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Transformar através da arte: crianças em busca de um novo significado para a vida

“Temos dois caminhos: o caminho do bem e o caminho do mal. A escolha é nossa! Escolhemos o caminho do bem participando do projeto. Antes tinha gente que queria nos ensinar coisas ruins, mas escolhemos vir para cá e aprender a ser alguém na vida. ”

Em 2009 o projeto Transformação em Arte passou a se mostrar a principal alternativa para muitas crianças da Vila Popular, em Passo Fundo. Resultado de uma parceria entre a Cáritas Diocesana, Notre Dame, Assec, ISAFA e Instituto Menino Deus o projeto atende dezenas de crianças e adolescentes no turno inverso da escola. Com idades entre 6 e 14 anos e vivendo em situação de vulnerabilidade social, os pequenos não titubeiam para responder o que o projeto é para eles: uma segunda casa.

Com quase uma década de existência o trabalho desenvolvido é desconhecido de muitos passo-fundenses. No bairro de casas humildes um grande pavilhão chama a atenção de quem passa: no início dos turnos é possível ver dezenas de alunos, sorridentes, chegando ao local. Das 8 às 9hs é o momento para as crianças relaxarem antes da aula. Um copo de achocolatado com bolachas ou pão é servido, já que como relatado pelos pequenos “sem energia a gente não consegue aprender”. O cardápio varia de acordo com as doações que recebem.

O restante do turno é dedicado ao aprendizado. Durante a semana são oferecidas aulas de música, capoeira, inclusão digital e dança além das atividades casuais, oferecidas por voluntários. Antes de irem para casa mais um lanche é oferecido aos jovens e se as doações estiverem de vento em popa, cada aluno leva para casa uma sacola com pão, bolachas ou outro alimento. As ações desenvolvidas e organizadas pelo projeto que atende no nº 99 da Rua Havaí são coordenadas pela Irmã da Congregação Salvatoriana, Inês Sartori.

A religiosa que trabalhou mais de três décadas no ensino privado conta que com o tempo começou a sentir falta de ajudar a comunidade de forma direta. Quando surgiu a oportunidade não teve dúvidas e pediu redirecionamento para o TransformAção em Arte, no qual atua desde a criação. Com o passar dos anos ela virou referência na Vila Popular, lugar ao qual se dedica de coração. Os moradores retribuem esse carinho e a consideram uma mãezona não só das crianças, mas também das famílias que passaram a contar com as doações arrecadadas por ela.

Um novo caminho

As aulas não são a única forma de conhecimento que Irmã Inês e sua equipe oferecem aos pequenos. A religiosa afirma que ali eles estão aprendendo a ser alguém na vida. Valores são discutidos com as crianças a todo momento e conforme Inês a maior preocupação não é o assistencialismo, mas prepará-los para o trabalho e para a vida. “Queremos que eles possam andar com suas próprias pernas. Que percebam que é possível uma outra vida”, diz. Lembra ainda que o reforço escolar oferecido se torna fundamental para atingir esses resultados.

Cristopher, Bianca, Wesley, Bruno e Nataly tem entre 11 e 13 anos e acordam cedo para acompanhar as atividades oferecidas. Eles que não titubeiam ao dizer que o TransformAção é a sua segunda casa. A parte mais legal do projeto? A Irmã Inês! – Dizem os pequenos enfatizando que suas vidas de pouco mais de uma década mudaram muito desde que começaram a frequentar o projeto. “Queremos ser alguém na vida, trabalhar, sermos bem-sucedidos e com os pés no chão. Antes do projeto ninguém aqui pensava nisso, só ficava pela rua sem fazer nada”, afirmam.

A leitura e a escrita melhoraram depois das aulas em que trabalham textos. Sonhadores, pedem para “colocar na matéria” que gostariam muito de ter aulas de reforço em português e matemática, matérias que mais sentem dificuldade para aprender. Querem saber todas as coisas, como são, como deve ser ou não ser, são curiosos! E são novas pessoas desde que começaram a frequentar o espaço. Sonham ainda com um professor de educação física e oficinas de dança de rua, grafitti e artes.

Suas perspectivas de vida mudaram completamente e se antes passavam o tempo vago atirando pedras em casas, hoje passam ajudando no planejamento e na leitura dos salmos e preces da celebração que acontece na igreja da comunidade. Veem a religiosa como referência “a Irmã Inês é uma pessoa muito gentil, uma segunda mãe. Ela puxa nossas orelhas, mas a gente sabe que é para o nosso bem. Para nos educar e sermos alguém na vida”, confessam.

Após completarem 14 anos os jovens são inseridos no mercado de trabalho. Atualmente 18 ex-alunos estão trabalhando com a indicação da Irmã Inês e tendo uma vida completamente diferente da que a realidade em que estavam inseridos lhe oferecia.

Aprendizado para quem ensina

As aulas oferecidas no turno inverso da escola buscam não só formar artistas, mas educar e preparar essas crianças para enfrentar o mundo que os espera. A experiência com os alunos é engrandecedora para quem se doa nessa troca de vivências. O estudante de filosofia Vinicius Luiz Balbino dá aulas de inclusão digital e conta que as lembranças da própria infância em um bairro periférico de Minas Gerais fizeram com que se interessasse pelo projeto.

Ele acredita que através da educação e da ajuda do próximo é possível mudar a vida dessas crianças e fazer a diferença no futuro delas. “Vi que estava fazendo a diferença no dia que eu dobrei na esquina do pavilhão e vários alunos vieram correndo para me receber e gritando -professor! Professor! ”, conta.

Para Vinícius a felicidade deve ser compartilhada e ajudar o próximo tem muito mais valor do que coisas materiais. “Eu acho que a felicidade não está só em mim, está em todos. A felicidade é compartilhada e quando a gente chega aqui e vê que está fazendo a diferença na vida deles, dá para chegar em casa e dormir tranquilo”, confidencia sorrindo.

