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Por todas elas: contra a cultura do estupro

A notícia de que uma adolescente de 16 anos foi estuprada por mais de
30 homens no Rio de Janeiro e além disso teve imagens dessa violência
divulgadas na internet chocou os brasileiros nos últimos dias. A
indignação surgida após o ocorrido tomou as rodas de conversa, as
redes sociais e acabou pautando a grande mídia sobre um assunto ainda
considerado tabu nos lares brasileiros.

A cada onze minutos uma pessoa é violentada sexualmente no nosso país.
Esses dados assustadores foram declarados pelo estudo mais recente do
Ministério da Justiça, que aponta que 50 mil mulheres são estupradas
por ano no Brasil. Os números são apavorantes e correspondem a 26,1
estupros por grupo de 100 mil habitantes. No Rio Grande do Sul são
18,4, estupros por grupo de 100 mil habitantes. Esses números de
ocorrências registradas, por sua vez, não contemplam todos os casos
que acontecem. Milhares deles são abafados e ficam escondidos envoltos
em um mar de vergonha e culpa. Em até 65% dos casos o agressor é
familiar ou conhecido da vítima.

Filtro nas fotos, denúncia no Ministério Público, atos públicos ou
textão nas redes, o fato é que todos que se sentiram tocados pelo fato
precisaram externar de alguma maneira a sua indignação. E quando esse
crime tão comum (mas tão pouco comentado) vira assunto na mesa da
família tradicional, acaba sendo tão simplesmente para culpar a
vítima. Seja pela sua roupa, pelo local que estava, pelo seu passado.
A culpa é da mulher que disse não e não foi ouvida. É da mulher que
não teve sua escolha respeitada. A culpa é da mulher que teve seu
corpo invadido e sua alma dilacerada.

Essa culpabilização da vítima se deve ao fato de cultuarmos a
normalização e naturalização de situações de abuso como o estupro, por
exemplo. Portanto o que chamamos de cultura do estupro só é possível
por estarmos inseridos em um contexto com profunda desigualdade entre
os gêneros, a desumanização das mulheres e a objetificação de seus
corpos. Isso não é minha opinião, mas os fatos que a sociedade nos
confirma diariamente quando, por exemplo, dizemos que a culpa é dela
porque estava lá. Quando ensinamos que as meninas devem se esconder,
ao invés de ensinar aos meninos que devem receber consentimento antes
de fazer qualquer coisa.

A cultura do estupro está na nossas casas, todos os dias, quando o
corpo da mulher é usado em propagandas para vender cerveja, carro,
barra de cereal… Quando censuramos as roupas das meninas (que saia
curta!) ao invés de reprovar o menino que acredita que tem o direito
de enfiar sua mão dentro da roupa dela. Ou ainda quando os garotos, ao
receberem mais liberdade que as garotas, passam a sentir-se superiores
e em posição de tratá-las com violência verbal, física ou psicológica.

E o estupro está no topo dessas expressões de superioridade. É quando
alguém é violado a tal ponto que tem seu corpo invadido por um corpo
que não tem permissão para estar ali.

É o não sendo calado.

Vale lembrar que a legislação é clara e enquanto o atual governo não
aprovar qualquer retrocesso, segue sendo definido como estupro
“Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique
outro ato libidinoso”. Portanto se a moça do Rio disse que ia dar pra
boca inteira o fato é que na hora do vídeo ela estava desacordada e
outras pessoas tocaram seu corpo sem o seu consentimento.

Cultura do estupro é a rapidez com que uma barbárie como uma mulher
sendo abusada por 30 homens muda a versão para “ela que quis”, “ela
tava drogada, pediu”, estava bêbada” ou qualquer outra coisa que
minimize a culpa daquelas dezenas de homens que não respeitaram o
limite daquela mulher.

Como milhares de homens não respeitam o limite de nenhuma de nós. Seja
com a mão boba na balada, seja te obrigando a beijá-lo na festa para
poder passar, seja na encoxada no ônibus ou nas palavras de baixo
calão que somos obrigadas a ouvir todos os dias da nossa vida, pelo
simples fato de sermos mulher. Ou o professor que fica te elogiando e
usando da hierarquia acadêmica para pedir favores sexuais. Ou o colega
de faculdade que “tentou” transar mesmo quando você havia bebido
demais… E ainda ouvir que a culpa é nossa por tentarmos viver
normalmente e não deles, que se comportam como animais! Já pensou usar
os mesmos argumentos para justificar o porquê de um homem ter sido
estuprado? “Mas ele estava bêbado, drogado, sozinho ou a regata era
muito decotada, pediu!”

Sabe porque soa estranho?

Porque não está certo! Porque é desigual!

E desumano!

Esse desabafo é por todas elas.

Obs.: Homens que respeitam as mulheres e não propagam a cultura de
estupro: não percam tempo se ofendendo, já que essa conversa não é com
vocês. E ninguém se ofende pelo que não faz, não é?!

Foto: FEMMA Registros Fotográficos (por Fernanda Cacenote)

Não existe neutralidade na educação

Afirmações fundamentalistas e simplistas tendem constituir falsas verdades. Caso típico das absurdas afirmações dos que defendem as ideias de uma “escola sem partido”. O viés do debate que se coloca deve ser mesmo pela afirmação das diferentes ideologias, mesmo daqueles que imaginam ser possível existir neutralidade na educação, dizendo ser possível “uma escola sem partido”. Eles também agem por ideologia.

Verdade é que não existe a possibilidade de uma educação neutra. Os diferentes conhecimentos sempre se apresentam permeados por diferentes ideologias. Mesmo quando tratamos de métodos, estes nunca são isentos de ideologia. As ideologias são as diferentes ideias que estão em permanente disputa na sociedade. Quando se tornam fortes, chamamos as mesmas de ideologias dominantes. Se as ideologias estão na sociedade, como não estarão na escola? A escola nunca foi e nunca será uma redoma de vidro; sempre será o reflexo e espelho da sociedade.

A educação sempre acontece em dois movimentos: ou para manter o “status quo”, deixando tudo como está ou ser uma ferramenta de emancipação humana, afirmação das liberdades e transformação da realidade. Pelas ideias que defendemos e pelas atitudes que tomamos podemos ser avaliados como liberais ou conservadores, libertários ou opressores, democráticos ou autoritários.

