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Ser mãe do SIM ou do NÃO?

Nossa sociedade está doente, por que não é possível que
uma geração toda receba educação quando os adultos
não entendem seus papeis de progenitores e educadores de vidas.
Que precisam dizer não, ao invés de sempre dizer sim.

 

Embora, muitas vezes, dizer sim represente uma comodidade maior para quem emite, nem sempre representa a forma de educar correta. Em muitas situações esse sim dito na infância ou na juventude tem reflexos devastadores do ponto de vista humano e da formação do caráter. Entre o sim ou o não, tenha certeza que o não sempre vai educar muito melhor, pois ele representa um direcionamento de vida. E por mais que a educação torna-se obrigação dos dois genitores, a responsabilidade recai muito mais para a mãe.

Sueli Ghelen Frosi, da Escola de Pais do Brasil afirma que pais e mães sempre são educadores e que devem ser parceiros da escola, para a humanização dos filhos. Os filhos são educados pela linguagem, pelas emoções, pelo respeito e pelos exemplos.

Para exemplificar melhor, vou contar uma história verídica que aconteceu no interior, numa cidade pequena: – Mãe, posso posar na casa da minha amiga? – perguntou a filha. Era sábado à noite. A mãe respondeu: – Não. Vai fazer o que lá? Posso? Vamos assistir a um filme. – Insistiu a garota. De tanta insistência a mãe acabou cedendo. Transformando o não em um sim.

A menina já estava combinada com sua amiga. Em seguida, vieram dois garotos da cidade de buscar as duas para ir à festa nessa cidade. Lá se foram as duas garotas. Como era de se esperar todos beberam na devida festa. Na madrugada, um dos garotos estava dirigindo em alta velocidade em direção a cidade das garotas.

A curva se transformou em uma reta. O SIM se transformou em não. Não a vida. Não a alegria. Sim para o desespero. Sim para a tragédia.

Em seguida toca o telefone na casa de uma das garotas. A mãe foi atender. Era o policial dizendo que a mãe deveria comparecer na determinada curva do asfalto que sua filha havia sofrido um acidente. A mãe rebate a informação dizendo que possivelmente havia um engano, pois sua filha Camila estava posando na casa da amiga Paula. O policial insiste dizendo que era Camila que estava lá.

Chegando lá a mãe se depara com a filha esmagada embaixo de um automóvel. O desespero bate. O arrependimento chega. A tristeza toma conta do coração de uma mãe que perde seu maior presente que a vida lhe deu. Se a mãe tivesse dito o NÃO e persistido o máximo que aconteceria era a garota ter ficado “birrenta” e bater a porta do quarto.

Por isso o não é uma palavra poderosa, pois remete a uma força inimaginável. Muita gente parece que a aboliu, pensando que essa palavra foi proibida nas relações e na educação dos filhos.

O NÃO não significa a negativa de alguma coisa, mas ele remete ao direcionamento para a percepção da vida mais real possível.

Caso você entenda o não como sacrifício, ele representa negativa na educação. Agora, se você entender a educação como edificação ele torna-se fundamental. Se entender essa palavra como cuidado eu não estou maltratando meu filho eu estou cuidando. Esse é o primeiro passo.

 

O fato de se reconhecer que crianças têm direitos, entre eles à educação, carinho, lazer e “querer”, fez com que as relações entre pais e filhos melhorassem muito, que os pais fossem menos autoritários e que os filhos pudessem participar mais da vida em família e até ajudar a tomar decisões. Em síntese, a relação entre pais e filhos se tornou mais democrática.

Limites: entre o direito dos filhos e o dever dos pais

Por outro lado dizer sempre SIM é mais cômodo para o momento. Seguidamente, ouço dizer que “essas crianças não tem mais limites.” Nessa fala há uma inversão, pois quem não tem limites são os pais.

Aparentemente a mãe dizer sim para a filha de 14 anos que quer dar uma volta de carro com as amigas é mais fácil do que ver a frustração dessa filha perante a infração grave da lei. Dessa forma a mãe, irresponsavelmente, deixa que a filha saia dirigindo pelo centro da cidade. E o que é mais grave, colocando em risco a vida de outras pessoas. Esse sim novamente, como no primeiro caso, transforma-se em incômodo. “Dor de cabeça”.

Além de Joana acabar com o único carro que a família tinha e que usava para trabalho, vai desembolsar mais 10 mil para consertar o carro de outra pessoa que não teve nada a ver com a irresponsabilidade dessa mãe. Além do que vai responder processo na justiça por não assumir seu papel de mãe.

Geralmente o Sim de hoje pode se transformar em bater o carro. A prisão. A droga. O assalto. A vida fácil. O fim do relacionamento amoroso. Vai ser o NÃO de amanhã.

Como professor, convivo diariamente com jovens que não recebem não da família. Então me pergunto. Será que uma garota de 14 anos que ouve só sim em casa vai respeitar o não quando o professor pede para sentar, para escutar, para copiar. Vai entender que tem momentos que o não prevalece. Com toda a certeza não. Esse jovem, essa jovem vai enfrentar o professor.

Sem sombra de dúvidas, afirmo que nossa sociedade está doente, por que não é possível que uma geração toda receba educação quando os adultos não entendem seus papeis de progenitores e educadores de vidas.

A indisciplina na sala de aula reflete o comportamento permissivo que recebem as crianças e jovens e não vai ser na escola que eles vão respeitar. E os pais só vão entender que o limite é importante quando refletir no bolso como uma avalanche.