Todo dia no projeto é uma evolução na vida das crianças da Vila Popular. Conforme o professor de música Eduardo Augusto da Silva a permanência deles faz com que o projeto cresça cada vez mais e o número de crianças na rua seja cada vez menor. Trabalhando com materiais diferentes do que estava acostumado, já que no TransformAção em Arte a percussão é feita com materiais recicláveis, Eduardo pontua que suas aulas contam com planejamento, pratica e teoria. As aulas de música expandem, proporcionam concentração, coordenação motora, além da criatividade e o trabalho em equipe.

O músico vê como fundamental a realização do projeto na comunidade. Para ele as atividades oferecidas podem transformar a vida das crianças “Dentro dessas oficinas é possível descobrir talentos. No tempo que estou aqui já pude perceber que evoluíram no aprendizado sim, mas principalmente no comportamento. Esse projeto é essencial para eles. O futuro dessas crianças depende do que acontece aqui”, elucida.

Geração de renda para as famílias

O projeto também se preocupa com as famílias da Vila Popular e em parceria com a Cáritas mantém uma oficina de costura em que os produtos vendidos complementam a renda de mulheres da comunidade. O Grupo de Geração de Renda São Francisco é unido pela solidariedade e ajuda mútua. A equipe é coordenada pela professora aposentada Vilma da Veiga, de 77 anos.

O grupo confecciona estopas que são comumente utilizadas em postos de gasolina e oficinas mecânicas no valor de R$4 o quilo, além de camas para cachorros que variam entre R$50 e R$90. A venda dos produtos é feita direto na Vila Popular, além da Feira do Bourbon e da Cáritas. O pagamento das participantes é feito de acordo com a produção realizada no mês.

O trabalho é realizado em conjunto aceita doações de tecidos do tipo Oxford ou Gorgurinho e linhas de costura. Vilma atua voluntariamente no grupo e diz sentir-se muito bem ajudando o próximo. “O evangelho prega a solidariedade, a ajuda, a partilha, do jeito que a gente pode. O voluntariado faz parte do meu ser e acho que todo mundo devia procurar um espaço desses para ver que a vida tem muito mais sentido. Vale a pena ficar velha trabalhando para ajudar os outros”, confessa.

Campo de Futebol

Dos planos para 2016 a construção de um campo de futebol em frente ao pavilhão que abriga o projeto é o mais comentado pelas crianças. O terreno foi cedido por um amigo do projeto e agora Irmã Inês passa a arrecadar doações e mobilizar voluntários para que o sonho se torne realidade. “Queremos fazer um campo de futebol e futuramente, quem sabe, uma praça. Já temos o terreno, agora só falta o resto”, comenta a religiosa que não mede esforços para melhorar a Vila Popular.

AJUDE O TRANSFORMAÇÃO

Doações são sempre bem-vindas no TransformAção em Arte, sejam de alimentos, tecidos para costura, para o campo de futebol ou até mesmo o tempo de quem tem algo para ensinar aos pequenos. Os interessados em conhecer melhor a proposta ou em adquirir as caminhas de cachorro e estopas produzidas pelo projeto pode entrar em contato pelo telefone (54) 9912 1807 (Irmã Inês) ou direto no local (Rua Havaí, 99, Vila Popular).

Júlio Perez: um autor que conjuga rotina de trabalho e prazer de escrever

Júlio Perez, filho de Achiles e Geni Perez, nasceu em 27/03/1968, em Gaurama, norte do RS. É o quinto de seis filhos, sendo ele o mais novo dos quatro filhos homens. Cursou o ensino fundamental e secundário em Gaurama.

Em 1987, mudou-se para Passo Fundo para estudar – um ano de Direito e um ano de Letras -, abandonando ambas as faculdades em 1989, desiludido com o ensino superior. Para ser escritor, afinal, não precisava da formação.

É pai de Guilherme, Júlia e Sofia.

Em 1990, ingressou na Caixa Econômica Federal, decidido a escrever nas horas vagas.

Em 1995, retomou seus estudos de Direito, insatisfeito com a falta de perspectiva que o trabalho lhe oferecia. Justamente quando havia despertado para a escrita, após o depoimento do amigo Jorge Salton sobre seu início como escritor: “Sempre quis escrever, mas nunca dava jeito. Até que cheguei aos 40 anos e então eu decidi: é agora ou nunca”. Com 27 anos, então, o autor decidiu que não ia esperar até os 40 pra chegar à mesma conclusão.

Influenciado, sobretudo, por Kafka, pela filosofia existencialista de Sartre e Camus e extraindo inspiração da sua rotina como bancário em Passo Fundo, Júlio começou a escrever muitos dos contos que depois vieram a compor o seu livro de 2012 – A Bolsa da Minha Mãe e Outros Contos.

Em 1999, integrou o grupo Momento Poético, o que fez com que a poesia entrasse definitivamente na sua vida. Os poemas dessa época deram origem ao seu primeiro livro – Expresso Instante, de 2006 – e ao segundo – Fugaz Idade, de 2010.

Influenciado pela objetividade de João Cabral de Mello Neto; pelo lirismo de Bandeira e pela metafísica de Pessoa – ele mesmo e pelo heterônimo Álvaro de Campos -, o autor foi aprendendo a falar mais das coisas do que dos seus sentimentos.

O primeiro livro compila criações que abarcam um período mais amplo – em torno de 10 anos –  com poemas de muitas épocas – próprio dos poemas ainda de formação; já o segundo evidencia um estilo mais seguro e característico.

Em 2012, com o apoio do Projeto Passo Fundo, o autor lançou o seu livro de contos – A Bolsa da Minha Mãe e Outros Contos -, com as histórias de 1995 e outras mais recentes. Um livro, portanto, de estilo muito diversificado, como seu primeiro livro de poemas.

Desde 2004, o autor trabalha no Tribunal de Contas do Estado, em Passo Fundo, como Auditor Público.

