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A política brasileira no limiar da necropolítica: reflexões críticas sobre o espaço público e o desgaste da democracia

O esvaziamento das esferas de participação política é uma forma de morte
democrática. A política, em sua essência, deve ser o espaço de construção de
consensos, de debates plurais e de busca pelo bem-estar comum
.

Nos últimos anos, a política brasileira tem experimentado uma transformação que, longe
de ser uma evolução democrática, representa um retrocesso ao seu papel fundamental: o
de zelar pelo bem público. A praça pública, historicamente o lugar de debate e
deliberação, tem sido tomada pelo espetáculo da antipolítica, esvaziando a essência do
que é ser político e governar em prol da sociedade. A emergência da necropolítica,
conceito do filósofo Achille Mbembe, torna-se cada vez mais visível, sinalizando a
morte da política como força vital e transformadora da vida em sociedade.

O Abandono da Ágora mostra o Espaço Público em Ruínas, na Grécia Antiga, a
ágora era o espaço central das cidades, onde os cidadãos se reuniam para discutir
questões de interesse comum, tomando decisões sobre o futuro da polis (cidade).

No Brasil contemporâneo, este espaço simbólico da ágora foi gradualmente erodido por
uma retórica de polarização, desinformação e um apelo ao individualismo exacerbado.
Em vez de discussões racionais e produtivas, o debate público se transformou em um
palco de discursos violentos e excludentes, incapazes de construir pontes entre
diferentes setores da sociedade. A polarização, que se ampliou exponencialmente nas
últimas eleições, transforma cada vez mais a praça pública em um campo de batalha
onde prevalece o ataque pessoal em detrimento do diálogo construtivo.

O abandono desse espaço de debate é sintomático de um fenômeno maior: a corrosão da
confiança nas instituições democráticas. A população, insatisfeita com a ineficácia das
políticas públicas e com a corrupção desenfreada, volta-se para alternativas que
promovem um discurso autoritário, anti-institucional e, em alguns casos,
antidemocrático. Ao invés de revitalizar a política, o que temos visto é o surgimento de
uma antipolítica, que se coloca como o antídoto ao sistema vigente, mas que, na
realidade, colabora para o aprofundamento da crise.

Antipolítica e o Caminho para a Necropolítica, a antipolítica se alimenta da insatisfação
popular, e sua ascensão é um reflexo da incapacidade do sistema político de oferecer
soluções para os problemas sociais. No entanto, em vez de promover uma renovação
dos mecanismos democráticos, essa postura reforça a ideia de que as instituições são
incapazes de prover respostas adequadas. O resultado é uma forma de governança que,
em vez de se preocupar com o bem comum, legitima a marginalização de certos grupos,
a concentração de poder e a exclusão do debate público.

A necropolítica, em sua essência, é a política da morte, onde o Estado decide quem vive
e quem morre, quem tem direito à vida e quem é descartável. No Brasil, vemos essa
lógica aplicada de diversas formas.

A violência policial nas periferias, a negligência com populações vulneráveis como os
povos indígenas e quilombolas, e a falta de uma política sanitária eficaz durante a
pandemia de COVID-19 são exemplos claros da necropolítica em ação. Em vez de
proteger os cidadãos, o Estado se omite ou age de forma violenta, perpetuando a
desigualdade e a exclusão. Essa necropolítica não é apenas física, mas também
simbólica.

O esvaziamento das esferas de participação política é uma forma de morte
democrática.

A política, em sua essência, deve ser o espaço de construção de consensos, de debates
plurais e de busca pelo bem-estar comum. Quando esses princípios são abandonados em
prol de um espetáculo de violência e polarização, estamos, de fato, testemunhando a
morte da política.

A Urgência de Reocupar a Praça Pública. Se o destino da política no Brasil parece
sombrio, é justamente na resistência ao avanço da necropolítica que reside uma possível
saída. Reocupar o espaço público – não apenas o físico, mas o simbólico – é uma tarefa
urgente para aqueles que acreditam na democracia e no poder transformador da política.
Essa reocupação passa pela construção de uma nova ética política, onde o diálogo, a
transparência e o compromisso com o bem comum sejam valores centrais.

A política deve voltar a ser vista como a “arte do possível”, um meio para melhorar as
condições de vida da população, e não como uma arena de disputas mesquinhas e
violentas. Também é essencial que o cidadão comum retome seu papel ativo na política.

O desencanto com os partidos e a política institucional não pode levar à apatia,
mas sim a uma revitalização das formas de participação popular. Movimentos
sociais, ONGs e outras formas de organização civil têm um papel crucial em
pressionar o Estado a retomar sua função primária de promover o bem público.
Urge refletir sobre o cenário político brasileiro atual para entender que ele é um
reflexo de uma crise mais profunda que atinge a própria ideia de política.

A necropolítica, com sua face de violência e exclusão, tem se infiltrado nas práticas de
Estado, colocando em risco a vida e a dignidade de milhares de cidadãos. Reverter esse
quadro passa pela reocupação simbólica da ágora, pela retomada do espaço público
como lugar de debate e construção coletiva, e pela reafirmação de que a política, em sua
essência, deve servir à República, isto é, à coisa pública, ao bem de todos.

Autor: José André da Costa , msf. É Padre dos Missionários da Sagrada Família,
Integrante da Comunidade de Vida Religiosa dos Padres Saletinos, Professor de
Ciências Sociais, Estudos Sociológicos em Educação, Atividade de Extensão em
Educação Ambiental, Filosofia Geral e do Direito, Tópicos Avançados em Agronomia,
nas Faculdades Integradas da América do Sul – INTEGRA – Caldas Novas – GO. Também escreveu e publicou no site “A busca da vida ética”: www.neipies.com/a-busca-da-vida-etica/

Edição: A. R.

