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De nossa esperança ativa

[quote_box_right]“É preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não sairmos de nós.” (José Saramago)[/quote_box_right]
Desesperança é a palavra da hora. Editoriais de muitos jornais e revistas, artigos em sites e blogs, diferentes manifestações e compartilhamentos nas redes sociais disseminam desesperança como virtude, como imposição de uma realidade vivida em nosso país, como sintoma da atual situação política, econômica e social. No sagrado direito de perguntar, minhas indagações: a) quem está disseminando estas ideias?; b) a quem interessa a desesperança?; c) com que propósitos pregar desesperança?; d) a esperança é mesmo danosa às pessoas, às coletividades?

Nunca vi esperança como um mal do povo, ou uma ilusão pessoal ou coletiva. Muito antes pelo contrário, acredito que esperança é que nos move, é o que move a história coletiva e individual de nossa gente. Para formular considerações sobre o assunto, fui pesquisar e ler sobre esperança. Descobri que ela carrega duplo sentido. O sentido da palavra que vem do latim spes, cujo significado é “confiança em algo positivo”, um dos sentidos que a palavra carrega em português. Este sentido mais genuíno, mais original, perpetuado ao longo da história e das civilizações. Na cultura patrimonialista do Brasil, também adquiriu o sentido de expectativa, de espera. Muitas vezes, esta última concepção deturpa o que é uma virtude (confiar em algo positivo), tornando-a uma inércia, uma simples espera passiva.

Minha formação humanística e cristã sempre apontou a esperança como sentido da existência. Não consigo conceber pessoas ou grupos desprovidos de esperança. Para mim, esperança é possibilidade, é projeção, é ação para concretizar o que ainda não existe. Esperança é horizonte das lutas e das conquistas humanas. Esperança é sair de si, é sair da ilha, como propõe Saramago, justamente para melhor compreender a si mesmo e o mundo.

No caso do Brasil das últimas décadas, a esperança foi alicerçando avanços e conquistas sociais, traduzidos por mais liberdade, mais acesso à terra, saúde, cultura e educação, maiores condições de vida e dignidade, mais oportunidades de viver e experimentar cidadania, mais direitos. A esperança da maioria dos brasileiros não é passiva; é ativa porque projeta mudanças e organiza as lutas individuais e coletivas para concretizá-las. A esperança não é um slogan, mas é possibilidade concreta de mudanças projetadas na luta cotidiana, na organização, nas manifestações públicas da fé, das crenças e da cidadania.

A disseminação da desesperança, no atual momento histórico, explica-se porque há no Brasil um grupo de pessoas que nunca precisou alicerçar sua vida na “esperança ativa” que se traduz em lutas, em conquistas e em organização coletiva por melhores condições de vida e dignidade. Para estes, o Brasil sempre ofereceu “abundância” e privilégios. Na medida em que se descortinam os entendimentos e a compreensão sobre o funcionamento do próprio país, ficam mais claros os mecanismos de exploração, exclusão e alienação a que são submetidos a maioria dos brasileiros. Aí, a esperança (da mudança) da maioria passa a ser um problema.

A esperança, no seu sentido mais genuíno, provoca mudanças a partir da organização, das lutas e das conquistas sociais. A esperança não é, para a maioria, um otimismo vazio e sem sentido. Concordo com Saramago: “não sou pessimista. O mundo é que é péssimo”.  Com esperança, somo-me a outros tantos para que continuemos mudando o mundo, para mudar-nos a nós mesmos. Com esperança, combato desesperança!

Universidade e Comunidade: Parceiras na Promoção do Gosto Pela Leitura

Eládio Vilmar Weschenfelde
Professor de Literatura na Universidade de Passo Fundo.

Cristiane Barelli
Professora nos cursos de Medicina e Farmácia da Universidade de Passo Fundo.

No início do século XIX, o filósofo e linguista alemão Walter Benjamin (1995, p. 199) denunciou o fim dos narradores orais, os quais classificou em dois grupos: o camponês sedentário e o marinheiro comerciante. Segundo ele, o fato acabou prejudicando “a faculdade de intercambiar experiências” orais como as comunidades. Soma-se ao fato de que hoje, em pleno início do terceiro milênio, as comunidades estão “encantadas” com os modernos meios de comunicação e entretenimento, através dos quais pessoas e grupos ficam em silêncio tuitando, ou consultando suas mensagens eletrônicas, posto que cada indivíduo está no umbigo do próprio celular, parecendo cada vez mais evidente que as tecnologias aproximam as pessoas distantes e as afastam das próximas. Nesta perspectiva um tanto trágica, o contexto atual suscita que é o momento propício da Universidade de Passo Fundo, como Fênix, buscar reestabelecer a troca de experiências com as comunidades de sua abrangência, promovendo trocas de experiências por meio da contação de histórias, como faziam os antigos Aedos da Grécia.

