. Não desistam de lutar, lecionar. Vamos transformar nossas escolas em espaços lindos de acolhimento, ensino, aprendizagem, de muita arte e harmonia, onde todos se sintam felizes.
A beleza da natureza se entrega para o abraço da inteligência. Esta é a nossa permanência humana no planeta, que as falas das águas gritavam nesse caudal de outono.
Maio iniciou com chuvas, tempestades, alagamentos, inundações, desaparecimentos e mortes. Águas que inundam, invadem, afogam, matam as pessoas, os animais, as plantas de modo avassalador, como se a natureza enfurecida reagisse a tanto descaso e gritasse com todas as suas forças, para se fazer ouvir, mostrando a todos que chegou no seu limite.
Não são águas que lavam feridas, não são águas que cantam de alegria, são águas revoltas que anunciam um ponto final para a dor e o desprezo dos humanos com o planeta em que habitam. Não são violentas, foram violentadas pela ganância, pelo produtivismo, pela ausência de cuidado, por serem usadas de forma afrontosa, desrespeitadas em suas fronteiras naturais.
Lembramos aqui a famosa frase de Bertold Brecht:
“Todo mundo chama de violento a um rio turbulento,
mas ninguém se lembra de chamar de violentas as margens que o aprisionam”.
Essa violência, que aprisiona, traduziu-se na civilização de várias formas, por diferentes procedimentos, nas diversidades inventivas, pelas quais os humanos decidiram moldar a natureza em suas manifestações. Esqueceram-se que sua soberania sobre o planeta era nenhuma. De modo irresponsável, com atitudes destruidoras, produziram esse cenário de horror.
Ao olharmos as cenas das pessoas sendo socorridas, surgidas dos telhados das casas, do meio dos rios, debaixo das pontes, junto às estradas, nas encostas dos morros, percebemos os limites da aventura humana, cuja temeridade produziu dores, perdas e lutos. Se tivesse sido utilizada a ousadia da inteligência teríamos alegrias, festas e celebração da vida.
Esse presente absoluto da tragédia, exterminador da história e da memória das pessoas, transformou a vida numa cena líquida, levada pelas águas, cujas falas anunciam um futuro mergulhado no absurdo do presente. Importante lembrarmos dos estudos de Zygmunt Bauman, e sua crítica acerca da Modernidade Líquida, em que tudo escorre como a água entre os dedos das mãos. As pessoas contemplavam desoladas as fotografias, os brinquedos, seus pertences como algo que escorria entre seus dedos, levados pela água.
Construímos esse tempo de modo imperativo como se fôssemos donos do Planeta que habitamos. Mais uma vez ocorreu o que Bauman prenunciou, o tempo também se tornou líquido.
Tempus fugit, diz o provérbio latino. O tempo foge. Não dominamos seu curso, nem sabemos o que virá. Sabemos que devemos cuidar da vida, com o zelo necessário para que vivamos nossos possíveis com relativa segurança, sem a corrida maluca para dominar tudo, o que resulta em ficar sem nada.
A paz do mundo que criamos na civilização, não pode ser a paz da ausência, do silêncio indiferente, do domínio perverso da natureza. Antes, deve ser a paz do afeto, da presença, do cuidado, da acolhida.
A beleza da natureza se entrega para o abraço da inteligência. Esta é a nossa permanência humana no planeta, que as falas das águas gritavam nesse caudal de outono.
As pessoas opinam sobre assuntos que não conhecem com profundidade, julgam sem empatia, não conseguem se colocar no lugar do outro.
Quem és tu que queres julgar, / com vista que só alcança um palmo, / coisas que estão a mil milhas? A frase de Dante Alighieri em ‘A Divina Comédia’ é um chute na boca do estômago de muita gente, principalmente quem julga de forma crítica (nada construtiva) programas de governo como o Bolsa Família.
Não foi uma nem duas vezes que ouvi por corredores, em grupos fechados da elite passo-fundense ou em encontros das abastadas famílias coronelistas locais e, o pior, de quem nem é tão abastado assim, críticas contundentes ao Programa Federal Bolsa Família. Para quem não sabe, o Bolsa Família é a unificação do Bolsa Escola, criado em abril de 2001, do Bolsa Alimentação, criado em setembro de 2001 e do Auxílio Gás, criado em janeiro de 2002 pelo governo FHC.
Naqueles anos, o governo sofria com alta inflação, que se refletia com muita pobreza e desemprego. Para buscar uma solução, FHC pediu financiamento internacional para o FMI – Fundo Monetário Internacional. Para liberar os recursos, a condição foi que o governo criasse programas sociais onde os recursos fossem diretamente às famílias.
A gente sabe que só assim para o dinheiro chegar no bolso de quem realmente precisa.
E sabe quem são as pessoas mais beneficiadas com isso? As mães. Sim! Quem segura as pontas, quem leva no médico, quem vai no mercado na grande maioria das vezes são as mulheres, mães solo ou não. Para conseguir o benefício, elas tem de comprovar a vacinação em dia dos pequenos, além da frequência escolar, o que traz por si só uma justificativa importante. Milhares de crianças não estariam na escola não fossem os programas sociais. Então eles são ruins?
Claro que muitos dos que estão lendo esse texto já pensaram: mas tem que ter um programa social e recursos para garantir que os pais levem os filhos na escola ou que os vacinem? Sim! Nossa realidade é de um país com graves problemas educacionais/culturais.
Para você que estudou e teve amparo psciológico e estrutura de família parece ser lógico, mas para quem nasceu em lares destruturados, passando fome, conhecendo a dura realidade da vida desde cedo, com muito muito sofrimento – falta de saneamento, moradia precária, sem acesso à saúde – isso não é comum e eles precisam ser estimulados por programas sociais a dar uma contra partida para receber recursos.
Essa é a vida como ela é.
Ah, mais pobre nem tem que ter filho. Quem é você, quem somos nós pra julgar? Será que temos esse direito?
Autora: Rosângela Borgesé jornalista, feminista e ativista pelos direitos humanos. Também é Convidada, colaboradora do site.
Perdendo a capacidade de “ouvir” e “ver”, passamos a atuar, por mais elevadas que sejam as titulações acadêmicas, como imbecis funcionais que acreditam ser possível encontrar a solução dos problemas usando o mesmo paradigma que criou os problemas.
Quem sabe, antes de nos embrenharmos na defesa da necessidade de construção uma nova ética para lidarmos melhor com as grandes questões que afligem a humanidade, o que precisaríamos, de fato, não seriam uma nova ótica e uma nova óptica? É isso mesmo: uma nova ótica e uma nova óptica. Afinal, essas são as ciências que, na física, estudam o som e a luz e têm as suas contrapartes em biologia, que tratam da audição e da visão.
Pois, foi com o enfoque de, antes de qualquer coisa, “ouvir” e “ver”, que Roberto Crema (psicólogo e antropólogo da Unipaz/Universidade Internacional da Paz) elaborou a linha mestra da conferência magna que proferiu no VIII Workshop de Editoração Científica promovido pela ABEC-Associação Brasileira de Editores Científicos, em Campos do Jordão, SP, de 10 a 13 de novembro de 2014, sob o título “Liderança na área da autoria científica”.
“Ouvir” e “ver”, antes de qualquer coisa, são peças fundamentais por serem a base da hermenêutica (a ciência da interpretação) ou, para quem preferir, por estarem essas palavras expressas no primeiro mandamento das Leis de Deus e na tradição xamanística dos zulus na África do Sul.