“Idiotes” ou “politikós”: a questão nas eleições de SP

O candidato protofascista a prefeito de São Paulo proclama que se comporta
como idiota com o objetivo de subir nas pesquisas eleitorais
.

Em tal atitude, até agora bem sucedida, se revela a estratégia que aposta na
idiotia como atalho para a conquista do poder político.

O professor Muniz Sodré, ao analisar o destampatório que abala o debate
eleitoral paulistano (FSP-1/9), pode ter nos oferecido uma preciosa chave de
decifração para a lógica que preside, nos quatro cantos do mundo, a
degradação atual do processo civilizatório.

Para explicar o sucesso momentâneo de semelhante aberração, Muniz
Sodré foi buscar no berço da civilização ocidental as origens da palavra
idiota.

Na Grécia antiga, os “idiotes” eram aqueles centrados em negócios privados,
totalmente alheios ao ordenamento da vida pública. No polo oposto, estavam
os “politikós” que, na Ágora, se ocupavam das ideias, programas e projetos
coletivos que definem as várias dimensões da vida humana.

Com o significado dissecado em sua origem, as duas palavras atravessam os
séculos como expressão perene da luta política.

Os “idiotes” da política sempre estacionam seu pato amarelo na Paulista ou na
Faria Lima. O fogo de palha irresponsável só prospera articulado aos “idiotes”
da supremacia absoluta do poder privado.

Não é, portanto, só disputa eleitoral, mas a contraposição, eterna e atemporal,
entre civilização e barbárie. “Idiotes” ou “Politikós”, eis a questão!

Filósofo Mario Sérgio Cortella explica a origem da palavra idiota e faz reflexão
sobre a política: https://youtu.be/er2aem_Zax0?t=62

Autor: Chico Alencar. Também escreveu e publicou no site “Compro, logo existo?”:
https://www.neipies.com/compro-logo-existo/

Edição: A. R.

As eleições de diretores nas escolas estaduais do RS

É interessante pensar na vinculação entre gestão e resultados escolares. Souza (2019)
destacou que nas escolas com mais condições democráticas e pedagógicas os alunos
apresentaram melhores resultados, indicando relação positiva entre ambientes
democráticos e aprendizagem estudantil
.

A eleição de diretores tem sido um dos dispositivos que sustentam a gestão democrática
da escola no Brasil. No entanto, o processo democrático não se esgota nela e precisa ser
fortalecido pela participação. A Lei no. 16.088/2024, o Decreto nº 57.775/2024 e, mais
recentemente, o Edital no. 01/2024 publicado pelo executivo estadual põem centralidade
na figura do diretor, colocando na arena de disputas o seu papel e o aparato normativo
que o circunda. Tal centralidade indica uma concentração de poder no interior da escola;
a autonomia da escola pode ser entendida como a autonomia do diretor. Mais, estamos
frente a disputas políticas por entendimentos diferentes de democracia.

O Edital nº 01/2024 para a seleção de diretores e vice-diretores da rede estadual gaúcha
faz parte da implementação da nova Lei de Gestão Democrática, recém sancionada.
Essa lei trouxe mudanças significativas no processo de escolha de diretores escolares,
adotando critérios técnicos e de desempenho num processo de seleção. Tal movimento
não é exclusividade da rede estadual gaúcha; a rede municipal de educação de Porto
Alegre, por exemplo, tem nova regulamentação para eleição de diretores desde janeiro
de 2020.

Tal normativa responsabiliza exclusivamente os diretores pelos resultados dos
estudantes em avaliações de larga escala sob o pretexto de garantir uma suposta
qualidade educacional ( Massena, 2023 ). Suposta porque estudos como o de Riscal
(2016), mostram que as maiores médias do Ideb se referem às escolas em que os
Conselhos Escolares sempre definem e validam os aspectos pedagógicos, financeiros e
administrativos. Além disso, a pesquisa por ele realizada evidenciou outros fatores
relacionados à gestão democrática que influem positivamente no Ideb.

E é interessante pensar nessa vinculação entre gestão e resultados escolares. Souza
(2019) destacou que nas escolas com mais condições democráticas e pedagógicas os
alunos apresentaram melhores resultados, indicando relação positiva entre ambientes
democráticos e aprendizagem estudantil. No entanto, os últimos governos estaduais e
municipais de Porto Alegre parecem não estar alinhados com as melhores práticas
apontadas por pesquisas científicas.

Além do já sabido sucateamento das escolas, do desmantelamento dos planos de
carreira, da precarização do trabalho docente, da atomização dos processos, o
esvaziamento dos espaços de participação e decisão coletivos atrelados a uma
concepção de sociedade que se distancia da perspectiva de educação cidadã, na
qual estão implicadas não só as condições da oferta educacional, mas sobretudo as
condições de vida na cidade e no estado.

O Edital retoma a nova Lei de gestão democrática quanto às atribuições dos diretores e
vices: representar, coordenar, apresentar e submeter, organizar, manter, gerir, dar
conhecimento… Um escopo de gestor, numa perspectiva gerencialista, que coloca o
diretor em posição de subordinação em relação à mantenedora. Também, na inscrição
no processo seletivo, os candidatos podem indicar três escolas para atuação,
possibilitando que o executivo crie um banco de recursos humanos, com “talentos” na
área da gestão escolar.

O risco?

A consolidação de uma carreira de gestão, apagando a ideia de professor, de
compromisso político-pedagógico no qual toda comunidade está implicada.
Considerando essa mesma hipótese, amplia-se o tempo do mandato, de três anos para
quatro anos com possibilidade de reconduções independentemente do número de
mandatos.