Fico sempre me perguntando como podem meninos se tornarem machistas e sem respeito às mulheres, sendo que quem os educa são as mães, são mulheres? Sempre digo para mulheres de minha família que tudo aquilo que não gosta em seu marido procure ensinar para o seu filho. Pois as chances de ele ser mais feliz no casamento dependem disso. Levante a tampa do vaso. Leve a toalha ao banheiro. Não reclama da comida. Aprenda cozinhar. Você não vai casar com mãe. Você vai encontrar uma mulher que quer dividir a relação não para te servir. Ensina a menina a cozinhar. A fazer as coisas também. Ensina a limpar as coisas. Não dê tudo pronto. Seja uma mãe mais do Não do que do SIM.

Sou um favelado com orgulho

Sou favelado e tenho orgulho de ser favelado.
Eu ascendi social e economicamente,
mas essa é minha origem,
essa são as minhas diferenças.

 

Da laje de sua antiga casa, na favela da Maré, Jaílson de Souza e Silva perguntava aos visitantes: “O que seus olhos veem?” Para uns, um amontoado de pobreza e carências. Para outros, vidas em sua potência. Superar a visão da precariedade por outra que batizou de “paradigma da potência” passou a ser o trabalho e a razão de vida desse geógrafo formado em universidade pública, com mestrado e doutorado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e atualmente professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Pensar a favela a partir de suas potências é romper com o discurso da ausência e da carência e tentar ver o que ela tem”, defende, em entrevista à Radis. Nascido em uma comunidade de Brás de Pina, na zona norte do Rio de Janeiro, e ex-morador da Maré, o filho de migrantes nordestinos foi um dos fundadores do Observatório de Favelas, em 2001, junto com um grupo de amigos. No horizonte, estava o desejo de formar pesquisadores locais nas favelas e ampliar os olhares sobre esses espaços, vistos de fora com estigmas e preconceitos. Um de seus livros, “Por que uns e não outros?” (Editora 7 letras, 2003), oriundo de sua tese de doutorado, aborda a luta de jovens de favela para acessar a universidade. “Qualquer forma de regulação do espaço público nas favelas tem que ser a partir da participação de seus moradores, principalmente de seus jovens”, destaca.

 

Como a favela marcou sua trajetória afetiva e intelectual?

A minha tese de doutorado — “Por que uns e não outros?” — tem muito a ver com a minha trajetória. Eu sou membro de uma família da periferia do Rio de Janeiro, filho de migrantes nordestinos e fui o primeiro descendente da minha avó, entre filhos, netos e bisnetos, a entrar na universidade. Definitivamente, a minha geração de periferia tinha uma dificuldade muito grande de chegar à universidade. Discutir isso e por que alguns de nós conseguiam, a partir de que estratégia, era o eixo central do trabalho. Eu morava na favela quando entrei na UFF. Sou favelado e tenho orgulho de ser favelado. Eu ascendi social e economicamente, mas essa é minha origem, essa são as minhas diferenças. A partir disso fui construindo formulações distintas da maioria dos intelectuais e pesquisadores que pensam as práticas sociais. Eu trabalho tentando basicamente entender por que as pessoas agem como agem, pensam como pensam no âmbito do urbano. Participei de várias organizações e, em 2001, fundei junto com o Jorge Barbosa, um amigo que também é professor da UFF, o Observatório de Favelas.

 

Qual é a visão que se tem da favela de fora dela?

O pressuposto do Observatório de Favelas e da minha tese de doutorado era fazer a crítica a uma representação muito difundida em que a favela é pensada a partir de um paradigma da ausência, da precariedade. A favela é definida sempre a partir do que não seria. Seja a definição do Ministério das Cidades de “assentamento precário”, seja a definição do IBGE de “aglomerado subnormal”, seja a definição da mídia em geral como “comunidade carente”, a favela sempre tem substantivado o que seriam as suas carências, as suas precariedades. Há uma leitura sobre a paisagem dentro da favela e nela só se vê a partir de uma visão que eu chamo de sociocêntrica: aquilo que não está dentro da normalidade, da organização formal, que seriam os espaços das classes mais ricas, das classes dominantes.

 

Como esse modo de “ver a favela” define as políticas urbanas e a forma como o poder público se relaciona com seus moradores?

Esse paradigma da ausência e da carência define uma forma de pensar a favela e suas políticas públicas a partir sempre de um processo sistemático de precariedade. É muito comum se fazer uma praça dentro da favela sem nenhum tipo de manutenção. Seis meses depois ela está destruída e responsabiliza-se os moradores por aquela falta de manutenção, por aquelas condições. Ao mesmo tempo em que se fazem projetos de grande envergadura em áreas nobres da cidade e outros muito pontuais e localizados, como as chamadas Lonas Culturais, dentro das favelas cariocas. Historicamente foi se produzindo uma política em que sempre eram destinados à favela os espaços de menos investimentos. Existe uma lógica profundamente perversa de utilização dos recursos públicos, em que a maior parte vai para as áreas mais ricas, o que só favorece ainda mais a sua valorização.

 

Como essa “seletividade” se reflete na política de segurança pública, que encara a favela apenas como “espaço do crime”?

O desafio fundamental é como a gente constrói políticas públicas para as favelas que reconheçam seus moradores como cidadãos plenos. Em particular no campo da segurança pública, isso é mais complexo, pois as grandes cidades brasileiras trabalham com a ideia de “cidadela”: proteger e garantir as regras em determinado espaço da cidade, das classes dominantes, e a imensa maioria das periferias e favelas ficam entregues a um processo de privatização da regulação do espaço público. E aí as facções criminosas, o tráfico de drogas e as milícias terminam definindo as formas de controle desse espaço. A partir daí, surgem formas de combate por parte do Estado e de incursões em que se gera um processo de guerra do extermínio. Vivemos um círculo vicioso. O Estado não cumpre efetivamente o seu papel de regulador do espaço público de toda a cidade, esse processo faz com a regulação seja privatizada, essa privatização gera grupos criminosos específicos, principalmente traficantes de drogas, que são combatidos a partir da lógica do extermínio pelas forças de segurança do Estado, tornando a vida um inferno e absolutamente perigosa e precária. Ocorre um processo perverso em que os moradores das favelas são profundamente atingidos pela incapacidade do Estado de produzir efetivamente uma política para eles.

