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Legitimidade e legalidade

O que dá legitimidade a uma norma legal e positiva é a conexão que ela tem com uma norma moral. Só o que uma comunidade histórica real considerar moral, pode ser legítimo legalmente. Nem sempre o legal é justo e legítimo.

Pensa melhor quem melhor distingue. Quem generaliza e confunde, se engambela e gira em círculo sem direção. A distinção é a festa do pensamento. Onde o senso comum vê como igual, o pensador precisa socorrê-lo e ajudá-lo a ver melhor. Não é pecado pensar. Pecado é errar e fazer o mal por banalidade e por preguiça de pensamento. Viver não é preciso, distinguir é preciso..!

Penso aqui na confusão que incorremos constantemente ao identificar legal com legítimo, legal com justo, legal com ético. Os legalistas, positivistas e fundamentalistas talvez não aceitem, mas o que a lei diz, nem sempre é o que deve ser feito.

O que dá legitimidade a uma norma legal e positiva é a conexão que ela tem com uma norma moral. Só o que uma comunidade histórica real considerar moral, pode ser legítimo legalmente. A lei Maria da Penha, por exemplo, que protege a vítima da violência doméstica e pune o violento, a meu ver, é legal e legítimo porque não há como não considerar que não seja boa para toda a sociedade. O trabalho livre, não escravizado, com correspondente pagamento na forma de salário e com todos os encargos sociais e todos os direitos conquistados pelo trabalhador, por exemplo, férias e décimo terceiro, são legais e são legítimos. Sem entrar no mérito se o valor do salário mínimo é justo, pois aí talvez a discussão seja exatamente o contrário.

O bom, o justo e o legítimo não são conceitos unívocos e sem ambiguidades e até imprecisões. Talvez por isso os legalistas prefiram a letra fria da lei acreditando que o justo é o que a lei determina e ponto.

Sabemos, contudo, que nem sempre o legal é justo e legítimo. O caso de Antígona é paradigmático. Antígona é o nome de um livro de Sófocles, o mesmo autor que escreveu Édipo Rei e Édipo em Colono. Antígona é uma personagem que dá nome ao livro. Ela é filha de Édipo com Jocasta. Édipo é filho de Laio e Jocasta. Édipo mata o pai (Laio) e casa com a mãe (Jocasta) e tem quatro filhos com a própria mãe. Uma das duas filhas é Antígona. Quando Édipo descobre que a tragédia acontecida em Atenas foi por sua causa, por ter matado o pai e casado com a mãe, ele vaza os próprios olhos e as filhas (Antígona e Ismênia) o leva para fora da cidade. A mãe e esposa de Édipo, Jocasta, se suicida ao saber que ela tinha sido esposa do próprio filho e com ele tinha tido quatro filhos.

Em Tebas permanecem os dois irmãos de Antígona (Etéocles e Polinice). Depois da saída de Édipo quem assume o reino de Tebas é Creonte. Creonte envolto em guerras internas determina em um edito que todos os que lutarem contra seu reino e forem mortos, serão jogados à beira do caminho aos abutres, sem sepultura.

Os dois irmãos de Antígona eram de posições políticas diferentes. Um lutava ao lado do rei e outro contra. Numa batalha um mata o outro. Um recebe honrarias militares e funerais dignos. Outro é jogado ao ar livre na beira da estrada. Antígona não aceita o edito do rei e recolhe o corpo do irmão jogado na lixeira na beira do caminho e lhe dá sepultura com ritos fúnebres condizentes. O rei Creonte descobre o feito de Antígona e a chama para o palácio para lhe dar o castigo correspondente por ter transgredido o edito do rei. O castigo é a morte. O filho de Creonte que era apaixonado por Antígona tentou intervir e dissuadir o pai de executar a lei, mas foi em vão. Então se mata. A mulher de Creonte, vendo o filho morto, também se suicida. Tragédia total.

Na defesa que Antígona faz do ato de ter tirado o irmão da sarjeta e lhe dado sepultura ela diz que o que fizera foi por obediência a uma lei superior a lei dos homens, isto é, ela fez o que fez por causa da lei divina, da tradição, o que hoje chamamos voz da consciência ética. Por obediência a ética, desobedecesse a lei jurídica. Antígona não reconhece legitimidade na lei, no edito, do rei Creonte e em nome de outra lei, mostra a não legitimada da lei positiva. Nem sempre o legal é moral. Nem sempre o legal é legítimo.

O impeachment é legal, mas é ilegítimo, injusto e imoral. Se pelos menos reconhecessem que vazar os próprios olhos seria uma atitude digna, mas não. Hipócritas e sepulcros caiados julgam sem serem julgados.

Em pouco tempo poderemos ter um novo governo e um poder legal, mas ilegítimo e imoral. O que dá legitimidade a um governo democrático é o voto popular. Golpe nenhum pode ser legítimo. Pode ser legal, mas não legítimo.