A alegação de que professores das escolas da rede de ensino fundamental e de ensino médio fazem doutrinação política-ideológica carece de qualquer fundamento. Pois, vejamos. Os professores sempre exercem certa influência sobre seus alunos, mas jamais a ponto de doutrina-los. O poder da educação é muito mais relativo do que imaginamos. Paulo Freire, nosso grande pedagogo brasileiro, entendeu o papel da educação: “a educação não muda o mundo. A educação muda pessoas e as pessoas (se quiserem) mudam o mundo”. O discernimento e o conhecimento dos alunos, com tantas outras informações e vivências, jamais os coloca na condição de doutrinados. Quem acha que os jovens estão perdidos é porque não fez nenhuma visita aos estudantes que ousaram ocupar suas próprias escolas.

O alvo deste movimento da “escola sem partido” parece mesmo ser o ataque à dignidade, reputação e liberdade de cátedra dos professores. Uma espécie de ditadura institucionalizada, agora com força em leis e regimentos. Uma forma de mudar radicalmente a escola que afirmamos e construímos nos últimos 30 anos, com fundamentos reformistas e progressistas, sem perguntar nada aos maiores interessados: os professores, os alunos e a comunidade escolar como um todo (pais, mães, funcionários, comunidade geral). Com que segurança trabalharão os professores sabendo que, a qualquer hora, por motivos adversos e alheios ao seu controle, terão de explicar e justificar a forma e o conteúdo que estão trabalhando nas salas de aula?  Com que método trabalharão? Como abordarão os temas sociais não previstos como violência, drogas, sexualidade, construção de relações de solidariedade e paz e direitos humanos? Ainda haverá a possibilidade de escolher livros didáticos (mais de um livro didático já trará problemas ideológicos). O que apresentarão de conteúdo aos estudantes sempre terá que ter fonte e autoria, mas o que fazer quando os estudantes perguntarem pela opinião do professor? Em caso de dúvidas sobre a neutralidade ou não dos conteúdos, a que instâncias o professor recorrerá? Serão proibidos o uso de anéis, de símbolos ou adereços religiosos no corpo e nas vestimentas dos professores? Ainda será possível assumir-se professor e educador? O que faremos com nossos Projetos Políticos e Pedagógicos e com Regimentos Escolares que descrevem o que desejamos construir, através da educação, como ser humano, como sociedade e como escola num viés crítico, emancipatório e libertário (mesmo que na prática ainda tenhamos dificuldades de realizar práticas democráticas e emancipatórias na escola)?

O político na educação não é o ideológico-partidário. O político na educação refere-se sempre às ações e intervenções na sociedade, ou seja, possibilidades de mudança concreta na vida das pessoas. Por isso, talvez, ninguém fale sobre o verdadeiro temor dos defensores desta absurda ideia de controlar a escola pública, para que ela não tenha qualidade social. “Quando se nasce pobre, estudar é o maior ato de rebeldia contra o sistema”. No atual momento histórico, os pobres, os filhos de trabalhadores ousaram formar-se na faculdade. Aí, bem, aí já é demais, não acham?

A defesa da democracia e da liberdade de expressão de todos são os maiores contra-argumentos da “escola sem partido”. Os fundamentalistas, que se dizem sem ideologia, não passarão! Nós, os professores, com liberdade para ensinar, “passarinhos”.

A escola tem de ser um lugar de livre pensamento! Não existem soluções para a coletividade fora da democracia e da política.

Acolhendo os que “ninguém quer”

Na segunda entrevista da série “Profissões Educadoras”, vamos conhecer um pouco do trabalho de Julio Renato Lancellotti, 67 anos, formado em Pedagogia, com especialização em Orientação Educacional e Teologia, padre católico, militante de direitos humanos, vigário do povo de rua e coordenador do Centro de Defesa de Direitos Humanos Pe. Ezequiel Ramim na cidade de São Paulo.

Vocação, missão ou destino? O que leva padre Julio a se dedicar aos que “ninguém quer” como ele mesmo se refere? Não encontrei  resposta, mas encontrei nas ações e palavras do padre Julio poesia, força, fé e um amor incondicional pelos marginalizados, pelas minorias. Ele reparte pão, cobertor, acolhida e luta mas, principalmente, procura oferecer um pouco de dignidade e cidadania ao povo da rua. Como Francisco de Assis pedia “pregue o evangelho em todo tempo. Se necessário, use palavras”, assim percebo nosso entrevistado, contido nas palavras, mas um gigante em ações que realiza nas ruas de São Paulo, pregando igualdade e amor ao próximo. O padre se diz em casa junto aos que não têm casa.

Julio assim se define: “velho, celibatário, penso que incomodo pelas posições que tenho e pelo que aprendo dos mais pobres e indesejáveis. Carrego muitas cicatrizes e dores na vida. Tenho saudades dos que amo e findaram sua caminhada. Gosto de ler, amo meus livros que são meus companheiros, fico muitas horas sozinho, gosto de ser padre, defendo e estou ao lado das minorias e dos discriminados. Quando estou com os que ninguém quer me sinto acolhido” declara.

 

Márcia Machado: Quando o senhor ingressou na vida religiosa? O que o levou a optar pelo sacerdócio?

Pe. Julio: Sou padre há 31 anos, sempre quis, desde pequeno, a decisão de ser padre foi minha com apoio, ajuda e exemplo de Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Luciano Mendes de Almeida. A decisão foi construída, discernida e vivenciada num processo continuo que só acaba quando acaba a vida.

Márcia Machado: Fale um pouco sobre seu trabalho paroquial e pastoral.

julio-lancelotti-2Pe. Julio: Meu trabalho na paróquia é caminhar com o povo, celebrar, batizar, testemunhar casamentos, confessar, aprender e ensinar, alimentar a esperança, acolher, estar em momentos de morte e doença, sonhar e cantar, chorar, caminhar cair e levantar, não desistir, ser consolado e consolar. Articular, vivenciar conflito, perder e reencontrar.

Márcia Machado: Vivemos um período em que há um clamor por ética e moralidade no país e tais questões passam também pela questão espiritual do sujeito. Nesse contexto, quais os principais desafios do religioso hoje?

Pe. Julio: Estar ao lado dos pobres e esquecidos, seguir Jesus sem medo da Cruz, andar por caminhos perigosos e ir ao encontro dos feridos e esquecidos. Testemunhar a capacidade de amar e de enfrentar impossibilidades sem desanimar.