No Edital no. 01/2024 os critérios técnicos e as avaliações objetivas passam a ter maior
peso na escolha de diretores. A seleção prevista pelo edital consiste em 5 etapas; do
curso autoinstrucional ao pleito eleitoral, aproximadamente 3 meses. Ainda, as
mudanças foram apresentadas por meio de uma live no Youtube, sem espaço para
debate.

Houve um aligeiramento do processo?

Ao que parece, sim. Nenhuma discussão com as comunidades escolares, com as
universidades, no último trimestre do ano letivo. Professores que somos, sabemos das
múltiplas e intensas demandas dessa época no ambiente escolar. Esse é o modus
operandi autoritário da Seduc/RS (Saraiva; Chagas; Luce, 2022) – e o grande jogo
político parece ser o da entrega de responsabilidades para a sociedade desorganizada,
sem um claro projeto de mundo; cria-se um campo de disputa que limita e conforma a
própria disputa. Da mesma forma, a escola!

O conteúdo das provas e a bibliografia indicada contemplam funções gerenciais, tipos
de liderança (incluindo líder-coach), ferramentas para melhoria de desempenho de
equipe, proatividade e feedback. Tais elementos possivelmente basearam-se na crença
da irracionalidade em termos de gestão e no déficit de liderança, é latente um tipo de
compreensão do fracasso escolar como decorrente da precariedade da administração de
recursos e da gestão.

Contudo, tenho outras hipóteses para esse dito fracasso: teria relação com a
precariedade em termos de infraestrutura? Com o percentual muito significativo de
contratos temporários em detrimento de profissionais efetivos – há apenas 41% de
professores efetivos na rede (Brasil, 2023) (aliás, fator que impacta também nas
eleições, considerando que somente profissionais efetivos estão aptos a concorrer)?
Sobrecarga docente? Desvalorização da carreira (incluindo, obviamente, as questões
salariais)? Questões para pensarmos…

Tendo sido aprovados na prova, os profissionais ao se inscreverem para a eleição,
devem apresentar um plano de gestão para melhorar a qualidade da educação. Aqui, me
repetirei: ora, poderá o diretor planejar e implementar ações que deem conta das
condições da oferta educacional que sustentam uma educação de qualidade?

Não esqueçamos da nova Lei. Tudo indica que plano de gestão e projeto político-
pedagógico serão entendidos como similares. Como instrumento de determinado
mandato. De acordo com a Lei no. 16.088/2024, o projeto político-pedagógico será
o principal instrumento de gestão de determinada equipe e não da escola. Logo, o
projeto político-pedagógico não representará a expressão da autonomia da
instituição com legitimidade administrativa na comunidade.

Por fim, a votação, quarta etapa do processo de seleção, será realizada no formato
eletrônico, por meio de aplicativo criado para tal fim pela Seduc/RS. No entanto, o
processo eleitoral ainda será regulamentado, por Portaria, a ser publicada em outubro.
As normativas publicadas até agora não dizem do cálculo do resultado: será ele
paritário? A acompanhar.

Com uma concepção restrita de educação, mantém-se a eleição de diretores no
esvaziamento de uma cultura escolar mais democrática. Por enquanto, um “novo
modelo de governança” que se utiliza do termo “gestão democrática” para aplicar algo
que já vem estruturado em modelos antigos, sob uma nova configuração, ainda
fortemente ligada ao modelo empresarial. Esse “novo modelo” pode implicar em pouca
participação das comunidades nos processos decisórios, mascarando tensões, dissensos
e disputas em torno de diferentes projetos de educação e sociedade.

FONTE: https://sul21.com.br/opiniao/2024/09/as-eleicoes-de-diretores-nas-escolas-
estaduais-do-rs-por-juliana-hass-massena/

Autora: Juliana Hass Massena. Doutora em Educação, Pós-doutoranda na
Faced/UFRGS

Edição: A. R.

Semipresencialidade na Escola Secundária?

A improvisação, a pressa ou a distância entre gabinetes ministeriais e escolas, professores
e alunos podem fazer naufragar as melhores tentativas, assumindo que se trata de uma
tentativa cujos motivos são efetivamente pedagógicos.

Em relação à virtualidade na escola, há muito mais preconceito do que conhecimento certo
da sua implementação e das suas conquistas. A experiência da pandemia não foi muito útil,
tornou-nos pessimistas quanto aos seus resultados. Em relação à presencialidade, com a
qual estamos historicamente familiarizados, temos amplo conhecimento das suas
condições, da sua implementação, das suas modestas conquistas e ainda assim há muito
preconceito em relação a ela, só que de natureza diferente.

Neste momento o GCBA (Governo da Cidade de Buenos Aires) aparentemente pensa, entre
outras mudanças, em reintroduzir o ensino virtual, online, de algumas disciplinas no ensino
secundário.

Se assim for, e mesmo que não o seja assim, justifica-se uma reflexão séria porque a
improvisação, a pressa ou a distância entre gabinetes ministeriais e escolas,
professores e alunos podem fazer naufragar as melhores tentativas, assumindo que se
trata de uma tentativa cujos motivos são efetivamente pedagógicos.

Não se trata de leviandades, nem de experiências massivas ou proibições obrigatórias; é
preciso pensar nas condições objetivas das nossas escolas, ou seja, suas infraestruturas, seus
recursos tecnológicos, seus professores e os seus alunos, e pensar a partir daí que mudanças
razoáveis ​​podem ser introduzidas e quais seriam as condições para que essas mudanças
permitam aos alunos aprender mais, aprender melhor e compreender a natureza do
conhecimento do mundo em que vivem, seja ele a sua casa, o seu bairro, o cidade, etc.