É membro da Academia Passo-Fundense de Letras, colaborador do sítio na internet do Projeto Passo Fundo e um dos fundadores do grupo de escritores autodenominados Sociedade dos Poetas Vivos, o qual tem por principal objetivo contribuir para o aprimoramento da escrita literária em Passo Fundo, promovendo oficinas literárias, cursos e palestras com escritores de daqui e de fora e a troca permanente de experiências entre os autores.

Humanos direitos?

Duas coisas impossibilitam avanços nos direitos humanos: a imbecilidade e o egoísmo. Defender os direitos humanos significa defender os humanos, todos os humanos, mas, sobretudo, os que são mais vulneráveis e mais propensos a serem tratados como fora do círculo dos direitos.

Gosto de uma frase de efeito. Admiro os frasistas e poetas, esses que dizem o que todos nós gostaríamos dizer, mas chegam antes. Uma boa frase vale mais do que um discurso inteiro. É como um gesto ou uma imagem que valem mil palavras, ou uma obra de arte que condensa universos paralelos. Ah uma bela e boa frase, todo escritor anda em busca de uma.

Há algumas belas frases que me encantam. Exemplo: quando duas pessoas pensam iguais, uma é dispensada; viva todos os dias como se fosse o último, um dia tu acertas; não importa o que fizeram de ti, o importante é o que tu fizer do que fizeram de ti; só sei que nada sei; a saudade é a presença da ausência; o que não mata, fortalece; a esperança é o sonho do homem acordado, etc.

Uma frase é bela quando ao ser pronunciada ou escrita o pensamento festeja. O que não faz rir e não faz pensar não pode ser uma bela frase. A bela frase desata o pensamento das cadeias do óbvio. De repente alguém junta as palavras como ninguém tinha feito até então e, bingo, eis a frase que estava esperando para se dita.

Gosto da frase que diz: os direitos humanos não são só para os humanos direitos. Essa frase dá o que pensar. Há uma narrativa conservadora e elitista que teima em se opor aos defensores dos direitos humanos dizendo que estes só defendem marginais, homossexuais, pobres, negros e excluídos. Os supostos críticos vêm com uma conversinha de que é necessário defender os “humanos direitos”, os que se comportam bem, os que não pressionam, os que não transgridem as normas da boa convivência e do status quo, as normas da tradição. Claro, eles, os conservadores, estão bem posicionados na escala social e por isso querem a todo custo manter o que tem. Nada há nada de incorreto nisso, se os seus direitos forem direitos e não privilégios.

Os direitos humanos são direitos que temos simplesmente por sermos humanos e por isso, claro, mesmo os ricos, bem constituídos e conformes com as tradições e os bons costumes, têm. Defender os direitos humanos significa defender os humanos, todos os humanos, mas, sobretudo, os que são mais vulneráveis e mais propensos a serem tratados como fora do círculo dos direitos.

Os estudiosos costumam classificar os direitos humanos em quatro gerações. A geração dos direitos individuais e civis, a geração dos direitos políticos, a geração dos direitos sociais e econômicos e a geração dos diretos de solidariedade e ecológicos.

Das quatro gerações, a menos garantida é a geração dos direitos sociais e econômicos. É aí que reside a maior parte da violação dos direitos humanos. São os direitos dos pobres e os direitos de reconhecimento das parcelas da sociedade que estão à margem por razões de sexo, cor e condições econômicas.

Os liberais conservadores não gostam que se diga, mas eles são conservadores e liberais exatamente por terem parado na primeira geração dos direitos e não se atualizaram e não incorporam as conquistas e avanços do século XX.

Pararam no século XVIII e por isso pensam que defender os homossexuais ou os pobres e negros é coisa de comunista. Quem para de ler, continua dizendo que direitos humanos é somente para os “humanos direitos” e para os direitos de propriedade. Duas coisas impossibilitam avanços nos direitos humanos: a imbecilidade e o egoísmo.

Deficiência e inclusão: vamos inverter um pouco os critérios?

Vivemos em uma sociedade onde a “normalidade” é vista como um ideal a ser buscado. Ser “normal” é tão impositivo, que acabamos por construir visões de mundo baseados neste critério. Porém, o que definiria a normalidade? Existe uma máxima que define: “de perto, ninguém é normal” (principalmente se tivéssemos acesso ao que as pessoas fazem quando estão sozinhas em seus espaços privados. Assim, em linhas gerais, quem seria normal de tivéssemos acesso aos seus pensamentos e vontades reprimidas?).

art1Em grande medida, o espaço público é um espaço onde tentamos manter uma aparência de “normalidade”. Tentamos nos manter invisíveis na multidão, agindo como a maioria e fazendo aquilo que esperamos que façam com a gente. Um entendimento inicial de normalidade segue a linha de se tornar invisível na multidão, como diria o sociólogo George Simmel, ser mais um na multidão das grandes cidades.

Ao final temos a impressão de que a “normalidade” realmente existe e toda a pessoa que foge deste princípio, deve ser rapidamente corrigida. Porém, esse entendimento que parece ser uma máxima organizadora do convívio social, possui consequências absurdas para qualquer pessoa que não tenha meios de se inserir dentro deste padrão socialmente estabelecido.

art2Esse é o caso dos deficientes, que possuem algum tipo de característica que os impedem de passar desapercebidos em meios aos demais. Assim, deixam rapidamente de serem considerados “pessoas normais”, invisíveis, passando a serem tratados como pessoas especiais (no sentido de pena e infantilização mesmo), tratadas como pessoas portadoras de algo (como se pudessem escolher portar algo ou não), pessoas que são vistas pelos demais comumente como “coitados” (o olhar, o gesto e até mesmo o tom de voz muda quando querem se dirigir a um deficiente). Uma ótima dica de filme francês que retrata bem desta postura indico a comédia Intocáveis (2012 – Direção Eric Toledano, Olivier Nakache).

art3As pessoas que pautam suas vidas pelo padrão de “normalidade” tem a tendência de olhar para as pessoas que possuem algum tipo de deficiência como se a vida daquela pessoa estivesse limitada e condenada a uma eterna dependência dos ditos “normais”. Mas ao contrário do que se pode pensar, os “normais” nem por isso deixam de estacionar seus lindos carros em vagas para deficientes. Quando interessa ao dito “normal”, ele muda rapidamente a lógica a seu favor, e questiona os privilégios que os idosos e deficientes possuem (afinal, é bem rapidinho, né?).