“Ouve/Escuta Israel!” (Deuteronômio 6:4-9) ou o “Shema Israel!” (da Torá), que formam a base do monoteísmo judaico-cristão. É pela relevância não só de ver, mas de sentir a presença nas relações interpessoais que os zulus, em vez dos nossos protocolares cumprimentos – “bom dia/boa tarde/boa noite”, “como vai?”, “Oi, tudo bem?, “Olá, eu vou bem, obrigado/obrigada!”, etc. – , optam pela peculiar saudação “sawubona”, que significa “TE VEJO!”, e pela inusitada resposta “sikhona”, que literalmente traduz-se por “ESTOU AQUI!”. É isso. Simples assim: TE VEJO… ESTOU AQUI! E se foi o Senhor Deus que ordenou e se os Xamãs assim o querem, quem somos nós para questionar?
Roberto Crema tratou do exercício da liderança alheia aos cargos ou posições ocupados na hierarquia das corporações, que se dá, acima de tudo, pela escuta, pelo olhar e pelo sentir a presença do outro. Algo aparentemente simples, mas de difícil concretização prática no mundo das organizações, que, não raro, são territórios em que reinam absolutos chefetes de plantão, cujo respeito que recebem dos pares não transcende os contornos dos cargos que ocupam.
Entenda-se que escutar não é meramente ouvir. Audição é função biológica, mas a nossa referência é INTERPRETAR, que exige a pluralidade dos sentidos, num mundo em que, metaforicamente, vivemos a crise da surdez, decretando-se a falência da hermenêutica.
Precisamos, especialmente no universo científico, transgredir a NORMOSE, expressão forjada por Jean Yves Leloup, na França, e por Roberto Crema, no Brasil, que significa a patologia da normalidade ou a doença da estagnação evolutiva, da qual muitos de nós, mesmo imperceptivelmente, sofrem, quando nos deixamos dominar pelas coisas pequenas, pela mediocridade e pelo egocentrismo exacerbado, perdendo a capacidade de “ouvir” e “ver”, passando a atuar, por mais elevadas que sejam as titulações acadêmicas, como imbecis funcionais que acreditam ser possível encontrar a solução dos problemas usando o mesmo paradigma que criou os problemas.
Roberto Crema tem uma fala suave e uma aura espiritualizada, estilo guru “Nova Era” que, mesmo abusando de frases de efeito, cuja autoria original, para ouvidos atentos, pode ser facilmente identificada, se não nos convence, pelo menos nos deixa mais reflexivos.
São referências coisas como: “O maior perigo da humanidade é um cientista alienado” (Robert Oppenheimer); “O pior naufrágio é não partir” (Amyr Klink); “Vida é o que acontece enquanto estamos ocupados fazendo outros planos” (John Lenon); e “É preciso parar o mundo para conseguir ver” (Carlos Castañeda. A erva do Diabo, 1968). E as que eu não consegui identificar as fontes: “Nenhum vento é favorável pra aquele que não sabe aonde quer chegar”; “Todo mundo quer renascer, mas ninguém quer morrer”; “Nós não nascemos humanos, nós nos tornamos humanos”; “Este não é um mundo de perfeição, mas de aperfeiçoamento”; “Acenda uma vela em vez de apenas reclamar da escuridão”; “Não haverá outra Arca de Noé”, “Utopia é o que não tem espaço ainda para acontecer”; e, a minha preferida, “Ressentimento é um veneno que a gente bebe e fica esperando que o outro morra”.
Se você leu até aqui, então você está aqui… Te vejo!
Entendemos que, nas diferentes redes de ensino, em especial, nas escolas públicas, deveriam ser implementadas iniciativas de socialização, discussão, sistematização e divulgação de boas práticas de aprendizagem, feitas de professores para professores, realizadas por grupos afins ou por áreas de conhecimento.
Definitivamente, escrever sobre educação ainda não é tarefa reconhecida, nem atribuição dos professores e professoras do Brasil. Mas, deveria ser, pois possibilitaria à estes/estas maior apropriação do seu trabalho pedagógico, passando da condição de tarefeiros e aplicadores de atividades a sujeitos que induzem e promovem aprendizagem de maneira coerente, reflexiva, consistente e programada.
No Brasil, nas últimas décadas, a mídia tradicional procura valorizar e mostrar experiências educativas que levam em conta um certo heroísmo, destemor, ousadia e intuição de professores, professoras e instituições. Não se valoriza, nem se incentiva, nas diferentes redes de ensino, a prática sistemática de reflexão e escrita dos professores sobre as suas práticas. Ao contrário, buscam-se receituários prontos, propostas de atividades já projetadas ou elaboradas por “iluminados” que fazem parte de editoras ou, mais recentemente, de fundações ou institutos educacionais privados. Estes receituários não exigem muita reflexão ou planejamento, mas almejam o cumprimento de metas e objetivos alcançados, para preenchimento de formulários ou planilhas, estatísticas e números.
Nesta perspectiva, professores e professoras podem ser comparados a números e/ou máquinas que precisam comprovar suposta eficácia educacional: contam suas horas/aula, o número de estudantes por sala de aula, suas horas atividades, as burocracias e registros estéreis de planejamento, planilhas com anotações sobre aprendizagem/habilidades/competências advindos da BNCC. Neste contexto, qual é o tempo destes professores e professoras estudarem na escola? Qual é o tempo para refletirem sobre alguma de suas atividades que geraram significativas aprendizagens ou apresentaram os maiores desafios de seu trabalho junto aos estudantes?
A prioridade do trabalho dos professores e professoras deve ser o pedagógico, deve ser a relação com os estudantes, deve ser a exploração dos seus potenciais criativos, o uso de novas tecnologias e ferramentas educacionais e a mediação da construção dos conhecimentos. As quinquilharias da excessiva burocracia na educação só enchem tabelas de relatórios e os olhos dos burocratas que pouco entendem de educação. (Leia mais: https://www.neipies.com/estao-matando-a-essencia-da-educacao/ )
Os poucos professores que se preocupam com a qualidade da educação, a partir de seu protagonismo e de suas atitudes reflexivas, quando levantam perguntas sobre possibilidades e tempo para reflexão e sistematização de práticas educativas, tem seus pleitos tratados como “caso particular”, ou como atividade não condizente com o fazer docente. Definitivamente, são incompreendidos nas suas proposições, pois remam contra a maré dos tecnocratas que reservam ao professor uma única função: dar aulas.
As reflexões e ponderações, neste ensaio, surgem de leituras, observações e vivências onde o planejar, o executar e o avaliar (a partir da sistematização de práticas pedagógicas) são uma prática recorrente. Nestes processos, há ainda a socialização das aprendizagens e das escritas, como forma de trocas e enriquecimento mútuo dos envolvidos. No mesmo sentido, fazemos do site www.neipies.com um laboratório de aprendizagens onde mesclamos artigos, crônicas, textos com sugestões de atividades, como formas de enriquecer e fortalecer o trabalho docente.
Entendemos que, nas diferentes redes de ensino, em especial, nas escolas públicas, deveriam ser implementadas iniciativas de socialização, discussão, sistematização e divulgação e boas práticas de aprendizagem, feitas de professores para professores, realizadas por grupos afins ou por áreas de conhecimento. Estas iniciativas, por fim, deveriam estar disponíveis, publicadas em sites ou meios específicos, para o conjunto de professores e professoras daquela rede. Para além de valorizar as experiências individuais (de professores) ou coletivas (de escolas), a própria rede de ensino poderia ver nestas atividades uma espécie de retrato do trabalho docente, atestando-lhe qualidade e reconhecimento. Poderia, também, sugerir a multiplicação destas experiências em outras salas de aula, em outros lugares ou contextos escolares.
