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O humano transformado pela literatura

Professor Laércio Fernandes dos Santos é um professor esforçado, esmerando arte com ousadia, para humanizar-se, tornar-se melhor ser humano. Como ele mesmo conta, a literatura foi chegando e ficou para impregnar sua existência de sentidos e inovações: “a literatura sempre correu no meu corpo feito sangue que alimenta a célula. Como água para o rio. Como a praia para o mar. Jamais, depois dessas maravilhosas experiências, posso viver sem que a arte da palavra esteja nos meus movimentos educacionais”.

 

Conheça Laércio Fernandes dos Santos por ele mesmo.

“Lembro-me como se fosse hoje. Ela apareceu na minha vida. Bom tempo já se passou não lembro quais dos pretéritos, se perfeito ou imperfeito, mas até acredito que ela tenha vindo num pretérito-mais-que-perfeito. Porque esse pretérito é raro: de lembrara, surgira, transformara. Transformara-se na minha vida. Arte que me conquistara. Arte que metornara essência. Palavra que é matéria prima para ela. A Literatura que é matéria.

“Era uma escola simples. Do interior. Na simplicidade nostálgica. A professora era mestra. Contar histórias era o que vidrava o olho de um garoto na primeira fileira. As histórias eram de sabedoria e encanto. Encanto que nascera e ficou. Da Salete era a voz e a maestria”.

O curso de Letras veio mais tarde. Como sonho de criança. Como algo impossível para quem viveu sua infância num interior longínquo. Casa de chão coberta de tabuinha. Mas dos sonhos não devemos desistir. Mais uma vez a Literatura revive. E o Projeto Invasão Cultural caiu como uma luva na minha alma e no meu coração.

O projeto Invasão Cultural começou há muitos anos quando ainda se estava na universidade, em específico no curso de Letras, em 1996, quando surge a ideia de levar a literatura de forma mais expressiva do que simplesmente ler um livro. Dessa forma, surge a vontade de um grupo de jovens, todos acadêmicos do Curso de Letras motivados pelos professores da área de literatura, com o mesmo objetivo: levar a palavra falada com emoção.

Primeiramente, reuniram-se Laércio Fernandes dos Santos, Clodoaldo Cirello Casagrande, Roberta Salinet, Douglas Pereto e Janaína Britto de Castro para discutir como se poderia chamar atenção com textos retirados dos livros. Esse grupo tinha como coordenadores Clodoaldo, Douglas e o professor Eládio Vilmar Weschenfelder.

Esse grupo precisava ter um nome, foi então que veio o nome Bando de Letras e a atividade envolvida “Invasão Cultural” por se tratar de uma declamação surpresa de textos diversos, em que a plateia seria surpreendida por poesias e histórias, inclusive em outros idiomas. Assim, o grupo se reúne e treina os textos com entonação e, em seguida, parte para as invasões culturais em todas as salas do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCH e em outros prédios da Universidade de Passo Fundo, logo esses jovens atingem destaque que recebem convites para eventos fora de Passo Fundo.

Na primeira apresentação de estreia, invadem-se as salas do IFCH com o seguinte combinado: um dos integrantes bate na porta da sala de aula e pergunta para o professor ou a professora se é prova ou não, recebendo a resposta da negativa, apaga a luz e os demais integrantes falam as palavras: “Medo”, “Sangue”, “Sombra”, palavras essas extraídas do poema “Impulso”, escrito por Clodoaldo que, em seguida, ele mesmo declamava na íntegra.

Na segunda apresentação, coube a mim, como integrante a entrada declamando a música Judiaria de Lupicínio Rodrigues, bradando: “Agora você vai ouvir aquilo que merece”. (Veja mais aqui). Com essas palavras apontava-se o dedo para alguém da sala.

 “Esse movimento da arte chama atenção por onde passa, pois a literatura passa a ser vista com outros olhos, e, acima de tudo, sentida. Assim, percebe-se, por parte dos espectadores, que a literatura mexe com as emoções e sentimentos de cada ser humano. Coisa que é inerente à arte no sentido amplo”.

Para (KAY PRANIS, 2010, p.55-56): “Quando se conta uma história, a informação é transmitida de modo a criar abertura por parte daquele que escuta. A partilha de histórias fortalece o sentido de conexão, promove a reflexão acerca de si mesmo e empodera os participantes.”

“Isso é o que a arte na educação tem o poder de fazer quando bem aproveitada, pois ela mexe com a oralidade, sentimentos mais íntimos, pois a humanidade volta a essência do escutar”.

O grupo edita um livro com vários poemas e contos dos integrantes de própria autoria, é o que aparece na apresentação do livro O Beijo Definitivo (1997) que o professor Eládio Vilmar Weschenfelder escreve na apresentação: “Esta antologia de poemas e de contos escritos por oito acadêmicos do Curso de Letras da Universidade de Passo Fundo. O Grupo identificado como Bando de Letras, tem proporcionado inúmeras “invasões” culturais divulgando sua produção literária no meio acadêmico.” (WESCHENFELDER: in PERETO, 1997, p. 05)

“A Literatura sempre correu no meu corpo feito sangue que alimenta a célula. Como água para o rio. Como a praia para o mar. Jamais, depois dessas maravilhosas experiências, posso viver sem que a arte da palavra esteja nos meus movimentos educacionais”.

Já fui diretor de escola, vice-diretor, Coordenador Pedagógico, Coordenador de Polo universitário, mas o que realmente me faz vibrar é a literatura.

“A literatura, arte da palavra, seja de qualquer nível, podendo juntar a arte e educação, torna-se uma aliada para um trabalho eficaz dentro das escolas. Visto que ela desperta o amor à admiração da arte e, por consequência, transforma o ser humano dando a ele oportunidade para expressar suas emoções ou deixá-las fluir, facilitando a comunicação oral e escrita, a convivência e o conjunto de valores, além de um sentimento melhor perante a sociedade”.

Além do que, possibilita o adentrar em outros mundos, até então, desconhecidos. Outro ponto que fica evidente é a mediação que o educador faz, porém essa será beneficiada quem a conduz gostar da arte da palavra e saber sensibilizar para que a experiência flua através dos sentimentos de quem está envolvido na aula.