Márcia Machado: O papa Francisco tem oferecido uma abertura maior à igreja católica, tratando temas como homossexualidade e aborto. Mas principalmente mostrando que a igreja tem que estar junto ao povo, aos menos favorecidos. Como o senhor avalia esse atual momento da igreja católica?

Pe. Julio: Este momento é de primavera em meio a tempestades, é tempo de coragem e misericórdia, de acolher e abrir as portas, de ser mais humano e não julgar. É tempo de se dar.

Márcia Machado: Além de teólogo o senhor é formado em pedagogia e foi professor primário e universitário. Como o padre contribui com o educador e vice-versa?

Pe. Julio: Contribuiu  muito na pedagogia da fé, na simplicidade de aprender e ensinar, de não dogmatizar, de fazer caminho e caminhar.

Márcia Machado: O senhor sempre dedicou-se ao trabalho social. Como surgiu esse interesse em contribuir e defender populações marginalizadas?

Pe. Julio: Caminho sem volta, caminho de opção, de convicção, de reconhecer que não se pode ser cristão sem estar ao lado dos evitados, esquecidos e abandonados.

Márcia Machado: Fale sobre o seu trabalho com crianças e adolescentes.

Pe. Julio: Atuei na pastoral do Menor, na Casa Vida, com adolescentes privados de liberdade e massacrados, torturados. Sempre na defesa dos direitos humanos, atuei em várias rebeliões na antiga Febem.

Márcia Machado: O senhor também tua junto a grupos como menores infratores, detentos em liberdade assistida, pacientes com HIV/Aids, além de assistir populações de baixa renda e em situação de rua.  Numa sociedade onde impera o individualismo, como é realizar um trabalho visa que o bem-estar do outro?

Pe. Julio: Atuar ao lado de quem perde de quem não conta, estar do lado de quem é ferido e ser ferido também. Nunca ganhei, sempre perdi. Perdi tudo, só restou viver, lembrar, sorrir e chorar, restou acreditar que vale lutar mesmo sem nada restar.

Márcia Machado: Poderia destacar alguns programas nos quais atua?

Pe. Julio: Atuo na Pastoral de rua, nas lutas populares e autônomas, na defesa dos LGBT de rua, na convivência com os pobres na paróquia e nas lutas sociais.

Márcia Machado:  Um grande desafio hoje é trabalhar a questão da humanização do sujeito, como tornar as sociedades mais humanas, inclusivas, cuidando dos vulneráveis?

Pe. Julio: Os vulneráveis nos ajudam a superar com eles a desumanização, acolhendo e lendo os olhos que choram e sonham.

Márcia Machado: De que maneira sua experiência como educador contribui com o trabalho social que realiza?

Pe. Julio:  A transformação social é um processo de educação contínua para a solidariedade.

Márcia Machado: Em uma entrevista o senhor fala que a maioria dos moradores de rua passaram pela escola. Uma análise da atual educação brasileira. Quais os principais desafios? O que deveria melhorar e o que deveria ser priorizado?

Pe. Julio: A escola é uma reprodução da sociedade autoritária, por isso a primavera secundarista e as manifestações dos jovens são esperança, a escola como é hoje vai ser superada.

Márcia Machado: Ao se referir a primavera secundarista, o senhor acredita que esse movimento dará um novo norte à educação no país?

Pe. Julio: Esperamos que sim, superando toda manipulação e repressão.

Márcia Machado: O senhor acompanhou e apoiou junto com os moradores de rua a mobilização dos alunos pela CPI da Merenda em São Paulo, como foi aproximar tais movimentos na luta pela educação?

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Pe. Julio: Há uma aliança entre os que lutam por justiça. A solidariedade entre os que sofrem transforma e humaniza a luta.

Márcia Machado: Como é estar ao lado dos moradores de rua em momento como o que está ocorrendo, muitos morrendo em função dessa onda de frio, sem assistência, nas ruas de São Paulo?

Pe. Julio:  É resistir e insistir ao lado dos indesejáveis e descartados e com eles gritar sem cessar para que sejam ouvidos.

Márcia Machado: Em sua rede social o senhor denuncia a falta de políticas públicas, mas também observa a falta de “misericórdia” das pessoas com os que estão a mercê do frio nas ruas, como analisa essa falta de sensibilidade com o próximo?

 Pe. Julio:  Houve solidariedade de muitos, mas a burocracia do estado, congelado pela imobilidade, é incapaz de amar.

Márcia Machado: O senhor já recebeu vários prêmios por seu trabalho social e na defesa dos direitos humanos. Porém, qual o seu maior desejo em relação ao trabalho social e educacional que realiza?

Pe. Julio: O maior desejo é com o povo acorrentado quebrar todas as correntes, dançar e cantar a liberdade que mesmo que tarde há de chegar!

Márcia Machado: Uma frase que defina sua missão na sociedade.

Pe. Julio: “Deus escolheu os fracos para confundir os fortes” (São Paulo).

 

Fotos: Divulgação/Arquivo pessoal

Aprendi da “gurizada”!

Obrigado guriazada, piazada, juventude, vocês nos fazem acreditar que precisamos continuar aprendendo, de vocês e de todas/as que continuam acreditando que a realização de mudanças está na proporção direta do compromisso com a transformação.

Aprendi da guriazada [neologismo que tenta enfrentar o sexismo da linguagem] das escolas ocupadas que só aprende quem sabe que ainda não sabe, ou, que sabe que ainda tem muito a aprender.

Esta guriazada nos ensinou que as escolas são lugares vitais. Não são expedientes, de turnos, de períodos, de aulas.

São casas nas quais aprende-se para a vida, aprende-se a viver, aprende-se com a vida. Por isso não tiveram dúvida de ocupa-las. E o fizeram não para outro motivo senão que para que, se, em algum momento se converteram em algo que não servisse para aprender ou que não tivesse condições adequadas para tal, que passassem a ter.

Sua luta não quis outra coisa do que fazer das escolas, escolas, lugares para aprender, com condições adequadas, com pessoal suficiente, valorizado, reconhecido.

Foram duros. Fecharam os portões a cadeado. Não deixavam entrar facilmente. Sabiam que havia os que queriam acabar com sua causa, acusá-los de baderna. Mostraram que são organizados, que aprenderam cedo a fazer luta, a resistir, a cobrar, a cuidar!