Fragilidade dos direitos humanos

[quote_box_right]Se as humanidades têm algum futuro como crítica cultural, e a crítica cultural tem uma tarefa no presente momento, é, sem dúvida, no sentido de nos fazer retornar ao humano aonde não esperamos encontrá-lo, em sua fragilidade e nos limites de sua capacidade de fazer sentido. (Judith Butler)[/quote_box_right]

Se o humano está na fragilidade, então os direitos humanos são uma forma de dizer que esta fragilidade precisa ser promovida, protegida, cuidada.

Vivemos um momento histórico no qual já não sabemos se a esperança na humanidade ainda faz sentido, se ainda carrega alguma verdade. Compreender esta dificuldade é repor direitos humanos como questão crucial que se pergunta: quem são os humanos? Quem são estes/as de quem dizemos serem sujeitos de direitos? Onde estão?

Ainda esperamos encontrar o humano: em sua fragilidade. Sim, ali está o humano, na fragilidade, nos limites da fragilidade. É ali que todas as nossas mais profundas crenças se chocam com a singular realidade. E, deste modo, renovam-se como sentido. Pensar assim é pensar que a dignidade não é dada e nem é mérito de privilegiados. Pensar assim é reconhecer que a humanidade está em cada singularidade humana e nas condições históricas e concretas e nas dinâmicas e relações nas quais esta se realiza. Viver assim é encontrar humanidade naqueles para quem boa parte dos/as humanos/as já não encontra humanidade. No máximo da fragilidade.

A vida é frágil, toda a vida. Permanece “por um fio”. Então porque há vidas que se entendem superiores, melhores, mais fortes e, em razão disso, subjugam outras vidas, fragilizam-nas ainda mais do que já são, as oprimem, as violentam, as vitimizam?

Sim, há muitos que alimentam “sua vida” de ódio, de morte, de destruição, de desumanização. Estas vidas não sabem reconhecer a fragilidade que há em sua própria vida e na vida dos/as outros/as vivos/as, sejam humanos ou não-humanos. Para estes a resposta à pergunta por “quem são os humanos” é sempre e somente os melhores, os superiores; aos/às demais, uma caricatura de humanos, “quase-humanos”, bárbaros, “animais”, “bandidos”, “ninguém”!

O princípio da afirmação do humano pela ex-clusão [fechar para fora] dos/as não humanos/as, sejam eles/as seres vivos de outras espécies ou mesmo humanos/as aos/às quais não se reconhece humanidade, é o que alimenta a violação de direitos humanos e o ódio que torna insuportável a presença de alguns destes e algumas destas que, apesar da exclusão, da vitimização, se organizam e lutam para dizer: “existimos”, somos humanos, temos direitos! Fechar a porta da humanidade aos/às humanos/as tidos/as por inaceitáveis de “merecerem” a condição humana é prática recorrente na história da humanidade e só produziu, sempre, uma situação: a não-existência, a morte ou, quando muito, a “inclusão” subordinada, oprimida, violentada [para quem precisa de exemplos, lembre-se da escravidão negra, do extermínio indígena, da opressão dos/as trabalhadores/as, do holocausto judeu, da xenofobia, a lista é grande!].

A afirmação do “existimos”, somos humanos/as, temos direitos, é o ponto de partida pelo qual as vítimas de violação de direitos humanos se levantam para cobrar a superação do princípio da exclusão e para exigir reconhecimento e acesso e usufruto dos bens necessários para que possam viver e bem-viver. Estes/as é que primeiro levantam a necessidade de direitos humanos e, ao fazerem isso, revelam que o que querem não são direitos para si mesmos/as, que satisfaçam interesses privados; o que revelam é que os direitos que reivindicam são humanos, ou seja, comuns a todos/as que se querem humanos, para todos/as.

Assim nascem os direitos humanos: como afirmação de que os/as humanos/as de quem se fala que têm direitos são todos/as. Daí porque, falar de direitos humanos é, acima de tudo, não pactuar com quem aceita a possibilidade de algum/a humano/a não caber entre os/as humanos/as.

É dizer todos/as de modo a que ali se possa fazer conter a singularidade de cada um/a e a diversidade dos muitos/as numa pluriversidade que reconfigura o que conhecemos por universalidade [que, por ser uni, nem sempre soube acolher o pluri].

Enfim, se o humano está na fragilidade, então os direitos humanos são uma forma de dizer que esta fragilidade precisa ser promovida, protegida, cuidada. Falar de direitos humanos é, portanto, mesmo contra todos/as que insistem em dizer o contrário, não aceitar que existam vítimas, agir para potencializar a luta para superar a situação dos/as que estão na condição de vítima e, mais do que tudo, buscar um outro mundo no qual seja possível viver a fragilidade, em fragilidade, sem que isso signifique outra coisa do que viver, bem-viver.