“Ainda, o trabalho com o texto poético ou narrativo, seja ele, romance ou novela vai permitir que o educador de línguas possa despertar no educando um olhar diferenciado para o estudo da linguagem. Nesse sentido, o ensino fluirá muito melhor”.

Fica evidente que a arte na educação permite outra dimensão dentro das escolas e na vida de todos os educadores e educandos. E uma das formas para o princípio pelas leituras dos diferentes gêneros.

Vale ressaltar da necessidade do incentivo à leitura e do uso da mesma em todos os componentes curriculares, optando pelo uso de outros espaços e mídias que extrapolem as paredes da sala de aula. Isso permite a educadores e educandos uma vivência mais profunda da arte da palavra. Para isso tudo, tem de haver um desprendimento por parte do professor de língua e literatura e do educando, porque não trabalhará somente a mente, mas o corpo e a alma, seguidos das emoções e sentimentos.

“A literatura, como arte, consiste em um grande trampolim para o ensino e para despertar no educando o interesse em aprimorar a linguagem e a leitura, por consequência, uma mudança de atitude e de competência linguística em todas as áreas do conhecimento e da formação humana do cidadão”.

Muitos educadores trazem a educação juntamente com a arte e também há jovens que explicitam isso como Clodoaldo Cirello Casagrande, um jovem-arte-educador que buscava no outro a arte. Por isso, por onde passo, levo a literatura para meus alunos, intensamente.

 

Referências

KAY, Pranis. Processos Circulares. São Paulo: Palas Athenas, 2010.
PERETO, Douglas. O Beijo Definitivo. Passo Fundo: Ediupf, 1997.

Uma Rússia num quintal do Brasil

Da minha infância aos meus dezesseis anos, morei muito próximo de uma “comunidade russa” no Brasil. Nasci em Campina das Missões, uma cidade do RS que se tornou referência na vivência de costumes, tradições e de religiosidade ortodoxa russa.

Como descendente de imigrantes alemães, sempre vi, de forma desconfiada e intrigante, esta cultura que estava a me rodear. Tive colegas de escola que revelaram poucas coisas sobre sua história e a história de suas famílias.  Minha mãe, Lúcia, me contava algumas poucas palavras ditas “em russo” justamente por sua amistosa e intensa convivência com amigos e conhecidos da comunidade russa.

No meu imaginário, a Igreja Ortodoxa Russa, o cemitério e uma grande vontade de participar da festa anual comemorada pela instigante comunidade de russos em Campina das Missões.

Para descortinar um pouco mais desta história que conheci na minha infância, que agora passa a interessar a outros brasileiros por conta da realização da Copa do Mundo na Rússia, entrevisto um casal de brasileiros que vive, no cotidiano de suas vidas, a história, a cultura e a religiosidade no Brasil, mas com um pezinho na Rússia:  o advogado Jacinto Anatólio Zabolotsky e a professora Ilse Ana PeriusZabolotsky.

 

Nei Alberto Pies: Jacinto, como descendente de russos que vieram da Sibéria em busca de melhores condições de vida, como avalias o impacto cultural e econômico no desenvolvimento desta região missioneira a partir da imigração russa?

Os imigrantes de todas as etnias tem a sua parcela de contribuição no progresso do estado e da nação, independente da etnia de sua origem. Pois com a força de seu labor mudaram o rosto de Campina das Missões, do Estado e do Brasil, com determinação, garra e coragem em busca de novos horizontes que esta terra tão maravilhosa acolheu a todos a partir de 1909, que aqui plantaram sua história, constituíram as suas famílias, cultura, religiosidade, enfim, o seu legado histórico-cultural-religioso, se tornando o berço da cultura russa.

 

Nei Alberto Pies: O que torna esta cultura tão marcada em solo gaúcho? Foi a união, a identidade em torno da igreja e da cruz ortodoxa, do cemitério e das festas anuais que estes imigrantes realizavam por aí? O que mesmo identifica este grupo étnico nesta região do RS?

Assim como o Brasil, a Rússia é um país com dimensões continentais, culturalmente multifacetado e multiétnico. Os dois países são formados por inúmeros povos e culturas que se entrelaçaram ao longo dos séculos entre si, e formam as suas nacionalidades. A identidade do Brasil enquanto povo é formada essencialmente por estas misturas, e aqui no RS, onde vieram inúmeros imigrantes da Europa tal riqueza cultural da nossa identidade se torna ainda mais evidente.

Devido a singularidade do povo russo, ao chegarem ao Brasil trouxeram consigo não só o trabalho para desbravar estas novas terras, mas sobretudo uma série de novos costumes e tradições que não eram praticados pelos imigrantes da Europa Ocidental ou nesta região até aquele momento. Neste sentido, os imigrantes russos ajudaram a formar e enriquecer o mosaico cultural de nosso Estado.

“Uma das principais contribuições deste povo, foi justamente a introdução da fé ortodoxa russa no Brasil, sendo que em Campina das Missões, no ano de 1912 foi inaugurada a primeira Igreja Cristã Ortodoxa Russa em solo brasileiro”.

Tal excepcionalismo é uma marca que os difere da fé católica primordialmente praticada pelos imigrantes de origem europeia ocidental que colonizaram o RS. Para além de inúmeras diferenças culturais, como idioma, culinária, danças etc, se eu pudesse definir o que os identifica enquanto grupo étnico, seria primordialmente a fé ortodoxa, que é preservada até os dias de hoje em nosso município.

Também trouxeram na sua bagagem a determinação para vencer as vicissitudes, tanto é que tinham que desbravar as densas florestas, enfrentar animais selvagens, encontrando aqui índios e a vontade de lutar para melhorar as condições de vida de sua família e não esqueceram a fé, pois na hora das imensas dificuldades, era na fé que encontraram forças para vencer as dificuldades. Foi aqui erigida a primeira Igreja Ortodoxa no Brasil em 1912.