As autoridades, lamentável! Primeiro fugiram, para outro país, inclusive. Depois responderam com descaso. No final, usaram da força, da pior, da força violenta, aquela que só fala com pimenta e com sabres, com pancadas e cassetetes.

Os enquadraram numa lista horrorosa de crimes. Os transformaram em criminosos. Jovens que lutavam por educação transformados em criminosos! Acusados de crime.

Saíram da escola e foram se meter com o cofre! Foram para a Secretaria da Fazenda. Metidos, foram meter-se onde não poderiam! E se descobrissem que há dinheiro para a educação, e que o que falta é que seja usado para a educação! E se descobrissem a chave do cofre e o abrissem e espalhassem o dinheiro que está reservado para outros fins e o distribuíssem para a qualidade da educação. Absurdo, metidos, criminosos. Melhor que sejam presos e expulsos a força, antes que descubram o caminho do cofre, que o abram, que espalhem educação, e que ensinem aos outros onde está o dinheiro, o que fazer com o dinheiro, ponham o dinheiro na educação!

Aprendemos a indignação e a revolta com o tratamento violento dado a estudantes que só resistiram. Imagens mostram que não houve negociação, mediação, para retirada pacífica. A truculência foi do começo ao fim.

A educação perdeu para a violência. Os estudantes aprenderam que a polícia militar não existe para protegê-los; existe para criminalizá-los. Aprenderam que o Estado não existe para garantir seus direitos, mas para se proteger deles, para tratá-los como “delinquentes de alta periculosidade”.

Eles resistiram, alegres, seguem felizes, voltaram para casa, voltam para suas escolas, seguem aprendendo, seguem ensinando. Seguem mostrando que a luta que vale a pena é a luta que não se deixou de lutar. Deles aprendemos que aprender é um processo de luta e que só aprende quem luta!

Obrigado guriazada, piazada, juventude, vocês nos fazem acreditar que precisamos continuar aprendendo, de vocês e de todas/as que continuam acreditando que a realização de mudanças está na proporção direta do compromisso com a transformação.

Um horizonte novo se abre. Caminhos novos estão para serem construídos!

Que vocês nos guiem!

A vida dos outros

Será mesmo que devemos seguir em frente, sem indignação, sem culpa e sem vergonha por tratar os animais como se fossem objetos e não como seres sencientes e “sujeitos de uma vida” e, portanto, portadores de direito à liberdade, saúde e vida? Será mesmo? Eduque-se e eduque seus filhos e seus discípulos espirituais, dizendo não ao especismo e sim à fraternidade universal, para que o princípio do amor incondicional seja real.

Nós, humanos, somos o ponto culminante da criação e o grau mais elevado na escalada da vida e os animais não humanos só tem um sentido, a saber, estar ao nosso serviço, domínio, uso.

Só o homem é sujeito de uma vida e só o homem tem valor moral intrínseco. Só o homem é criado à imagem de Deus e só ao homem devemos respeito, amor, compaixão, pois ofender o ser humano é ofender, ferir e causar sofrimento ao próprio Deus. Os outros animais podem ser tratados como coisa, como objeto para o nosso interesse e prazer. Os animais têm apenas valor instrumental, isto é, só tem valor para nós e não em si mesmos. O homem tem dignidade, os animais têm preço.

O cachorro, o gato, o boi, o porco, o coelho, a ovelha, a galinha, a baleia, o rato, todos os animais enfim, estão sob nosso poder e deles podemos nos servir para nos entreter, para nos vestir com sua pele e couro, para fazer experimentos em vista da cura de nossas doenças ou para testar produtos químicos, farmacêuticos, cosméticos etc. E, sobretudo, para matá-los e saboreá-los. Quão grande é a nossa posição no mundo! Quão bom foi Deus dando-nos de presente o resto do mundo animal!

O animal não se importa, não tem interesse em não sofrer, em ser capturado e aprisionado, em ser privado de liberdade, em ser criado em condições de extremo stress e ser morto. Não sinta indignação, culpa e vergonha por causar sofrimento e morte aos animais, afinal são apenas animais! Nada de romantismo típico dos protetores dos direitos dos animais. Siga em frente com consciência tranquila.

Será? Será mesmo que devemos seguir em frente, sem indignação, sem culpa e sem vergonha por tratar os animais como se fossem objetos e não como seres sencientes e “sujeitos de uma vida” e, portanto, portadores de direito à liberdade, saúde e vida? Será mesmo?

O negro já foi considerado objeto de compra e venda e a isso chamamos racismo. A mulher já foi considerada propriedade do homem e a isso chamamos machismo. Nem o racismo e nem o machismo são hoje considerados legítimos e moralmente aceitos. Tratar os animais como objetos, sem direitos à liberdade, saúde e à vida tem um nome: especismo.

O especismo, isto é, a pretensa superioridade de uma espécie sobre a outra é hoje considerada legal e legítima do ponto de vista moral. Mas, haverá de chegar um dia em que olharemos para trás e nos envergonharemos, sentiremos culpa por termos sido cúmplices de toda sorte de sofrimento e morte causados a um ser do qual somos imagem e semelhança: os animais! Até lá, até que essa nova aurora moral e religiosa desponte, eduque-se e eduque seus filhos e seus discípulos espirituais, dizendo não ao especismo e sim à fraternidade universal, para que o princípio do amor incondicional seja real.

Educação pública: de qualidade social

As crescentes manifestações por mais qualidade e por mais valorização dos principais sujeitos que fazem a escola pública leva-nos à reflexão sobre a qualidade que deve ser buscada e perseguida para a mesma. Revela, também, necessidade de atentarmos para o papel que a escola pública deveria exercer para contribuir com o desenvolvimento humano e social da maioria da população brasileira.

centro de professores na lutaAs greves e paralisações dos professores Brasil afora revelam a luta pelo reconhecimento profissional que os mesmos foram perdendo ao longo das últimas décadas. Para estes, a educação não é um fim, mas é meio para estimular e projetar no imaginário das crianças, dos jovens e dos adultos as condições subjetivas, materiais e sociais para que cada um conquiste sua vida e sua felicidade. Por isso mesmo, professores reclamam condições materiais e subjetivas para que possam exercer função de alimentar esperanças para a superação da vida sofrida da maioria de seus estudantes e de toda comunidade onde atuam através da escola. Reclamam apoio para implantar propostas pedagógicas que considerem a organização dos sujeitos para a conquista dos direitos e construção de sua dignidade.