Esse trabalho pautado na reflexão sobre a prática docente é o melhor, se não o único meio de fazer a formação continuada coerente com as necessidades de cada contexto. Em “comunidade de investigação”, como fora bem fundamentado por pensadores como Elli Benincá, cuja concepção de formação fundamenta-se numa antropologia que considera o ser humano aberto a aprendizagem, ou no dizer de Paulo Freire “inacabado, inconcluso, vocacionado a ser mais”. Esse fazer, longe de se tornar efetivo nas redes de ensino, requer espaço – tempo para encontro com os pares, registro das práticas, estudo das mesma e re-encaminhamento para a ação. Essa proposta não é bem acolhida por portadores de uma concepção tradicional de ensino, a qual centra-se na figura da autoridade. Em oposição a essa postura, aprendemos com Benincá que:
… os professores que possuem uma visão dialética do mundo percebem que o saber é um processo permanente de construção. Nessa mesma perspectiva, o ser humano, por sua ação, torna-se transformador, não só dos contextos sociais como também da natureza. Como a transformação pode produzir algo de original e inédito, sua compreensão precisa de aprendizagem. Havendo transformação, supõe –se a existência de conflitos. Tal processo requer sempre nova aprendizagem. Em decorrência, pode-se dizer que as transformações na natureza e na sociedade, embora não sejam produzidas especificamente, pela escola, penetram no seu interior, construindo um espaço privilegiado de aprendizagem. (BENINCÁ, 2010).
“As publicações de Elli Benincá (1936-2020) eram uma forma de contribuição para que outras pessoas exercessem a tarefa pedagógica e teológico-pastoral na perspectiva que sempre sonhara: formação profunda e autonomia em ser e agir. A leitura dos textos leva a pessoa a interagir com o seu contexto de vida e trabalho em uma perspectiva crítica e aberta às transformações necessárias”. (Ari Antônio dos Reis)
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Sistematização de práticas docentes e formação de professores
Sistematizar as práticas educativas, pensar sobre as intervenções cotidianas de uma sala de aula à luz das teorias e dos pensadores é parte de um desafio mais ousado de formação de professores e professoras.
Embora já sejam bastante estudadas, a sistematização e a escrita das práticas pedagógicas ainda não foram internalizadas entre os professores e professoras e nem entre os gestores educacionais como estratégia de mudança e ressignificação do “fazer docente”. Parece estar ainda restrita ao fazer pedagógico que embasa as experiências educativas sociais e populares. Ou a estudos do “pessoal da pedagogia”.
Em matéria da Revista Nova Escola, podemos reconhecer a importância de observar, registrar e refletir as práticas docentes e a parceria entre gestores escolares e professores. “Quando há parceria com colegas e gestores, o processo formativo se amplia, mas Tamara crê que o ato de escrever já contribui para seu aperfeiçoamento. “O registro faz com que o momento não fique para trás e o aprendizado se consolide.” A escuta sensível e o olhar para o que as crianças dizem e pensam têm sido o caminho para melhorar sua prática e se fortalecer como professora”.Leia mais aqui:https://novaescola.org.br/conteudo/1882/registros-que-fazem-o-professor-refletir-sobre-a-pratica
Afirmamos, por fim, a importância da formação na vida pessoal e profissional dos docentes. Cremos, sobretudo, que são necessárias mudanças de posturas e de práticas, para melhorarmos a qualidade de nossa intervenção pedagógica, conectada com o mundo e com as necessidades dos estudantes.
Não acreditamos que projetos, metodologias ou propostas pedagógicas unilaterais que são oferecidos como receitas de melhoria da qualidade da educação por universidades, institutos ou fundações promovam as mudanças didáticas e pedagógicas que precisamos implantar em nossas escolas. Todas as iniciativas devem estar acompanhadas do protagonismo, reflexão e sistematização das práticas dos professores envolvidos.
Os professores são protagonistas da educação, mas, na medida em que estes não tem tempo para escrever, discutir e promover suas práticas educativas, dão margem para outros profissionais que, fora da educação ou das salas de aulas, dizem o que precisamos fazer na escola. Podemos, e devemos, ousar mais!
Leia também:O professor Altair Fávero defende que “o professor se torna melhor quando consegue pensar sobre sua própria condição profissional.Nesse sentido, concordo com António Nóvoa quando diz que “a formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal” (1995, p. 25).https://www.neipies.com/escola-boa-e-a-escola-onde-professores-estudam/
Iniciativas de sistematização de práticas pedagógicas
Já existem iniciativas, em âmbito estadual, do RS, que buscam valorizar as iniciativas dos professores e professoras, bem como de escolas da rede estadual. Conheça 2 experiências que procuram oportunizar a socialização de projetos e de iniciativas educativas de professores da rede estadual do RS.
2ª Mostra das Boas Práticas Pedagógicas – Assembleia Legislativa do RS
Nesta edição 2024, a Mostra abrangerá a temática “A Escola Pública e o seu compromisso com o conhecimento e a cidadania e tem como objetivos conhecer, registrar, incentivar, valorizar e compartilhar o protagonismo e a autoria de professores, estudantes e comunidade escolar, ao dar visibilidade às boas práticas pedagógicas em sala de aula. Desta vez, a mostra pretende envolver a Assembleia Legislativa com as comunidades escolares do RS.
A edição de 2024 será composta por relatos de experiências das escolas; ciclo de debates da Educação com relatos e exposição e a publicação de um livro com os relatos selecionados. A seleção dos trabalhos ficará a cargo de integrantes da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa, representantes de universidades, entidades educacionais e representativas de professores e alunos. Os relatos de experiência contemplam todos os níveis e modalidades de ensino.
A Comissão desenvolveu quatro linhas temáticas pedagógicas para esta edição: leitura e escrita como estratégia de desenvolvimento cultural e social, tanto de estudantes como de professores, servidores e a comunidade escolar; a valorização das meninas e mulheres e a prevenção da violência; o meio ambiente no contexto de preservação e garantia de desenvolvimento sustentável do planeta e a pesquisa e a tecnologia como instrumentos de construção do conhecimento, desenvolvimento e cidadania.
Para participar da Mostra é necessário ser escola pública do RS e apresentar um relato da experiência em forma de texto, observadas as temáticas pedagógicas do edital. O relato inscrito deverá apresentar práticas ou ações concluídas ou em andamento.
As inscrições para a Mostra vão até o dia 31 de maio. O período de avaliação dos trabalhos inscritos se estende entre junho e julho. A exposição e apresentação dos trabalhos acontecerá no dia 18 de outubro, nas dependências da Assembleia Legislativa, durante todo o dia.
Conforme a deputada Sofia Cavedon, é preciso valorizar o que existe de trabalho bem feito, dedicado e inovador das escolas estaduais.
Após a fala da deputada, foram relatados dois projetos de boas práticas pedagógicas. Um, da Escola Estadual de Ensino Médio Patrulhense, de Santo Antônio da Patrulha, denominado projeto Momento Literário, que, em março, destacou o Dia Internacional da Mulher. Conforme a diretora da Escola, Bianca Salazar dos Santos, os assuntos abordados nas rodas de conversas foram escolhidos a partir das leituras relacionadas ao tema abordado.
Outro, da escola André Leão Puente, de Canoas, relata a criação, em 2019, de um Podcast com o finalidade de trazer para a comunidade escolar assuntos de interesse geral, relacionados com cultura, educação, leitura, literatura, cinema e conteúdos abordados em sala de aula. “A nossa intenção é ampliar e transformar os canais digitais e redes sociais da escola em meios agregadores, fomentando alunos e ex-alunos a produzirem conteúdo”, relatou à Comissão o diretor da Escola, idealizador do projeto e âncora de vários episódios, Felipi Fraga.
Presenças Participaram da reunião as deputadas Eliana Bayer (Republicanos) e Sofia Cavedon (PT), presidente, e os deputados Carlos Búrigo (MDB), Elizandro Sabino (PDR), Kaká D Ávila (PSDB) e Leonel Radde (PT).
Edição Estadual da 4ª Mostra Pedagógica do CPERS (2023)
A Mostra Pedagógica do CPERS é uma oportunidade para compartilhar iniciativas e experiências bem-sucedidas de todo o estado e é também uma chance de fortalecer ainda mais a nossa comunidade escolar e promover o intercâmbio de ideias e conhecimentos.