Para Benjamin (1995, p. 198), o fim dos contadores de histórias – narradores – deveu-se à difusão da informação, a reprodutividade técnica. Para ele, as notícias que advêm das novas tecnologias são pobres em termos de histórias, cabendo pouco espaço para a imaginação, pois muito do que se ouve e lê está a serviço da descrição e pouco para a narração, carecendo emoção e encantamento. Neste sentido, em plena era cibernética, há que se buscar o fogo que nos aquece e as pontes que nos unem com fios invisíveis. As palavras são estímulos indispensáveis para enfrentar as tristezas do mundo, essenciais no amor e na paz. Em contrapartida, Regina Machado (2004, p. 18), considera que, “…é nesse caos de começo de milênio que a imaginação criadora pode operar como a possibilidade humana de conceber o desenho de um mundo melhor. Por isso talvez a arte de contar histórias esteja renascendo por toda a parte”. Pergunta-se então, como contar histórias na era digital? Como a contação de histórias pode se incorporar no processo de promoção da leitura e da saúde? Considerando que a formação de leitores no século XXI, compreende um modelo de leitor competente a ser considerado nesse processo, Lucia Santaella (2007, p. 33) descreve o perfil cognitivo do leitor imersivo/virtual, enfatizando que a era digital traz um modo inteiramente novo de ler, distinto do leitor contemplativo da linguagem impressa:

Trata-se, na verdade, de um leitor implodido, cuja subjetividade se mescla na hiperatividade de infinitos textos num grande caleidoscópio tridimensional, onde cada novo nó e nexo pode contar uma outra grande rede numa outra dimensão. Enfim, o que se tem aí é um universo novo […], uma biblioteca virtual, mas que funciona como promessa eterna de se real a cada clique do mouse[i]. 

A educadora Andrea Cecilia Ramal, em Educação na Cibercultura: hipertextualidade, leitura, escrita e aprendizagem (2002, p. 13), por seu lado, ensina que a o novo estilo de sociedade exige mudanças na forma da construção do conhecimentos e de apreensão do conhecimento e o novo estilo da sociedade.

bandinho-de-letrasNo caso do Bando e do Bandinho de Letras da UPF, constituído por acadêmicos, professores universitários, bibliotecários, agentes culturais e crianças das escolas da região, os quais dedicam parte do seu tempo para encantar, pelo instrumento da palavra dita, multidões ávidas por narrativas literárias e poemas, os quais são selecionados em função da faixa etária e do nível cultural. Contrariando Benjamin (1996), não são campesinos, nem marinheiros. Os mesmos são chamados para muitas atividades de extensão, especialmente na área da educação, cultura e saúde. Inicialmente procuraram quebrar paradigmas, identificando-se como anarquistas da palavra literária, “invadindo” distintos espaços, tais como hospitais, creches, sindicatos, emissoras de rádio e televisão para, de livros em punho, semear poemas, contos, crônicas, invocando sempre um poema do poeta romântico brasileiro Castro Alves (NEVES, 2006, p. 11):

Oh, bendito o que semeia
Livros …à mão cheia…
E faz o povo pensar!
O livro caindo n’alma
É germe – que faz a pala
É chuva – que faz o mar.

Assim, plenamente imbuídos nesse espírito do terceiro milênio, os cibercontadores do Bando e do Bandinho de Letras operaram o recurso artístico como possibilidade humana de conceber o desenho de um mundo melhor.  Há que se considerar também que os cenários e as ações desenvolvidas pelo projeto de extensão denominado Bando e Bandinho de Letras, segundo Weschenfelder e Burlamaque (2009, p. 131),

Na verdade, constituem as antessalas para o maravilhoso mundo dos contos, das lendas, das fábulas e dos poemas, que dão sentido e riqueza à diversidade cultural, mesclando o tempero do prazer, da emoção e do conhecimento. Neste sentido, o contador – narrador – comunica aos ouvintes três fontes de histórias: as vivenciadas, as ouvidas, e as lidas com base nos textos literários.   

No ano de 2013, 2014 e 2015 dialogando com a área da saúde, foram priorizados algumas intervenções nos espaços onde se promove a saúde, nos quais a contribuição do projeto se volta para minimizar a dor e o sofrimento e promover saúde, a qualidade de vida e a cultura do bem viver, tais como enfermaria de hospitais, asilos e unidades de tratamento ambulatorial de longa duração como hemodiálise e quimioterapia. Outrossim, também ocorreram atividades em eventos sociais e durante o 3º Seminário Internacional de Contadores de Histórias, ocorrido em 2013, especificamente antes e durante a 15ª Jornada Nacional de Literatura.

Portanto, a arte de contar histórias e de recitar poemas, como uma atividade de extensão universitária é de fundamental importância, posto que seus desdobramentos abrem portas e parcerias recíprocas – a Universidade à comunidade e a comunidade à Universidade – constituindo-se uma antessala para a formação do gosto pelas leituras múltiplas, para a promoção da saúde e da qualidade de vida. Renascendo das cinzas, como Fênix, não como teatralização, mas como comunicação de narrativas e poemas, como forma de troca de experiências, a arte de contar histórias contrói pontes que integram quatro elementos: Universidade, Comunidade, Arte e Saúde. É o “Abre-te, Sésamo” para a comunidade cada vez mais humanizada pela força da palavra.

 

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. O narrador – considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Magia e técnica, arte e política. 6. ed. São Paulo: Brasileirense, 1995.

MACHADO, Regina. Acordais – fundamentos teórico-poéticos da arte de contar histórias. São Paulo: DCL, 2004.

NEVES, André. A caligrafia de dona Sofia. São Paulo: Paulinas, 2006. p. 11.

RAMAL, Andrea Cecília. Educação na cibercultura: hipertextualidade, leitura, escrita e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2002, p. 81.

SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004.