Os adolescentes e jovens que ousaram ocupar suas próprias escolas para denunciar o descaso dos governos e exigir mais atenção à qualidade de sua aprendizagem são “os mesmos que sempre mantiveram seu inconformismo e sua disposição de mudar o mundo”. A novidade é que se apoderaram da internet e das redes sociais para comunicar suas mensagens e ideais, mas descobriram também que a organização em defesa de direitos só tem força com a união e a organização coletiva. A internet e as redes sociais os conectam, mas a força organizativa está na reunião, na ocupação do espaço, na convivência concreta dos sujeitos, na manifestação inteligente e organizada.

A qualidade na educação não é a mesma reclamada e perseguida por organizações corporativas, industriais e comerciais. A qualidade social não se ajusta aos limites, tabelas, estatísticas e fórmulas numéricas que possam medir um resultado de processos tão complexos e subjetivos que esperam da escola a mera formação de trabalhadores e de consumidores para os seus produtos. Qualidade social da educação mede-se pelo envolvimento, participação, satisfação e atendimento das necessidades da comunidade escolar e de toda população do entorno das escolas. Estas necessidades incluem que a escola seja lugar de boa aprendizagem, de boa socialização, de assimilação dos conhecimentos universais e humanitários e centro (referência) de conhecimento e convivência socialmente válidos e reconhecidos para o bem da vida comunitária e social.

Escola pública de qualidade social é escola onde toda a comunidade se sente sujeito e responsável pelos processos educativos que nela acontecem. Como afirma Maria Abadia da Silva, doutora em educação e professora na UNB, “a escola de qualidade social é aquela que atenta para um conjunto de elementos e dimensões socioeconômicas e culturais que circundam o modo de viver e as expectativas das famílias e de estudantes em relação à educação; que busca compreender as políticas governamentais, os projetos sociais e ambientais em seu sentido político, voltados para o bem comum; que luta por financiamento adequado, pelo reconhecimento social e valorização dos trabalhadores em educação; que transforma todos os espaços físicos em lugar de aprendizagens significativas e de vivências efetivamente democráticas”.

Escola pública de qualidade social ainda não é realidade; será mais uma conquista de toda sociedade brasileira (ou daqueles que entenderem a importância de que ela exista).

Fotos: Ingra Costa e Silva 

Bandos de Letras: promoção do gosto pela leitura e literatura

As palavras, ditas, recitadas e destacadas em contextos próprios podem nos tornar seres humanos melhores. As palavras ditas e anunciadas através de poesias, de contos e de histórias mexem com as nossas sensibilidades e sempre são capazes de promover na gente os mais nobres sentimentos e perspectivas de vida mais leve, livre e solta.

Testemunho e acompanho, há três anos, como pai de uma das crianças que participa do Bandinho de Letras da UPF (Universidade de Passo Fundo), o quanto o estímulo e o despertar do gosto e prazer pela leitura e literatura fazem diferença na formação integral e socializadora das crianças que dele participam. A sintonia e o entrosamento com o Bando de Letras (cujo público são estudantes do ensino médio e ensino superior) é muito importante para o crescimento e desenvolvimento das crianças, pois os adultos são os espelhos e as referências das aprendizagens mais complexas.

Acredito, sobretudo, no poder humanizante das palavras. As palavras, ditas, recitadas e destacadas em contextos próprios podem nos tornar seres humanos melhores. As palavras ditas e anunciadas através de poesias, de contos e de histórias mexem com as nossas sensibilidades e sempre são capazes de promover na gente os mais nobres sentimentos e perspectivas de vida mais leve, livre e solta.
A arte, por natureza, é transgressora, inquietante e revolucionária. Quanto feita, vivida e apresentada por crianças, torna-se ainda mais interessante. As crianças são mesmo as melhores porta-vozes da poesia e da magia da vida que sempre se anuncia. Conviver com crianças e com professores e professoras que apostam no poder das poesias, dos contos e das belas histórias é dar mais sentido à nossa existência e também à nossa profissão.

O início de tudo…

A mágica da surpresa, do repentino, do inesperado, só não encantava mais do que o espetáculo que era apresentado pelo bando de alunos do curso de Letras que invadia as salas da Universidade de Passo Fundo (UPF). De repente, a aula teórica de um curso qualquer se tornava um espaço de estímulo à leitura literária. Isso iniciou há 20 anos, tendo, nos primeiros 15, ocorrido de modo informal, com apresentações e intervenções do Bando de Letras, que, em 2010, recebeu caráter institucional e tornou-se um Projeto de Extensão da UPF.

Desde sua fundação, o Bando de Letras foi acompanhado de perto pelo professor Eládio Weschenfelder. “Como professor de Literatura da UPF, componente da equipe organizadora das Jornadas de Literatura, membro do PROLER, do Pró-leitura, do projeto  Autor Presente, dentre outros eventos em favor da promoção da leitura, pude acompanhar de perto o nascimento do Bando de Letras, seus desdobramentos e ações na comunidade acadêmica e na comunidade externa, especialmente nos meios de comunicação”, conta o docente, destacando que outros professores também incentivaram e acompanharam o Bando de Letras, ainda quando era realizado informalmente.

Há 20 anos

De acordo com o professor Eládio, o Bando de Letras surgiu como um desdobramento positivo das Jornadas Literárias e outros eventos relacionados aos projetos de estímulos às múltiplas leituras, especialmente as literárias. “Imagino que os encantamentos suscitados pelos contadores de histórias e dizedores de poemas como Eliana Yunes, Marina Colasanti, Fernando Lébeis, Gregório Filho, dentre tantos outros, tenham motivados os alunos a criarem um grupo de contadores de histórias e dizedores de poemas na UPF, mais propriamente no curso de Letras, onde encontraram terra fértil para se estabelecerem”, avalia.