“As festas anuais realizadas cada ano no dia 09 de outubro, ou no domingo mais próximo, são como um encontro de todos e os que se mudaram para outras regiões do Estado e do Brasil. Nesta data é a comemoração em honra ao seu patrono, o Padroeiro Apóstolo São João Evangelista, o Apóstolo do Amor. Nesta data também é comemorado o Dia do Município de Campina das Missões e o Dia da Etnia Russa no Estado (Lei Estadual nº 13.299/2008)”.

Para salvar a história foi erigido um monumento na entrada da cidade, nas margens da RS 307, em homenagem ao Centenário da Imigração comemorado em outubro de 2009. Também, no centro da cidade, encontra-se a Praça Russa São Vladimir, Santo Equiapostólico, batizador da Rússia em 988, cujo busto está no arco, com  a cruz Ortodoxa, com cúpula dourada.

 

Nei Alberto Pies: Em sua vida cotidiana, estás bastante conectado com a cultura dos teus antepassados da Rússia. O que mais te realiza como cidadão brasileiro, mas com um pezinho na Rússia?

Para iniciar esta resposta, posso dizer que realmente estou conectado, pois possuo dois canais da TV Russa, canal um (pervií canal) e outro, Russia RTR, onde vejo as notícias em tempo real diariamente. Também tenho contato com os primos que residem na Sibéria, em Krasnoyarsk Ainda contatamos com o Pe. Dionisio, que atualmente exerce trabalho pastoral em Rublevo, próximo a Moscou.

Da mesma forma temos congresso anual de médicos, do qual sou o mediador entre Brasil-Rússia, deste projeto. Em meados de 2016 estive 47 dias, para aprimorar o idioma russo no Instituto Pushkin, em Moscou. Sempre que possível, viajo com a família.

Estamos na coordenação, há 26 anos (desde 1992) do Grupo Folclórico Russo TROYKA, que divulga os usos, costumes, tradições e as danças alegres e vibrantes do fascinante folclore russo.

“A preservação do legado histórico-cultural-religioso de meus antepassados no Rio Grande do Sul, é algo que me fortalece enquanto brasileiro, e que fortalece o Brasil enquanto uma nação multiétnica e multicultural. Não esquecer a memória e a vivência de luta dos imigrantes russos que vieram até as longínquas terras de Campina das Missões é sobretudo lembrar e resgatar a história da formação de nosso Estado e de nosso povo”.

 

Nei Alberto Pies: O que os destemidos e corajosos imigrantes russos tem a ensinar, de sua cultura, para a cultura brasileira?

A coragem de enfrentar os problemas com garra e determinação.

 

Nei Alberto Pies: Quais foram as principais trocas culturais a partir do seu casamento com  Ilse Ana Perius Zabolotsky, uma descendente de imigrantes alemães? Para irmos um pouco mais além, como avalias a convivência entre russos e alemães nesta região do RS?

Que cada um trouxe a educação de seus pais e a vontade de lutar, pois ambos temos Mestrado, a esposa em Matemática e eu em Direito e que juntos temos dois filhos, Tatiane, médica e Bóris, Mestrando em Relações Internacionais na UFRGS, com foco para a Diplomacia.

 

Nei Alberto Pies: Para aguçar um pouco da minha curiosidade de infância e dos leitores do site, poderias elencar palavras do cotidiano da vida em russo.

Que já estão incorporadas várias palavras russas no vocabulário português, tais como: A vodka, a babá, que cuida nossas crianças, ícone (por ex, este é um ícone da Cultura), ou ainda Ortodoxa (orto, significa reto) doxa (fé), por ex. economia ortodoxa, quer dizer economia correta; Bistrô, rápido em russo; Troyka: 3 membros; prato típico: Borsh (sopa de legumes), dentre outras.

Ilse Ana Perius Zabolotsky, esposa de Jacinto Zabolotsky.
Nei Alberto Pies: Como professora da rede estadual, esposa de um descendente de imigrante russo no Brasil e descendente de imigrantes alemães, como vês esta integração e convivência entre alemães e russos nesta região do RS?

Sem nenhum problema, pois vivem em perfeita harmonia e respeito, assim como o meu pai Oscar Perius dizia: “Tem pessoas boas em todas as raças”.

 

Nei Alberto Pies: Como são as viagens com o marido Jacinto para a Rússia? O que a Rússia de hoje tem a ensinar para o nosso querido Brasil?

As viagens são excelentes e produtivas, de amplo conhecimento e relacionamento com o povo russo que é muito receptivo.

“O que a Rússia pode ensinar é a disciplina e o respeito às Leis, sendo que levamos isto ao Grupo Troyka, por este motivo, que já possui mais de um quarto de século”.

 

Nei Alberto Pies: Como foi visto, na época de seu casamento, o seu casamento com um homem russo?

De forma natural, como qualquer pai de família faz, em analisar o novo integrante da família.

 

Nei Alberto Pies: Qual é a importância para as novas gerações russas o grupo de Danças Troyka? Qual é o papel da dança na divulgação da cultura russa que resiste para não morrer nesta querida cidade Campina das Missões?

Para que não se perca o legado histórico-cultural-religioso para as atuais e futuras gerações.

Difundir e levar consigo a linda tradição russa em todas as partes do Estado, do Brasil e além fronteiras, que possui no seu vasto currículo de sucessos em mais de 650 shows em festivais, regionais, nacionais e internacionais, eventos culturais, feiras e eventos realizados na região, estado e País, tanto que chamou atenção da grande mídia nacional, tais como: SBT Brasil (exibido em 06.06.2018), SBT RS, Globo Repórter (exibido em 08.06.2018), Globo News, várias exibições de 25 min, em rede nacional, na RBS TV, série partiu RS, Bom dia Rio Grande, Jornal do Almoço, revista Veja, O Estadão/SP, Folha de São Paulo, Zero Hora que dedicou reportagem de seis páginas, edição de 12.05.2018, além de outros jornais locais e regionais.

 

Nei Alberto Pies: Outras questões que você gostaria de considerar.

Que o Grupo Troyka aceita dançarinos de todas as etnias, desde que se empenham e tenham interesse e dedicação pela dança.