Ao inscrever seu projeto, você estará contribuindo para a construção de um ambiente de aprendizagem cada vez mais inclusivo, dinâmico e enriquecedor. Sua participação é fundamental para inspirar outros educadores(as) a inovarem suas práticas e alcançarem melhores resultados.
Rosane Zan, da Comissão de Educação do CPERS, destaca que todas as iniciativas são bem-vindas. “Acreditamos que todas as escolas têm experiências valiosas para compartilhar, independentemente do tamanho ou localização. Não importa se você atua no interior do estado ou na capital, em uma escola pequena ou em uma grande instituição. Cada projeto inscrito terá a oportunidade de ser reconhecido e valorizado”.
Os 42 núcleos do CPERS realizarão mostras regionais de agosto a novembro, e educadores(as) devem se inscrever com até cinco dias de antecedência ao evento na sua região. Os projetos e trabalhos mais significativos terão lugar na etapa estadual da Mostra, que ocorrerá em Porto Alegre em data a ser definida. As experiências selecionadas também serão compiladas em uma publicação especial.
Participe e não perca a chance de mostrar ao nosso estado a excelência da educação que construímos juntos, apesar da desvalorização e descaso do governo Eduardo Leite (PSDB) com a educação e os educadores(as).
Inscreva seu projeto e faça parte dessa grande celebração do conhecimento e da dedicação dos profissionais da educação. Juntos(as), podemos construir uma escola pública cada vez mais inclusiva, transformadora e presente na vida de nossos estudantes.
* Esta publicação teve participação do professor Marciano Pereira, um dos convidados do site que produz sistematicamente reflexões sobre educação e religiosidade.
Eventos climáticos extemos são desequilíbrios do clima que afetam diretamente o nosso cotidiano, causando perdas e destruição; abalando a nossa saúde física e mental, além de influenciar em fatores econômicos, sociais e ambientais de uma região.
Julgo que se faz de extrema importância refletirmos sobre esses eventos, principalmente, no contexto atual em que o Rio Grande do Sul, um estado da região sul do Brasil, passou por uma das maiores enchentes da história, sendo que, no ano passado, já havíamos passado por um evento semelhante.
Não há como ignorar a reincidência de chuvas intensas em um curto período de tempo. E fica difícil de entender isso como meramente uma ação da natureza, como se ela fosse um ente isolado, e nos abster de nossa influencia no meio em que vivemos.
Nesses últimos dias, argumentos como “o homem não tem influência no clima”, acompanhado de teorias conspiratórias que não agregam em nada na resolução de nossos problemas, foram bem recorrentes, mesmo com o alarme das mudanças climáticas, embasadas na ciência.
Mas, responda-me, quando você acende uma lareira, queimando lenha em sua casa, você consegue alterar o clima daquele ambiente? Fica mais quente, né? Então, podemos dizer que sim, não é mesmo?
– Aí Ana, mas se eu acender um fogo em um campo aberto, a minha influência é insignificante.
Quando você contabiliza um campo aberto, você tem que contabilizar a influência de 8 bilhões de pessoas, acrescido as indústrias que criamos, os veículos que utilizamos e tudo mais que de alguma forma influencia no clima, geralmente, acrescentando calor por meio da queima de combustíveis fósseis.
Como resultado de nossas ações, temos o aumento de dióxido de carbono na atmosfera, que curiosamente, após a revolução industrial aumentou em 120 partes por milhão em apenas 150 anos. Um aumento muito significativo em curto período de tempo. Que por sua vez, age no clima, aumentando a tendência de reações extremas e mecanismos compensatórios.
Digamos que a natureza pode ter o seu ciclo de chuvas intensas, períodos de muito frio ou muito calor, mas, isso não significa que esse contexto não possa ser agravado pela ação humana, porque somos parte da natureza, e é justamente o que parece estar acontecendo.
Se há algo que possamos aprender com esses eventos é o quanto parece não existir fronteiras para o clima ou quando o assunto interfere na vida de todos os seres aqui no planeta. E que ações isoladas, por mais que tenham a sua importância e seu papel mitigatório, não serão o suficiente. Precisaremos estabelecer uma sinergia enquanto humanidade em prol do mesmo objetivo.
Ao mesmo tempo, cabe aos principais envolvidos nesses eventos climáticos extremos, desenvolver meios com a finalidade de se reestabelecer, se aprimorar, e se proteger. Diante do exposto, esta produção tem por interesse apresentar aspectos a serem refletidos, tendo como referência o evento de chuvas intensas aqui no Rio Grande do Sul.
Farei isso com base em minhas vivências nesse período, além dos conhecimentos que adquiri por meio de minha formação como arquiteta e urbanista e filósofa. Longe de ser um manual de como fazer as coisas, meu principal interesse é abrir um espaço para que possamos pensar em meios de aprimoramento, a fim de que sejamos mais eficazes quando o assunto for a nossa segurança e bem-estar.
Convido você a utilizar os comentários como meio de também compartilhar a sua experiência, as dificuldades mais observadas neste período e suas sugestões de como o gerenciamento das questões relacionados aos eventos climáticos extremos pode e deve ser aprimorado.
Deixo aqui a minha esperança que possamos ser ouvidos!
Caso você não possuir sugestões e mesmo assim desejar contribuir, compartilhe este texto, fazendo com que mais pessoas possam ter contato com essas ideias!
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Sabe, se tem uma questão que me alinha toda vez que eu cometo um erro ou uma falha, é destinar um tempo para refletir sobre o que aconteceu, e estabelecer diretrizes de como evita-lo quando um contexto semelhante surgir. Essa estratégia costuma aliviar meus sentimentos incômodos graças a sensação de que eu estou fazendo algo por isso.
Portanto, talvez a pergunta que todos nós possamos nos fazer, e nossos governantes precisem encarar, é o que poderia ter sido feito, que não foi, para que esse contexto fosse no mínimo amenizado?
E aqui eu sigo com as minhas reflexões…
1. Sobre os planos, os papéis e o gerenciamento político.
A primeira sugestão que me vem em mente se trata de um plano de contingência. Que muito mais que um documento formal, visa estabelecer diretrizes, procedimentos e ações a serem adotadas em caso de ocorrência de desastres naturais entre outros eventos adversos que possam colocar em risco a nossa segurança e bem-estar.
Agora eu lhe pergunto: a sua cidade tem um plano de contingência? Você recebeu alguma orientação de como agir em situações como essas? Indo um pouco além, se existe esse plano, como ele dialoga com a região, o estado e o país? E como podemos fazer com que o plano não seja mais um papel caro e engavetado aqui no Brasil?
Se algo ficou evidente neste período de enchentes foi o quanto necessitamos ter mais clareza de como agir em situações como estas, além de um diálogo claro e coordenado pelo órgão de referencia com as pessoas que desejam ajudar. É por isso que precisamos de um plano.
Mas, por onde a gente começa? Pelos interessados, ou seja, nós. Porque se há algo que está ficando cada vez mais escancarado, é que delegar questões que dizem respeito diretamente a nossa qualidade de vida, para instâncias maiores, excessivamente burocráticas, pouco efetivas e muito distantes de nossa realidade, não está dando certo. Em resumo, a gente pode contar com o apoio deles, mas precisaremos ser protagonistas.
Eu recomendaria, após o encaminhamento das questões urgentes, aproveitar o momento para reunir as lideranças da sociedade civil e redigir um documento solicitando o apoio do poder municipal na elaboração de um plano de contingenciamento.
Começar com perguntas básicas como qual é o objetivo deste plano e como a gente cumpre com ele, pode ajudar na hora de colocar as coisas no papel. Convocar pessoas que entendam do assunto também, além de dar ouvido a população e as principais dificuldades enfrentadas neste período.