 

Como a favela pode se afirmar como espaço de resistência, criatividade e luta por direitos?

A forma que a gente tem de enfrentar isso e que construímos com a organização foi o que a gente chama de “paradigma da potência”. Pensar a favela a partir de suas potências é romper com o discurso da ausência e da carência e tentar ver o que ela tem. Certa vez uma amiga foi na minha casa, na Maré, ela nunca tinha entrado na favela, chegou no terceiro andar e falou: “É muito feia, né?” Eu falei: “Feios são seus olhos domesticados que não conseguem perceber quantos tipos de beleza têm aqui”. A vida, a beleza da solidariedade, a invenção de brincadeiras as mais diversas, a capacidade dessas pessoas produzirem novas formas de regulação do espaço público, a festa, a intensidade, a alegria que muitas vezes se faz presente por causa do número imenso de jovens e crianças. É um conjunto de belezas que você não reconhece porque está acostumado a pensar a beleza a partir de critérios mais formais. É a mesma coisa que se faz quando a polícia e o Exército entram e só veem ali o que há de risco. Especialmente porque estamos falando de uma população negra, que são basicamente pretos e jovens, os mais estigmatizados no espaço urbano.

 

Como as práticas e saberes populares podem ressignificar os espaços da favela?

O desafio principal é afirmar essa potência. Afirmar essa capacidade de invenção, de criação cultural que permeia a vida cotidiana dos moradores das favelas, especialmente da juventude. Por isso, não é casual que existam tantos projetos da juventude nas favelas e que produzam tanto impacto do ponto de vista da cultura e das atividades artísticas da cidade. Hoje o funk, o hip hop, o grafite, o passinho e tantas outras manifestações cada vez mais se tornam centrais. Então é um equívoco pensar as favelas como espaços periféricos. Cada vez mais as periferias se tornam centros. Elas assumem um lugar central de representação e configuração da cidade. Qualquer forma de regulação do espaço público nas favelas tem que ser a partir da participação de seus moradores, principalmente de seus jovens. O erro fundamental das UPPs [Unidades de Polícia Pacificadoras] foi a preocupação em controlar mais o espaço do que garantir o direito de seus moradores à segurança pública. Os comandantes queriam ser os novos “donos” das favelas e isso efetivamente não permitiu que elas se sustentassem.

 

Qual é o impacto da intervenção militar na vida de quem vive nas favelas?

A intervenção na Maré [abril de 2014 a junho de 2015] foi muito impactante, foi muito forte. Houve a presença ostensiva de mais 2 mil homens das Forças Armadas gastando mais de R$ 600 milhões e nesse processo ela se revelou um verdadeiro fracasso. Mesmo com a presença das Forças Armadas, os jovens traficantes estavam lá, agindo, e principalmente se fortaleceram mais ainda após a sua saída. Esse tipo de intervenção militar é a 13ª que nós vivemos no Rio de Janeiro, é um engodo, não tem nenhuma eficácia, nenhuma eficiência, viola o direito dos moradores em geral e trabalha principalmente com a lógica de guerra, que não cabe na segurança pública. A segurança pública não pode ser guerra. Tem uma necessidade de fazer um trabalho de inteligência, a longo prazo, que respeite o direito à vida de todos (dos moradores, dos agentes de segurança e dos próprios jovens criminosos) e que não tenha a lógica de extermínio como seu eixo de atuação. Essa intervenção é antes de tudo uma estratégia política. Não está no campo da segurança pública. E o objetivo é principalmente melhorar a popularidade do governo federal, mais do que qualquer outra coisa. Então ela é inaceitável. (LFS)

 

Autor: Luiz Felipe Stevanim
Fonte: Radis

Ocupações

Que Alexandre Garcia, William Bonner, Mirian Leitão e seus
similares aqui no Estado continuem vendo esse povo como invasores.
Não importa. Caco Barcellos está formando jornalistas.


O jornalismo vai sobreviver aos ataques dos que dizem defendê-lo, mas se encarregam de destruí-lo.

Acabei de ver o programa “Profissão Repórter” sobre ocupações.
Ouvi nove vezes, pela voz das repórteres, as palavras ocupação, ocupar, ocupando, ocupantes. Matéria repercutida pelo portal G1.

Nenhuma delas falou de invasão ou invasores. Os jornalistas decidiram desafiar a definição usada pela própria Globo para os sem-teto que ocupam prédios e áreas sem utilidade e que muitas vezes são mantidas apenas como reserva de valor para especulação.

Uma reportagem emocionante feita por meninas sob a liderança do grande Caco Barcellos. E Caco foi o primeiro a anunciar que o programa trataria de ocupações.

Profissão Repórter 01.11.2017 – Ocupações em São Paulo, completo.

Que Alexandre Garcia, William Bonner, Mirian Leitão e seus similares aqui no Estado continuem vendo esse povo como invasores. Não importa. Caco Barcellos está formando jornalistas.

Dráuzio entrevista Caco Barcellos. Conheça mais sobre este grande jornalista.

 

Jornais impressos contam histórias das comunidades

Associo-me aos jornais impressos que têm como missão integrar as comunidades pelo caminho da informação. Produzir informação e jornalismo com responsabilidade social é uma das características que justificam a existência de jornais impressos, contanto que as informações neles contidos não sejam instrumentos de dominação, mas que sirvam para democratizar o conhecimento nas comunidades.