As vidas e os impossíveis

Pessoas de boa vontade lutam, sacrificam-se e
não desanimam de serem honestas e justas,
fugindo da mediocridade e sendo reconhecidas.

 

A vida humana é permeada por níveis de estresse, de dor e de infelicidade, por isso não é adequado fazer uso dos mesmos como argumentos para não se mover em direção a uma realidade que se apresenta limitada por uma ideia de espaço e de tempo.

Em outro artigo, escrevemos sobre a importância da aprendizagem com os outros: “As construções humanas individuais estão interligadas com uma rede de variáveis, a exemplo da natureza, em que a fertilização da terra e a manutenção da vida passam por estágios que demandaram acumulação de água em forma de vapor”.

Aprender com as experiências dos outros

Contrariamente, devemos considerar os argumentos que apontam para uma realidade cognitiva e material atual como resultado da capacidade que as pessoas já tiveram de transgredir e de romper os limites do que estava estabelecido como possível.

Uma das formas do ser humano romper os limites é buscando o que parece ser incansável e irrealizável, acreditando na força e no talento para transformar a imaginação em realidade.

O impossível está presente, em nossa vida, mais do que costumamos perceber, ao ponto de podemos afirmar que somos resultados dele.

Para exemplificar essa compreensão, basta retrocedermos na nossa história para saber que há dois séculos era considerado impossível o deslocamento aéreo das pessoas.

Continuamos influenciados em buscar sensações de segurança, orientando o próprio comportamento por compreensões conservadores e limitadoras, aceitando a realidade como foi posta ou construída. No entanto, viver uma existência de falsa segurança, é abdicar da possibilidade de superar os limites e se conformar com as ideias apresentadas e impostas como sendo as possíveis.

O medo do erro e do fracasso impedem as pessoas a se arriscarem e romperem os limites cognitivos e sociais. Por outro lado, pessoas que acreditaram no impossível transformaram a realidade e ocupam lugar de destaque na história, sendo que alguns podem ser citados como exemplo: Cristóvão Colombo, Rene Descartes, Isaac Newton, Albert Einstein e Luiz Inácio da Silva.

Pessoas de boa vontade lutam, sacrificam-se e não desanimam de serem honestas e justas, fugindo da mediocridade e sendo reconhecidas.

Os inconformismos diante dos limites (cognitivos e sociais) possibilitam o acesso aos impossíveis. Podemos fazer uso da força e dos recursos disponíveis para construir o que se apresenta no espaço e no tempo presentes como não real, realizado o que parece irrealizável.

Os limites do possível não estão estabelecidos originariamente, por isso temos a potencialidade de construir o impossível. Para tanto, precisamos ser capazes de imaginar e exercitar as possibilidades de fazer com que ele se torne realidade.

Vida na roça merece respeito

Nesta época junina deveria se fazer uma reflexão profunda sobre a vida sofrida que levam as pessoas da roça, e não ridicularizá-las da forma que é feito. Particularmente, como educador, (filho desta origem) e pessoa humana que tem um pouco de sentimento por essas pessoas que somos nós mesmos, nossos pais, nossos vizinhos, nossos colegas…

 

No mês de junho, escolas e alunos reúnem-se para fazer apresentações para a comunidade escolar. Realizam-se apresentações como teatros e danças “típicas”. Se olharmos pelo lado da expressão corporal, até isso colaborará para o desenvolvimento intelectual, corporal e linguístico. Agora se pergunta: como são feitas estas expressões? A que se refere à vestimenta?

A vestimenta é tipicamente remendada, rasgada e “fora de moda”. Na cabeça usa-se um chapéu grande, e, na maioria das vezes, rasgado.

Quem usa chapéu em nossa sociedade? São aquelas pessoas que trabalham de sol a sol para produzir o alimento. São as que tocam essa sociedade em termos de produção, que deveriam ter muito mais valor e, no entanto, são desprezadas. Esta vestimenta é encontrada nas pessoas da nossa sociedade que estão excluídas de um processo opressor e capitalista.

Nesta época deveria se fazer uma reflexão profunda sobre a vida sofrida que levam as pessoas, e não ridicularizá-las da forma que é feito. Particularmente, como educador, (filho desta origem) e pessoa humana que tem um pouco de sentimento por essas pessoas que somos nós mesmos, nossos pais, nossos vizinhos, nossos colegas, sou contra estas exposições que ridicularizam os agricultores e gente simples do campo. Sem querer, e sem refletir, acabamos de excluí-los duplamente.

A linguagem utilizada é até profana por se tratar de um esculacho muito grande da Língua Portuguesa, pois a real fala de nossos trabalhadores não chega a esse nível de deboche. E não se pode esquecer que essas pessoas da roça, trabalhadores que, para manter esse sistema que está aí e para o sustento desta nação, não tiveram oportunidade de acesso à educação.

Nós, educadores, deveríamos nos perguntar, já que falamos um pouco mais aproximados da língua “padrão”, talvez porque, com muito custo, chegamos a uma universidade, se temos o direito de ridicularizar a linguagem e o modo de ser dos outros, porque a dignidade das pessoas jamais estará na linguagem assim, ou assado… Deveríamos ter o cuidado para não estar incentivando, como algo normal, nossos educandos que tenham essa atitude, ainda, que por vezes, inconsciente.

Eu sinto orgulho de ser um filho da roça, porque a vida no “interior” me ensinou valores muitíssimo finos e refinados. (Nei Alberto Pies)

Vida na roça

 

 

 

Ponto de Vista

Há pouco tempo, trouxe aqui, em outra publicação no site, o Mito das Verdades.

A cosmovisão africana, assim como outras culturas que vieram depois, encontrava nos mitos, explicações para tudo e todas as situações. Nesse momento em que diferentes visões de mundo e percepções de vida se chocam na busca pela hegemonia, penso ser oportuno trazer este mito da cultura Yorubá. 

O Mito das Verdades

Recorro novamente a essa valiosa fonte de conhecimento que é a cosmovisão africana Yorubá, para trazer mais um itã, mais um mito.

Falo de Exú, essa figura controversa e tão mal entendida do panteão africano, mas que é fundamental, indispensável na visão de mundo Yorubá, para a existência de tudo.