WESCHENFELDER, Eládio Vilmar & BURLAMAQUE, Fabiane Verardi. Bando de Letras: nem camponeses, nem marinheiros. In: Leitura dos espaços e espaços de leitura. Passo Fundo: EDUPF, 2009. p. 131.

Crianças, futuro e esperança

[quote_box_right]O pessimista se queixa do vento, o otimista espera que ele mude e o realista ajusta as velas. (William George Ward)[/quote_box_right]

Terminemos 2015 com esperança. Nós adultos somos professores, pais, mães, avôs, avós, tios, tias e temos a responsabilidade de sinalizar que os dias de amanhã serão melhores, com mais esperança, amor, solidariedade, compaixão. As crianças, por sua vez, nos animam com sua presença, singularidade e vida. Demonstram, todos os dias, sensibilidade, ingenuidade e doces encantos que não nos deixam desanimar. A responsabilidade de anunciar esperanças é sempre nossa, não podemos fugir desta responsabilidade.

A recíproca das crianças é reconhecer que seus pais, seus professores, suas famílias e suas comunidades trabalham muito para lhes dar o melhor que podem. As crianças retribuem com o que de melhor possuem: seu carinho, seus abraços, seus inocentes pedidos e desejos de uma vida sem males e sem violência.

Precisamos treinar nossas sensibilidades para sermos capazes de anunciar esperanças. Os movimentos que percebem a vida, o amor, a felicidade geram boas percepções de vida, de ser humano e de beleza.

Estes movimentos são próprios daqueles que tem olhos para ver, ouvidos para ouvir e boca para falar, serenamente. O contrário é autosuficiência, arrogância e prepotência, qualidades que não cativam e não agregam mais ninguém.

Sejamos capazes de oferecer, todos os dias, o melhor do que somos, por amor às nossas crianças, adolescentes e jovens. Ofertemos a elas luzes de esperança, forjadas na luta cotidiana de nossa superação pessoal e profissional. Se os adolescentes sonham em transformar o mundo, mostremos a eles caminhos de saudável rebeldia, esta arrebatadora força que move causas, sonhos e desejos em todos nós. Se os jovens acreditam no poder do conhecimento, os estimulemos a fazerem suas buscas e suas escolhas, com liberdade.

Creiamos que cada ser humano possui as mais ricas e únicas possibilidades de superar-se. Como na educação, na política, nas igrejas e nas escolas só deveriam atuar aqueles que, acima de suas vaidades e interesses, são capazes de acreditar que todo ser humano é capaz de superar-se em todos os seus contextos, singularidades e peculiaridades.

Para isto servem a política, a religião e a educação: propiciar instrumentos e possibilidades às pessoas para sua liberdade, sua felicidade e sua emancipação.

Afirmemos ainda a “política” para a vida não desesperar. As verdadeiras mudanças passam por soluções coletivas, não pelo desespero ou “mérito” individual. A política é regra para a solução dos problemas da humanidade, não a exceção que se aplica quando esgotamos o nosso egoísmo.

“Quem luta, também educa”. Quem ama, também educa. Quem não se acovarda de suas responsabilidades, ganha mais vida na dignidade, justamente por assumir-se como é. Quem educa com amor segue acreditando que educação não é um fim, mas meio para estimular os mais loucos desejos do ser humano: a felicidade. E não aceita que o mundo será de desesperança, pois o mundo sempre será aquilo que sonhamos que seja.

Boas festas e que renovemos as melhores esperanças e crenças na virada de mais um ano.

Mudanças: longe de nossas vistas!

[quote_box_right]Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas participar de práticas com ela coerentes. (Paulo Freire)[/quote_box_right]

Eu acredito em mudanças. Acredito que verdadeiras mudanças fazem a sociedade, as organizações e as pessoas evoluírem na sua compreensão de vida e de mundo. Mas arrisco dizer que as propaladas e necessárias mudanças que deveriam ocorrer no Brasil não acontecerão no médio prazo. Ainda demoraremos muito para fazer verdadeiras mudanças em nosso sistema político e de representação que começam em nossas escolas, sindicatos, associações de moradores, organizações sociais diversas, câmaras de vereadores, prefeituras, casas legislativas, governos estadual e federal. Ao invés de vivermos verdadeiras mudanças, a maioria de nós prefere conviver com as ilusões de “mudanças superficiais” para nada mudar.

Sustento tese acima a partir de vivências no universo micro de minhas relações interpessoais. Criamos oportunidades reais de mudança de rumos em sindicatos, escolas, organizações sociais, associações de moradores. Por falta de uma reflexão crítica e por medo de mudanças substantivas, a maioria ainda decide pela continuidade, pela mesmice, pela manutenção do mínimo que sempre se apresenta como o máximo do que é possível fazer. Observando os brasileiros, todo dia mais sabedores de sofisticadas artimanhas de corrupção, pergunto se já estamos preparados para combater a corrupção e a manipulação dos interesses públicos! Parece ainda estarmos distantes, sem convicções e receosos para enfrentar, como um dever cívico, a corrupção e a manipulação em todos os níveis, espaços e instituições em que ela possa ocorrer.

Chego a pensar que a perspectiva de não-mudanças seja confissão das desesperanças de nossa gente, o que é fato muito sério e preocupante.