Dispostos como somos nós, os educadores, estamos a criticar quase a priori qualquer
mudança, levemos em conta alguns fatos entre os quais não menos importante é que a
presencialidade histórica do nosso sistema educativo não tem garantido mais ou melhor
aprendizagem; na verdade, se a virtualidade entra em cena – para além de razões políticas–
é porque a presença simultânea de professores e alunos nesta invenção moderna que é a
sala de aula já não garante mais nada. É necessário voltar aos índices das avaliações já
conhecidas?

Obviamente, a virtualidade devidamente implementada requer modificações pedagógicas,
tecnológicas, administrativas, recursos económicos e tempo; requer também a revisão de
algumas representações imaginárias, como a ideia de que com a presença de alunos e
professores na sala de aula é, em si, uma atividade de aprendizagem interativa, construtiva
e colaborativa; a verdade é que isso raramente ocorre, não é acumulando crianças que
ocorre a famosa interatividade pedagógica.

Existem outros imaginários docentes em dança, por exemplo, que, de alguma forma, a
simultaneidade de alunos e professores permite ou facilita um controle de corpos e
mentes que não é apenas uma ficção, mas também é impossível e desnecessário e
colide com a autonomia e formação crítica que a escola deveria teoricamente
incentivar em seus alunos.

O que nos leva a pensar que os alunos da sala de aula estão realmente lá?

Há muito tempo sabemos que os alunos na sala de aula se encontram num local que
raramente os atrai; sabemos que em geral a parte mais atrativa da sua experiência escolar
acontece dentro da escola, mas fora da sala de aula; não é obrigando-os a ficar sentados
durante horas que as quatro paredes da sala se transformam em sala de aula e o tédio se
transforma em aprendizagem; não podemos continuar a ignorar que a obrigação é uma faca
de dois gumes.

Leia também esta reflexão: https://www.neipies.com/escola-perdida-alunos-ausentes/

Um fato irrefutável pode ser argumentado a favor da mudança: as cabeças das crianças
matriculadas na escola hoje são formatadas por tecnologias com as quais a escola está
muito atrasada. Ainda hoje, há muitos professores que não sabem utilizar o Classroom,
plataforma que, quando bem utilizada, pode ser extremamente um valioso aliado. A relação
entre as crianças e a tecnologia alterou o tempo dos alunos e dos professores, enquanto o
tempo escolar permaneceu praticamente inalterado; a organização do tempo escolar é,
justamente, de outro tempo; os responsáveis ​​por essa organização deverão ser notificados!

O tempo na escola é um verdadeiro obstáculo pelo seu descompasso com o tempo
cultural, mas, sobretudo, e como parte dele, com o tempo dos sujeitos. Acontece que o
tempo cronológico da presencialidade não coincide com o tempo lógico e subjetivo das
crianças, nada garante que meninos e meninas estejam dispostos a prestar atenção e
aprender das 8h às 8h40, por exemplo.

É complexo, mas momentos de presença e encontro de alunos e professores na escola e
momentos de virtualidade em que as crianças têm maior vontade subjetiva de se conectar
com as propostas de seus professores poderiam muito bem ser vivenciados em algumas
escolas, em alguns anos, com alguns professores.

Se aspiramos que um aluno que está na sala de aula esteja simultaneamente na aula, é
necessária uma articulação entre o tempo da criança e o tempo escolar, e a virtualidade e
especialmente alguma forma híbrida pode ser uma resposta a um problema com o qual o
sistema educativo, pelo menos em algum momento, terá que se envolver.

Autor Eduardo Corbo Zabatel. Ensayista, Psicólogo, Profesor de Historia, Magist en
Ciencias Sociales. Mora em Buenos Ayres, Argentina. Também escreveu e publicou no site
“De empreendedores e falhas”: www.neipies.com/de-empreendedores-e-falhas/

Edição: A. R.

A dor maior e a dor menor de Rebeca

Para quem escreve, a beleza da vida está em ser lido pelos que estão próximos. Como é
bom escrever para os amigos do Facebook! A beleza da vida não está longe de
nós.

Uma mulher de quarenta e poucos anos, vou chamá-la de Rebeca, queixava-se de dores
musculares generalizadas. O médico não encontrava causa para sua dor até que,
ouvindo-a mais e mais, descobriu a grande frustração vivida por ela.

Ambicionava ser escritora publicada nos Estados Unidos. Enviou manuscritos para
editoras de cidades que julgava de grande beleza: Nova Iorque e Chicago. As respostas
sempre negativas doeram muito. Desistira de escrever e adoecera.

Quando fazemos algo só pelo resultado exitoso, em acordo à expectativa que críamos,
talvez não gostemos muito da atividade, pois, quando gostamos, quando somos “do
ramo”, o resultado importa bem menos.

No caso de um escritor, o insucesso frente às editoras não o fará desistir. Por quê?
Porque a atividade em si é prazerosa para ele.

Talvez Rebeca seja do “ramo”, mas a sensação de que a “beleza” está lá longe a faz
perder o gosto. Sofreria pela falsa crença de que só estaria realizada se fosse escritora
reconhecida em belas cidades norte-americanas.

Então, o médico conversará com ela sobre a dor menor, as musculares, e a dor maior, a
frustração. E colocará duas questões para ela pensar: o ato em si de escrever não é o que
lhe deixa realizada; ou deixa realizada, mas está sendo prejudicado pela expectativa
inadequada que criou.

No segundo caso, livre dessa expectativa apropriada para quem é norte-americano,
inapropriada para quem é brasileira, a frustração cederá a uma nova visão. E as dores
irão cedendo.