A minha proposta neste texto seria de romper essa normalidade moralista e altamente preconceituosa. Como discuto com meus alunos em aula, quem disse que as inúmeras deficiências existentes são necessariamente algo negativo? Quem definiu que ser “normal” é ter sorte, e quem nasceu com qualquer característica que fuja deste padrão é ter azar?

Como provocação intelectual dos padrões, proponho uma inversão de mentalidade, ou seja, uma quebra radical de PARADIGMA. Passamos agora a pensar que todas as pessoas que destoam do padrão de “normalidade”, serão consideradas pessoas de MUITA SORTE, pois possuem poderes que as pessoas normais não tem acesso. (Claro que corro o risco de ser romântico e passar um discurso de ilusão, ou mesmo de inverter de forma ingênua de que nascer diferente seja melhor em uma sociedade que descrevi acima como altamente preconceituosa), mas pretendo inverter o paradigma, na mesma forma com que está ocorrendo essa inversão na área da saúde infantil.

Crianças com câncer, que viviam em ambientes hospitalares e eram tratados como doentes, hoje se inverte esse pressuposto, e começam a tratar as crianças como se fossem heróis de revistas em quadrinhos:

A simples modificação de uma entendimento, faz toda a diferença em relação a auto-estima e postura frente as dificuldades. A realidade pode ser tão cruel para alguns, quanto mágica para outros, bastando uma simples inversão na forma com que vemos o mundo.

Assim, um simples exame que antes a criança precisava ser amarrada ou sedada para ficar calma, pode se transformar em uma experiência de máquina do tempo, ou mesmo a entrada em um campo de força que a fará mais forte e rápida em seus movimentos.

Nesta linha, começaremos a pensar essa inversão com as pessoas que nascem com limitações físicas, que nos ajudam a buscar sempre os elementos mais legais e dons especiais que resultam dessa inversão de perspectiva – do drama ao protagonismo do dom:

Deficientes auditivos

art4Acredito que esse poder seja muito interessante, já que todo o tipo de stress e violência de músicas, barulhos e gritos estão fora do seu cotidiano. O poder de focar sua atenção nas imagens e nos gestos e excluir do seu cotidiano a imensa quantidade de barulhos que nos despertam e nos dispersam. Elas podem ler um bom livro ou assistir um filme legendado ou traduzido em libras em meio a um caos de gritos, barulhos e distrações.

Alguns ainda possuem a possibilidade de usar um implante ou aparelho auditivo que os permite uma escolha altamente seletiva: Escolhem ligar ou desligar seu aparelho. Podem ter o poder de escutar ou não o mundo, tendo o poder de silenciar os chatos, os idiotas e deixar seus pensamentos livres de interferências externas. Além do poder do foco, possuem como dom a expressão corporal, seu rosto e postura falam e sentem em uma potência infinitamente mais sensível que as pessoas ditas “normais”.

Além disso, possuem o poder de comunicação das mãos. Suas mãos danças e comunicam o que muitas vezes as palavras deixam de dizer. Os movimentos formam palavras, frases e colocam qualquer Italiano no “chinelo” quando expressam tudo sem emitir um som, onde os olhos e a boca acompanham as mãos que em Libras traduzem o mundo de uma forma mágica.

Deficientes visuais

art5Também chamados de “cegos”, percebem o mundo pelo toque, pelo som e possuem um dos poderes mais especiais que posso pensar: São os únicos que não se deixam enganar pela aparência, não valorizam os elementos superficiais do mundo. Buscam a essência de tudo que conhecem, já que as formas são detalhes pequenos se comparados com o conteúdo manifesto das coisas.  Você está procurando sensibilidade? Esse é um dos maiores poderes de quem não vê o mundo com os olhos, mas com o ouvido, mãos e coração.

Já provaram que são heróis por vocação, explorados pela mente genial dos criadores dos heróis MARVEL, ilustra quadrinhos, séries e filmes com o nome tupiniquim de DEMOLIDOR:

Deficientes físicos

art6Tem o poder de utilizar a tecnologia das cadeiras para economizar energia para finalidades cerebrais e de contato humano. Também representado como líder mutante dos X-Man, reforçam a ideia de que a MARVEL é muito mais que uma simples empresa, ela descobriu que essa inversão de mentalidades é genial, ao corporificar a figura do professor Xavier:

Além disso, possuem o poder do UNIVERSAL. Transformam o entendimento de toda a sociedade em relação a palavra: Acessibilidade, que antes bastava um porta e uma escada, com o poder manifestado, agora precisamos entender que acesso deve sempre vir acompanhada da palavra: UNIVERSAL. Acesso Universal amplia a inclusão, um poder que poucos possuem.

Outro poder incrível é o momento em que levantam das cadeiras e utilizam a tecnologia para superar seus desafios. Recebem incrementos que os fazem correr mais rápido que os “normais”, causando medo nos recordistas olímpicos (Até chegar ao ponto de se negarem a correr com os deficientes, quem diria, não é?)

Ou mesmo, unem forças e desbravam os mares, que muitos ditos “normais” tem medo e insegurança de conhecer. Superam desafios, para provar cotidianamente que a vida só tem sentido quando superamos nossas próprias limitações (E quem não tem as suas próprias, não é?).