Outra questão fundamental é o mapeamento. Podemos utilizar este evento para favorecer o mapeamento das áreas de risco como ter em mãos uma estimativa de habitantes desta região. Aos poucos, conforme formos nos organizando, podemos criar até mesmo uma rede compartilhada de soluções, para que mais municípios possam refletir e implementar, e aqui sim entra o papel do estado e porque não dos conselhos, como orientador, condutor e conector de nossas ações.
Falando em papel… é importante aproveitar o momento para estabelecer ou no mínimo ter mais clareza sobre o papel dos órgãos federais, como também dos conselhos, universidades, associações e entidades nesses eventos. Dar nome ao problema e compreender como cada um pode contribuir com a resolução e o que é mais indicado cada um fazer, tendo em vistas o objetivo último, deve reduzir essa sensação caótica de sentir que nossos esforços são insignificantes. Ou de fazer tudo ao mesmo tempo e no final sentir que não estamos fazendo nada.
Outra questão que podemos nos questionar é como garantir que de fato tais planos sejam implementados. E aqui, além de estabelecer estratégias claras e indicadores a fim de que consigamos medir o progresso, quem sabe possamos ajustar alguns papéis.
Por exemplo, eu vejo que é uma prática legal do conselho de arquitetura e urbanismo fiscalizar obras para conferir se elas têm o devido responsável, isso também é feito pelo conselho de engenharia, e também é dever dos fiscais municipais. Resumindo, são três entidades fazendo a mesma coisa.
Mas, quem é que fiscaliza a prefeitura por elaborar, seguir e implementar os planos? Por exemplo, não é incomum ver cidades elaborando planos, como o de mobilidade, apenas para o cumprimento legal, mas sem a real efetivação. Ou de planos diretores sendo elaborados para o favorecimento de alguns ao invés de todos. Ou nos casos, geralmente de municípios menores, em que as normativas estão defasadas e o setor de planejamento urbano é praticamente inexistente?
Digamos que em uma sociedade ideal, as pessoas devem fazer algo não por medo de punição, mas por compreender que aquilo é o certo a fazer. E assim na pessoa adulta cresce a capacidade de autogerenciamento. Em outras palavras, ninguém precisa cobrar uma prefeitura que entende a importância da implementação de um bom plano, porque ela vai buscar implementar.
Mas, talvez, os municípios que fazem um plano apenas para cumprir a lei, ou em muito dos casos, não o efetivem por questões de interesses pessoais, ou por plena ignorância, precisem de uma mãozinha. Ou melhor, um conselho de conselhos não só de arquitetura e urbanismo e engenharia, como também de advocacia, contabilidade, psicologia dentre outras áreas fundamentais e que tem muito a contribuir no gerenciamento político e por consequência no planejamento e efetivação de ações em nossas cidades.
Já que não podemos garantir que a pessoa mais indicada assuma o cargo de prefeito, dentre outros cargos importantes que muitas vezes é a base indicações pouco fundamentadas, ao menos que possamos garantir que independentemente de quem esteja lá, receba uma orientação e possa compreender a importância de certas ações, sendo também cobrado por isso. E aí, ao invés de fiscalizar as obras, a gente possa ajustar algumas atribuições e fazer com que os conselhos fiscalizem e orientem a prefeitura que vai não só fiscalizar obras, como também executar os planos.
1.1 Alertando sobre os alertas
Outra questão evidente que veio à tona neste período foi a necessidade de se estabelecer uma rede de avisos eficiente, em que cada município tenha um responsável por receber e repassar informações oficiais e embasadas nos estudos meteorológicos sobre o alerta de possíveis eventos climáticos extremos. Isso porque, não dá para avisar as pessoas apenas pelas redes socias. Precisamos aperfeiçoar esse mecanismo e aqui vale abrir um edital para receber muitas ideias. Desde aplicativos, cadastro de números para chamadas no celular com mensagens automáticas, sirenes enfim, o momento é de captar e organizar ideias e aplica-las.
Mas, digamos que a gente recebeu o alerta, e agora, a gente faz o que? Aqui vem a importância da orientação, treinamento e de um plano. A população precisa ter clareza de onde ir e como agir em situações como esta.
1.2 Definição e gestão de Alojamentos
Ou seja, alerta eficaz e evacuação da área com destino aos alojamentos elencados pelo plano de contingenciamento. Esses espaços, principalmente para cidades menores, poderiam ser de uso hibrido, como por exemplo um salão de festas, que vira alojamento.
Sim, isso é o que está acontecendo, mas podemos nos aperfeiçoar, como por exemplo: ampliando os banheiros e acrescentando chuveiros; ter uma planta setorizada a fim de orientar a instalação de divisórias leves e removíveis, que podem ser aquelas que a gente vê nas feiras. Ações como essas podem tornar espaço habitável e menos caótico, por um tempo maior, principalmente àquelas pessoas que perderam até mesmo a sua casa.
Outra questão seria um manual básico de gerenciamento de pessoas, que pode ser um para todo o estado. Quando criado por quem entende do assunto é uma estratégia que poderá adiantar muito o processo, porque já antecipa os principais problemas, apresentando soluções. Porque acredite, manter pessoas assustadas e desconhecidas reunidas em um espaço não é uma tarefa fácil. E fica muito pior quando a gente não tem experiência. E eu não sei se você percebeu, mas novamente, eu recorro a necessidade de sistematizarmos e otimizarmos o conhecimento, porque eis uma ferramenta poderosa e subutilizada.
Pensemos que quando essa evacuação é feita de forma planejada e antecipada, dá tempo de levar consigo o essencial que é comida, água, medicamento e higiene. E caso isso faltar, fica mais fácil de entender a demanda quando as pessoas estão reunidas e contabilizadas.
Falando em demanda…entramos aqui em uma das questões que, na minha opinião, mais carecem de um plano. É natural que em uma situação como a que passamos, sem a devida orientação, as pessoas solicitem ajuda ao maior número de pessoas possíveis, sem muito detalhe; e isso não está errado quando analisado um cenário desesperador. Mas, isso pode gerar um certo desequilíbrio como pessoas não recebendo o que precisam e pessoas recebendo algo que elas não precisam e que pode estar faltando em algum lugar.
É por isso que se faz indispensável aplicar um sistema de gerenciamento de demanda. Aqui vale a sugestão de um aplicativo de captação de demandas, conectando pessoas que precisam de ajuda e pessoas que querem ajudar. Mas, de forma sistematizada com levantamento de demanda, a fim de compreender qual é a prioridade para aquelas pessoas e com base nessa análise organizar as campanhas; adoção de pedidos, a fim de que consigamos distribuir a ajuda de forma otimizada, não concentrando o envio em um só lugar; além do acompanhamento por geolocalização e confirmação de entrega.
Agora, voltando ao contexto de evacuação, podemos pensar também que com antecipação, podemos inclusive ajudar a relocar os móveis e eletrodomésticos. Mas, o detalhe vem agora: se há algo que possamos aprender com esse contexto, é o quanto precisamos nos unir como sociedade e transcender a noção de que o órgão municipal vai fazer tudo. E acreditem, a nossa força e a nossa visão das coisas podem transformar o estado.
É por isso que ao invés de esperar que o município faça esse serviço, podemos nos organizar como voluntários cadastrando caminhões e camionetes, pessoas para carregar e locais de recebimento desses objetos. No entanto, vale a reflexão que quanto mais frequente for a necessidade de evacuação mais pessoas vão se sentir cansadas em ajudar. Porque, mais vai ficar óbvio que essa ação não é sustentável e que essas pessoas precisam sair de lá.