A descrença e a desmoralização da política é ingrediente que nos permite entender parte deste fenômeno. Como muitos não acreditam mais em ninguém, propostas mais ousadas e inovadoras de gestão e organização da cidadania não são bem acolhidas. A maioria prefere, então, acomodar-se aos benefícios do conhecido, do mesmo, do mínimo. A maioria prefere “viver de realidade”, não permitindo lutar por novas perspectivas de vida e de mundo. Triste assim!

Para quem defende a cidadania ativa, a organização coletiva, a criticidade e a reflexão como ferramentas de transformação da realidade, eis o dilema: o que fazer com uma ampla maioria que não acredita em mudanças. O que fazer com aqueles que fazem apenas jogo interesseiro para salvar seus privilégios. O que fazer para retomar a importância dos desejos, dos sonhos e das utopias como ingredientes para não desesperar.Historicamente, sempre foram poucos os que arquitetaram e lançaram as bases das mudanças significativas das sociedades e do mundo. Estes poucos, hoje mais do que nunca, precisam fortalecer-se para superar barreiras de pessimismo e desesperança.A vanguarda dos sonhos e das utopias sempre esteve sob a responsabilidade de poucos!

Combato a desesperança propondo novas ações, recriando meus desejos, sonhos e utopias. Acredito em mudanças, pois sei que os desejos dela ainda estão por aí. Os espaços coletivos, os pequenos grupos e as parcerias não nos deixam desesperar! Um grupo, um coletivo fortalece os ideais de mudança. As grandes mudanças nunca chegam de cima, sempre são forjadas de baixo e de dentro de cada um de nós, em relação com os outros.

Ativismo, uma necessidade! – Sueli Ghelen Frosi

Ativismo é uma palavra de peso! Ela representa práticas que pretendem transformações da realidade, saindo da especulação pura e simples, para a atuação quase sempre visível. Há ativistas anônimos, como todos nós que reciclamos, economizamos, cuidamos do que temos com zelo e responsabilidade.

Quero falar do ativismo escancarado, aquele que presenciamos todos os dias e grita nossas mazelas. Não dá pra imaginar um mundo sem a interferência dos ativistas ambientais, dos Direitos Humanos, das mulheres, dos índios, quilombolas, grupos LGBT, pelas crianças e idosos, enfim, são grupos que incomodam, e como!

A jornalista Adriana Carranca lançou o livro Malala, a Menina que Queria Ir para a Escola (Companhia das Letras), em uma reportagem que retrata a menina de dezesseis anos, paquistanesa, baleada dentro de um ônibus, em 2012, por um grupo radical paquistanês, por querer estudar.

Malala representa as mulheres confinadas em casa, enroladas dentro de burcas, mantidas longe do convívio social e das escolas. Há países conseguindo regredir ao tempo dos califados, tentando reeditar seus princípios. Mas o movimento silencioso dessas mulheres no sentido de libertarem-se das imposições é uma realidade.

[pull_quote_center]O ativismo feminino é transformador. No ocidente do século XX, as mulheres conquistaram o direito de votar, de estudar, de trabalhar ao lado dos homens, de conquistar um lugar em todas as instâncias sociais e políticas, tendo hoje todos os seus direitos assegurados. Há ainda resquícios machistas, que tolhem os plenos direitos que elas conquistaram com tanto fervor.[/pull_quote_center]

O que está em marcha no oriente é muito mais difícil, mas as mulheres como Malala, mesmo tão novinha, formam um exército cuja atuação é inexorável. A visibilidade de Malala é um golpe na falta de tolerância e em direção à paz. As mães oprimidas lutam por seus filhos e filhas. Uma mãe que consegue estudar não admite ter filhos ignorantes. As mães alfabetizadas alfabetizam seus filhos. As mães que têm acesso a livros, alcançam o conhecimento aos filhos.

Os movimentos das mulheres são constantes e irreversíveis. As médicas, engenheiras, sociólogas, psicólogas silenciadas no oriente não estão paradas. Elas estão encontrando jeitos que produzem filhos como Malala. A coragem juvenil tem uma origem, que certamente parte de mães que lutam por seus filhos.

Há que ter esperanças enquanto houver mães. A ingerência feminina na vida dos filhos é uma força poderosa. Negligenciar essa força é condenar o mundo à degradação em todos os níveis. São as mulheres que impulsionam as mudanças necessários em direção ao desenvolvimento humano.

Devemos reverenciar o ativismo. Sem os ativistas chatos, persistentes, cuja tenacidade incomoda tanto, o mundo seria muito mais poluído, as mulheres não teriam nenhuma voz e nem vez, as leis seriam favoráveis apenas ao que é imediato e útil.

A exemplo de Miriê Tedesco, a nossa pensadora empreendedora, que colocou a boca no trombone na semana passada, em favor dos que geram empregos e são tão sacrificados pelas políticas econômicas, assim como dos desempregados vítimas da tão propalada crise, devemos ficar atentos e não nos acomodar ao o status quo, que cerceia, que limita nossa atuação cidadã, reagindo cada um na sua área de atuação.

O mundo tem um símbolo de luta. Em qualquer atividade humana devemos olhar para a frente, para o novo, para o desenvolvimento das potencialidades de todas as pessoas.

Malala quer estudar e está estudando, apesar de tão requisitada para gritar o que as mulheres querem. A liberdade é a bandeira maior de quem pensa e contribui com a evolução humana.