Papel da escola em tempo de crises

Como viver e praticar a solidariedade entre os diferentes, construindo uma identidade brasileira a partir das nossas diferenças? Qual será a contribuição que a escola dará neste contexto? Faremos das escolas, de uma vez por todas, lugares de humanização?

Vivemos momento histórico conturbado que se caracteriza, sobretudo, pela imposição das ideias individualistas e egocêntricas. Os cenários de um Brasil em disputa colocam-nos um grande desafio: como respeitar as liberdades individuais e estimular, na mesma intensidade e compromisso, a convivência e o respeito às nossas diferenças? Em outras palavras, como viver e praticar a solidariedade entre os diferentes, construindo uma identidade brasileira a partir das nossas diferenças? Qual será a contribuição que a escola dará neste contexto? Faremos das escolas, de uma vez por todas, lugares de humanização?

Eliane Brum, jornalista e escritora afirma que “precisamos conviver com os diferentes e com as diferenças. Ela tem razão. Precisamos voltar a nos interessar por ouvir. Precisamos voltar a conversar”. Sim, precisamos aprender a democracia. Precisamos repensar as práticas pedagógicas e sociais que nos permitam relações mais respeitosas com os outros. Nilson Souza, na crônica No fim da fila lembra Tancredo Neves, aos que lutam pela democracia: “Não vamos nos dispersar”. Eu diria, complementando: “não podemos nos dispersar”.

O professor Eduardo Albuquerque, líder sindical, da rede municipal de Passo Fundo afirma: “estamos vivendo hoje várias crises, mas, em especial, uma crise de coletividade. Estamos mostrando na prática que a nossa sociedade se desenvolveu cultivando o individualismo. Não temos a mínima noção de coletividade. Se fossemos atacados agora por um desastre natural grandioso seríamos exterminados porque nos preocuparíamos apenas conosco. Neste sentido, faço reflexão e meia culpa sobre o nosso papel de educador e de escola. Nossas escolas preparam indivíduos egoístas e egocêntricos que se preocupam com suas notas, com suas provas e seu sucesso. Não aprendemos e não ensinamos a repartir, auxiliar, estender a mão e hoje pagamos um preço caro por isso, pois estamos afundados em uma crise sem solução, a curto e médio prazo. Estou me repensando como professor e penso não mais me submeter a este sistema mesquinho de ensinar nossos jovens. Não conheço país algum que tenha se desenvolvido sem que seus habitantes sejam sujeitos solidários e se preocupem com o coletivo. Viveremos tempos difíceis, professor!”

O conhecimento deveria ser a ferramenta para superarmos a nossa vã ignorância e nosso egoísmo desmedido.  A humanização (possibilidade de nos tornarmos seres humanos melhores) passa, necessariamente, pelo conhecimento.

Não somos felizes sozinhos. Precisamos conceber nossa vida e nossa história como resultado de construções coletivas. O conhecimento que não tiver validade para todos, não tem valor algum. O conhecimento tem de ter sentido à nossa existência e sobrevivência, individual e coletiva.

A escola, para além de um espaço de construção de conhecimento, é também lugar de convivência social. Sempre pensei uma escola onde estes dois fundamentos tivessem uma importância paritária. A escola pode e deve contribuir para que construamos relações humanas mais respeitosas e solidárias, mas para isso deve organizar e vivenciar espaços permanentes de trocas, de convivência, de integração entre os estudantes e professores. Diferentes práticas sociais e de convivência não nascem de discursos, mas são possíveis a partir de diferentes práticas e intervenções sociais, muitas delas que só a escola consegue realizar, pois na escola podemos fazer, para além de eventos, processos de permanente formação humana. E processos podem desencadear mudanças substantivas nas nossas formas de ser, de pensar e de agir!

Nenhuma opinião, opinião própria ou opinião partidária

Num programa de rádio, de todos os sábados, na minha querida cidade, onde nada parece ser segredo, chamou-me atenção manifestação de um ouvinte que foi lida no ar. Como a mesma divergia da majoritária opinião do apresentador e dos entrevistados, os comentários que seguiram foram de que aquela era uma opinião partidária. Por ser partidária, estava sendo desvalorizada naquele contexto. Fiquei então a pensar sobre qual a diferença das distintas opiniões entre a gente? Quais opiniões tem mais valor? É possível distinguir uma opinião própria de uma opinião partidária? Por que não podemos expressar opiniões convergentes com opiniões de partidos? O que desqualifica uma opinião partidária?