Para quem escreve, a beleza da vida está em ser lido pelos que estão próximos. Como é
bom escrever para os amigos do Facebook! A beleza da vida não está longe de nós.

Autor: Jorge Alberto Salton. Também escreveu e publicou no site “Nossas ilusões, há
como pesam nossas ilusões!: www.neipies.com/nossas-ilusoes-como-pesam-nossas-
ilusoes/

Edição: A. R.

Restarão florestas a queimar em 2025?

Vamos falar a verdade de uma vez aos nossos amigos, filhos, crianças e adolescentes? Estamos destruindo tudo:  florestas, rios, matas, biomas…tudo. Ainda não há um culpado, claro, pois fica difícil apontar um, quando todos podem ser culpados. Mas como gostaríamos de poder nominar os malfeitores!

Quem tocou fogo e, igualmente, quem viu e não gritou. Quem fotografou um pôr de sol deslumbrante e trágico, mas não se indignou, todos, poderemos ver agora em como será o novo sol em meio a escuridão que nos aguarda.

O sol de cada dia está cada vez mais bonito, E quando ele desce, então, é de um laranja jamais visto.  Todos os dias, em seus finais, temos um espetáculo, gratuito, poético.  À sua perfeição, ninguém resiste.  Fantástico ele! E, igualmente, desesperador.

Nosso sol não brilha como antes, assim como nossa esperança de que ainda é possível colocar um fim nessa sanha destruidora que se abate sobre nós. Talvez sejamos a única espécie que põe fogo em sua própria casa. Como não temos ainda para onde ir, nossos netos e seus descendentes sequer terão um sol para fotografar.  Ou terão somente a ele.

Será o ódio incontido?  Será o prazer em ver queimar? 

Em alguns momentos, estamos vendo como que urnas no horizonte, queimando e arrasando o que tem pela frente.  Sequer há prisões que acolham tantos bandidos representados, tamanhos os seus crimes, repetidos, ano após ano. E sou tentado a pensar em seus gritos, em meio as labaredas de urnas torrando no horizonte;

-Queimem todas!  Se não fomos nós os vencedores, queimem todas.  E aos que venceram, que agora apaguem o fogo.

Mas não creio, não.  Volto à realidade e tento me aquietar, pensando que sempre foi assim, períodos de seca e de queima, para, em seguida, nos tempos que antecedem a primavera, em um mês, tudo estar verde e florido, com os campos recompostos de pastos verdejantes.  Mas agora sem Pastor.

Mesmo estupefata, assustada ou desamparada, a humanidade, em seu curso, precisa acreditar. Crendo, evita a loucura.

Imaginar que o fogo pode reaver mais brilho em seu verde, equivale a pensar que temos de voltar a andar sobre cavalos nas ruas de nossas cidades.  Se o mundo assim o quisesse, estaríamos cobertos de fuligem o ano inteiro. É o que o homem do campo, sempre isolado que foi por séculos, seja pelo desprezo oficial ou pela indiferença de quem já partiu dali, aprendeu no manejo de suas terras, práticas e costumes que não fariam diferença a ninguém, até alguns anos atrás. Mas agora fazem. Porque tudo mudou!

O campo é logo ali, o sol é logo ali, e a fumaça de milhares de quilômetros provoca coriza nos incautos que sempre acreditaram que os problemas dos outros…são dos outros.  E isso também mudou. Pelo tamanho do nosso país, jamais pensaríamos que o fogo que nos é alheio, quase alcance nossas janelas. Bem, a fumaça já as atingiu.

Mas e os rios?  Onde não se toca fogo e que já dão sinais que estão indo embora? Como explicar que uma natureza exuberante pode dar lugar a um deserto sem vida, seco e cheirando a permanência da morte? Fomos longe demais em nossas intenções de controle e exploração do nosso meio ambiente. Nossos últimos governos e sua legislação, são frágeis e seu controle, sempre insuficiente.

Somos também nós os criminosos do meio ambiente?

Em nosso silêncio. E se já não chove, em algum momento nós mesmos incitamos o clima a não chover. Não há crime anterior que não esteja se manifestando agora. E os mesmos delitos ambientais se avolumam, diante de uma sociedade que se mostra apática e sem reação. As multas gigantes, resultantes desses crimes sequer são pagas. Vê-se o maquinário sendo queimado na floresta, como que nos lembrando de ações enérgicas das autoridades. São fatos isolados.  Lá no Congresso, todos sabem que os danos extrapolam o que a mídia tenta nos mostrar, como algo que pareça fiscalização ou Justiça.

O que vemos, no acumulado das agressões ao meio ambiente no país, multipliquemos por 10. A fuligem é apenas um lembrete.

E o mundo assiste impotente o que era o seu pulmão vir a degenerar-se, com que um gigante que sucumbe diante do vício de um bilhão de cigarros medonhos.  Seus pulmões, a continuar suas queimadas, logo não vão mais poder ceder à respiração que o planeta precisa. Então, será tarde! 

Ainda há esperança para que os vestígios cheguem à Miami e estraguem o piquenique. E até o fim de semana, sem fuligem, ainda está garantido na Key Biscayne. ¹ Por enquanto. Mesmo que o fumacê atravesse o Atlântico a faça tossir nossos patrícios, os protestos de fora poderão demorar a chegar em Brasília. E se chegarem, quem se importa em pegar a palavra?

Por que na capital, nada pode ser feito a partir de seus parlamentares?  Duvida-se! Ali estão os interesses cruzados e por isso, poucos protestos ou mesmo ideias surgirão. Há muitos deles que toleram a sujeira toda, pois possuem terras, gado, fazendas, tudo.  Como vão se insurgir contra seus interesses? Eles não entendem que ao exaurir a terra até o seu limite, não haverá retorno e que seus latifúndios, um dia, poderão arder em chamas.