Talvez, você esteja se perguntando, porque eles não saem agora? E aqui eu lembro de uma história de um casal de idosos com seus 80 anos que tiveram a sua casa inundada perdendo muita coisa. E o que mais fica evidente neste contexto é que precisamos constatar a recorrência para tomar medidas mais extremas como sair da própria casa. Precisamos sentir que vale o esforço de tanta mudança e isso talvez possa ficar mais claro no decorrer do tempo, quando nos sentirmos incentivados e amparados.
2. Reconstrução com orientação
Existem também os casos de cidades que ficaram de baixo d’água. De casas que foram destruídas pela enchente, incluso àquelas em situação irregular, construídas em áreas de preservação permanente que de alguma forma escancara a nossa incapacidade de resolver problemas sociais que também são problemas de gestão urbana.
Quando o dinheiro é pouco, fica evidente a necessidade de priorizarmos os investimentos em medidas eficazes. Receber uma verba do estado para reconstruir da mesma maneira uma cidade que tem alta probabilidade de ser inundada novamente, é o mesmo que investir em uma empresa com altas chances de falir e a falência significa risco de vida dessas pessoas.
Nesse caso julgo que as cidades interessadas em verba necessitem apresentar uma proposta, deixando evidente o problema com números, e uma estratégia de solução sustentável no contexto ambiental, social e financeiro. Algo bem diferente do que uma corrida por verba, feita sem o mínimo planejamento.
E para tanto eu insisto, precisamos de planejamento, caso contrário a verba que poderá faltar estará sendo empregada em “soluções” que não se sustentam.
O papel do estado nessa fase deve ser orientativo, organizando metodologias para o levantamento e a condução das propostas, prevendo parcerias com os conselhos e inclusive com as universidades. Há muito venho salientando o quanto estabelecer vínculos entre a teoria dos estudos universitários com a prática da implementação publica beneficiaria a todos nós. É um disparate não fazer isso!
Em alguns, casos medidas de engenharia e urbanismo para o escoamento da água pode ser suficiente e compensatório. Em outros, talvez, fique evidente o quanto que a migração dessas pessoas para outros locais ou cidades será necessário. Aqui entra algo que já deveríamos ter faz tempo e que eu nomeio como o acompanhamento social.
2.1 Acompanhamento social
A lógica em teoria é simples. Você se muda, consegue um emprego, aluga uma casa e recomeça. Mas, existe emprego para essas pessoas? O salário que ela recebe será suficiente para pagar as suas contas? Ela tem estrutura emocional para se manter em um emprego? Ela sabe o básico de educação financeira para administrar os seus gastos?
Diante do exposto o plano de acompanhamento social seria estabelecido por meio de uma sinergia em três eixos: emprego, gestão de finanças e gestão emocional.
Facilitar a busca por vagas de emprego
A primeira sugestão seria lançar um site ou app de referência preferencialmente com uma parceria entre o governo e uma plataforma existente, mas simplificada, porque quanto mais complicada for a ferramenta, menor será a adesão. Algo que possamos visualizar todas as vagas disponíveis, separadas por categoria e cidade, com um mecanismo de atualização eficiente, para que ninguém perca tempo indo atrás de uma vaga que já foi preenchida. O segredo aqui é centralizar a informação e utilizar a tecnologia como propulsora.
Instruir quanto ao gerenciamento financeiro
Mesmo quando uma pessoa consegue um emprego, será que o salário que ela recebe é o suficiente? O detalhe, é que a gente só consegue responder essa pergunta com eficácia quando temos um controle mínimo de quanto está entrando e quanto está saindo. E com base nisso, traçar estratégias. Isso nos ensina a ter autocontrole, a ter consciência de nossas escolhas, a compreender como se capacitar pode resultar em um retorno financeiro melhor. Existe muitas questões importantes sobre finanças que poderia fazer a diferença na vida de muita gente, e infelizmente, a gente não vê nenhuma condução nesse sentido. Uma metodologia simplificada, vídeos e um acompanhamento pontual, seria uma proposta em prol de capacitar essas pessoas a fazer escolhas conscientes e gerenciar a sua própria vida.
Instruir quanto ao gerenciamento emocional
E agora vem a questão que para mim é chave, e talvez dada a complexidade, negligenciada, que é o gerenciamento emocional. Porque muitas pessoas não tem estrutura psicológica para se manter em um emprego; para lidar com os seus traumas ou ameaças reais e constantes que são muito fortes. Nesses casos, quando não é possível fazer um acolhimento individual, podemos trabalhar com rodas de conversas orientadas por profissionais da saúde mental, que além de favorecer uma rede de apoio, também nos mostram que não estamos passando por isso sozinhos. A ideia de uma plataforma com conteúdos sobre gerenciamento emocional também é válida e eu diria que extremamente necessária.
Em resumo, se tivermos uma estratégia clara e bem organizada de acolhimento dessas pessoas em situação de vulnerabilidade, e um suporte desses três pilares, implementados por uma sinergia que empregue, que oriente financeiramente e emocionalmente essas pessoas, é muito mais provável que as nossas políticas sociais sejam efetivas e com toda certeza o reflexo delas será sentido por toda a sociedade.
Por mais que haja uma boa intenção em uma política assistencialista, ela não é sustentável quando não capacitamos essas pessoas a gerenciar a própria vida. E aqui eu questiono se realmente estamos fazendo o básico, que é ensinar a pescar.
Mas, Ana. O estado está quebrado, ele vai ter condição de criar aplicativos, contratar consultores financeiros e psicólogos? É aqui que entra o exemplo que estamos vivenciando no Rio Grande do Sul, cuja organização da sociedade civil está sendo protagonista no amparo as vítimas.
Em verdade, está mais do que na hora da gente assumir que a estrutura política que deveria nos gerenciar não dá conta de resolver os nossos problemas inclusive de caráter social, e com isso ampliar o nosso campo de possibilidades.
É o momento de pensar para além das estruturas estatais, organizando parcerias público-privadas, trabalhando junto aos conselhos e universidades. É a hora de reconhecer a importância e incentivar o voluntariado por meio de isenções fiscais e outros mecanismos que de algum modo estime a nossa participação.
Quando nos organizamos, podemos fazer tudo isso sem sobrecarregar ninguém. O trabalho de formiguinha constrói um formigueiro quando a orientação for clara, respeitosa e bem conduzida. Com isso também podemos preencher o vazio que nos inunda pela falta de sentido, ao fortalecer o nosso espírito comunitário e nos sentirmos amparados pela sensação de pertencer e estar contribuindo com algo maior.
E esse seria o maior legado que poderia emergir em uma sociedade naufragada, não apenas pela água.
“É o meu Rio Grande do sul, céu, sol, sul, terra e cor. Onde tudo que se planta cresce, o que mais floresce é o amor” (Os Serranos)
As divindades estão em todo lugar (onipresentes), possuem todo poder (onipotentes). Será que elas se ausentaram propositalmente do Estado, outrora jardim no qual tudo que se plantava crescia? Teria Deus, ou os deuses, motivos para enviarem destruição, tristeza e morte sobre o bioma sulino? Quem vamos culpabilizar por tamanho infortúnio? Que pessoas e ou instituições responsabilizaremos pelas pesadas águas que descem do céu, enchem rios, invadem casas, provocam desmoronamentos e soterram o projeto de tantas, diferentes gentes?
A reflexão que esse escrito propõe tem como objetivo sugerir a superação do “pensamento mágico”, da explicação falaciosa e a urgente necessidade de recriarmos a cultura do cuidado integral com a vida que emana da terra, das águas, do ecossistema.
Em uma primeira análise, nas perguntas que iniciam essa reflexão, se insere a superficialidade de respostas fornecidas por pessoas e grupos religiosos desprovidos do conhecimento Teológico, entendido como ciência que trata sobre a relação do humano com o divino.