Reciclagem: basta ser politicamente correto? – Sérgio Augusto Sardi

Em geral, as pessoas desejam hoje ser politicamente corretas em relação ao meio ambiente. Mas, pensam elas por si mesmas ao pensarem assim? Ser “politicamente correto” é suficiente?

Ouvimos dizer em toda parte, por exemplo, que a reciclagem é a solução para o lixo que se acumula em todo o planeta, além de poupar os recursos naturais. Isso está parcialmente correto. Porém não se trata da solução, mas de parte dela, e talvez de uma parte bem pequena. Pois não nos damos conta de que a reciclagem também consome energia e gera resíduos, muitas vezes tóxicos, além de não ser praticável de forma eficiente com alguns materiais. Além disso, é precária a reciclagem do lixo gerado durante a produção de uma mercadoria, e nos preocupamos apenas com o resultado final, ou seja, a mercadoria já fabricada, essa que consumimos em nossas casas. Sim, reciclar é importante, mas não é a solução.

Isso se torna mais grave quando julgamos que a reciclagem resolverá todos os problemas relacionados com a produção desenfreada de mercadorias e à geração de lixo. Pois, no fundo, estaríamos apenas justificando que mantenhamos o ritmo atual de depredação da natureza, de transformação dos recursos naturais, de consumo e de descarte, e o consumismo desenfreado, para nos mantermos livres de culpa. Se pensarmos que essa é a solução final, continuaremos produzindo e consumindo de forma linear, que se caracteriza pela extração dos recursos, transformação pela indústria, comercialização, consumo do produto final e descarte na forma de lixo. Na natureza, porém, não há produção de lixo, pois ali tudo é cíclico. O que vem da natureza é a ela devolvido e volta a participar da teia da vida.
A reciclagem, sim, é importante, pois ela pode amenizar o impacto da produção sobre o meio ambiente. Mas nem de longe é a solução para a exigência de uma produção e consumo sustentável. É preciso muito mais.

A reciclagem consome energia e gera resíduos. Reciclar é importante, mas não é a solução dos problemas ambientais e sociais do mundo.

A crescente perda da biodiversidade segue em ritmo acelerado. Geralmente pensamos na preservação apenas na medida em que determinadas espécies são úteis ao ser humano, ou se tornaram meros símbolos de preservação, ou por interessarem à indústria biogenética. Os oceanos se tornaram depósitos de dejetos. A água potável é cada vez mais escassa. Desastres nucleares e derramamentos de petróleo no oceano, dentre outras catástrofes ambientais causadas pela intervenção humana, são possibilidades iminentes. O degelo dos polos segue acelerado. A desertificação do planeta avança, sem contar os desertos verdes da indústria de celulose. Enquanto isso, o movimento ambiental, assim como ações isoladas em defesa do meio ambiente, embora imprescindíveis, parecem apenas adiar o que seria aparentemente inevitável, a considerar a tendência mais forte em curso, esta regida pela lei do lucro.

Tratado como conjunto de recursos naturais, o meio ambiente é visto como um espaço de depredação em busca de lucro e poder. O consumo de mercadorias resume o sentido da vida em nossos tempos. O stress cotidiano é a regra, e as relações propriamente humanas são aos poucos substituídas por processos artificiais. De tanto vivermos em um mundo artificialmente arquitetado, inicia-se um processo de esquecimento da integração e da responsabilização do ser humano para com a vida como um todo.

Há algo no coração do sistema que não ousamos tocar. Talvez porque isso exigiria mudanças profundas de comportamento e, inclusive, de valores e de percepção. Um exemplo importante é o caso do consumismo e da “obsolescência planificada”, ou seja, a produção de mercadorias destinadas a ir, em pouco tempo, para o lixo, acelerando ainda mais o consumo. Fazemos parte disso tudo.

Para atingir o núcleo deste sistema predatório e resgatarmos o sentido de nossas vidas, que valores deveremos afirmar? Que valores deveremos negar? Que atitudes deveremos construir?

Estupros em intervalos – Ingra Costa e Silva

O que você faz em dez minutos? Perguntei a alguns amigos e ouvi coisas aleatórias. Porém todos dividiam a mesma opinião: dez minutos é muito pouco tempo. Passa muito rápido! É o tempo de organizar a gaveta de meias ou a mesa do escritório. De esquentar água e fazer uma miojo. De abrir uma notícia em um site, correr os olhos e tecer um comentário (e publicar). E já e foram os dez minutos. E já se foram mais dez e mais dez…

Seissentos segundos. Esse é o intervalo entre um estupro e outro no Brasil. A cada dez minutos uma pessoa é violentada sexualmente no nosso país. Esses dados assustadores foram declarados pelo estudo mais recente do Ministério da Justiça, que aponta que 50 mil mulheres são estupradas por ano no Brasil.

Os números são apavorantes e correspondem a 26,1 estupros por grupo de 100 mil habitantes. No Rio Grande do Sul são 18,4, estupros por grupo de 100 mil habitantes. Esses números de ocorrências registradas, por sua vez, não contemplam todos os casos que acontecem. Milhares deles são abafados e ficam escondidos envoltos em um mar de vergonha e culpa. Em até 65% dos casos o agressor é familiar ou conhecido da vítima.