Exú não exige de nós muito, mas espera ao menos o mínimo pelo que ele representa,  e o mínimo que podemos edevemos fazer a Exú é reverenciá-lo.

“Certo dia, dois amigos possuidores de terras vizinhas, iniciaram suas atividades sem a devida saudação a esse princípio da dinâmica da vida. Exú, na forma de um desconhecido, usando um boné de duas cores, uma decada lado, passou na fronteira dessas terras entre os dois homens que trabalhavam e os cumprimentou efusivamente. Logo depois um dos amigos perguntou ao outro:

– Quem é aquele homem de barrete vermelho que passou aqui?

E o outro respondeu:

-Não sei quem é ele, mas sei que o gorro era preto.

-O casquete era vermelho!

-Não. Era preto!

A discussão foi acirrada e acabou em luta de morte.”

Moral da história: Devemos ser cautelosos ao defender a verdade como se fosse absoluta e o ponto de vista como se fosse único.

Laroyê Exú(Exú, o que fala alto).
Exú o mojubá (Exú, eu o respeito).

“Sua opinião” mata

Lutar pelos direitos humanos é uma
luta constante e isso engloba a luta por um mundo
onde ninguém possa ousar querer nos dizer como amar. 

 

Em 17 de maio de 1990 a Organização Mundial da Saúde (OMS) excluiu a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID). Anos depois a data foi escolhida para festejar o Dia Internacional Contra a Homofobia.

Podemos entender por homofobia uma série de atitudes e sentimentos negativos em relação aos homossexuais, bissexuais, transgêneros e ou pessoas intersexuais. É um ódio imensurável e esse ódio mata. Vale pontuar que a maioria absoluta das pessoas que praticam homofobia não se vê como homofóbico.

O Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo e estima-se que diariamente sejam registradas ao menos 5 denúncias de violência homofóbica. Grande parte das mortes são registradas por espancamento, tiro, asfixia ou facadas. Requintes de crueldade são comuns nos crimes.

Enquanto trago estas informações o número de LGBTs mortos em 2018 é de 177 e aumentando. De acordo com levantamento realizado pelo Grupo Gay da Bahia no ano passado 445 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTs) foram mortos em crimes motivados por homofobia. Os dados de 2017 representam um aumento de 30% em relação ao ano anterior, que registrou mais de 340 assassinatos. Em 2015 foram 319 LGBTs brutalmente mortos, contra 320 em 2014 e 314 em 2013.

O Brasil está entre os países que mais matam pessoas por serem elas mesmas, por buscarem amar e ser livremente. Ser homossexual no Brasil é um fator de risco, já que a cada 19 horas um LGBT é morto simplesmente por ser quem é. A cada 23 horas uma travesti é morta por crime de ódio em virtude da sua identidade de gênero, diferente do “tradicional”, que incomoda a ponto de matar e resulta em estatísticas alarmantes. Quem não integra os índices de pessoas assassinadas pela intolerância inevitavelmente já passou por outras formas de violência que pode ser física, psicológica ou verbal.

Isso é resultado da ignorância, da estupidez, da burrice e do ódio.

No Brasil a homofobia é institucional e os LGBTs são marginalizados em todos os espaços que tentam ocupar. A homofobia está muito longe de ser “minha opinião” e ao que parece, infelizmente, ainda está longe de ser de fato criminalizada.

Reproduzir discurso excludente, que oprime, julga ou debocha de LGBTs resulta em centenas de filhos, irmãos, primos, companheiros e amigos mortos dia após dia.

Sua piada mata.

Sua homofobia, disfarçada de “minha opinião,” mata.

Reflitam.

Lutar pelos direitos humanos é uma luta constante e isso engloba a luta por um mundo onde ninguém possa ousar querer nos dizer como amar.  Já dizia Johnny Hooker “um novo tempo há de vencer pra que a gente possa florescer e, baby, amar, amar, sem temer”.

Que assim seja.

Amem. (sem acento)

Organização Mundial da Saúde retira transexualidade da lista de transtornos mentais e abre nova categoria denominada saúde sexual. Veja mais aqui.

 

Passo Fundo, RS: qual é a sua ambição?

Cidades diversificadas economicamente, tolerantes culturalmente
e abertas a novas ideias constituem pólos de força magnética
para indivíduos que buscam mudar o mundo através
do empreendedorismo econômico ou social.

 

Li recentemente um livro provocativo – “A Ascensão da Classe Criativa” – de Richard Florida, professor de Negócios e Criatividade na Rotman School of Management da Universidade de Toronto, que se notabilizou mundialmente como um intelectual que pesquisa indústrias criativas aliadas a planejamento urbano e desenvolvimento econômico.

O centro do seu trabalho passa pela definição de classe criativa e o papel que a mesma desempenha no desenvolvimento econômico e o papel das cidades como fontes de atração de indivíduos empreendedores.

Assim, a classe criativa é a classe que emerge na economia do século XXI e é formada por indivíduos das ciências, das engenharias, da arquitetura e do design, da educação, das artes plásticas, da música e do entretenimento, com capacidade de criação de novas ideias, novas tecnologias e novos conteúdos criativos.

Essa nova classe, dos indivíduos criativos ou originais, na acepção de outro autor que está lista de leituras (“Originais” de Adam Grant, psicólogo organizacional da Wharton School) está mudando o mundo do trabalho e move-se pelo poder de atração que as cidades exercem. Cidades diversificadas economicamente, tolerantes culturalmente e abertas a novas ideias constituem polos de força magnética para indivíduos que buscam mudar o mundo através do empreendedorismo econômico ou social.

A competição do século XXI, portanto, se dará entre cidades e sua capacidade de atração de pessoas criativas.

Morar em São Paulo ou São Francisco, Boston, Nova York, Tóquio, Austin, Berlin, Milão? Morar e montar novos negócios em Passo Fundo ou em Porto Alegre, Joinville, Londrina, Maringá, Caxias do Sul, Ribeirão Preto?

Desde que iniciamos a construção do projeto da IMED, nos perguntamos: qual é a sua ambição, Passo Fundo?