Cada um deveria ter suas opiniões, pois o maior risco de não pensar é ser pensado pelos outros. Ninguém gosta, é verdade, mas nem todos fazem sacrifícios para elaborar opinião sobre determinados temas. Às vezes, as opiniões podem coincidir com as ideias de um determinado partido político. Às vezes, dentro de um partido político, há opiniões bem divergentes. O mais importante é respeitar o exercício de elaboração das opiniões que deve ser feito por cada um de nós para que não corramos riscos de sermos manipulados por ninguém. Fato mais grave é sempre ser sem opinião.

Não acredito em opiniões nada influenciadas pela sociedade, pois todas são envolvidas pelas diferentes ideologias que disputam a mesma (sociedade). Antes, pelo contrário, estamos sempre buscando entendimentos a partir dos diferentes grupos, associações, sindicatos, diferentes mídias. Criamos identidades a partir de nossas concepções progressistas ou conservadoras. Nem sempre somos capazes de construir um entendimento e uma compreensão mais elevada partindo apenas da nossa percepção particular da realidade. E é claro, somos influenciados pelas ideias dos outros, ou por convencimento, ou por acomodação. No coletivo é que aprimoramos as nossas opiniões.

Fico preocupado com o desprezo às opiniões partidárias. Os partidos, por representarem partes (diferentes interesses) da sociedade, sempre são formuladores de teorias e ideologias que alicerçam os projetos de gestão de um município, do estado e da nação. Não há como conceber a construção de um Estado Democrático sem ouvir e respeitar as divergentes opiniões a respeito dos problemas da coletividade. Não há como suprimir ou eliminar determinadas ideias e opiniões de qualquer partido que seja, pois isso depõe contra a democracia.

A imposição de ideias, opiniões e concepções gera o que chamamos de fundamentalismo. No exercício da política, temos de construir convergências a partir das nossas divergências. Quando isto não ocorre, cria-se o que estamos vivendo no Brasil: uma paralisia da política. Esta paralisia na política, sobretudo no Congresso Nacional, tem propiciado a afirmação de novos sujeitos de decisão sobre temas da coletividade: juízes e promotores. O desgaste dos políticos, patrocinado pela grande imprensa e por grupos políticos e religiosos orientados por posições fundamentalistas, está criando um cenário de morte da política e o surgimento de uma nova ditadura, ainda sem nome e sem identidade.

Não vejo problema algum nas opiniões partidárias, desde que democráticas e abertas ao diálogo permanente. Dialogar não significa concordar com os outros, mas significa reconhecer que não existem verdades únicas e exclusivas. Significa sermos capazes de encaminhar decisões que nem sempre contemplam a todos, mas que foram, exaustivamente, frutos de escutas e de acordos. Do contrário, seremos imaturos como as crianças, usando a “birra” como nossa melhor defesa.

Sigo acreditando na política e defendendo a existência de todos os partidos políticos.

Impeachment: coisa de homens

[quote_box_right]Advertência: mulheres me desafiaram a posicionar-me. Devo-lhes reconhecimento pelo desafio. [/quote_box_right]

Não fosse Presidente uma mulher, o Brasil não estaria paralisando sua economia e seu dinamismo político por conta de uma “birra pessoal” de um deputado – de posições notoriamente machistas – e que não conseguiu impor chantagem e troca de interesses escusos, cuja finalidade única é livrar-se de possível cassação de mandato de deputado e da perda da Presidência da Câmara dos Deputados. Dilma não aceitou o jogo da chantagem pelo poder.

Impeachment virou assunto nacional: no boteco, nas ruas, nas festas, em reuniões de famílias. Contaminou todos os ambientes privados e públicos: escolas, empresas, hospitais, repartições. Mas, definitivamente, não é assunto de mulher. Explico a razão.

Em que pese não existir nenhuma prova condenando Dilma ao impeachment, ela vem sofrendo dia após dia ameaças à continuidade do mandato. O desenrolar deste processo teria sido o mesmo se Dilma fosse homem? Certamente, Dilma sofre também as consequências de ser mulher; por ser reconhecidamente uma grande guerreira, por ser radicalmente contra a corrupção, por ser temida pelos políticos homens, por causa de suas incansáveis lutas por justiça social, mais liberdade e direitos das mulheres. Também por seu modo próprio e peculiar de ser, o que exclui, sumariamente, a “paparicação dos homens”.

Não fosse Presidente uma mulher, o Brasil não estaria paralisando sua economia e seu dinamismo político por conta de uma “birra pessoal” de um deputado – de posições notoriamente machistas – e que não conseguiu impor chantagem e troca de interesses escusos, cuja finalidade única é livrar-se de possível cassação de mandato de deputado e da perda da Presidência da Câmara dos Deputados. Dilma não aceitou o jogo da chantagem pelo poder.

As mulheres acreditam na justa medida como melhor forma de punir os responsáveis pela corrupção e como forma de recuperar a credibilidade e o destino do país. Com suas lutas e com firmeza de propósitos se constituem referências na construção de um Brasil mais inclusivo e de uma sociedade melhor. Aliás, este é verdadeiro impedimento que estão tentando colocar em curso.