É importante se perguntar sobre as causas deste destempero climático que vem assolando o Rio Grande do Sul, no entanto a pergunta não deve ser direcionada para uma instância superior que para alguns é Deus e para outros entidades transcendentes.
As perguntas certas são: qual é a nossa responsabilidade? Como participamos das decisões, que cada vez mais flexibilizam as políticas ambientais? De que forma nossa cultura contribui com a destruição do ecossistema do qual somos uma pequena porção?
O filósofo alemão Hans Jonas aborda a questão da ética, usando o conceito de responsabilidade, tomando este como princípio, sem o qual a continuidade da vida no Planeta é inviabilizada. De acordo com o filósofo, antes de qualquer ação deveríamos pensar em garantir o futuro da vida em todas as suas formas. Antes de abraçar um sistema político-econômico, deveríamos pensar nos impactos ambientais e sociais do mesmo. Para elaborar esse princípio ético Jonas se inspira no Imperativo Categórico de Kant e, através dos seus escritos segue nos exortando a agir “de modo a que os efeitos da (nossa) ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a terra” (JONAS, 2006, p. 47)[1].
A cultura do consumo, fundada na lógica do lucro e na “obsolescência programada” não favorece em nada para que uma existência genuína no planeta continue possível. Importante atualizarmos este imperativo incluindo nele todas as formas de vida, visto que a destruição da “mãe natureza” coloca o planeta em risco.
Políticos agem com irresponsabilidade ao flexibilizar as leis ambientais, especialmente as que discorrem sobre o desmatamento, uso de agrotóxicos, garimpos, descarte de resíduos orgânicos e inorgânicos. Nós agimos com irresponsabilidadequando elegemos ideologias que se opõem à vida, quando em nome do lucro buscamos legalizar a derrubada das matas, o aterramento de rios e de vertentes de água, e o já mencionado uso de substâncias danosas para a saúde.
Egoisticamente, buscamos a felicidade comprando coisas que não necessitamos para saciar o desejo de sentido que nos habita. Empilhamos ilusões na forma de mercadorias que são “ jogadas fora”, como se o “fora” designasse um espaço mágico no qual as coisas desaparecessem. Infelizmente, esse comportamento fundado na irresponsabilidade resulta no aumento do buraco da camada de ozônio e no superaquecimento do planeta.
E agora? A natureza não tem “consciência de classe”, atinge a todos, alaga o Shopping Center com a mesma fúria que destrói a casa de três cômodos, ou a “meia água”. É claro que os menos favorecidos são os mais prejudicados, visto que é muito difícil para subempregados, assalariados, reconstruírem suas vidas, no entanto, é impossível para pessoas de qualquer situação sócio econômica ressuscitar os mortos. Neste sentido, somos o Estado mais enlutado do Brasil e invadidos por traumas sem precedentes, que muitos chamam de “cenário de guerra”. O sofrimento nos iguala e “queiram as divindades” que nos humanize, nos transforme em responsáveis cuidadores da vida, em seres empáticos.
“Atuar de forma que os efeitos de nossas ações sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana genuína sobre a terra” é um imperativo que precisa perpassar a educação, especialmente a que acontecesse no espaço escolar, visto que o fazer pedagógico não deve treinar para a repetição de um modelo de vida, cujos resultados o clima tem escancarado. Cabe à educação ensinar ética da responsabilidade, consciência ecológica, relacionamentos comprometidos com uma existência genuína das gerações vindouras. E neste sentido, educação ambiental, sustentabilidade não podem ser apenas os temas transversais que perpassam o currículo escolar.
É preciso repensar com urgência o modelo econômico e a finalidade do consumo, é urgente buscar o sentido que não estaciona na mercadoria e na descartabilidade da vida. Será que podemos, começando pela imaginação, vislumbrar outros horizontes de sentido?
A onda de solidariedade que vivenciamos no Rio Grande do Sul nos ensina que, irmanados por tantas dores, perdas e lutos podemos construir outra forma de relacionamento uns com os outros e com a natureza da qual somos parte. Unido pelo espírito fraterno que faz de todos irmãos e irmãs podemos nos responsabilizar pela formação de consciências éticas, por construir e fomentar formas de consumo sustentáveis e biodegradáveis.
E ainda, aos teístas cabe a responsabilidade de viver a fé através de atitudes pautadas no cuidado como, genuína expressão de amor à vida. Premissa esta que se fundamenta no livro cujo título já é uma mensagem, Gênesis, ou seja, origem, nascimento. Neste livro, entendemos que do CAOS Deus fez o Universo com o ser humano, cuja tarefa consistia em cuidar do jardim, usufruindo com responsabilidade do que fora feito, diferente do domínio destruidor que está inviabilizando a vida. O que temos feito para garantir a continuidade da vida no Planeta Terra?
Desde a revolução industrial, o Planeta Terra vem sofrendo cada vez mais, devido a escolhas infelizes feitas pela própria humanidade. Invocar Deus ou os deuses solicitando respostas e socorro não nos isenta da responsabilidade. Culpabilizar o ateísmo e a diversidade religiosa, especialmente a umbanda, fere gravemente o direito à liberdade religiosa, soa como atitude insana e fundamentalista. Correr na direção de respostas mágicas e recorrer a intolerância religiosa não resolverá em nada a crise que já está posta e avolumada pelas ações nossas de cada dia.
[1] JONAS, H. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Tradução de Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUCRio, 2006.
A reflexão sobre o dito popular que afirma: “depois da tempestade vem a bonança”, de certa forma, nos ajuda a enfrentar com mais coragem a tragédia ambiental que está sendo vivida no Rio Grande do Sul e mostra pequena luz de esperança no fundo do túnel.
Em nenhuma outra época, nas regiões atingidas pelas chuvas intermitentes no mês de maio de 2024, a luz do sol e o céu azul foram tão esperados. Os olhos dos gaúchos, olhando para cima, buscavam enxergar, entre as nuvens cinzas, nem que fosse uma pequena nesga de luz de ouro, vinda de um humilde raio de sol no fundo de um pequeno espaço de azul celeste, todo o esforço era em vão por dias e dias, enquanto os problemas da tragédia se avolumavam.
Refletindo sobre esta situação e buscando encontrar novos caminhos para percorrer os espaços alagados e enlameados para chegar onde era necessário a ajuda, acabamos percorrendo as lembranças de nossa longínqua infância, quando, aos sete anos de idade, na sala de aula da primeiro ano do Colégio São Luís, no bairro Teresópolis, em Porto Alegre, a professora, uma jovem e querida freira nos contava as histórias da Bíblia, do Velho Testamento sobre o dilúvio ( Gênesis, cap. 6 e 7) de Noé e sua arca, sua família e animais e os quarenta dias e noites de chuvas e o dia glorioso da bonança quando a arca ficou firme, sobre um lindo monte.
Na plasticidade de minha mente infantil as cenas se desenrolavam como num filme. E a professora explicou que Deus usava dois processos para acabar com o mundo e os pecadores: era por dilúvio, água ou fogo. Para ilustrar a narrativa mostrou um quadro pintado que retratava os pecadores, após a morte, no inferno, eternamente entre as chamas do fogo. Fiquei preocupada com o fim do mundo. Neste dia, já em casa, durante a sesta obrigatória da tarde, após o almoço, deitada na cama, passei a refletir sobre as informações recebidas.
Como o mundo poderia acabar? Como tudo ficaria? Resolvi, com o pensamento concreto característico da idade, ir acabando com tudo que conhecia e comecei pelo que estava mais distante: o colégio, a praça, as ruas, a minha casa, a minha família, tudo consumido, primeiro pelo fogo e depois pela água, mas sempre restava alguma coisa e concluí, aos sete anos, que o nada não existe e fiquei aliviada, pois a informação recebida estava equivocada, confiando ainda mais no “Papai do Céu”.