Nossa cidade passou a aparecer em listas e rankings nacionais nos últimos quinze anos, destacando-se como um bom local para desenvolvimento de carreiras. O PEDEL – Plano Estratégico de Desenvolvimento Econômico de Passo Fundo -, apresentado pela Prefeitura Municipal de Passo Fundo em 2015 demonstra a força desta cidade com menos de 200 mil habitantes e dotada de uma ampla base de atores tecnológicos e de pesquisa – UPF, EMBRAPA, UFFS, IFSul, SENAI, SENAC, Hospital São Vicente de Paulo, Hospital da Cidade, FASURGS, IMED, Hospital Prontoclínica, HO, BSBIOS, SEMEATO, KUHN, BIOTRIGO, dentre muitos outros.

Passo Fundo é a décima economia do RS, centro político, de comércio e de prestação de serviços de toda a região norte do Estado. Estamos situados em uma região com economia razoavelmente diversificada – agronegócio, saúde, educação, setor metal mecânico.

A cidade passou durante as últimas gestões pela ampliação da sua capacidade industrial e pela revitalização de espaços públicos, recuperando sua autoestima.

Mas, como um inconformista à la Adam Grant, para onde vamos? Por que não nos mobilizamos coletivamente para extrair da base instalada todo seu potencial? Quando resolveremos problemas históricos, como o aeroporto, por exemplo (porta de entrada e saída de todos aqueles que queiram realizar negócios na cidade)?

Onde está a energia mobilizadora de um padrão de governança local da sociedade civil, capaz de aliar-se ao poder público, para projetar publicamente Passo Fundo de fato como a melhor cidade média da região sul do Brasil para empreendedores?

O mundo está mudando muito mais rapidamente que muitos de nós poderiam imaginar. Uber, Airbnb, WhatsApp, Nubank, Cabify, Tesla, Amazon, Netflix já fazem parte de nossas vidas. Neste momento, criativos do mundo, do Brasil e do RS estão escolhendo onde morar, empreender e como farão para mudar o mundo. Por que não em Passo Fundo?

A guria de Vacaria

É fácil ser militante e correr poucos
riscos em tempos de calmaria.
A democracia testa seus defensores
em seus piores momentos.

 

Márcia Tiburi é de Vacaria. Foi o que anunciou com alegria o advogado e professor Carlos Frederico Guazzelli no meio de um debate sobre fascismo hoje à noite (19 de junho de 2018) no Café Nossa Cara, no Bom Fim. Guazzelli é vacariense e estava se exibindo.

Há muito tempo não temos muito o que exaltar por aqui. O fascismo, um dos temas que Márcia Tiburi gosta de abordar, ganha feições variadas no Estado desde antes do golpe de agosto de 2016.

O Rio Grande que alguém algum dia inventou de chamar de o Estado mais politizado do Brasil (e muitos acreditaram nessa lenda) é visto hoje como a república do relho.

Márcia mexe com o orgulho dos vacarienses porque se atreveu a se apresentar como pré-candidata ao governo do Rio pelo PT. Criou o fato político do mês. A professora de filosofia e escritora mora no Rio há quatro anos. Vai para uma guerra.

Márcia vai para a linha de frente da política numa hora em que muitos estão saindo.

Quem ainda estiver em dúvida sobre o que deve fazer em meio à longa ressaca do golpe, que se inspire no gesto corajoso de Márcia. Pelo Rio, por Marielle, pelas mulheres, pelo Brasil, por Lula, pela democracia.

Marielle representava uma grande parcela da população carioca, foi a quinta mais votada da cidade. Representava um conjunto de ideias que defende as minorias (sociais), que busca igualdade e justiça. Era mulher, negra, lésbica e favelada. Estava ocupando um espaço de poder que há séculos tentam deixar o mais distante possível desta parcela da população. (Ingra Costa e Silva)

Hoje e sempre, Marielle Presente!

Uma mulher vai encarar a disputa pelo governo no Estado em que os homens não conseguem descobrir ou não querem descobrir quem matou uma mulher negra, favelada, de esquerda, militante política, vereadora, defensora das comunidades pobres e dos direitos humanos, bissexual, formada em sociologia.

A valente Marielle merece que sua história e sua memória sejam homenageadas pelo gesto de uma gaúcha de Vacaria. Sem gauchismos e sem bravatas.

Márcia se dispõe a enfrentar a barra de um Estado quebrado, os traficantes, as milícias, os capitães Nascimentos, os amigos do José Padilha, a Globo, o Jornal Nacional, os traumas causados pela intervenção federal, os golpistas, os fascistas com chiado, os conchavos das máfias dos garotinhos e dos cabrais.

É fácil ser militante e correr poucos riscos em tempos de calmaria. A democracia testa seus defensores em seus piores momentos.

No livro “Como Conversar com um Fascista – Reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro”, editado pela Record, Márcia nos ajuda a refletir sobre o medo que os fascistas têm das mulheres.

Pois vai em frente, Márcia Tiburi. Mete medo neles.

Em outro texto, escrevi: Quando aparecer algum pregador direitoso querendo se livrar de Hitler, citem este livro fantástico. E leiam o relato de Silvia, porque é uma das raras obras sobre o nazismo pelo ponto de vista do jornalismo e sobre como o jornalismo de esquerda se engaja, em momentos graves, à luta contra as grandes ameaças.

Um grande livro contra fascistas e nazistas

Babacas ilustrados

O que está acontecendo com nossa educação formal
que dá conhecimento, mas não cultura,
que transmite conteúdo, mas não humaniza?
A educação que apenas transmite saberes técnicos
forma apenas babacas ilustrados como tantos que vemos por aí.

 

Muito antes dos movimentos ecológicos, meu pai jamais deixava queimar os restos das colheitas. Era melhor apodrecer e virar adubo. Ele também tinha o que hoje descobri ser empatia por animais e pessoas. Ensinou a sermos honestos, respeitosos e cordiais.

Uma vez uma vaca nossa entrou no milharal do vizinho e, embora tivesse o vizinho dito que não tinha problema, na colheita meu pai levou até ele três cestos do produto para compensar o estrago feito.