O Brasil não resolve a corrupção que grassa nossas instituições, poderes da República, empresas e governos com o impeachment de Dilma. Este é o caminho para não resolver nada e para deixar tudo como está. A corrupção revela-se endêmica, sistemática e será enfrentada, de fato, quando os brasileiros encararem o combate à corrupção como um dever cívico, mudando suas posturas passivas e desafiando-se à vigilância e denúncia permanente e sistemática, em todas as esferas em que ela possa ocorrer; também exigindo que as investigações possam prosseguir e que todos os culpados e não apenas alguns sejam punidos com os rigores de nossas leis. Também avançando em mecanismos de combate e controle, aumentando a transparência da aplicação dos recursos e na preservação dos interesses coletivos da nação.

Dilma é uma mulher de fibra e de coragem. Representa a força das mulheres brasileiras que teimaram, arriscaram e determinaram que a política é espaço privilegiado para elas atuarem e fazerem história. Muitas mulheres brasileiras já entenderam a necessidade de manifestar-se contra o golpe do impeachment, pois este afronta a democracia e as conquistas femininas conquistadas através de muita luta, superação e vidas sacrificadas.

Creio que o Brasil sairá deste embate político do impeachment pela força e bravura de mulheres e homens que acreditam nos ideais da liberdade, da democracia, do respeito às instituições, da verdade dos fatos.

Urupês: o Jeca Tatu de ontem e de hoje

O ano de 2008 lembrou os noventa anos da publicação do livro de contos Urupês, de Monteiro Lobato, obra pulicada em 1918.  Tido como sua obra obra-prima, o livro é composto por 13 contos, sendo que o décimo-quarto é uma crônica, no qual o autor descreve a imagem do índio que virou caipira, apresentando-o como uma “raça intermediária” que perdeu o primitivismo do índio. Em “Urupês” a figura mitológica do caboclo atrasado e indolente é personificada na personagem Jeca Tatu.

lilvros_monteiro_lobatoComo um legítimo anti-herói, Jeca Tatu é um homem da terra. Possui uma casa de sapé e barro, com buracos na paredes e goteiras. Ele nada conserta por absoluta força da lei do melhor esforço: “Não paga a pena”!  Na casa, um banquinho de três pernas para acomodar as visitas, uma imagem de Nossa Senhora para proteção contra os temporais.  Para pensar melhor, Jeca Tatu  fica de cócoras, pois assim obtém maior sucesso na empreitada.  Quase nada sabia de política. Votava cabrestado, pois não tinha opinião sobre coisas, acontecimentos e artes. Jeca Tatu era apenas um “pau podre” e mandado, aceitando conformadamente tudo, pois acreditava que foi Deus quem quis. Assim vivia de qualquer jeito.

Decorridos noventa anos desde sua criação, vez que outra,  a imagem do Jeca Tatu  continua presente no cenário nacional reacendendo antigas polêmicas.  Nos tempos de Lobato, a frase-chave da personagem era “não paga a pena”, hoje ela aparece renovada, mas com o mesmo sentido, especialmente entre determinados grupos de jovens: “Não dá nada” , “Não tô nem aí”, “Sei lá”.  Naqueles tempos Jeca Tatu não sabia em quem votar, mas hoje, travestido de moderno,  o velho Jeca Tatu segue as dicas do IBOPE, troca o voto por dentaduras e espera, passivamente, algumas esmolas do governo.

Em 1947, Monteiro Lobato cria os folhetim Jeca Tatuzinho e Zé Brasil. Neles o autor passa a limpo o velho Jeca Tatu, transfigurando-os à luz de um novo contexto: o da saúde pública brasileira corroída pelas endemias. “O Jeca não é assim, está assim”, escreve Lobato.   A partir de então, os folhetins apresentam histórias do Jeca curado das endemias, invertendo-lhe, por efeito, a percepção anterior, que atribuía ser a preguiça e a indolência as causas do seu caráter negativo. É a magia da arte.

Paixões

A nossa paixão pelo Brasil pode ser calorosa. Podemos discutir ideias com liberdade, sem que precisemos nos servir de uma frase que conheci esta semana: “Nunca discuta com uma pessoa grosseira. Ela vai levar vantagem por ter experiência em ser estúpida”.

As paixões que permeiam as nossas relações são reflexo do aviltamento do que queremos como sociedade. Não há meias verdades, não há vontade de ouvir, não há vontade de analisar com serenidade o momento em que vivemos.

Mesmo sabendo que ninguém está acima da lei, também sabemos que heróis tem vida curta. Personificar um poder é aviltar esse poder. Endeusar nomes de pessoas como únicos representantes de uma instituição é enfraquecê-la. Os heróis escorregam quando extrapolam seu papel, por ignorarem que são parte e não fim. Os indivíduos, cujos direitos são invioláveis, podem e devem defender as instituições do seu país. Manifestar-se livremente é prerrogativa constitucional.