Enfim…

Poderíamos listar aqui uma infinidade de tipos de deficiências, e inverter esse paradigma. Mas da mesma forma que faço em minhas aulas, prefiro deixar que vocês que estão lendo, criar novos entendimentos sobre a deficiência. De forma autônoma, desafio você ser também capaz de identificar os poderes que todos os que não podem ser incluídos neste padrão superficial de “normalidade” possuem e oferecem ao mundo. Deixem seus comentários, críticas e opiniões sobre novas formas de encarar as deficiências… vamos romper as dualidades simplistas e tão pesadas para os que estão fora do comum.

Para os que ainda teimam em achar argumentos para defender a “normalidade”, fica o recado do Contardo Galligaris.

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Rosângela Trajano: uma filósofa poeta

Rosângela Trajano é poetisa, escritora e filósofa. Licenciada e bacharel em filosofia pela UFRN e mestra em literatura comparada também pela UFRN. Com mais de 20 (vinte) livros publicados para crianças, ministra cursos de filosofia para crianças à distância. De sua autoria conta com 10 (dez) desenhos animados para crianças, também.

FILOSOFIA E POESIA

A filosofia anda junto com a poesia no que concerne ao mundo imaginário que as pessoas desenvolvem em seus pensamentos, criando um ambiente próprio e determinado por cenas e personagens que são só seus, porém compartilhados com o mundo. A filosofia está na poesia do menino que faz perguntas com a sua inocência assim como o adulto que se alimenta das palavras que extraem a seiva do crepúsculo do ser enquanto personagem de um mundo líquido e colonial do seu intercâmbio entre realidade e subjetividade.
Para Gaston Bachelard, “a poesia é, antes de ser uma fenomenologia do espírito, uma fenomenologia da alma”, ou seja aquilo que se apresenta interno dentro do ser se propaga na investidura do imaginário poético enquanto metafísico. Atribuir à poética uma cidadela cheia de casas com versos que deslumbram o além mundo possível é tarefa do poeta.

Do fascínio do circo ao desafio do cinema

sandro aliprandini 3No mês do estudante, nossa quarta entrevista da série “Profissões Educadoras”, traz o perfil de um jovem universitário e a contribuição da sétima arte na discussão de temas relevantes como relacionamento familiar e bullying nas escolas.

Um menino que gostava de circo e era fascinado pelo palhaço, encantamento que o levou à ingressar no curso de teatro da escola. A intenção era tão infantil quanto o gosto pelo palhaço: ele só queria fazer as pessoas rirem.  Mas quem sorriu astuciosa para ele foi a vida, e, do teatro amador para o cinema, foi o tempo de um telefonema. A história é do jovem ator Sandro Aliprandini, 17 anos, passo-fundense e protagonista do filme Ponto Zero, que estreiou em maio nos cinemas.

Aliprandini destaca que o palco faz parte de sua vida desde os sete anos de idade e que cursar Teatro na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, é a realização de um sonho que acalenta desde criança. O jovem estudante afirma que pretende seguir a carreira de ator “quero estudar para fortalecer a minha carreira e continuar fazendo cinema e teatro”, enfatiza.

Para quem ainda não assistiu Ponto Zero, o filme conta a história de Ênio (Sandro Aliprandini), um adolescente de 14 anos sufocado pelos desafios do amadurecimento, tanto em casa quanto na escola, onde não é exatamente um dos garotos mais populares. O pai, um radialista (Eucir de Souza), é rude e ausente. A mãe (Patricia Selonk) sofre com a frieza do marido. Neste contexto, o adolescente se vê diante da realidade da vida adulta chegando. O filme é ambientado em Porto Alegre e tem a direção de José Pedro Goulart.

Ponto Zero deve ser o primeiro de muitos trabalhos de Aliprandini, pois mesmo mantendo certo suspense, afirma que em breve poderá retornar à telona: “estou fazendo novos testes e pode ser que em breve tenhamos novidades no cinema” declara.

Márcia Machado: Como surgiu o teatro na tua vida?

Aliprandini: Desde pequeno eu sempre ia com meu pai ao circo, eu tinha muito gosto por palhaço, me fascinava muito e, por causa disso, procurei o Curso de Teatro na escola para fazer comédia, fazer as pessoas rirem. Comecei e não parei mais. Iniciei o teatro no Colégio Menino Jesus/ Notre Dame em Passo Fundo.

Márcia Machado: Como uma peça escolar te oportunizou à ingressar no cinema?

Aliprandini: No Notre Dame (colégio) a gente montou uma peça de teatro e levamos para o Festival Intercolegial de Teatro Notre Dame que aconteceu no Rio de Janeiro e eu recebi o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante. A notícia saiu em jornais de Porto Alegre, o diretor (do Filme Ponto Zero) viu e achou que eu tinha o perfil do ator que ele estava procurando para o filme e me ligou convidando para fazer o teste. Fiz três testes eliminatórios e fui chamado para protagonizar o filme.

Márcia Machado: Como foi a experiência de sair do teatro amador e estrear como ator principal na telona?

Aliprandini: Nunca passou pela minha cabeça começar logo no cinema, com a responsabilidade de ser o protagonista. Mas toda a equipe compreendeu muito que eu estava no inicio da carreira, que eu não conhecia como funcionava o cinema. Foram muito atenciosos, me explicaram como ocorria todo o processo de filmagem e tudo deu certo.

Márcia Machado: Como foi filmar Ponto Zero?

Aliprandini: O Ponto Zero é um filme diferente porque nenhum dos atores teve acesso ao roteiro para começar. O diretor não nos deixava ler o roteiro, ele só nos informava um pouco antes de cada cena o que ocorreria. A ideia era que o ator fosse descobrindo junto com o personagem o que iria acontecer, então ele queria uma forma de atuação bem natural. O Ponto Zero fala de libertação, da transição entre a infância e a adolescência, fase em que você não é mais criança, mas também não é homem e tem que lidar com essa transição. No caso do Enio (personagem de Sandro), ele fazia o papel do pai em casa porque o pai dele saia de casa e voltava só de manhã, traía a mãe dele.  A mãe do Enio via nele uma forma de proteção, ele (o personagem) acaba agindo como se tivesse mais idade, tendo que proteger a própria mãe, consolar. E tem a fase do filme que seria o Ponto Zero que ele (Enio) sai de casa e decide se libertar dessa vida, mostrar que ele pode ser independente, então, sai à noite e passa a viver sozinho. O pai (de Enio) é muito ausente em casa e ele nunca fala com o pai, tem um momento no filme em que eles trocam um olhar, mas nenhuma palavra, eles são bem distantes.

sandro aliprandini 1Márcia Machado: O autor do filme aborda essa questão do relacionamento familiar e também a questão do bullying?