Meu pai mal desenhava o nome com um lápis laranja de pedreiro. Nunca teve educação formal, escola, ou livros.

Relato esse exemplo para me perguntar qual o lugar da educação para melhorar nosso jeito de nos relacionarmos com os outros, para nos ajudar a desenvolver a empatia afetiva, para que tenhamos atitudes mais humanas e melhorarmos a convivência.

Surgem esses questionamentos após acompanhar o caso dos brasileiros que constrangeram uma mulher russa, divertindo-se com ela como se lidassem com um brinquedo qualquer. Entre eles um advogado, que chegou a ser secretário de turismo de Ipujuca em Pernambuco, um tenente da polícia militar de Santa Catarina e um engenheiro civil. Todos com ensino superior, mas completamente idiotas. E sempre sob o argumento de “uma brincadeira inocente”. Assim, como há alguns anos atrás, meninos bem educados da classe alta de Brasília atearam foto a um índio por diversão.   Como é possível alguém ser estudado e um babaca social?

“Se fosse por aqui, seja com protagonistas estrangeiros ou brasileiros, a história poderia ser diferente. “Tipificamente, aqui seria enquadrado como contravenção da importunação ofensiva ao pudor”, explica a defensora pública Paula Machado, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher. Ou seja: pagariam uma multa por importunar, de modo ofensivo ao pudor, e tornar pública essa humilhação”.

Veja mais aqui.

Mais uma.  Após alterações sem-pé-nem-cabeça efetuadas para o Prêmio Jabuti deste ano, – que ensacou como batatas iguais a literatura para crianças, a literatura para jovens e a ilustração, – reagiram editores, escritores e ilustradores dessas literaturas. Foi então elaborada uma carta à Câmara Brasileira do Livro, em que mais de 300 profissionais da área questionamos os novos critérios.

Após ouvidos moucos aos questionamentos, Volnei Canônica, conhecedor do assunto e grande movimentador cultural do livro, escreveu um artigo em um site especializado em literatura.

No artigo, expôs os questionamentos já antes contidos na carta. Pois bem, o que não interessava, mas passou a interessar, é que Volnei Canônica é casado com Roger Mello, um de nossos mais significativos autores e ilustradores, sendo já premiado com o Nobel da ilustração, o Prêmio Christian Andersen. Foi então que o curador do Prêmio Jabuti, cheio de pós-doutorados e com seu Lattes recheado de publicações sobre literatura, ao invés de responder aos questionamentos, comenta em post no artigo, que Volnei Canônica tão somente levava a crítica para o lado pessoal, para defender “seu amor”, no dia dos namorados. Ante a repercussão do comentário nas redes sociais, o dito curador veio a pedir demissão, sem, contudo, rever suas posições e preconceitos.

O que está acontecendo com nossa educação formal que dá conhecimento, mas não cultura, que transmite conteúdo, mas não humaniza? Por que meu pai, sem escola, sabia se colocar como ser humano no mundo, com sensibilidade e empatia para outros animais e pessoas?

Será que é possível ensinar alguém a ser mais humano? Como a escola poderia fazer isso?

Do que já vi e vivi, aprendi que a Arte, quando vivenciada e não apenas quando objeto de estudo, desenvolve a sensibilidade e humaniza.

Não adianta, como o curador do prêmio Jabuti, ver a literatura ou outra arte apenas como objeto de saberes. É preciso deixar-se envolver, vivenciar, deixar-se tocar. É como quem canta, como quem dança, como quem representa, como quem lê um livro literário não apenas para ter respostas numa prova, mas para experienciar na própria pele as dores e alegrias dos personagens.

A educação que apenas transmite saberes técnicos forma apenas babacas ilustrados como tantos que vemos por aí. Precisamos de uma educação que vivencie as experiências emotivas e afetivas do ser humano. Creio que as artes, adequadamente mediadas, podem nos ajudar, e muito.  

Bernadete Dalmolin: mulher com ideias inovadoras para a UPF

 

Em entrevista exclusiva para o site, Bernadete Dalmolin
responde a questões que envolvem sua história pessoal e
o desejo coletivo de fazer uma gestão inovadora na
UPF (Universidade de Passo Fundo) a partir do diálogo,
da humanização e da gestão compartilhada.

 

Professora Bernadete, como avalias o processo da eleição para a Reitoria em 2018? O que significa a vitória da proposta de um grupo de pessoas que propôs a gestão compartilhada para a nossa querida UPF?

Foi um importante momento de participação, de avaliação e de discussão de projetos para a universidade que queremos nos próximos anos. A vitória da proposta do Movimento Ação UPF significa que a comunidade acadêmica deseja avançar, efetivamente, na vivência da gestão democrática, envolvendo os docentes, discentes e técnicos-administrativos, orientando-se pelas relações dialógicas e de humanização.

A UPF tem uma organização colegiada muito clara, mas ela deve ser fortalecida e ressignificada institucionalmente, potencializando a capacidade de análise, de resolução, de eficiência e de agilidade, sem prejuízo à educação que caracteriza o ensino universitário.

 

Quais foram e quais são as motivações pessoais para estar à frente da UPF para o período de 04 anos? O que de sua trajetória pessoal e profissional estará impregnado na forma de gerir a Universidade?

A principal motivação é, sem dúvida, compartilhar um projeto de Universidade em que a UPF reforça seu caráter comunitário, aprofundando a concepção de uma Instituição formadora e de produção do conhecimento contribuindo para o desenvolvimento da região. Além disso, dar vazão e voz ao enorme capital intelectual acumulado nessas cinco décadas de história.

“Entendemos que é com transparência e agregação das pessoas, com as capacidades de cada uma, que nos potencializaremos em torno de um projeto comum”.

Penso que sempre tem um encontro de trajetórias num coletivo como este que se constituiu no Movimento Ação UPF. Da minha trajetória, acredito que estarão presentes algumas características, comoo diálogo, a capacidade agregadora, a transparência e o afeto.

Quais são, hoje, os maiores desafios da gestão desta Universidade num contexto de crise institucional, política e econômica, mas também de um tempo onde o próprio papel da educação vem sendo questionado?