As paixões movem quem agride o outro por causa das suas ideias. Pessoas com notoriedade estão proibidas de frequentar lugares públicos, por causa das paixões. Usar vermelho dá lugar a agressões verbais e físicas achincalhando quem deve ser respeitado como ser humano “nu”. Não estamos abstraindo os vínculos que cada um tem com etnias, língua, nação, religião, cultura, para carregar tudo em duas valas comuns: os que pensam como eu e os que pensam diferente.

Voltar aos “velhos e bons tempos” é o que comanda grande parte das manifestações. Somos uma sociedade nova, onde as mulheres, de forma inédita, são protagonistas, assim como os negros que, diferente de tempos idos, são livres e exercem sua cidadania. Somos um povo plural, que está negando-se a viver os novos ares que invadem a sociedade atual. Achincalhar pessoas por causa dos seus posicionamentos é um retrocesso que não vinga, por  vivermos um processo inexorável e civilizatório.

Os poderes constituídos precisam ser defendidos pelos indivíduos, que devem exigir o expurgo das excrescências notoriamente danosas. Não se pode admitir que o Poder Legislativo seja presidido por alguém indiciado por crimes comprovados. Deve-se desconfiar de um Executivo, cujo vice presidente orquestra a saída do seu partido da base governista, mas continua com seu cargo preservado, movendo-se nas sobras para desestabilizar um mandato legitimado nas urnas.

A sensação de que só temos um poder que funciona é fruto de uma propaganda perniciosa, que permite a um juiz fazer jogo político, servindo a dois senhores. Um juiz deve servir ao Direito e não à política. E elevar um juiz a paladino da justiça e dar-lhe permissão para arbitrariedades é ignorar tantos outros, que, mesmo em tempos tão difíceis, elevam sua voz em favor da Justiça para todos.

Somos todos movidos por desejos e paixões, porém há momentos em que a serenidade e o respeito devem falar mais alto. Os convites para participarmos de manifestações são assustadoras. Estamos rotulando a cidadania. Coxinhas e petralhas digladiam-se quando cada um que sai às ruas deveria ter um nome cidadão. Simplificar e degradar quem quer participar do processo democrático é descer à vala comum dos que não pensam e mostram sua incapacidade de respeitar o outro, que é um vizinho, um amigo, um colega, o pai e a mãe do coleguinha do nosso filho.

As cenas violentas protagonizadas no Congresso Nacional de empurrões, gritos, xingamentos e completa intolerância não devem servir de exemplo para nosso comportamento. Queremos poder vestir as cores do arco-íris, queremos portar bandeiras multicores, queremos enrolar bandeiras em nosso corpo sem temer que a intolerância nos agrida.

A nossa paixão pelo Brasil pode ser calorosa. Podemos discutir ideias com liberdade, sem que precisemos nos servir de uma frase que conheci esta semana: “Nunca discuta com uma pessoa grosseira. Ela vai levar vantagem por ter experiência em ser estúpida.” A frase é atribuída a Mark Twain e reflete o medo que sinto de uma pessoa que eleva a voz em meio a muitas outras, com o intuito de intimidar quem pensa diferente. Só posso interpretar a atitude do gritalhão como covardia e insensibilidade.

Tudo e nada com Petrobrás!

[quote_box_right]“É mudando o mundo que a gente se transforma” (Frei Betto, frade dominicano)[/quote_box_right]

Minha atividade social militante não me condena. Passei a vida, como muitos, defendendo bandeiras como a liberdade, o respeito aos direitos humanos fundamentais, a consolidação da democracia ativa, o acesso à cidadania através da geração de trabalho e renda, o respeito, a consideração e reverência às diferentes crenças, dentre outras. Não imagino que esta luta social, feita a tantas mentes e mãos, possa me impor qualquer responsabilidade sobre desvios éticos e morais de terceiros que se apropriaram dos bens mais sagrados: as instituições e os recursos públicos.

Em função de uma intensa divulgação midiática – certamente intencionada – sobre corrupção, vivemos um tempo de “neuroses coletivas”, envolvendo conceitos, julgamentos e condenações generalizadas sem a mínima sensatez que permita o senso crítico e discernimento do momento histórico vivido em nosso país.

Sempre fui otimista com relação aos potenciais da cidadania e altivez dos brasileiros, apesar da insistente passividade que nos circunda e nos envolve cotidianamente. Nem os mais recentes e graves episódios envolvendo corrupção no Brasil abalaram minha crença nos brasileiros que, por sua diversidade e riqueza cultural, produzem uma nação gigante. Mas em função de uma intensa divulgação midiática – certamente intencionada – sobre corrupção, vivemos um tempo de “neuroses coletivas”, envolvendo conceitos, julgamentos e condenações generalizadas sem a mínima sensatez que permita o senso crítico e discernimento.