O jornal impresso sempre cumpriu muitas funções, sobretudo nas pequenas comunidades gaúchas.

Os imigrantes alemães e italianos sempre valorizaram os jornais que eram impressos nos idiomas deles. Os alemães assinavam o jornal St. Paulus-Blattt, impresso em alemão, lido e discutido entre – os letrados e interessados –, os quais, geralmente, eram lideranças das comunidades. Também assinavam o calendário, na forma de livro, denominado Ignatiuskalender. O mesmo era impresso em Porto Alegre e sob responsabilidade dos Padres Jesuítas. Os imigrantes italianos, por sua vez, recebiam em suas comunidades o Jornal Correio Rio-grandense, editado a partir de 1909. Depois das celebrações dominicais, os principais títulos eram lidos para todos. Havia também havia assinaturas que eram feitas pelas famílias, diríamos mais abastadas, ou interessadas.

Os jornais impressos eram uma das poucas fontes de informação, geradas de fora dos contextos das comunidades do interior. Quando apareceu o rádio, o veículo praticamente tomou o lugar das informações, antes restrita aos jornais e aos relatos dos viajantes.

O fato é que todo o jornal, entregue na forma de assinatura, ou distribuído gratuitamente pelas prefeituras, sindicatos ou outras organizações, sempre despertava uma grande curiosidade na comunidade, principalmente por ser uma informação palpável (ilustrada com fotos, charges, pinturas a nanquim e noutras linguagens, com informações gerais e locais, que vinham ao encontro dos desafios comunitários, da organização e da produção escrita das próprias comunidades).

Tudo o que vinha escrito era aceito como verdadeiro, a exemplo de outros impressos como a Bíblia, dos folhetos da celebração dominical e do livro de cantos, geralmente folclóricos e religiosos.

O jornal também cumpria funções práticas como embrulhar produtos alimentícios e frágeis, sobretudos nos bolichos, casas de comércio ou supermercados. Ao chegar nas famílias, na forma de embrulhos, os jornais cumpriam a função de informar seus leitores.

Particularmente, fui obstinado por jornais, justamente porque continham informações novas e diferentes, nem sempre muito compreensíveis ao meu entendimento. Justamente por isso, eu fui assíduo leitor dos jornais amassados, antes dos mesmos cumprirem sua última missão: acender o fogo do fogão à lenha.

Até hoje, nas comunidades do interior, o destino final do jornal, após a leitura, vai à caixa de lenha. Nas cidades, destinam-se à reciclagem, ou para cães, gatos e aves preservarem a higiene da casa. Nos centros urbanos, entopem bueiros ou servem para proteger do frio de quem mora na rua. Mas mesmo antes de seu destino derradeiro, o jornal impresso ainda está disponível para cumprir função de informar e instigar curiosidades pelo mundo desconhecido.

Avalio como mágico, poderoso e instigante o poder e a influência dos jornais impressos nas pequenas comunidades.

Acreditando neste poder, dez anos atrás, ajudei a construir um jornal impresso de uma rede municipal de ensino de um município do norte gaúcho com predominância de comunidades no interior. Chamava-se “Criando para encantar”. Era uma publicação da Secretaria Municipal de Educação. O objetivo era contar as práticas educativas de cada escola. Em pouco tempo, tornou-se o Jornal de toda comunidade, distribuído a todas as famílias daquele município, tornando-se logo referência de informação à comunidade. Deixou de ser impresso porque dava muito trabalho.

Hoje, associo-me aos jornais impressos que têm como missão integrar as comunidades pelo caminho da informação. Produzir informação e jornalismo com responsabilidade social é uma das características que justificam a existência de jornais impressos, contanto que as informações neles contidos não sejam instrumentos de dominação, mas que sirvam para democratizar o conhecimento nas comunidades.

Em nossa cidade, Passo Fundo, RS, ainda há dois jornais impressos diariamente: Diário da Manhã e O Nacional.

Mas há também jornais periódicos, com natureza e objetivos distintos como o Jornal Rotta.

O jornal Rotta é uma publicação periódica – quinzenal, que circula há mais de 20 anos em meio a comunidade de Passo Fundo, sempre com distribuição gratuita e de forma ininterrupta neste período. Com uma tiragem de 2 mil exemplares (em edições normais), é distribuído nos mais diversos segmentos da comunidade, chegando com suas notícias ao Poder judiciário; Prefeitura Municipal, Câmara de Vereadores, escritórios de advocacias, consultórios médicos – e outros profissionais da área da saúde; Universidades, setores da Segurança Pública – com ênfase para as polícias Civil e Militar, entre vários outros.

Com um material (matérias) de fácil entendimento, tratando dos mais diferentes temas da vida da sociedade; com colunistas que enfatizam temas das mais diferentes atividades do cotidiano de uma cidade como Passo Fundo – com mais de 200 mil habitantes, o jornal Rotta é muito bem aceito; conquistando leitores a cada edição e mantendo um grupo fiel ao seu trabalho há anos.

A filosofia do jornal Rotta sempre foi trabalhar com a verdade dos fatos; ter em seu quadro colunistas profissionais que se dedicam, além da arte de escrever, a outras tantas atividades, lhes possibilitando repassar ao leitor as mais diferentes opiniões e experiências sobre qualquer assunto. Aliado a isto, a publicação zela, como sempre zelou, pela qualidade na sua diagramação, em peças publicitárias e na qualidade de sua impressão.

Manoel de Barros na sala de aula para crianças

Nas minhas andanças pelo país tenho visto professores com dificuldades para trabalharem a poesia em sala de aula. Tal esta dificuldade se dê porque o professor não gosta de poesia, pois tudo o que gostamos aprendemos a transmitir para o outro. Fica o convite para uma aula com poesia.