Aliprandini: O Enio sofria bullying na escola e uma das primeiras cenas do filme é, justamente, ele apanhando de um colega sem motivo nenhum, ele não tem amigos no colégio, tem cena que estão todos os colegas jogando futebol e Enio está sentado sozinho porque ele não se encaixava em nenhum grupo, nem na família, nem no colégio, então, ele fica alheio a todos estes grupos.

Márcia Machado: O filme vem sendo usado pelas escolas para abordar a questão do relacionamento familiar, mas principalmente, o tema bullying com os alunos. Como você percebe a influência do filme nessas discussões?

Aliprandini: Gosto muito quando o Ponto Zero é assistido por esse público. Há uma necessidade das escolas perceberem o jovem da maneira como o filme o retrata. Têm muitos alunos que vão se identificar, não só por sofrer bullying na escola, mas por não se encaixar mesmo no mundo. Nós adolescentes temos essa sensação de que nada é pra nós, sensação de não pertencimento. O filme é uma forma de conforto. Até a questão da relação conturbada com os pais, a partir do filme verão que é uma fase normal de adolescente.

“Nós adolescentes temos essa sensação de que nada é pra nós, a sensação de não pertencimento.”

Márcia Machado: Você já passou por uma situação de bullying na escola ou presenciou entre colegas?

Não. Eu nunca vivi, nem presenciei, tanto bullying como a questão de relacionamento familiar.  O personagem traz uma imagem bem diferente de mim.  Para fazer o Enio eu procurei interpretar o personagem com a sensação de não pertencimento mesmo, isso eu tive e tenho muito ainda, a sensação de não pertencer a nenhum grupo e a sensação de estar um pouco sozinho. Eu busquei isso em mim para emprestar para o Enio. Eu não tive problemas de bullying na escola, mas quem teve acredito que é possível superar isso.

“Eu não tive problemas de bullying na escola, mas quem teve acredito que é possível superar isso.”

Márcia Machado: Enquanto estudante como você vê o posicionamento da escola, professores, direção e alunos em relação ao bullying?

Aliprandini: Acho importante o professor estar atento para momentos em que ocorram questões relacionadas ao bullying e que ele busque confortar o aluno que passa por isso, mas sem expôr na frente dos colegas. O professor é a figura mais importante no momento em que o aluno está em sala de aula, é referência, então, se o professor, o diretor vem tratar do assunto com o aluno, este se sente mais acolhido pela escola e sabe que terá o apoio necessário para continuar frequentando as aulas, sem medo. Se o professor conversa com o aluno ele se sente confortável, seguro.

“O professor é a figura mais importante no momento em que o aluno está em sala de aula, é referência, então, se o professor, o diretor vem tratar do assunto com o aluno, este se sente mais acolhido pela escola e sabe que terá o apoio necessário para continuar frequentando as aulas, sem medo”.

Márcia Machado: Você já visitou escolas e teve contato com os alunos que assistiram o filme?

Aliprandini: Sim, conversei como os alunos. É tão bom ver eles falando comigo sobre a identificação com o personagem e isso é gratificante para mim. Eu espero que  a minha profissão de ator gere  identificação nas pessoas e que de certa forma contribua para mudar o pensamento delas. Ao assistir o filme que o expectador consiga se sentir mais confortado, mais seguro. E em outros trabalhos também, que eu não viva nenhum personagem alheio ao mundo. Eu quero fazer personagens que as pessoas consigam se identificar e acreditar na história dele, saber que podem ser reais.

sandro aliprandini 2

“Eu espero que  a minha profissão de ator gere  identificação nas pessoas e que de certa forma contribua para mudar o pensamento delas.”

Márcia Machado: O teu personagem teve uma grande empatia do público?

Aliprandini: Sim, os jovens vêm emocionados, chorando falar comigo. Alguns afirmam que passam pela situação do personagem e, a partir do filme, vão tentar conversar com os pais para buscar melhorar o relacionamento. Os pais também me procuram e acho positivo que vejam o filme porque há cenas do casal ( pais de Enio) brigando e é interessante que esse público que tem filhos adolescentes vejam como os filhos se sentem durante as brigas de casal e como isso afeta os filhos e passem a refletir sobre isso.

“Os jovens vêm emocionados, chorando, falar comigo. Alguns afirmam que passam pela situação do personagem e, a partir do filme, vão tentar conversar com os pais para buscar melhorar o relacionamento.”

Márcia Machado: Como você analisa o contexto do filme em relação a educação dos jovens? Em que a narrativa contribui?

Aliprandini: É muito bom que a escola abra as portas para o filme e utilize outros meios de linguagem em sala de aula. É muito bom que os alunos vejam que a escola não é separada do mundo, a escola é o mundo e os alunos precisam desenvolver o pensamento crítico na escola. É gratificante a gente poder mostrar o filme para os estudantes, os professores e diretores, eles têm gostado muito. Então que cresça ainda mais esse tipo de ação nas escolas.

“É muito bom que a escola abra as portas para o filme e utilize outros meios de linguagem em sala de aula. É muito bom que os alunos vejam que a escola não é separada do mundo, a escola é o mundo e os alunos precisam desenvolver o pensamento crítico na escola.”

Márcia Machado: Em uma frase como você definiria a missão da tua profissão.

Aliprandini: Gerar identificação com o público e fazer as pessoas refletir sobre o assunto.