Infelizmente os brasileiros fazem questão de perpetuar a cultura de estupro, que nada mais é que o fato de tirar o foco do criminoso e colocar na vítima. Recentemente na cidade de Castelo, no Piauí, quatro adolescentes foram brutalmente violentadas por jovens com a idade semelhante à delas. Uma das meninas não resistiu e morreu. Na cidade de Passo Fundo, norte do Rio Grande do Sul, duas jovens estupradas por homens que ofereceram carona depois de uma janta. Todas disseram não.

Nenhuma foi ouvida.

Depois de terem suas vidas destruídas e no caso de uma delas, interrompida, recebem o pesado fardo da culpa pelo que aconteceu. Afinal de contas, elas não deveriam ter conversado com os estranhos, elas não deveriam estar ali, elas não deveriam usar shorts tão curtos (pouco importa se fazem 40ºC), elas que foram putinhas. Isso mesmo, putinhas. É assim que homens do alto de sua experiência com assédio se referem às meninas que tiveram seus corpos violados e adentrados contra a sua vontade.

Os mesmos homens que não titubeiam ao dizer que seu o estupro é o seu maior medo caso sejam presos um dia. Dias atrás, em um vídeo aleatório sobre tatuagens,  um homem que removeu a tattoo de uma mulher nua nas costas porque ia passar alguns meses na prisão. Seu maior medo: o estupro.

Esses mesmos homens que apontaram para as meninas que sofreram estupro se tivessem tomado conhecimento de um caso igual, mas com as vítimas MENINOS, teriam começado uma cruzada em busca do bandido.

Nem passa pela cabeça falar que meninos de respeito não pegam carona. Esses homens nunca falariam que os meninos foram putinhos e provocaram, pois como li num dos vários comentários babacas que vejo por aí de um homem sobre o caso: “se pegaram carona sabiam que ia ter”. Esse, meu amigo, é o pensamento de um estuprador.

Quando eu pego carona a única coisa que sei e que espero ter é transporte.

Fui obrigada ainda a presenciar mulheres que diariamente colocam a música no último volume em seus fones para não ouvir comentários sobre seu corpo (isso é assédio!), mulheres que perdem alguns minutos do dia tendo que pensar qual trajeto fará para poder escolher uma roupa “menos estuprável”. Ouvir uma acusação dessas (não que ser puta seja um problema, mas isso fica pra outro dia) de mulheres que, assim como essas meninas sentiram frio na nuca só de imaginar alguém não respeitando o seu não. Fazer isso, irmãs, é cuspir no espelho.

E o não destas meninas, destas mulheres, destas irmãs, não foi respeitado.

Estuprum, em latim, significa relações culpáveis. Sua palavra derivada, estupro, é explicada no dicionário mais famoso da língua portuguesa como crime que consiste no constrangimento a relações sexuais por meio de violência; violação.

Como para muitas pessoas é preciso desenhar para entender, há alguns meses a blogueira Rockstar Dinosaur Pirate Princess postou um pequeno vídeo aonde explica, usando uma metáfora com uma xícara de chá, que relações sexuais se houver consentimento. A produção do vídeo é da BlueSeat Studios, com animação de Rachel Brian e narração de Graham Wheeler. No vídeo Chá e consentimento fica muito mais fácil entender, já que você prepara uma xícara de chá e oferece para a sua acompanhante. Se ela disser que sim, sirva uma xícara para ela. Se disser que não, não a obrigue. Se inicialmente ela estava empolgada com a ideia de tomar um chá, mas depois hesitou não a force. Se antes de dormir ela queria e de manhã não, não insista. Se estiver inconsciente, nem tente. Se quando entrou no carro ou aceitou a companhia os planos eram tomar chá, mas depois a vontade passou, não continue.Essa metáfora pode parecer boba, ma se ninguém obriga o outro a tomar chá, porque tem que obrigar a fazer sexo?

Eu fui criada a me esconder, a me cuidar. Mas e os meninos? São bichos com instintos incontroláveis e as mulheres devem se esconder para não incomodá-los ou sofrerão as consequências sem direito de reclamar? Não é legal ter medo sempre que sai sozinha. Não é legal saber que por eu estar com uma calça colada indo pra casa a noite, depois da academia, eu mereço ser estuprada. Não é legal sentir um frio na espinha quando percebe que tem um homem andando atrás de você? Sabe aquele medo que vocês têm de ser estuprados se um dia por ventura em algum momento da vida forem presos?

Nós temos esse medo todos os dias. E não é uma hipótese, é na vida real. No caminho do trabalho. No caminho da escola. No caminho da balada. Na carona do amigo. No quarto ao lado. Na casa do lado. Toda hora. E a cada dez minutos, o medo vira terror.

Atualmente a pena no Brasil é de 6 a 10 anos de reclusão para o criminoso, aumentando para 8 a 12 anos se há lesão corporal da vítima ou se a vítima possui entre 14 a 18 anos de idade, e para 12 a 30 anos, se a conduta resulta em morte.

De acordo com o artigo 213 da Lei nº 12.015, de 2009 o estupro é considerado crime hediondo e está entre os mais violentos. O crime pode ser praticado mediante agressão ou quando praticado contra menores de 14 anos, alienados mentais ou contra pessoas que não puderem oferecer resistência. Isso inclui drogar (lembrando que álcool também é droga) uma pessoa para manter com ela conjunção carnal, pois a vítima não pode oferecer resistência e configura crime de estupro praticado mediante violência presumida.

Enquanto você lia esse texto, ao menos uma pessoa foi obrigada a tomar chá.