 

Quando a gente se depara com a poesia de Manoel de Barros, toma um susto com a forma pela qual ele consegue usar as palavras, coisificando-as e trabalhando com metáforas. Dá uma vontade enorme de ser ele só para podermos brincar desse jeito com as palavras!

Manoel de Barros tem uma poesia voltada para o público infantil de uma singeleza ímpar. Uma poesia que fala por si mesma, que brinca com a criança e a filosofia, que fala dos vazios, do mundo, dos quintais, dos besouros e de tantas outras coisas.

O menino que carregava água nas peneiras. Manoel de Barros.

Nas minhas andanças pelo país tenho visto professores com dificuldades para trabalharem a poesia em sala de aula, mas acho que essa dificuldade se dá quando o professor não gosta de poesia, pois tudo o que gostamos aprendemos a transmitir para o outro.

A poesia de Manoel de Barros é um convite para uma aula diferente, uma aula onde as crianças possam brincar com a metafísica e as coisas sem se preocuparem com os seus conceitos complexos.

O poeta inventa palavras, e isso faz muito bem. Inventa mundos e inventa meninos. Sabe bem brincar com a imaginação das crianças. Explora o imaginário de forma inteligente e criativa chamando a criança para dentro da sua poesia.

Quem já leu a poesia o menino que carregava água na peneira sabe bem do que estou falando. O poeta fala de um menino que gostava mais do vazio do que do cheio e isso já chama a atenção da criança, pois como pode um menino gostar de uma coisa vazia se no cheio é onde estão as coisas nas quais podemos mexer? O poeta usa a palavra “despropósitos” que pode ser questionada pelo professor aos seus alunos.

Ao analisar cada palavra da poesia o professor segue descobrindo a magia e o encanto que Manoel de Barros dá ao seu menino da peneira, um menino simples, porém cheio de coisas maravilhosas, igual a qualquer outro menino, igual aos nossos alunos que vez ou outra gostam de vazios e a gente não consegue entender o motivo.

Outro poema que pode chamar a atenção dos alunos é o livro sobre nada. Usa as metáforas de forma linda e com a alegria de uma criança fala que palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria. E assim o poeta nos esclarece que todo brinquedo deve ser levado a sério. Esta já é uma poesia para alunos maiorzinhos, do ensino fundamental II, mas que nos leva a uma reflexão tamanha sobre a vida e as coisas.

Uma poesia que fala do nada; a gente fica a se perguntar o que é o nada o tempo todo e se o nada existe como é ele.

Poesia Livro sobre o Nada. Manoel de Barros.

As crianças gostam de perguntar sobre o nada, por isso a poesia voltar a ser das crianças menorzinhas novamente.

A poesia também fala de presença e de falta dentro da gente num mundo onde a falta de amor ao próximo, de cuidados, zelo e carinho vem tomando conta da nossa sociedade pode-se usar esse verso para refletir com os alunos para onde estamos indo com a nossa individualização, o que está faltando na sociedade para que ela se torne melhor e como fazê-la melhor. Pode ser questionado também o que está presente tão fortemente na sociedade que não conseguimos enxergar a olho nu, e por que as coisas costumam dá errado para alguns que não conseguem se enxergarem presentes no mundo.

No mesmo poema, o poeta fala que gostaria de ser lido pelas pedras. Daí a gente fica pensando que importância pode ter uma pedra? Será que uma pedra pode lê alguém? De que forma? Por que o poeta usou essa metáfora? O que as crianças acham desse verso? É um verso bem filosófico esse. Nos leva a um pensar crítico e investigativo forte.

Num primeiro momento percebemos que o poeta dá uma importância significativa para a pedra. Logo, podemos brincar com as crianças perguntando-lhes o que acham de uma pedra, e se gostariam de ser uma, como deve ser a vida de uma pedra, que sentimentos deve ter uma pedra, etc. Claro que isso tudo está na base do mundo imaginário, mas talvez seja esse o convite do poeta, fazer a criança entrar no mundo imaginário para ler a sua poesia.

Para concluir, citarei mais um verso que chamou a minha atenção na poesia o livro sobre nada: “não saio de dentro de mim nem pra pescar”, diz o poeta.

Eu me pergunto como seria esse sair de dentro de mim? Como a gente faz pra sair de dentro de nós? Acho que essas são boas perguntas a serem feitas às crianças que estão sempre cheias de curiosidades.

O meu objetivo com este artigo é convidar os professores a trabalharem com a poesia em sala de aula, pois ela é um instrumento de despertar o imaginário, o pensar crítico e reflexivo diante de nós e do mundo ao nosso redor. Trouxe hoje aqui a poesia de Manoel de Barros, mas acho que qualquer boa poesia faz isso com maestria e beleza. Fica o convite para uma aula com a poesia.

Poema, de Manoel de Barros.

 

Arte de manipular através de promessas

A verdade é que as condições materiais, os fatos e a sensação
de segurança tem um grande apelo material e emocional.
Todos buscam segurança, temos necessidades físicas e subjetivas,
que se apresentam como condição garantidora da mesma.

 

Nas vésperas da eleição presidencial de 2018, o Brasil está vivendo uma mistura explosiva da mentira emotiva no contexto pós-verdade. Em sintonia com a definição do dicionário de Oxford pós-verdade é: “circunstâncias em que os factos objetivos têm menos influência na formação de opinião pública do que os apelos emocionais e as opiniões pessoais”.