 

Fotos: Divulgação/Arquivo Pessoal Aliprandini

Família saudável: sonho ou realidade?

Famílias felizes têm o entendimento que é bom tocar, de que é bom abraçar, de que é saudável mimar-nos e mimar aos outros. São famílias amorosas, que distribuem todo o carinho que recebem e, sabiamente, generosamente, transcendem seus lares, transmitindo para a sociedade o que vivem.

Nós estamos doentes, consequentemente, as famílias também estão. Necessitamos de algo que nos alimente melhor, para conseguirmos vigor para os novos tempos tão desafiadores.

Famílias mais saudáveis deve ser meta viável, com propósitos densos e ditados pelas nossas necessidades humanas mais elementares. Para tanto, devemos cuidar de nós mesmos e cuidar dos outros sabendo perceber nossa biologia que, sabiamente, nos convida a ouvir, ver, cheirar, degustar e, principalmente, sentir na pele a nós mesmos e aos outros.

Provocar proximidade e contato é uma necessidade primordial em qualquer idade. Tocar com carinho e respeito é o alimento que nos falta, na medida em que constatamos essa carência. Somos capazes de proezas inimagináveis, podemos alcançar novos planetas, mas ainda ficamos constrangidos com o contato físico, ainda negamos abraços e beijos a quem vive conosco.

Quanto mais racionais somos, quanto mais estudamos, mais nos fechamos em nós mesmos. Quanto mais amigos virtuais conquistamos, mais solitários e carentes nos mostramos.

Temos à mão fontes de prazer que não custam nada e limitamo-nos a viver assepticamente, sem sentir a pele do nosso amor, sem sentir o cheiro dos nossos filhos. Fazemos contatos tímidos com nossos netos por medo de estragá-los com nossos mimos.

As famílias felizes têm a concepção de que é bom tocar, de que é bom abraçar, de que é saudável mimar-nos e mimar aos outros. São famílias amorosas, que distribuem todo o carinho que recebem e, sabiamente, generosamente, transcendem seus lares, transmitindo para a sociedade o que vivem.

Devemos parar de olhar para os problemas das famílias, que erroneamente chamamos de desestruturadas, por que todas elas têm uma estrutura, para investigarmos por que as famílias felizes conseguem driblar tão bem o consumismo, os vícios, conseguindo ser tão gentis e humanamente produtivas.

Certamente nossa investigação mostrará que não há nada de especial com elas, que não há pressupostos acadêmicos, nem necessariamente QI elevado, mas um potencial amoroso inerente, aprendido lá no berço.

O contrário também é verdadeiro, por que, uma família violenta também transcende suas paredes, leva para fora sua desgraça.

As escolas são um exemplo do que se pode fazer com as crianças. É lá que constatamos verdadeiras contendas físicas e psíquicas, na forma de agressões de toda ordem. As escolas são a vitrine do que acontece dentro das nossas casas.

Ashley Montagu radicaliza quando fala que nossas maternidades foram concebidas para servir ao obstetra e não à mãe, muito menos aos bebês. A constatação é feita para alertar-nos de que devemos ouvir nossa natureza, aconchegar nossos bebês, ficar com a criança junto ao corpo, repudiando a distância que os berçários impõem no momento mais importante da vida.

Estudos contemporâneos mostram que sempre estaremos carentes de proximidade, sempre necessitaremos sentir o corpo das outras pessoas, por mais velhinhos que sejamos. Montagu reproduz em Tocar: o significado humano da pele, um bilhete que uma mulher de 90 anos escreve para as enfermeiras:

“Velha ranzinza
O corpo em ruínas. A graça e a energia desaparecidas.
Hoje há uma pedra onde antes havia um coração.
Mas dentro dessa velha carcaça, uma mocinha ainda existe.
E vez e outra incha este velho coração.
Lembro-me da dor, e me recordo das alegrias
E estou viva e consigo amar, por inteiro, novamente.
E penso que nada durará.
Por isso, abram os olhos, enfermeiras, abram os olhos e vejam
Não uma mulher ranzinza
Olhem mais de perto. Vejam a mim.”

O sonho de termos famílias felizes é possível, desde que façamos do amor algo concreto, palpável e não um lugar comum cantado em verso e em proza, sem substância. Nossas famílias serão uma linda realidade se levarmos em conta outra máxima de Montagu: “ … humanizar-se é viver aprendendo e sendo cada vez mais gentilmente amorosos.”

Eládio Vilmar Weschenfelder: um encantador de leitores

eladioQual seria o melhor sinônimo para definir um encantador de leitores? É a primeira pergunta que surge quando o autor interage com seus leitores no momento que leem os causos, as lendas e os contos constantes no novo livro in­fanto-juvenil intitulado Histórias Preciosas, de autoria do Prof. Eládio.

E como não ficar encantado, por exemplo, com a lenda do nosso primei­ro Santo Gaúcho, o defensor das terras dos guaranis: “Essa terra tem dono!”. E, como não ficar maravilhado com a fantasia, sutilmente presente, nas histórias do Prof. Eládio, este Don Juan das letras! Claro, depende de quem está lendo, encantando-se! Pois “(…) uma flor não é bela por si só, mas é belíssima a partir dos olhos de quem sabe olhar.”

Como não ficar curioso e intrigado, com o que as meninas logo sacaram de primeira, e os guris, ainda não? Ou, eufemismos à parte, como não morrer de tanto rir? Como não se emocionar com as belas histórias de amor que nem o tempo pode apagar! Ou pode?

Essas e as demais histórias deste livro é que fazem jus ao codinome encanta­dor de leitores, que é o Prof. Eládio. Este lutador com as letras e com as palavras, como diria o poeta Drummond. Ele, de semeador, transformou-se em fruto! Era uma vez, um semeador que plantou, no coração de seus alunos e alunas, o gosto pela leitura! Uma delas, de nome Sxlvxa Aivlis, que guardou algumas dessas sementes, plantando­-as em muitos outros corações, tanto nos de seus alunos e alunas, como nos corações dos professores do Sistema Municipal de Ensino, em Soledade/RS. Por efeito, nasce­ram belos frutos, dentre os quais o projeto Garimpando Escritores, Lapidando Leito­res! Agradecemos a ele por estar participando deste importante projeto, que “valoriza a leitura como fonte do saber”.