Ensinamos, sem saber quem somos – Sérgio A. Sardi

O que de mais intenso aprendemos com aqueles que, no decurso das nossas vidas, elegemos eventualmente como mestres, muito provavelmente nem eles mesmos sabiam que sabiam ou pretendiam ensinar. E, o que de mais significativo ensinamos, resultou muito provavelmente de uma transparência que sequer poderíamos reconhecer diante do espelho.

No que ensinamos sem saber que ensinávamos, e no que aprendemos sem saber que aprendíamos, o que percebemos como eu-mesmo se desfaz. Repentina e desafiadoramente, tornamo-nos eu-para-outrem.

Responsabilidade imensa: ensinar às cegas, ‘pelas costas’. E, mesmo assim, assumir o desafio de autoaprender o que se é, mesmo sem saber quem somos diante de outrem, que autoaprende a ser a si mesmo em sua proximidade a nós. Nos autoeducamos juntos, mesmo sem ver, sem saber e sem querer.

Aprendemos com a criança que acariciava um animal? Com a sutil expressão de um amigo ou com o tempo transfigurado na face dos nossos pais? Autoaprendemos com as árvores, com a paisagem, com os detalhes do cotidiano? E quantas vezes ensinamos a nós mesmos a desejar cada dia de nossas vidas, ao amanhecer? Em quantas ocasiões aprendemos a nos surpreender, e até mesmo a desaprender, por observar com carinho alguém que admirávamos? E, quem sabe, não teríamos ensinado a criança que brincava ao nos observar? Teremos aprendido com o seu olhar? E teremos ensinado nossos filhos com nossas ausências em algum inverno de nossas jornadas?

Há muito mais entre o aprender e o ensinar que uma relação direta e linear possa dar conta. Há muito mais que as palavras possam dizer. O gesto unilateral que põe, de um lado, o ensinar e, de outro, o aprender, é míope com relação ao que mais importa: o inusitado, o encontro, o prazer que confere sentido humano ao tempo das nossas vidas.

Pois a transparência de uma relação está também naquilo que ela pretende ocultar, ou sequer percebe que oculta. Há sempre uma conexão a continuamente refazer entre a vida do outro e a minha vida, em um mosaico sempre de novo incompleto onde miríades de significações são postas, depostas e transpostas, em contínua criação.

Aquele que sabe, não sabe que não sabe. Aquele que não sabe, não sabe que sabe. A visão é a primeira cegueira a ser ultrapassada. Quando, então, o invisível situa-se e situa-nos no centro de toda cena que nos religa à nossa humanidade.

A humildade de quem se põe diante da presença do infinito que emerge em outro-eu torna-se, mesmo sem querer, sabedoria; de quem, ao retornar ao seu próprio centro, aprende que a sua própria liberdade inicia quando, simplesmente por amor, deseja gestar algo em si mesmo que possa gratuitamente ofertar, torna-se, mesmo sem querer, sentido: pois sabe que a vida permanece mesmo com a sua total ausência.

Visão contemporânea de escola – Paulo C. Carbonari

Vivemos tempos em que se tornam cada vez mais complexos os processos de ensino-aprendizagem. O mundo atual move-se com velocidade, dando clara sensação de que nada é duradouro; de que tudo está em permanente transformação.

A escola, espaço instituído socialmente como referência para construção do conhecimento, integração e convivência social, está desafiada a acompanhar todos os movimentos deste momento histórico, mas sem abrir mão de sua principal função contemporânea: ser lugar da sistematização, de informações e de conhecimento.

A educação escolar é uma forma específica de estabelecer a relação de ensino-aprendizagem. É instituída pela sociedade como mediação para a vida social. Nela, a relação entre o sujeito professor/a e o sujeito estudante/educando/a forma o núcleo central. Os conhecimentos, as linguagens, as técnicas, os conteúdos, muitas vezes assumem o lugar central na educação escolar. Mas, é na relação entre os sujeitos que está o núcleo forte da educação. Daí que, imaginar que um dos sujeitos seja transformado em “lugar comum”, ou transformar a própria educação num “lugar comum”, é inviabilizar qualquer mediação, é não fazer educação.

O centro da vida escolar deveria estar na relação. Não nas tarefas, nos livros, nas técnicas, nos conteúdos, nos horários, nas normas, nas estruturas, enfim, nas coisas. Não aprendemos nunca das coisas, aprendemos dos outros, da relação que estabelecemos com os outros, com as outras pessoas. As coisas todas são necessárias e importantes, mas elas só subsidiam, nunca substituem as relações.

Talvez o maior desafio que temos nos dias de hoje nos quais estamos imersos em muitas “quinquilharias pedagógicas” seja o de reencontrar o caminho da relação. Não se trata de não tomar em conta as boas coisas que auxiliam esta relação, mas se trata de escolher somente aquelas coisas que se prestam a oportunizar boas relações de aprendizagem.

Os seres humanos nascem relação e se fazem na relação. Fora dela não existe vida humana. Relação existe quando o outro aparece na relação como outro, não como o mesmo, como qualquer um, como um comum, um “lugar comum”. É da diferença que brota a possibilidade de relação. É do reconhecimento que brota a qualidade da relação.

O professor e a professora são seres em relação. Mediador/a da construção de aprendizagens. É ele/a um colaborador/a para construir condições para a sistematização das informações, hoje amplamente disponíveis, para a orientação do estudo, para a promoção do diálogo e da convivência que transformam informações em conhecimento e conhecimento em práticas vitais.