Em outras palavras, pode ser dito que se trata de uma nova palavra, simbolizando um conceito que agrega a dimensão emocional, para um conceito antigo em que as relações entre emoção e a imaginação tem mais poder do que as relações entre os fatos concretos.

A pós-verdade de que a corrupção iria ser combatida, com a retirada de um partido político do poder e as condições de vida melhorariam moveu multidões em 2016, mas perdeu força em 2017.  

Na medida em que o que está acontecendo se sobrepõe ao que foi prometido e esperado, novas promessas são construídas com o objetivo de fazer com que as mentiras continuem manipulando as multidões.

As opiniões, por exemplo, de que a vida estava melhorando com as mudanças, que incluíram o congelamento dos investimentos sociais e a reforma trabalhista foi desconstruída. O poder de convencimento dos benefícios da reforma da previdência e da prisão de um ex-presidente foram “constrangedoramente” desconstruídas em manifestações de em uma das maiores festa populares, que é o carnaval brasileiro.

Para manipular multidões, as técnicas de mentir e controlar as opiniões são aperfeiçoadas.  Um aspecto central para a eficácia dessa estratégia é incluir uma porcentagem de verdade para que a mentira seja mais convincente.

Uma dificuldade está no descontrole da comunicação e da verificação, que precisam ser superada pela insistência na propagação da falsidade e na desqualificação de quem a contradiz. Além disso, quando uma promessa perde força, como é o caso da promessa vendida, como foi garantia de melhoria, a partir das mudanças de 2016, se faz necessário construir uma nova mentira que agrega componentes verídicos.

A verdade é que as condições materiais, os fatos e a sensação de segurança tem um grande apelo material e emocional. Todos buscam segurança, temos necessidades físicas e subjetivas, que se apresentam como condição garantidora da mesma.

Nesta edição do programa o tema é Segurança Pública e como a sensação de segurança influência no nosso dia a dia. O assunto é tema de uma pesquisa que está sendo desenvolvida pelo professor Erni Siebel da UFSC em parceria com professores da Unochapecó.

A promessa mentirosa, anunciada nos últimos dias (intervenção militar) é que a segurança será viabilizada pela guerra, com confronto armado, em contraposição ao entendimento de que o aumento da insegurança decorre da diminuição dos investimentos em educação, habitação e distribuição justa da renda.

O Sala Debate apontou os holofotes para a segurança pública, utilizando como pano de fundo as atitudes dos justiceiros. Você é a favor da justiça com as próprias mãos? Pra onde está caminhando a segurança pública do Brasil, um país que tem mais de 50 mil homicídios por ano?

 

Um útero para elas

As mães, que protegem os filhos
em seu ventre e no mundo,
pedem encarecidamente
um útero para si mesmas.

 

Ainda que a maioria dos super-heróis seja masculina, as supermamães existem. Talvez não sejam aladas, a não ser de ternura. Talvez não corram à velocidade da luz, mas disparam em máxima velocidade humana ante um choro de filho. Talvez não consigam salvar-nos dos alienígenas, mas podem gerar novos seres comprometidos com outro mundo.

Só as mães têm o maior de todos os superpoderes: conseguir em segundos que desapareçam terríveis e enormes problemas de um filho. E sem magia. Simples resultado da imaginação, do tal de instinto materno, de não-sei-o-quê. Tudo do modo mais simples. E usam materiais à mão de qualquer um: palavras, um colo, um olhar, uma comidinha especial, um beijo, um sorriso, um afago, um cafuné, um não-foi-nada-meu-filho.

Estudiosos das emoções já descobriram que a incapacidade de amar dos psicopatas deve-se à falta de vínculos de afeto com suas mães. Mães frias, violentas, imaturas afetivamente, enviam para o mundo filhos com graves problemas emocionais. Porém, mães de mimos exagerados, sabe-se também, formam tiranos, egocêntricos e insensíveis.

Mães são importantes não apenas pela geração. Gerar, por si só, não é relevante. Há quem gera e mata, quem gera e maltrata, quem gera e abandona. Mães são importantes porque todo o amor do mundo, em suas múltiplas expressões, depende da têmpera e do tempero do amor materno.

Por ser esse amor tão importante para o mundo, mais que melosas homenagens, o dia das mães deve ser para a sociedade um momento de reflexão sobre o papel da maternidade na formação dos seres humanos.

O amor materno é sempre sagrado, capaz de abarcar as dimensões humanas mais ricas e contraditórias. Sua pureza se confunde com amor radical, mas nem sempre compreendido por sua incondicional capacidade de perdoar, reatar, reconsiderar, reaprender a viver do jeito que é possível, apesar dos pesares.(Nei Alberto Pies)

Amores de nossas mães

A maternidade pede um lugar central nas políticas públicas de combate à miséria, de educação, de saúde, de diminuição da violência e da criminalidade. O abandono de recém-nascidos por mães pobres, que tem chocado a opinião pública, deve ser interpretado como sinal de graves problemas sociais.

Mães são heroínas poderosas. Seus beijos e carinhos podem fazer milagres e curar grandes feridas. Mães são rosas, rainhas, merecem jóias, presentes, telefonemas, e até panelas e liquidificadores. Mas, sobretudo, as mães precisam da atenção da sociedade para que os filhos do futuro possam continuar sendo salvos por seus superpoderes.

As mães, que protegem os filhos em seu ventre e no mundo, pedem encarecidamente um útero para si mesmas.

“Deixa os outros se espantarem com o amor, mas nunca pelo fiasco. O amor é feito de alma e, como ela, existe, mas não pode ser tangido. Sente o amor como uma brisa anunciando mudança de tempo. O amor tem um corpo de aura que se esmigalha ao ser exposto sem finesse”. (Pablo Morenno)

Para o amor durar…

Coisa de menino e coisa de menina

Reforçando papéis construídos socialmente,
lá na infância, fazemos com que os adultos naturalizem
que o trabalho doméstico e ensinamos que cuidar dos filhos
é uma função da mulher, que o homem deve ser agressivo,
correr de carro, demonstrar masculinidade portando armas…

 

Cresci ouvindo que menino brincava com menino e menina com menina.