Por fim, para o encantador de leitores, eu elencaria três sinônimos: mágico, pois seus contos, lendas e causos nos deixam maravilhados; cativante, pois suas histórias nos deixam fascinados; e, magnífico, assim como são magníficas suas Histórias Preciosas.

Prof. Dr. Juliano Tonezer da Silva

O fetiche das ditaduras

“Não existe uma verdade igual para todos.
As leis, as regras, a cultura, tudo deve ser definido para
um conjunto de pessoas; o que vale para um lugar pode não valer para outro.”

D’ Silvas Filho

O atual momento histórico exige afirmação dos ideais democráticos. As ditaduras (políticas, de consumo ou de mercado) são as maiores inimigas das palavras em diálogo e em movimento (que denominamos democracia). As ditaduras são extremamente hábeis em reduzir e simplificar o sentido e o significado das coisas que podemos pensar. Só a democracia permite alargar os horizontes das ideias que vamos construindo na história. Somente ela é capaz de considerar contradições e imperfeições dos pensamentos, para aperfeiçoá-los. Por conta disso, convivemos em permanente tensão entre aqueles que querem fazer das ideias exercício de liberdade e aqueles que desejariam dizer aos outros “o que podem e devem pensar e fazer”.

Nossa democracia ainda precisa ser muito mais exercitada, vivida e experimentada, para ser apreendida. Vivemos, por vezes, uma equivocada disputa entre ter posição e ser contra. As disputas, demasiadamente ideologizadas, não permitem que as palavras/conceitos se revelem em todos os aspectos, sob os mais diferentes pontos de vista. Ser democrático não significa ser dono da verdade. Significa estar aberto à construção do conhecimento, considerando as mais diferentes interpretações das coisas e dos fatos, num processo dialético de aprendizagem. A verdade surge no exercício do consenso, nem sempre fácil, mas sempre necessário.

Conquistamos a liberdade de pensar, mas ainda somos moldados em nossas ações por obra das ideias dominantes. Temos, então, a sensação de que nossas ideias pessoais nada resolvem, de que são fracas e impotentes. Isto comprova de que o mundo e as pessoas são movidos por ideias, que sempre estão em disputa na sociedade. E comprova que, isoladamente, nossas ideias perdem fôlego, não conseguindo concretizar-se. Somente as ideias gestadas e praticadas coletivamente conseguem romper com a lógica ideológica dominante, e conseguem traduzir-se em prática da vida cotidiana daqueles que resolvem assumir-se como sujeitos de seus conhecimentos e de sua história.

O problema é que nas ditaduras não somos educados para a cooperação e a solidariedade. Prevalece a cultura hedonista (de culto ao eu), que reproduz a ideia e o conceito dos vencedores. Aos vencedores, a
glória. Aos vencidos, os sentimentos de incompetência, revolta e impotência. E estes últimos sentimentos geram muitas tensões sociais e de convivência, desfavorecendo nossa condição de seres em relação.

A autonomia dos sujeitos é o maior marco da concretização de uma democracia real e verdadeira. A luta por democracia invoca novas relações interpessoais, baseadas na interdependência e na reciprocidade. Jean Piaget, ao estudar o juízo moral das crianças, nos ajuda a considerar que “a autonomia só aparece com a reciprocidade, quando o respeito mútuo é bastante forte, para que o indivíduo experimente interiormente a necessidade de tratar os outros como gostaria de ser tratado”.

Não é democrática a sociedade que não tolera os pensamentos divergentes e que combate as diferentes formas de organização social que buscam praticar e viver as ideias coletivas. Democrática é a sociedade que permite aos homens e mulheres realizarem-se em sua dignidade, preservando seu modo de ser, pensar e agir, individual e coletivamente. Pratiquemos e aprendamos, pois, a democracia, intensamente, sem nenhum culto às ditaduras.

Afirmemos, definitivamente, a democracia como a solução dos problemas coletivos. Fora da política (e da democracia) não há caminhos que promovam a dignidade e a liberdade humanas!

Poesia e cosmovisão: Cecília Meireles e Rubem Alves

Ouvi, em uma única palestra que assisti do grande educador Rubem Alves uma
poesia que achei fosse sua. Tempos depois, em vídeo, vi o mesmo
educador recitar a mesma poesia. Li ainda em dois livros seus
referências ao mesmo texto. Passei então que se tratava de uma poesia
de sua autoria. Ao verificar autoria, descobri que era de Cecília
Meireles.

Sempre achei que esta poesia encerra, em si mesma, uma cosmovisão, uma
visão de mundo. Por isso mesmo, ao trabalhar com sextos anos do Ensino
Fundamental as cosmovisões da religiosidade indígena e africana,
comecei recitando este belo texto. Por intuição, sugeri aos alunos e
alunas que quisessem, fizessem livre interpretação da poesia através
do desenho. Disse a eles que estudaria uma forma de publicar seus
desenhos no meu site.

Para minha surpresa, recebi vários desenhos super interessantes
representando os cenários e os personagens que envolvem a poesia.
Seguem, numa sequência de slides, abaixo.

 

CANÇÃO MÍNIMA

No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.

E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;

no canteiro uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,

entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta.

Poema de CECÍLIA MEIRELES
In Vaga Música, 1942

 

Desenhos criados por alunos dos sextos e sétimos anos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Zeferino de Costi de Passo Fundo, RS. Alunos participantes: Giórgio, Igor Detoni, Ana Laura, Lívia Hahn, Ketly Macedo e Isabely).
Desenho em destaque: aluna Maria Gevana L. Cassasola.

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