“As pessoas raramente acreditam que a origem de seus problemas é a sua iniquidade e estupidez. A culpa é sempre de alguém ou de alguma coisa externa.” ² Nada a esperar, portanto, de um Congresso decidido a somente espezinhar e emparedar um governo ainda titubeante. Os outros é que tem culpa.

Os outros poderemos ser nós agora, já que respiramos o mesmo ar. O fogo ainda será uma arma política de descrédito; anotem! ³

Assim que o Rio Madeira, ou mesmo o Rio Paraguai secar, nossos programas turísticos nestas paragens irão desaparecer. E nem os turistas endinheirados de fora poderão se refestelar, uma vez que as pousadas viraram carvão.

Teremos ainda de mudar levemente o verde de nossa bandeira, porque já não moramos em um país tão verde assim. Talvez colocar ali uma pequena chama de fogo ardente, para nenhum de seus habitantes do futuro, esquecer que neste país havia uma floresta imensa. Que o fogo e a indiferença consumiram.

_Brasil, estas nossas verdes matas…e este lindo céu azul de anil.  E não é que a Aquarela Brasileira terá de mudar sua letra! Alguém pode falar para o Martinho da Vila?

Aos que ainda tem esperança, pequem suas vassouras e tentem ajudar.  Nem se para isso, sejam elas representadas pela sua voz, gritos, protestos, indignação. Vamos jogar água neste fogo abjeto e levar nossas crianças para que nos ajudem apagá-lo, nunca permitindo a sua repetição. Vamos tentar explicar a elas que o homem não é tão ruim assim e que tudo pode voltar à normalidade, neste jardim que já foi do Eden.  Temos de nos esforçar e dar respostas; com o mínimo de esperança.

Teremos de conviver ainda com o nariz escorrendo e com aquele amigo querido de infância, que se tornou negacionista, sabe-se lá a mando de quem.  Falando de que não há nada de mudança climática a se preocupar… (Aí já foi demais! Quando comecei a espirrar, pedi licença…e sumi.) 

Aos nossos filhos, crianças e adolescentes, vassouras simbólicas para apagar os fogos do desgosto de agosto. E sempre a verdade!

Aos negacionistas, a fumaça.

Saudades de quando estes Trópicos eram somente tristes!

Breves observações:

1) Kay Biscayne é um bairro chique de Miami

2) Robert Greene, as 48 Leis do Poder, pág 342

3) Uma das fazendas que mais queimam, é a Fazenda Bauru, quase na divisa do Amazonas. Em 2022, foi descoberto um esquema para copiar o “dia do fogo”, ação descrita por fazendeiros do PA, via Whatsapp, para realizar protestos contra as políticas ambientais. Todos impunes até hoje. (Bruno Fonseca e Gabriel Gama;

4) Segundo o MapBiomas, quase 6 milhões de hectares já queimaram, um Estado da Paraíba inteiro.

Autor: Nelceu Zanatta. Também escreveu e publicou no site “O fim da empatia é o fim da civilização”: www.neipies.com/o-fim-da-empatia-e-o-fim-da-civilizacao/

Edição: A. R.

Educação e a produção de uma cultura do sentido

A ausência de valores e escolhas, ou mesmo quando temos valores que inflacionam e desinflacionam constantemente, a vida torna-se entediante, e, com isso, há perda de sentido. O que fazer diante de uma vida contaminada pela cultura do tédio? É possível, educacionalmente, criar estratégias para vencer a cultura do tédio?

A palavra “sentido” remete a muitos significados. Se formos ao Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, encontraremos 18 significações que o termo carrega em nosso idioma. Não nos interessa aqui analisar cada uma delas. No entanto, gostaria de abordar brevemente dois aspectos existenciais complementares que se tornam decisivos na abordagem que estou fazendo: trata-se dos termos “direção” e “significação”.

O conceito de direção está associado à ideia de rumo, de indicativo, de lugar futuro. Se pergunto “em que sentido devo seguir?” estou me referindo à ideia de direção, projeção, intencionalidade. Certamente, é essa “falta de sentido de direção” que tomou conta da vida de quem está imerso na cultura do tédio. O outro sentido existencial diz respeito à significação. “Uma vida com sentido é uma vida significativa […]”, diz La Taille (2009, p. 75), e é significativa porque está ancorada em valores, escolhas, metas.

A ausência de valores e escolhas, ou mesmo quando temos valores que inflacionam e desinflacionam constantemente, a vida torna-se entediante, e, com isso, há perda de sentido. O que fazer diante de uma vida contaminada pela cultura do tédio? É possível, educacionalmente, criar estratégias para vencer a cultura do tédio?

Para La Taille (2009, p. 79), “[…] somente uma cultura do sentido pode vencer uma cultura do tédio”, mas para que tal cultura se estabeleça são necessárias duas condições: i) que o sujeito se veja imerso num contexto problemático; ii) que estejam ao alcance do sujeito elementos que possam alimentar a construção de novas soluções. Concordo com La Taille que ambas as condições estão presentes no contexto atual e é sobre elas que a educação, de forma mais ampla, e a escola, de forma mais específica, ocupam um lugar de destaque.

A educação é considerada por La Taille a “atividade incontornável” para que se torne realidade a construção de uma cultura do sentido, e a escola pode ser “[…] uma verdadeira usina de sentidos” se conseguir promover espaços de convivência e de cidadania compatíveis com a cultura do sentido. Contudo, para que isso aconteça é necessário que os responsáveis de ambas (educação e escola) sejam capazes de executar tarefas imprescindíveis para a promoção da cultura do sentido.