Os meninos não podiam brincar de bonecas. As meninas não podiam ficar brincando na rua até tarde. As meninas brincavam de casinha e os meninos de astronauta. Menina fecha as pernas quando senta, menino levanta a saia da menina, é engraçadinho: já é um garanhão. A menina que “deixou” levantarem sua saia é castigada e não pode usar mais saia, não sabe se comportar usando uma.

Já experimentou ver a diferença, numa loja de brinquedos, das coisas de menino e das coisas de menina? Para as meninas você vê todo o tipo de vassourinha, cozinha, chapinha e secador de cabelo, além do bebê, é claro, para já ir brincando de mamãe ou ainda ser princesa e esperar o príncipe chegar para que tudo se resolva.

Existe brinquedo de menino e brinquedo de menina? A expectativa dos adultos sobre os papeis de meninos e meninas muitas vezes impedem que as crianças brinquem do que querem. Será que isso é certo? Como abordar esse assunto com as crianças?

Para os meninos tudo que a imaginação permitir. Tem arco e flecha para os mais aventureiros, todo tipo de carro, armas e eles podem super-heróis, cowboys, cientistas e outras coisas legais com brinquedos que vão além da reprodução dos cuidados com a casa, com filhos ou cuidados com a própria beleza e aparência de acordo com padrões já pré-estabelecidos.

Na hora de brincar as profissões para os meninos são engenheiro, astronauta, bombeiro. As meninas professoras, enfermeiras, psicólogas. O contrário, nunca.

“Nossa que exagero, são só brincadeiras. São só crianças.”

Exatamente.

E por isso todos deveriam poder brincar tranquilamente com todos os brinquedos ao invés de reforçar papéis que, depois de adultos, devem assumir para manter o sistema que está posto.

É reforçando estes papéis construídos socialmente, lá na infância, que fizemos com que os adultos naturalizem que o trabalho doméstico e cuidar dos filhos é uma função da mulher, que o homem deve ser agressivo, correr de carro, demonstrar masculinidade portando armas…

Brincar é coisa séria! As brincadeiras consistem numa representação e experimentação da vida adulta e no momento que limitamos a criança a determinados brinquedos fazendo diferenciação de acordo com seu gênero, nas entrelinhas estamos limitando suas perspectivas de futuro em carreiras pré-estabelecidas e minando talentos que fogem do padrão “de menino” e “de menina”.

Então essas crianças crescem acreditando que as suas escolhas são determinadas por serem mulher ou homem e isso é imutável.

Isso, meus amigos, é desigualdade de gênero.

Desde cedo, meninos e meninas aprendem o que podem e o que não podem fazer. Eles são levados a acreditar que as suas escolhas são determinadas pelo sexo. Só que isso tem consequências sérias para as mulheres, que se tornam vítimas da desigualdade.

 As mulheres são mais de 50% da população do Brasil e nem metade das mulheres jovens tem carteira assinada enquanto 65% dos homens jovens estão empregados. Somente 30% dos jovens brancos e 40% dos jovens negros fazem atividades domésticas, enquanto que para as meninas o percentual é de 78% das jovens brancas e 86% das jovens negras.

Menino brincando de boneca não é problema, é solução! Quem sabe assim teremos uma geração de pais que realmente sejam pais e entendam que eles devem ao filho e à companheira mais do que “ajudar”. Menina brincando de luta não é problema, é solução! Quem sabe assim incentivamos mais mulheres a serem atletas no Brasil, assim como a ocuparem espaços predominantemente masculinos.

O gênero é a identidade do que é considerado feminino ou masculino. Não é universal, é construído socialmente e pode variar ao longo do tempo. Ora, se pode transmutar, porque não o fazê-lo para melhor?

Porque não incentivar meninos e meninas serem o que quiserem ser, a explorarem o seu potencial independente dos papéis que nos foram impostos até agora e serem respeitados por isso?

Que diferença faz na sua vida continuarmos reforçando lugares na sociedade usando o gênero como critério de diferenciação? Quando entenderemos que o ser-humano é muito mais do que o que se diz que ele deve fazer de acordo com as suas genitais?

Somos mais que isso.

E se você se sente bem com os papéis colocados, pense que do outro lado tem alguém sofrendo com essas imposições.

Somos seres dotados da capacidade de mudar o mundo para melhor, é só querer.

Quase feliz

 É impossível ser feliz num mundo onde crianças morrem sob o fulgor das bombas, das metralhas e escombros; onde a fome grassa como peste negra, matando gente de todas as idades; onde governantes desumanos, a pretexto de azeitar o sistema, as engrenagens do sistema, aceleram as formas de aniquilar os defeituosos de todas as idades, das mais variadas etnias, num diabólico exercício de higienização.

 

Desde menino eu soube que seria uma peça defeituosa. E o sistema, a engrenagem, prescindi de coisas defeituosas, seja porca, parafuso, corrente ou roda dentada, prejudicando as velocidades angulares e os torques dos eixos, independentemente de serem cônicas, helicoidais ou hipóides. Qualquer coisa fora do padrão, prejudicando o movimento uniforme é deixada de lado.

Cresci, estudei e fui ser jornalista, porém, bem fundo, enfiado em minhas entranhas, o artista pulsava, causando defeito nas engrenagens.