O propósito dos alunos, segundo ele, foi criar um espaço alternativo de estímulo de leitura literária no curso de Letras, sendo uma alternativa de preencher o espaço acadêmico formal e demasiadamente teórico. A partir das apresentações não programadas e não liberadas, cerca de meia dúzia de alunos invadia as salas de aula, interrompendo abruptamente a aula que estava sendo ministrada, à luz de velas, lampeões ou focos, para fins de contar histórias e dizer poemas. “Os alunos adoravam. Alguns professores protestaram, alegando que suas aulas estavam sendo interrompidas por um ‘bando de alunos do curso de Letras’, prejudicando o conteúdo. Daí o nome Bando de Letras. Isso foi lá pelos meados de 1996”, relembra Eládio.

Os primeiros membros do Bando de Letras foram os alunos Alexandra Borin, Bárbara Rohde, Claudiléia Batistella, Clodoaldo Casagrande, Douglas Pereto, Jocelene Trentin, Paulo Henrique Amaral, Roberta Ciocari e Roberta Salinet. Antes das aulas e nos finas de semana, eles se reuniam para fazer a seleção dos textos, memorizá-los e planejar as ações e os lugares a serem invadidos, tais como rádio, televisão, clube de serviço, biblioteca, evento acadêmico e salas de aulas de outros cursos, especialmente os lotados no IFCH, como Filosofia, Psicologia e História. “Às vezes, os saraus eram realizados nas escadarias do prédio, nos corredores e na entrada, inclusive nas e sob as árvores próximas ao prédio. Um verdadeiro espetáculo pensado, mas não avisado com antecedência. Muitos foram seus seguidores a partir de então”, esclarece o professor.

As marcas dos 20 anos

Na opinião de Eládio, o Bando de Letras tornou-se referência de estímulo à leitura de textos literários, especialmente poemas e contos e, há 20 anos, é admirado pela promoção ao gosto pela leitura de crianças, jovens e adultos, não importando o espaço, a idade, o nível cultural. “São incontáveis as idas dos Bando de Letras a hospitais, escolas, bibliotecas, eventos acadêmicos, rádios e TVs, sempre levando a importância da leitura à formação de cidadãos. Todas as apresentações do Bando são especiais, pois são preparadas com dedicação voluntária de muitos participantes”, destaca, informando que, além de alunos do curso de Letras, participam do projeto acadêmicos de outros cursos de graduação, alunos de ensino médio do Integrado UPF e uma funcionária.

Bandinho de Letras

Originário do Bando de Letras, o projeto do Bandinho de Letras foi criado em 2011, abrindo espaço à comunidade externa, ofertando às crianças e a seus pais a oportunidade de participarem de um grupo artístico que promove a cultura da leitura, permitindo que também contem histórias e digam poemas a quem tiver o coração aberto.

“Contar histórias e dizer poemas é um gesto de amor a quem se conta, além de suscitar prazer e alegria a quem as conta”, define o professor Eládio.

01-IFCH-aniversario-bando-letras (5)Compõem o Bandinho de Letras 10 crianças de 8 a 12 anos, que se reúnem a cada 15 dias no Mundo da Leitura para selecionar leituras, memorizar textos de forma lúdica para serem ditos a quaisquer públicos. “Sabe-se que uma criança leitora é uma potencial leitora no futuro. Se o futuro pertence às crianças, por que não formar crianças leitoras e, consequentemente contadoras de histórias?”, aponta ele, destacando que alguns pais e funcionários da UPF também participam voluntariamente do Bandinho de Letras. “Não há quem não se emocione diante de um grupo de crianças que contam histórias. O Bandinho de Letras, no fundo, constitui uma prática leitora construindo pontes para ligar textos aos leitores. É mágico”, celebra.

Sarau “Pausa Poética”

01-IFCH-aniversario-bando-letras (1)Para marcar a trajetória de 20 anos do Bando de Letras, o projeto de extensão da Instituição realizou dia 31 de maio, o Sarau “Pausa Poética”.  Na dizeção dos diversos textos poéticos da literatura em língua portuguesa, a “Pausa Poética” propôs uma intervenção literária por meio da poesia naquilo de mais humano que existe em cada um de nós. Pela sensibilidade com que pretende abordar as diferentes temáticas dos textos, o espetáculo provocou no leitor-ouvinte o deslocamento do fluxo temporal para o tempo do poema, fazendo-o refletir sobre as projeções do seu eu na sociedade e vice-versa.

Fonte do histórico e crédito das fotos: Assessoria de imprensa da Universidade de Passo Fundo (UPF).

Chapeuzinho Vermelho

No dia em que Chapeuzinho Novermelho completou dezoito anos, sua mãe decidiu presenteá-la com a Certidão de Emancipação.

– Assim ficará dona de si, falou para seus botões.

Feliz com o presente, prontamente foi ao banco para retirar, mediante Procuração, a aposentadoria de sua vó. Quase esquecida de todos, a nona morava num bairro muito distante e já não tinha mais condições de tomar um ônibus para sacar a aposentadoria.  A neta, de ora em diante, faria o trabalho para a vó. Foi daí que planejou mudar as coisas, buscando humanizar as relações com a dama da melhor idade. Pensando alto disse para si:

– Se comprar faz bem, é hora de fazer um rancho completo, reformar o guarda-roupa, comprar algumas joias. A vó ficará tão contente!

Repetidamente, dizia às amigas:

– Como não há mal que sempre dure e nem bem que não tenha fim, um dia choverá em minha horta.  Enfim!

Ainda muito dentro dos seus sonhos, Novermelho produziu-se toda. Vestindo a melhor roupa e calçando o salto mais alto, muito linda ela ficou. Porém, antes de sair de casa, mais uma vez teve que ouvir os eternos conselhos da mãe:

– Minha filhinha do coração, ao falar com estranhos, por favor, não liga prá conversa fácil. Em caso perigo iminente, segura o tchã com rédeas curtas, amarrando-o com uma camisinha de força.

Novervelho tinha um coração muito grande, mas, nestas situações, ficava bocuda e intolerante:

– Não enche o saco, mãe! Sei muito bem o que devo fazer. Estou emancipada. Não te deste conta?!…

Na fila do banco, Novervelho brilhava como as pedras preciosas e como flores, embelezava e perfumava o ambiente. Lobato viu tudo e não se conteve. Louco de paixão a primeira vista, disse para si mesmo:

– Até que enfim encontrei a mulher ideal, isto é, a dos meus sonhos!

Lobato vestia um terno verde e bem alinhado. Tinha um corte de cabelos curtos. Pele linda. Lábios carnudos.