Nas redes sociais ou nos relacionamentos interpessoais há pessoas que cegaram pontos de vista, agindo estupidamente com aqueles que imaginam próximos ou coniventes aos já publicamente julgados e condenados “malfeitores da nação”. Grosseiramente, imputem a todos os lutadores sociais associação direta com estes. Desconsideram história pessoal, coletiva e organizada de milhares de pessoas que ajudaram este país a superar a vergonha da miséria e da fome, do preconceito e da discriminação, da falta de trabalho e oportunidades, da cidadania passiva (que sempre envolvia a noção de favores e não direitos).

Penso, como muitos, que poderemos passar a limpo endêmica e sistemática corrupção que grassa as relações pessoais e institucionais em nosso país. A corrupção que acontece a cada dia nas ruas, nos hospitais, nas organizações civis e de classe, nos poderes da República, na Petrobrás e demais empresas públicas e privadas pode ser enfrentada neste momento histórico. Escolher a corrupção como um dos problemas brasileiros talvez seja o primeiro passo em direção ao seu enfrentamento, a ser efetivado todos os dias, em todos os espaços.

Eleger a Petrobras, alguns governos ou a presidente Dilma como “bodes expiatórios” é uma forma equivocada de enfrentar o problema da corrupção no Brasil. As mudanças reais, de efetivo resultado, virão quando mudarmos a forma de pensar e organizar a vida em sociedade mudando nosso sistema político (falido e corrompido), nosso sistema econômico (excludente e seletivo), nosso sistema social (da estratificação social), nosso sistema jurídico (burocratizado e que favorece a impunidade), para citar alguns. Esta mudança exige outra postura dos cidadãos brasileiros: a vigilância, a denúncia e a cobrança por maior transparência em todos os atos e atividades que envolvem o interesse público. Exige em todos os espaços educativos: escolas, clubes, associações, sindicatos e partidos o estudo e o debate das implicações e problemas da corrupção para a nação. Exige cobrar que todos os que comprovadamente praticaram corrupção sejam punidos e que o dinheiro público seja ressarcido.

O pior a fazer é agir como expectadores, jogando como torcida: pior, melhor, mais corrupto, menos corrupto, mais ético, menos ético. Enfrentar a corrupção no Brasil deveria ser um dever cívico de todos, para o bem de toda nação brasileira.

Sou todo a favor da Petrobras para defender a importância estratégica desta empresa para o desenvolvimento do país, mantendo-a pública, saneada e livre dos ataques predadores e privatizantes. Sou nada Petrobrás para transformá-la em “bode de sala”, mantendo tudo como está para favorecer a corrupção generalizada e a concentração da renda neste país.

Os desafios da educação em direitos humanos no ensino superior

A disseminação de uma estética da morte que se traduz em todas as formas de violações de direito no dia a dia da sociedade brasileira tendo como alvo privilegiado as camadas sociais menos favorecidas e as chamadas minorias, somada a necessidade da construção de uma política pública de Educação em Direitos Humanos no Brasil, levou a Universidade de Passo Fundo a qualificar e potencializar ainda mais o seu compromisso com a promoção de direitos.

Nascida do chamamento da ONU e principalmente do acúmulo de práticas presentes nas organizações e movimentos populares desde a década de 1970 – bem como, da rica tradição da educação popular -, a Educação em Direitos Humanos torna-se uma das ferramentas mais potentes para o enfrentamento das grandes questões sociais brasileira. Do racismo à violência contra as mulheres, da homofobia à violação de direitos básicos como saúde, educação e habitação, a Educação em Direitos Humanos no Ensino Superior tem se configurado como uma importante estratégia de redesenho institucional na mesma medida que promove Direitos Humanos. Mais do que práticas isoladas e restritas a setores específicos das IES, a Educação em Direitos Humanos deve subsidiar o núcleo estruturante das instituições, fundamentando iniciativas institucionais, organizacionais, normativas e práticas.

Uma das importantes iniciativas que vem ganhando espaço de destaque na Universidade de Passo Fundo é a participação em uma rede de instituições que se articulam em torno da discussão e ação da Educação em Direitos Humanos no Ensino Superior. Sendo composta por cerca de 15 IES do sul do Brasil, a rede se configura como um espaço de formação e ação de práticas de Educação em Direitos Humanos com enfoque no Ensino Superior que traduzem no ensino, na pesquisa e na extensão formas consistentes de reinvenção institucional. Com esse intuito, vem promovendo debates, colóquios, conferências, seminários, cursos, projetos e ações diversas que reforcem os direitos humanos como subsídio estruturante, mantendo reuniões regulares e abertas a participação da comunidade em geral.