É preciso considerar o contexto de criseeconômica que, neste momento, afetam visceralmente as Instituições Comunitárias. Aliado a isso, as profundas transformações da educação superior, como a massificação dos sistemas, as formas de competição entre instituições de ensino superior, o tensionamento entre o público e o privado, assim como as inovações tecnológicas. A UPF necessita conviver e dialogar com esse tempo, enfrentando cautelosamente as dificuldades, fazendo as adequações necessárias e, abrindo-se às inúmeras possibilidades que ele traz consigo.

“Entendemos que é necessário aprofundar o papel das Instituições Comunitárias, reforçando seu caráter de instituição pública não estatal. Cumprimos, ao longo da história, um papel fundamental, fazendo frente a “vazios educacionais” (não cumpridos pelo Estado) e impulsionando o desenvolvimento das regiões”.

Buscaremos, em conjunto com as nossas associações, intensificar essa pauta junto aos órgãos governamentais, a fim de abrir frentes de financiamento diferenciadas às nossas ICES.

Assumimos como orientação a visão de futuro segundo a qual uma grande universidade comunitária se faz com excelência acadêmica, sustentabilidade econômica, interação com a comunidade, produção do conhecimento e gestão compartilhada. Isso significa que, internamente buscaremos equilibrar colegialidade e pró-atividade na gestão, movendo-nos com agilidade frente aos desafios e sermos resilientes na preservação dos valores acadêmicos.

 

Como é conciliar ensino, pesquisa e extensão no século XXI de tantas transformações?

É um desafio, pois requer uma ruptura de uma base formativa que está arraigada em modelos (teorias, metodologias e práticas) bastante tradicionais, fruto de um processo histórico e fragmentado de fazer ciência, de aprender e de ensinar.

Penso que é no entrelaçamento dessas dimensões que poderemos encontrar novos sentidos às atividades acadêmicas do nosso tempo, ou seja: ao fazermos pesquisa, geramos extensão (ou vice-versa), transformando a sala de aula em um ensino mais dinâmico aos nossos estudantes.

Nós temos condições de acelerar esse ambiente inovador, a partir do relacionamento com os diferentes públicos, de identificação de oportunidades, de negociação, de cooperação, inovando nossos currículos, fortalecendo e abrindo linhas de pesquisa e tornando, cada vez mais, nossa “casa UPF” e nossa comunidade um lugar mais qualificado para crescer e se desenvolver.

“Este papel está na gênese da universidade e, num mundo cada vez mais plural e complexo, com diferentes e variadas formas de vida, o que faz a diferença é essa integralidade que potencializa a formação de um sujeito crítico, ético, aberto ao diálogo, com capacidade de pensar por si mesmo, com olhar abrangente, sensibilidade imaginativa e responsabilidade social”.

O que significa para ti, para a instituição e para a própria comunidade geral a eleição da primeira reitora mulher da Universidade de Passo Fundo?

O mundo da gestão ainda é eminentemente masculino. Romper a lógica hegemônica, neste caso, também é importante e inovador. Que pena que é a primeira vez em 50 anos, até porque as mulheres sempre estiveram presentes no cenário da educação brasileira, mas que bom que aconteceu agora (na UPF as professoras somam mais de 40% do total).

Creio que isso será muito importante para que outras mulheres possam ocupar espaços de gestão, trazendo para esse campo, características que são próprias ou mais aguçadas no gênero feminino.

Em momentos da campanha eleitoral ouvíamos depoimentos que expressavam “incômodos” com a possibilidade da UPF teruma reitora, como por exemplo: “uma gestão complexa não é para pessoas sentimentais, emotivas”, dentre outros, buscando desqualificar características e negar trajetórias (inclusive de gestão).

“Penso que precisamos superar pré-conceitos que reforçam uma cultura dominante de um perfil masculino para os cargos da alta gestão”.

Acho que as diferenças entre homens e mulheres são salutares e complementares e, promover a igualdade de gênero no lugar do trabalho, é uma questão justa e inteligente, aproveitando as competências e talentos de cada um/uma, também nos espaços estratégicos de condução e de tomadas de decisão.

 

Qual é a sua visão sobre a construção de um conhecimento para a humanização, que é uma das propostas do nosso site? (a ideia que defendemos é de que, através do conhecimento reflexivo, podemos superar a nossa ignorância e nos tornarmos assim pessoas melhores).

Falar em humanização é falar em relações, em reconhecimento do outro como sujeito de direitos e saberes.

“É preciso deixar claro que não estamos falando apenas de cordialidade, ou de momentos de uma reunião dos funcionários com seus dirigentes, estamos falando de uma postura, de uma prática cotidiana. Estamos falando do resgate e fortalecimento do que é ser sujeito, ser HUMANO”.

Entendo que a construção de um conhecimento para a humanização passa pela superação de uma cultura institucional fortemente assentada nos modelos de gestão, que vem de determinadas escolas clássicas e que ainda são fortes na sociedade. Modelos esses, que produziram como efeito, a dominação, a separação entre quem pensa e quem executa o trabalho, a alienação. Formas não compatíveis com uma gestão de educação da natureza da nossa.

Para isso, instituiremos modos de trabalho que produzam tanto compromisso e convivência solidária com o interesse comum, quanto capacidade reflexiva e autonomia dos diferentes espaços de gestão. Dito de outra forma, trabalharemos fortalecendo a capacidade de ser, de pensar, de refletir, de criar e de fazer de cada um.

 

O que a comunidade acadêmica e comunidade geral pode esperar da gestão compartilhada para os próximos quatro anos? Qual será a marca e a identidade de trabalho desta gestão que representas como reitora?

Pode esperar uma gestão em que todos importam e todos serão convidados a participar, a refletir e a decidir. Assim, acreditamos que iremos ampliar a autonomia de gestão das unidades e dos cursos e potencializar a capacidade de análise, de resolução, de eficiência e de agilidade.

 

Por fim, como defines numa frase você, Bernadete Dalmolin.

Uma pessoa presente, de diálogo, de fácil convivência e que se inquieta com injustiças de toda a ordem.

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