Nesta época, em casa, eu era responsável por acender o fogão à lenha, era perita nesta atividade e ficava alimentando o fogo com a lenha para não apagar e, por conhecimento empírico, percebia que o fogo consumia a lenha em cinza, era impossível as pessoas ficarem queimando eternamente no inferno. Lembrei também das histórias contadas sobre a enchente de Porto Alegre, em 1941, que, na época havia ocorrido fazia 11 ou 12 anos, e o mundo não tinha acabado…
O que está passando na mente das crianças e adolescentes que estão vivenciando a tragédia real?
Para muitos, tudo foi por água abaixo, casa, escola, igreja, roupas, utensílios domésticos, material escolar, foram-se as coisas materiais e para alguns, pessoas queridas também partiram. Agora o futuro é incerto. Como será o retorno à rotina? Ao lar, a escola, a vida de relação, com tantas perdas?
A escola e os mestres, muitos também atingidos pela tragédia, como se reorganizarão para recomeçar a atividade pedagógica?
Agora vai ser preciso investir no planejamento pedagógico dentro de uma proposta de educação ambiental com o objetivo de formar o sujeito ecológico, que deve ter um olhar sobre as relações entre indivíduo, sociedade e natureza numa visão multidisciplinar que favoreça a compreensão diversa e multifacetada das inter-relações que constituem o mundo e a vida, ou seja, perceber que os seres vivos interagem entre si, sempre relacionados e interconectados, formando complexo sistema de trocas.
Na escola torna-se necessário abrir espaço interdisciplinar para organizar campos de conhecimento teóricos e práticos para propiciar a rearticulação das relações ser humano, sociedade e natureza.
A educação ambiental tem que transitar entre os múltiplos saberes científicos, populares (empíricos) e tradicionais.
Os educadores precisam buscar novos modos de compreender, ensinar e aprender, rompendo com a organização estanque, disciplinar, levando em consideração a devida problematização do contexto histórico, de produção, dos interesses econômicos e das condições ambientais do seu município, do Estado e da nação. A construção de práticas inovadoras e a condução de discussão sobre aquecimento global e os desequilíbrios climáticos, a poluição dos rios, mananciais e mares, os organismos geneticamente modificados (transgênicos), aumento da emissão de resíduos tóxicos e como preservar o material genuíno, na sua força original, de acordo com a sua própria natureza. Para tal questão é preciso compreender os complexos processos biológicos, geográficos, históricos, econômicos e sociais geradores de problemas.
Não podemos descartar, no momento crítico que estamos vivendo, uma análise mais profunda sobre “o ser humano”, suas condições físicas, emocionais, sentimentais e religiosas no contexto de ensino e aprendizagem na escola.
Oportuno trabalhar a questão social, começando pelo papel da família, como grupo social primário e base da sociedade que apresenta, na fase atual, problemas e desafios urgentes. Onde buscar amparo nos demais grupos sociais da comunidade que dão suporte à saúde física, mental e espiritual? Organizar uma rede de informações dos grupos e espaços disponíveis ao amparo individual e familiar.
Destaca-se o papel relevante também da disciplina do Ensino Religioso pois não podemos esquecer que, dentro do aporte do conteúdo da Filosofia encontra-se a Teoria do Conhecimento, ou Gnosiologia, ramo filosófico que estuda a natureza do conhecimento que o ser humano tem condições de dominar e que o libertam da ignorância, são: o conhecimento científico, o filosófico e o religioso, caminhos importantes que precisam ser trilhados por todos nós.
O conhecimento científico parte do conhecimento vulgar, empírico e leva a compreensão da lei física de causa e efeito. O conhecimento filosófico reflete sobre as causas primárias, mais remotas chegando até as questões éticas e morais nas relações dos seres humanos entre si, e demais seres vivos que fazem parte do reino mineral, da flora e da fauna, culminando com o conhecimento religioso que é transcendental, que pertence à razão pura, que antecede a qualquer experiência material, que transcende, indo além do normal, e que não depende de qualquer denominação religiosa. É a ligação da criatura com o Criador, a religiosidade básica, que é inata no ser humano. Nascemos com a ideia de Deus e buscamos, naturalmente, o caminho de volta para Ele, para nossa origem. A educação bem feita, no lar e na escola ajudam a desabrochar esta inclinação de equilíbrio e harmonia que temos no âmago de nosso ser. É o autoconhecimento.
O educador lúcido cultiva sempre uma postura de abertura e escuta para a complexidade real de cada situação, apresenta disposição para atuar em grupos de diferentes formações e competências, numa ação compartilhada, com uma atitude questionadora, querendo saber mais, ciente de que não sabe tudo e que se deve construir ideias de convivência amistosa, respeitosa e prudente com os demais saberes dos colegas e alunos.
A acolhida dos alunos no retorno às atividades escolares deve revestir-se de muito carinho, alegria do reencontro, com as rodas de conversa para relatos individuais do drama vivido, a exteriorização das emoções, o olho no olho, a mão no ombro, o abraço, a troca das experiências, as mensagens positivas de trabalho e superação compartilhada serão indispensáveis. A contação de histórias, o desenho, a pintura representando o ocorrido, a dramatização, a música, o canto, a prece em conjunto, a troca de correspondência com alunos de outras escolas, são recursos pedagógicos que ajudarão a superar o grande desafio do recomeço afetivo.
Dura lição a natureza está nos oferecendo, numa reação à ação desenfreada do ser humano em alterar, por ganância ou ignorância, o equilíbrio ecológico. Não podemos considerar como castigo de Deus, mas procurar novos caminhos para reverter esta situação, com base nos conhecimentos científicos que a humanidade já possui e que, com paciência, critério, planejamento comunitário e recursos dos poderes público e privado alcançaremos novamente clima de paz, harmonia e prosperidade.
Para reflexão do leitor, oferecemos a posição lúcida de Otávio Mangabeira que foi político, engenheiro, professor e escritor (In Luzes do Alvorecer, Divaldo Franco, página 56):
“A falência tem sido dos sistemas educacionais, resultado dos governantes inescrupulosos que sabem ser a educação o seu adversário mais poderoso, enquanto a ignorância, que gera o temor, é seu fâmulo especial e melhor serviçal… A Política, pouco a pouco, assume a postura de ciência, substituindo a politicagem que ainda predomina, mas que vai sendo desmascarada, para ceder lugar a novos comportamentos respeitáveis. Os partidos políticos devem compreender que têm a missão de velar pelo povo, pela nacionalidade e não pelos interesses dos grupos que os dirigem, das coligações interessadas em cargos sem encargos…quando deveriam unir-se com elevação para a preservação das Leis… Hoje a crítica aberta aponta as calamidades de comportamento de autoridades e administradores que, embora não punidos, são desmascarados”.
Temos que considerar que vivemos num regime político democrático, somos nós que elegemos nossos representantes na administração dos municípios, do estado e do país, temos que ter consciência de que os representantes que elegemos estão realmente capacitados para gerir os nossos destinos, se conhecem, em profundidade, os problemas e desafios a serem sanados. Aos dezesseis anos, o adolescente já exerce seu poder de voto; compete à família e à escola esclarecê-los sobre essa grande responsabilidade. Através do voto consciente podemos mudar para melhorar as condições do nosso município, do estado e do Brasil.
Temos certeza na bonança que aguarda o povo gaúcho que vai superar a tempestade que o abate. É questão de tempo e muito esforço, sacrifício, união, fraternidade. Uma nova aurora vai surgir, as nuvens da borrasca vão passar, o sol voltará a brilhar no céu azul do Rio Grande do Sul. Daqui a alguns anos cantaremos com toda a força de nossas vozes: “Sirvam, nossas façanhas, de modelo a toda Terra! Sirvam nossas façanhas de modelo a toda Terra!”
Sugestões de fontes de pesquisa para os professores:
1.Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade global – Google