Parte integrante desse movimento, será a realização do III Encontro Estadual de Educação em Direitos Humanos no Ensino Superior, de 7 a 9 de junho de 2016, em Passo Fundo/RS. O Encontro promoverá um debate amplo, buscando avançar não só conceitualmente nas diferentes formas de pensar a Educação em Direitos Humanos no Ensino Superior, mas também estratégias, socialização e fortalecimento de experiências, o que implica em fazer o debate da Educação em Direitos Humanos por dentro das dinâmicas institucionais, suas políticas e documentos basilares (PPI, PDI, PPCs, diretrizes, regimentos etc). Trata-se de um passo importante de qualificação do debate dos direitos humanos no Brasil e na nossa universidade, buscando enrodilhar a excelência acadêmica e a indissociabilidade do conhecimento com a vocação comunitária. Pois, a construção de um desenvolvimento regional efetivo só é possível em uma sociedade que viva uma cidadania de alta intensidade, ou seja, com os direitos humanos presentes no cotidiano, mobilizando democrática e produtivamente o território.

Marcio Tascheto da Silva – tascheto@upf.br
Professor da Faculdade de Educação/Coordenador da Divisão de Extensão UPF.

Morte da política!?

Os sensatos, os democratas e os inteligentes deste país devem reagir frente às bobagens, atrocidades e inverdades ditas aos quatro ventos, de norte a sul deste país, sobre a morte da política. Num programa de uma das maiores rádios FMs do RS, em março de 2016, pérola de um dos apresentadores: “fortalecer os demais poderes como o Judiciário para endireitar a política. Como ninguém mais presta, pelo menos o babaca que a gente eleger vai ter que andar direito”. Vejam a que ponto chegamos!

No sagrado direito de perguntar, meus questionamentos: a quem interessa mesmo desmoralizar a política e todos os políticos?

Demonizar a política não é justamente condenar toda a sociedade à ditadura dos pensamentos únicos e instrumentalizados como a Justiça? Quem reinará num mundo sem política? A quem nos dirigiremos para resolver os problemas de coletividade?

A política, em essência, é a arte de governar e administrar os diferentes interesses da coletividade. Como interesses são sempre difusos, e as ideias sempre em disputa, quem fará a mediação? Serão os tecnocratas da lei, aqueles que em nome da mesma sentem-se acima do bem e do mal, podendo inclusive massacrar os indivíduos e os coletivos acusando-os, julgando-os e condenando-os sumariamente?

A herança das nossas ações políticas deriva da experiência grega da pólis (cidade). Política, derivado do adjetivo originado de pólis (politikós), significa tudo o que se refere à cidade e, consequentemente, o que é urbano, civil, público, e até mesmo sociável e social. O termo política foi usado durante séculos para designar principalmente obras dedicadas ao estudo daquela esfera de atividades humanas que se referem de algum modo às coisas do Estado.

Num mundo onde supervalorizamos direitos individuais sobre os direitos coletivos, talvez nem precisemos de exercícios imaginários de futurologia para prever total supressão da política. Neste caso estaríamos, todos, subordinados “às letras frias das leis”.

[quote_box_center]Sem mediações para encaminhar as novas demandas (necessidades, demandas e novos direitos), ficaremos reféns dos entendimentos dos juízes, os doutores das leis. Eles, somente eles, teriam o poder de decidir nossos destinos e direitos. Os direitos individuais correriam menos riscos, mas os direitos sociais seriam todos banidos porque ninguém mais seria autorizado a organizá-los e defendê-los.[/quote_box_center]

Fora das contradições dos discursos e das realidades, alcançaríamos a tão sonhada zona de conforto da organização da sociedade: a perfeição. Não a Justiça, esta já não importa mais. O valor mais nobre da “sociedade nova” será o cumprimento rigoroso das leis e das imposições advindas destas. Um novo reinado, das leis, onde a fragilidade dos homens e mulheres estará para sempre resolvida a partir da neutralidade jurídica.

A supressão da política não é o caminho para salvaguardarmos a dignidade humana, os direitos individuais e os direitos sociais. Muito antes, pelo contrário, prefiro crer, devemos ressignificar a política democrática sem qualquer pretensão de afastar contradições e seus eternos conflitos (de interesses). Uma sociedade moderna deveria investir mais na proximidade, na interação e nas relações interpessoais para superar estranhamentos, característicos de nosso momento histórico. Vivemos tempos onde poucos apostam na convivência, na escuta, na tolerância e nas suas capacidades criativas e argumentativas como as melhores formas para resolver problemas da humanidade. Poderíamos, ainda, atualizar pensamento de Charles Chaplin, 1940: “Mais do que máquinas (agora leis), precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem estas virtudes a vida será de violência e tudo estará perdido”.

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