Nada vale o conhecimento que se fecha em si mesmo; nada vale a vida que não é partilhada; nada vale aprender se não for para compartilhar com os outros. Professor/a é com os outros, no educar educando-se e no educar-se educando.

Ora, aprender e ensinar só podem ser entendidos em relação; constituem-se na relação e constituem relações. Por isso é que a educação é essencial à vida humana e acontece o tempo todo, em todo lugar e ao longo de toda a vida.

A educação é, acima de tudo, uma mediação para a humanização das pessoas através das relações educativas. Afinal, a educação é, acima de tudo, a construção da diferença, é fazer a diferença. Nela não há lugar para a mesmice, a repetição, o “lugar comum”.

Ser professor reflexivo – Arnaldo Nogaro

Sabe-se que todo o ser humano reflete; é isso que o diferencia das demais espécies animais. A reflexão é inerente à natureza humana. Ora, os professores como seres humanos têm capacidade para refletir. Desde o início dos anos 1990, a expressão professor reflexivo começa a aparecer no cenário educacional. A origem desta expressão disseminou confusão na compreensão de muitas pessoas, pois se todo o ser humano reflete porque falar em professor reflexivo? Esclarecemos que a reflexão aqui discutida não pode ser entendida como atributo natural da natureza humana, mas como um movimento teórico que busca a construção de uma identidade para o professor e de ressignificação do trabalho docente.

O conceito professor reflexivo emergiu nos EUA como reação à concepção tecnicista de educação, que tem reduzido a profissão docente a um conjunto de competências técnicas sem sentido personalizado, estabelecendo uma separação entre o eu pessoal e o eu profissional e gerando nos professores uma crise de identidade.

Este conceito induz à valorização do professor não só enquanto dotado de conhecimentos técnicos elaborados pela ciência, mas prima pela experiência e a reflexão na experiência.  A reflexão não é um processo pessoal, implica a inserção do homem num mundo de valores, interesses sociais e políticos. A reflexão deve estar aliada ao contexto coletivo em que o professor encontra-se para não incorrer em uma individualização do pensamento docente. A mera reflexão pessoal na ação é insuficiente para a prática profissional. Por isso, o processo emancipatório constitui-se na libertação das consciências individuais a partir do sentido grupal. Esse movimento teórico de compreensão da prática docente coloca-o numa perspectiva emancipatória e de diminuição das desigualdades sociais, através do ensino e aprendizagem impedindo a apropriação banalizada do entendimento técnico da reflexão.

A reflexão do professor é um mecanismo de reestruturação da escola e de intervenção no cotidiano, que pode contribuir para a busca do aprimoramento da prática e da emancipação social. Pensar reflexivamente não é tão simples assim, pois abrange um estado de dúvida, perplexidade, dificuldade mental e principalmente um ato de pesquisa, busca da solução ou resolução da dúvida.

Refletir para agir autonomamente é o elemento fundamental deste século. O homem subjugado pela pobreza, desemprego, individualismo, drogas e espírito consumista procura encontrar-se a si mesmo a fim de recuperar sua identidade perdida. Diante desta situação interroga-se sobre sua condição no mundo. A esperança perdida, talvez, pela exacerbação da racionalidade técnica, questiona e discute os rumos da educação e da formação de professores. Percebe-se que o homem deste século é um inquieto questionador e aspira conquistar a liberdade e a emancipação próprias, parece querer reaprender a pensar.

A reflexão baseia-se no pensamento, nas atitudes de questionamentos e curiosidades em busca da verdade e da justiça, é uma lógica investigativa do sujeito pensante. A atitude reflexiva permite que nos sintamos mais sujeitos e menos objetos do sistema, proporciona a revalorização dos processos cognitivos e atende à dimensão humana de aprendizagem. A reflexão prima pela formação do sujeito, quer seja o professor ou o aluno, como pessoa que pensa e possibilita o direito de construir o seu saber, valoriza-se a experiência como fonte de aprendizagem, como processo de conhecer o próprio modo de conhecer e possibilita avaliar a capacidade de interagir, reconhecendo assim a capacidade de tomar às mãos a própria gestão da aprendizagem.

A escola não se configura como homogeneidade e os professores não são passivos às mudanças. Por isso, é necessário analisar e demonstrar as efetivas contribuições que a reflexão crítica pode proporcionar para a comunidade escolar. Pois, ela produz um discurso de preparar os educandos para a vida adulta com capacidade crítica em uma sociedade plural e, em contrapartida, essas finalidades são negadas pelo sistema tecnicista atual. Diante desse paradoxo os professores se sentem confusos e reduzem suas preocupações a problemas internos de sala de aula.

Na esteira da busca de novos olhares e pensares para a educação, vislumbra-se a contribuição teórica que prima pela postura e ação do professor como prático reflexivo, ou seja, como alguém que seja capaz de, na dinâmica de seu trabalho, sustentar uma postura de reflexão, que seja o fundamento da prática docente. Ela envolve a problematização das situações vividas em sala de aula e o pensar sobre elas, evitando o desempenho das atividades docentes como simples rotina. Pois, a postura diferenciada do professor, por meio da prática reflexiva pode gerar novas dinâmicas pedagógicas e suscitar novos mecanismos de mudança no trabalho da escola e no seio da sociedade.

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