Quem seriam esses responsáveis e quais seriam essas tarefas? Para La Taille, os responsáveis pela educação e pela escola são os adultos (pais, professores, lideranças, diretores, coordenadores), e uma das primeiras tarefas é cuidar do mundo.

Ao analisarem a tese de que estamos deixando para nossas futuras gerações uma sociedade e um planeta em péssimas condições, os franceses Denis Jeambar e Jacqueline Rémy (2006), em seu livro Nossos filhos nos odiarão, sentenciaram nosso tempo da seguinte maneira: “Uma sociedade que não cuida de seu futuro é uma sociedade que não ama seus filhos.” Ancorado nas considerações dos escritores franceses, La Taille (2009, p. 82-84) analisa a contradição dos que hoje comandam o Planeta: “Quando jovens, os adultos que hoje têm entre 45 a 65 anos, contestaram o conformismo de seus pais […]”, criticaram a sociedade individualista, consumista e autoritária que os tornavam vítimas; quando esses jovens cresceram, “ocuparam seu lugar no mundo do trabalho, criaram famílias, desenharam contornos de convivência, se alimentaram do planeta e dirigiram a educação.”

A contradição reside na ação diametralmente oposta aos ideais que pregavam 40 anos atrás: de contestadores do egoísmo e individualismo construíram uma sociedade hiperindividualista e de relações sociais fragmentadas; de críticos à sociedade do consumo, produziram uma verdadeira bulimia de consumo; de proclamadores da paz e do amor, elegeram a agressão e a violência como características normais de convivência; de zombadores da segurança dos seus pais, vivem hoje na fantasiosa segurança dos condomínios fechados e das companhias de seguros; exigiram a valorização dos jovens e inventaram o culto da juventude, mas hoje descuidam da educação, direito fundamental para uma juventude autêntica. Penso que mais uma vez são apropriadas as palavras dos escritores franceses Denis Jeambar e Jacqueline Rémy (2006, p. 8) quando dizem:

Tivemos todos os trunfos na mão, exercemos sem piedade nosso direito de inventário sobre os valores que as gerações anteriores nos haviam transmitido, crescemos em uma sociedade em plena expansão econômica. E que futuro preparamos para nossos filhos? Somos a primeira geração que legará à próxima menos do que recebeu da anterior. (JEAMBAR; RÉMY apud LA TAILLE, 2009, p. 84).

O que deu errado?

Qual foi o caminho torto que escolhemos para chegar a essa situação que tanto nos amedronta? Como promover uma cultura do sentido diante de uma realidade que está se tornando pesadelo?

Para La Taille (2009, p. 86), “[…] não há ‘cultura do sentido’ sem educação para o sentido.” Para que isso aconteça é necessário reabilitar a verdade; dar crédito à autêntica política; denunciar a falsidade dos apelos publicitários; desmascarar a perversidade dos falsos ídolos; ser mais precavido diante do entusiasmo ingênuo que muitos têm em relação aos meios tecnológicos; ser mais cuidadoso com os julgamentos precipitados e, por isso, preconceituosos; recolocar o conhecimento como âncora essencial do ato educativo; e possibilitar “[…] às novas gerações uma bagagem intelectual sólida.” (LA TAILLE, 2009, p. 101).

Referências:

LA TAILLE, Y. de. Formação ética: do tédio ao respeito de si. Porto Alegre: Artmed, 2009.

Autor: Altair Alberto Fáveroaltairfavero@gmail.com Professor do Mestrado e Doutorado em Educação – UPF. Também escreveu e publicou no site “Quando a cultura do tédio toma conta da vida”: www.neipies.com/quando-a-cultura-do-tedio-toma-conta-da-vida/

Edição: A. R.

Sol Vermelho

 És livre na luz do Sol e livre ante a estrela da noite. E és livre quando não há Sol, nem Lua ou estrelas. És livre quando fechas os olhos a tudo que existe. (Khalil Gibran)

A professora Lourdes anunciou que a primeira aula daquela primavera seria sobre as 7 cores do arco-íris: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta, mostrando-as com papéis de seda colados em um cartaz. Aos alunos deu um corte de cada cor para serem colados no caderno. Destacou que também há a cor violeta, mas que não se percebe no arco-íris.

O exercício foi pintar 7 figuras, contemplando as 7 cores em separado, isto é, apenas uma cor para cada uma delas, evitando a repetição. A galerinha achou a brincadeira muito interessante e fácil.

– Moleza! Disse um dos meninos.

A partir da ordem de largada, ouvia-se a sonoridade dos lápis de cor, fazendo seus vaivéns. Até a diretora achou a sala estranha, pois nada se ouvia. Foi xeretear, vendo que todos estavam superconcentrados.

– Tão com tudo! Disse.

Em 15min, a tarefa estava concluída.

– Vão fazendo o acabamento, pois sempre fica alguma coisa para ser ajustada.

Todos postos em círculo, iriam discutir a nova experiência com as cores.    

Pâmela, que fez a tarefa com rapidez, não se conteve e, saindo do seu cantinho, correu à professora para mostrar seu trabalho. Esta achou tudo bem-feito e pediu à menina que retornasse a seu lugar.

Lourdes, então, solicitou que todos mostrassem seus desenhos. Percebendo que a maioria pintou o sol de vermelho e o céu na cor amarela, questionou autores e autoras:

– Muito bem! Todos cumpriram suas tarefas. Porém, vejo que alguns e algumas estão mostrando o sol e o céu de modo diferente. Podem explicar, por favor!

– Há semanas que vejo o sol bem estranho, assim como o céu. Um aparece vermelho e o outro, amarelado.

– É mesmo! – a maioria concordou.