Para aliviar a tensão criada (sufocando o vulcão interior) dediquei-me à literatura, escrevendo compulsivamente por longo período, aliviando, assim, a intensidade das lavas internas. Funcionou por um tempo. Até que, de súbito, agarrei-me aos pincéis, às telas e ao cavalete e a mecânica do mundo, do meu mundo, alterou-se.

As peças que tinham falhas falharam de vez. Tornei-me um parafuso de rosca sem rosca, um pinhão defeituoso danificando o sistema de transmissão entre as engrenagens.

Evidentemente que paguei (e pago) valor altíssimo pelos defeitos apresentados, pois o sistema refuga o imprestável. Entretanto, explodiu dentro de mim a semente da liberdade, levando sangue às regiões mais distantes e improváveis do meu corpo, rejuvenescendo-o. Foi como se torrencial chuva inundasse o deserto de Gobi, na Ásia, o quarto maior deserto do mundo, nutrindo-o.

Hoje sou quase feliz em meu ateliê, meio às telas, aos pincéis e tintas, fazendo de meu cavalete a nave do capitão Nemo.

 

Digo que sou quase feliz porque é impossível ser feliz num mundo onde crianças morrem sob o fulgor das bombas, das metralhas e escombros; onde a fome grassa como peste negra, matando gente de todas as idades; onde governantes desumanos, a pretexto de azeitar o sistema, as engrenagens do sistema, aceleram as formas de aniquilar os defeituosos de todas as idades, das mais variadas etnias, num diabólico exercício de higienização.

Sim, quase feliz. Lê-se este quase como se fosse móvel ponte sob o precipício da crueldade. Equilibro-me sobre ela, porém não há como espantar a visão da desumanidade que domina o mundo.

Novas ditaduras

Nada democrática a sociedade que não
tolera os pensamentos divergentes e que combate
as diferentes formas de organização social que
querem praticar e viver os ideais coletivos.

 

As ditaduras (políticas, de consumo, religiosas, de mercado) são as maiores inimigas das palavras. As palavras sempre traduzem conceitos, que nada mais são do que o nome das coisas. Por isto mesmo, as diferentes ditaduras são extremamente hábeis em reduzir o sentido e o significado das coisas que podemos pensar.

Só a democracia nos permite alargar os horizontes das ideias que estamos construindo na história. Somente ela é capaz de considerar as contradições dos pensamentos, para aperfeiçoá-los. Por conta disso, convivemos em permanente tensão entre aqueles que querem fazer das ideias exercício de liberdade e aqueles que gostariam de dizer aos outros “o que podem e devem pensar e fazer”.

Nossa democracia ainda precisa ser muito mais exercitada e experimentada, para ser apreendida.

Vivemos, por vezes, uma equivocada disputa entre ter posição e ser contra. As disputas, demasiadamente ideologizadas, não permitem que as palavras/conceitos se revelem em todos os aspectos, sob os mais diferentes pontos de vista.

Ser democrático não é ser dono da verdade. Significa estar aberto à construção do conhecimento, considerando as diferentes interpretações das coisas e dos fatos, num processo dialético de aprendizagem. A verdade surge no exercício do consenso, nem sempre fácil, mas sempre e absolutamente necessário.

Conquistamos liberdade de pensar, mas nossas ações ainda são, demasiadamente, obras de ideias dominantes. Temos a sensação de que nossas ideias pessoais nada resolvem; de que elas são fracas e impotentes.

Antes do sistema se tornar democrático, precisamos nós, sermos democráticos, no mais alto patamar da nossa responsabilidade humana, humanizando-nos ao bem comum! (Cristina Schnorr)

Democracia, uma escolha civilizatória?

O mundo e as pessoas são movidos por ideias, sempre em disputa na sociedade. Isoladamente, nossas ideias perdem fôlego, não conseguem concretizar-se. Somente as ideias gestadas e praticadas coletivamente conseguem romper com a lógica ideológica dominante e conseguem traduzir-se em prática da vida cotidiana daqueles que resolvem assumir-se como sujeitos de seus conhecimentos e de sua história.

“Não existe uma verdade igual para todos. As leis, as regras, a cultura, tudo deve ser definido para um conjunto de pessoas; o que vale para um lugar pode não valer para outro”.(www.dsilvasfilho.com/index.htm)

Problema é que em ditaduras contemporâneas como as nossas não somos educados para a cooperação e a solidariedade. Prevalece a cultura hedonista (culto ao eu) que sempre reproduz o conceito dos vencedores. Aos vencedores, a glória. Aos vencidos, sentimentos de incompetência, revolta e impotência. Estes últimos geram tensões sociais e de convivência, desfavorecendo nossa condição de seres em relação.

A autonomia dos sujeitos é a maior concretização da democracia real e verdadeira. A luta por democracia invoca novas relações interpessoais, baseadas na interdependência e na reciprocidade.

Jean Piaget, ao estudar o juízo moral das crianças, nos ajuda a considerar que “a autonomia só aparece com a reciprocidade, quando o respeito mútuo é bastante forte, para que o indivíduo experimente interiormente a necessidade de tratar os outros como gostaria de ser tratado”.

Nada democrática a sociedade que não tolera os pensamentos divergentes e que combate as diferentes formas de organização social que querem praticar e viver os ideais coletivos.

Democracia está ameaçada no mundo.(Sociólogo Boaventura de Sousa Santos)

Democrática é a sociedade que permite aos homens e mulheres a realização de sua dignidade, preservando seus modos de ser, pensar e agir, individual e coletivamente.

Pratiquemos e aprendamos democracia, intensamente, com ousadia, sem nenhum culto às ditaduras.

As ditaduras nos reduzem; as democracias promovem a nossa dignidade e humanidade, expandem nosso conhecimento e aumentam as chances de maior felicidade.

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