– Um verdadeiro príncipe! Doce como mel. Um perfil de homem sedutor, diziam as amiga de Novermelho sobre Lobato.

Tomando coragem, o homem aproximou-se de Novermelho, pedindo licença para presenteá-la com um coquetel de palavras mágicas e regadas com o perfume de rosas silvestres.  Ela permitiu.

– Pois não.

– Princesa dos meus sonhos! Podes crer que és mais linda do que as rosas, mais preciosa do que os diamantes e mais encantadora do que o arco-íris!

Estranhando a ousadia do homem e tocada pela força das palavras, Novermelho, quase nada conseguiu falar. Ao sair do banco, pôs-se a radiografá-lo com olhares verticais.  Viu-o fraco, frágil e trêmulo nas mãos, nas pernas e nos lábios. Mas o amor pareceu-lhe ter vindo tão íntimo e tão à flor da pele. E ele continuava sua luta com as palavras:

– Milhares de olhares voltam-se para ti.  No entanto, meus olhos e meu coração podem ver tuas duas almas: a de fora e de dentro.

Daí veio um pequeno silêncio. Depois, raros olhares, dispersos e difusos. Enfim, a realidade. E ficaram. Decidiram ir ao shopping para passeio e compras. Não àquele indicado pela mãe de Novermelho. Foi daí que Lobato propôs:

– Conheço coisa melhor. O outro é menos perigoso, mais próximo, moderno e repleto de espelhos.

Lá subiram e desceram pelas escadas de Babel. Viajaram pelos labirintos de Borges. Subiram para o céu de Zeus e desceram para o “hades” de Dante.  E tudo foi tão rápido! Assim que deu, em si, nada conseguiu comprar, como prometera a si às outras. Iludida com seu homem e com seu baixo poder de compras, pensou três vezes e disse:

– Teu plano foi lobático!  Vejo que, apesar da passagem do tempo e do vento, homens e mulheres continuam repetindo a antiga história de Chapeuzinho Vermelho.

– Será mesmo! Nunca pensei nisso, disse Lobato.

Novermelho disse para si mesma:

– Capitu tinha lá suas razões!

Era uma vez uma mulher que ficou com um homem que nunca mais a quis.

Escola e família: modificações positivas na vida dos sujeitos

O comportamento humano não é algo dado ou meramente natural da espécie, mas é produzido e transformado pela atividade do próprio homem, de forma coletiva. Portanto, assumir a natureza social do desenvolvimento humano significa dizer que sua dimensão orgânica é impregnada pela cultura, ou seja, a família tem um papel importante na vida do sujeito, mas não determinante.

As desigualdades dos cidadãos que se fundamentavam na diferença das classes sociais reaparecem atualmente sob a forma de desigualdade das capacidades intelectuais, como se a falta de dinheiro fosse condição para a falta de inteligência.

Podemos fazer uma analogia da relação da escola com os alunos segundo a visão de Aristóteles a respeito do escravo onde ele diz que: homem é um “animal é constituído de alma e corpo, para o corpo é natural e conveniente ser governada pela alma”. Para ele o corpo seria representado pelo escravo e a alma pelo senhor. Ou seja, somente tem direito a uma vida intelectual o senhor que desfruta de uma vida farta e teria tempo livre para o ócio e uma vida contemplativa. O escravo por não ter tempo livre, pois a ele são delegadas as funções de manutenção do status do senhor, então este não teria alma, pois esta estaria ligada as questões do saber.

Será que esta relação não se estabelece ainda hoje? A condição econômica dos alunos se coloca como fator preponderante no processo da educação, não tem dinheiro, logo não tem alma, logo não tem direito a uma educação de qualidade. Podemos constatar esta relação quando comumente dentro do contexto escolar ouve-se por parte de direção e professores a fala de total desistência em relação aos alunos “eles não querem nada com nada, não se interessam por nada”, “não querem aprender, os pais mandam para a escola por causa do Bolsa Família”. De certa forma não trocar de lugar, não mudar de ideia, operar de acordo com os pré-conceitos, pode parecer confortável a todos, ou seja, onde há fragilidade há dominação e manipulação.

A família, entendida como o primeiro contexto de socialização, exerce enorme influência sobre a criança e o adolescente. A atitude dos pais, suas práticas de criação e educação, e a atmosfera cultural vivenciada no ambiente doméstico são aspectos que interferem no desenvolvimento individual e, conseqüentemente, influenciam o comportamento da criança na escola, bem como o resultado que ela irá atingir.  (OLIVEIRA; REGO, 2002. p.5) Pensando em um contexto fraco de estímulos e perspectivas, a educação trará a possibilidade da construção de uma história diferente da protagonizada pelos pais.

Não podemos deixar de pensar a relação familiar e a importância desta na vida escolar das crianças, porém, podemos pensar a escola sem esta, ou pensar uma escola que se mobilize no sentido de aproximar a família na vivência escolar, pois a falta da participação dos pais não pode se colocar como mais um desculpa, dentre muitas, para que a escola desista de desempenhar seu papel em construir cidadãos, ou pelo menos se esforçar para que alguma modificação positiva aconteça na vida dos sujeitos que a ela foram entregues.

Escolarização e constituição dos sujeitos

A escolarização desempenha um papel fundamental na constituição do indivíduo. O fato do indivíduo não ter acesso à escola significa um impedimento da apropriação do saber e de um instrumento de atuação no meio social e de condições para a construção de novos conhecimentos. Porém, não podemos pensar que a freqüência da criança na escola seria suficiente para apropriação do saber. Este saber dependerá entre outros fatores de ordem social, política econômica, e da qualidade do ensino oferecida.

Nesse sentido, fica a cargo da escola possibilitar uma vivência social diferente a do grupo familiar, tendo um relevante papel, o de oferecer a oportunidade à criança de ter acesso a informações e experiências novas e desafiadoras capazes de provocar transformações e de desencadear processos de desenvolvimento e comportamento.

O comportamento humano não é algo dado ou meramente natural da espécie, mas é produzido e transformado pela atividade do próprio homem, de forma coletiva. Portanto, assumir a natureza social do desenvolvimento humano significa dizer que sua dimensão orgânica é impregnada pela cultura, ou seja, a família tem um papel importante na vida do sujeito, mas não determinante.