– Será por quê? – provocou a professora.  E uma chuva de mãozinhas pediu para responder, pois tinham a resposta na ponta da língua. Assim ficou combinado que cada um explicasse o que está acontecendo com o sol e com o céu. Foram sete as explicações, uma a uma, enquanto a professora anotava o nome, pois a participação contava muito nas avaliações.

– Deu na TV. Fala que é coisa do aquecimento global.

– São os incêndios na Amazônia Legal, no Pantanal e em São Paulo.

– É, professora, estão pichando fogo em tudo!

– Também tem uma seca grande, né prô!?

– A fumaça e a poeira sobem, fechando os olhos do sol. Até parece que ele está ficando cego!

– Minha mãe falou que a água da chuva está preta de tanta cinza.

– Eu tô com medo, professora! A vó falou que é o fim do mundo! Será verdade!?

E o silêncio voltou silencioso. A professora respirou profundamente, pensou, imaginando uma resposta para que todos saíssem animados ao fim da aula sobre as cores. Lembrou o poema O Lutador, de Drummond, e lutou com as palavras, mesmo sabendo que faz um trabalho de formiguinha.  

– Gente, olhem onde fomos parar! Vocês foram excelentes! Entenderam o que está acontecendo com a natureza. São profundas mudanças que muita gente vê, mas não entende. E foi interrompida mais uma vez:

– Isso é coisa dos homens e das mulheres, ou coisa de Deus!?

Que pergunta difícil, Laura! Eu penso que é coisa dos humanos. A maioria não sabe ainda como cuidar do Planeta Terra. Assim, estão acabando com o lugar onde moramos.

Foi daí que o sinal anunciou o intervalo.

Autor: Eládio V. Weschenfelder. Também escreveu e publicou no site “Lenda de São Sepé”: www.neipies.com/lenda-de-sao-sepe-tiaraju/

Edição: A. R.

Questões e reflexões sobre o corpo feminino

Até quando mulheres, crianças e adolescentes deverão estar com seu corpo sob um escudo protetivo diante da figura masculina, cuja macheza quer se impor, sem ser contestada?

O que faz um homem, do alto de seu “saber estratégico”, usado como dominação, importunar uma mulher, abordá-la de forma invasiva, desrespeitosa, constrangedora, como se sentisse seu dono? Por acaso, a parte masculina da espécie, sente-se autorizada a tratar o corpo feminino de forma cruel, humilhante, como uma expressão de superioridade? Por quais razões, essa subjetividade invasora opera com uma síndrome de ratos, que agem no escuro, na lixeira, no esconderijo, no disfarce para ofuscar seu ataque destruidor?

Até quando mulheres, crianças e adolescentes deverão estar com seu corpo sob um escudo protetivo diante da figura masculina, cuja macheza quer se impor, sem ser contestada? Quantas vidas foram aniquiladas em sua psiquê, assumindo culpas indevidas, tendo sido molestadas, quando crianças, sem poder pedir socorro, ou sem ter a quem solicitar ajuda?

A quem cabe dar um basta decisivo, corretivo, operacional, legal e humano aos machos da espécie, cuja prepotência faz com que se sintam donos do saber e do poder do corpo feminino?!

Uma sociedade que se deseje humana, sadia, democrática, lutadora pela defesa dos direitos das mulheres, requer uma ação coletiva, de modo a criar uma consciência pública de respeito e de convívio, para que possamos viver sem tantas ameaças, tantos medos e tantas vilanias.

É urgente que entendamos a dinâmica dos afetos bons e maus para construirmos um solo psíquico, com solidez e autonomia. Os afetos precisam ser vividos com a eloquência da igualdade e da soberania do bem e do justo. Fora disso, toda atitude invasora do humano, precisa ser denunciada e combatida.

O não tem o seu grito, tão sonoro quanto o sim. É imprescindível que saibamos evidenciar essas antinomias. Nós, mulheres, temos nossa vontade, nosso desejo, nosso dizer, nosso querer e somos donas do nosso corpo. Não estamos no mundo para saciar a sede pestilenta dos ratos, abrigados nos porões de uma dominação sexista.

Nós sabemos negar e afirmar. Queremos e lutaremos para sermos ouvidas. Sempre!

Autora: Cecilia Pires. Também escreveu e publicou no site crônica “Desafios” que relaciona vida humana com o evento das Olimpíadas: https://www.neipies.com/desafios/

Edição: A. R.

À margem

Nasceu à margem

E nela ficou.

Cresceu à margem

E, à margem do rio, corria.

Não eram as margens plácidas do Ipiranga.

E, se o fossem, diferença não faria.

Ia e vinha, à margem.

Andava à margem,

Mesmo quando do rio se afastava.

Não só morava à margem.

A margem morava nele.

Nele e em outros tantos…

Meu Deus, quantos?!

Quanto por cento da população está à margem?

Não sei.

Meu Deus, são tantas as margens!

E de tantos tipos!

Não há pesquisas confiáveis a respeito.

Há respeito? E confiança?

Pesquisas até existem.

E, nos resultados, sempre a tal “margem de erro”

De dois pontos percentuais para mais ou para menos,

Não importa.

Minto.

Importa sim,

Importa muito.

Importa tanto

Que, quando quem está à margem

Se exporta,

Há sempre alguém que lhe fecha a porta

E o deporta

À margem que o pariu.

Autora: Roseméri Lorenz, mestre e doutora em Letras pela UPF- RS. Atua como professora de Língua Portuguesa e Literatura nos ensinos médio e superior. E-mail: rosemerilorenz1@gmail.com Também escreveu e publicou no site “Decepção pronominal”: www.neipies.com/decepcao-pronominal/

Edição: A. R.

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