De acordo com o modelo histórico-cultural, os traços de cada ser humano estão intimamente ligados ao aprendizado, ressalta-se aí o papel da escola. O comportamento e a capacidade cognitiva do individuo dependerá de suas experiências, de sua historia educativa. A singularidade do individuo não resultará apenas de fatores isolados (ex: exclusivamente da educação familiar, do contexto socioeconômico), mas sim de uma multiplicidade de influências que recaem sobre o sujeito no curso do seu desenvolvimento.

Segundo Vygotski (1984, p. 99) o aprendizado é o aspecto necessário e universal, uma espécie de garantia do desenvolvimento das características psicológicas especificamente humanas e culturalmente organizadas.

O julgamento sobre a possibilidade de desempenho das crianças terá sérias consequências podendo ser, muitas vezes, determinante para o prosseguimento da escolaridade, pois pode modificar e até mesmo deteriorar profundamente as relações da criança com a possibilidade do sucesso na escola e na vida.

Lacan (Revista Educação, n° 9, p. 22) acredita haver ensino somente quando aquele que ensina desencadeia algo no outro, ou seja, quem ensina tem sempre que pagar um preço: por um pouco de si. Só é ensino verdadeiro aquele que consegue despertar uma insistência naqueles que escutam, este desejo de saber só pode surgir quando ele próprio (o aluno) toma a medida do possível, a apropriação deste desejo pelo conhecimento.

O tipo de escolarização vivenciada (propostas pedagógicas desenvolvidas, o perfil do professor e o modo como lida com o conhecimento e com os alunos, tipo de tratamento e expectativa depositada no estudante, possibilidades de interação com os colegas, a experiência nos planos social, cultural, artístico promovidas ou possibilitadas pela instituição) é um fator importante na definição da natureza e do impacto sobre o indivíduo.

Referências

CORDIÉ, Anny. Os atrasados não existem. Porto Alegre: Atmed, 1993.
CANDAU, Vera Maria (org.). A didática em questão. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1997.
OLIVEIRA, Marta Kohl; SOUZA, Denise; REGO, Teresa Cristina (org.). Psicologia, Educação e as Temáticas da Vida Contemporânea. São Paulo: Moderna, 2002.
Revista Educação, n°9. Especial Lacan Pensa a educação. São Paulo: Editora Segmento, Ano II.

Educação ambiental e pedagogia do amor

A educação ambiental inicia como educação da uma interioridade que gesta a sua comunhão com a exterioridade. E se faz consciência da pertença à teia da vida, em conduta amorosa e ativa, religando o cuidado de si ao cuidado com o derredor. Quem ama, cuida. Não porque necessita cuidar, mas porque deseja.

Diante da miríade de detalhes maravilhosos que compõem a caixa de jóias de cada ecossistema da Terra; em meio às conexões onde a vida se manifesta em sua teia de infindáveis possibilidades; perante a surpreendente beleza da arquitetura do cosmos… há a resposta de quem contempla e medita sobre o bem, o sentido e a gratuidade da existência. Exercício espiritual de quem vivencia uma emoção fundamental que religa o seu universo interior ao mistério da vida e, assim, educa a si mesmo para aprender a amar.

O amor é um sentimento que expressa uma ligação profunda, uma pertença, um envolvimento. Quem ama, cuida. Não porque necessita cuidar, mas porque deseja, porque se percebe conectado e reconhece em sua própria existência e na existência de cada ser vivo uma obra de arte inigualável. Quem ama, admira. Por isso, toma a iniciativa de tornar-se melhor por saber que a vida é um acontecimento de valor infinito. Amar é um modo de sentir profundamente a existência, e de contemplar a interdependência de todos os seres. Quem ama confere espontaneamente a cada um dos seus atos uma responsabilidade autônoma, e não necessita que outro olhar o vigie.

A educação reside neste trabalho cotidiano de criar a si mesmo, quando, mais que apenas racionalmente, corações e mentes estão engajados na tarefa de construção de sentido, buscando tornar o tempo da vida uma obra de arte. A educação ambiental inicia, assim, como educação da uma interioridade que gesta a sua comunhão com a exterioridade. E se faz consciência da pertença à teia da vida, em conduta amorosa e ativa, religando o cuidado de si ao cuidado com o derredor. Ao transmutar a significação que pomos em nossas ações, observamos o modo como elas simultaneamente nos transformam. Para ver a natureza como a nossa morada, e prepararmos o mundo para as gerações futuras.

A educação ambiental que se faz por uma pedagogia do amor exigirá, então, mais que informações sobre espécies, ciclos e processos vitais, a vivência da natureza. Conhecer para amar, e amar para conhecer: eis o círculo do sentido humano do conhecimento. De um conhecimento que é prazer, pois confere valor àquilo que assim reconheceu como significativo.

Educação do olhar, do sentir, do escutar, do sensibilizar-se, que não mais domina, mas integra-se. Educação da razão, que não apenas explica, mas se põe a serviço da tarefa de constantemente reaprender a amar. Educação do desejo, que não possui, mas oferece. Educação interior e ambiental que principia por aprender a ver a vida com carinho, e se consolida em uma ética do cuidado.

Pois nos habituamos a observar uma flor, uma árvore, um inseto, cada ser vivo, a própria vida do planeta como se fossem objetos ao nosso dispor; como se estivéssemos, em nosso íntimo, apartados, distantes de tudo. Mas o ambiente não está apenas à nossa volta: em nossa carne vivenciamos a vida do mundo. A condição humana, nesta distância, torna-se meramente artificial. E o imaginário do futuro é reduzido à ideia de que a evolução tecnológica seria suficiente para nos tornar plenamente humanos.

Começamos a nos educar quando passamos e exercitar a admiração pela beleza da vida, não como turistas, mas como nativos que dividem o seu território, o seu ambiente exterior e interior com os demais seres que o habitam. Quando, então, amar e respeitar se tornam ações compartilhadas. E hábitos são transformados a partir de um contínuo trabalho interior.

As crianças parecem ser espontaneamente abertas a este amor que se renova e cresce incessantemente no exercício cotidiano de brincar de ver com carinho. Poderemos aprender com elas. E este aprender é também por amor a elas, a quem pertence o futuro. Pois uma ética do cuidado de si e do ambiente se completa com uma ética do cuidado do outro. Talvez possamos, com isso, reinventar o imaginário do futuro, iniciando pela reinvenção do presente, com o exercício da visão da beleza e do mistério da vida.

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