Para que uma criança aprenda é necessário que tenha desejo de aprender. Esse desejo de saber é que Freud relaciona a pulsão, mais propriamente a uma pulsão epistemofilica (erkenntnistrieb). Se há inibição desta pulsão, há uma suspensão dos investimentos cognitivos, ou seja, quando a pulsão do saber fica interditada, o desejo fica abandonado. (CORDIÉ, 1996).
O ponto crucial da aquisição ao desejo do saber é quando se dá entrada no ensino fundamental, aproximadamente 6 a 8 anos, quando, em plena crise edipiana, a criança deve renunciar a sua posição de criancinha e se tornar um ser social confrontando a lei do grupo. É neste momento que a criança deixa de ser objeto de satisfação da mãe para se tornar um sujeito, passando ao status de sujeito desejante. Todo esse processo a respeito da formação do sujeito e a instauração do seu desejo pelo saber estão pautados na participação ativa dos pais.
Temos que levar em consideração que muitas vezes a ausência de interesse pelos resultados escolares, bons ou maus, pode também estar ligada ao modelo cultural dos pais. Porém, se a criança não é perturbada e nem responsabilizada pela sua situação escolar, pode vir a gerar uma espécie de adequação, de continuidade de seu meio de origem e a marca de sua própria inserção nele. Mas não vemos essa falta de preocupação somente dos pais, mas também da escola, que tolera o fracasso dos alunos, usando como desculpa o meio em que vivem e sendo omissa quando vitimiza o aluno e o coloca numa posição passiva frente a sua situação socioeconômica. Deste modo, tira dele a perspectiva de poder pensar uma história de vida diferente a que lhe foi estabelecida. Esta conduta dos pais e da escola pode gerar no aluno uma crença de que realmente ele não tem espaço. Acaba, com certa razão, fazendo reivindicações contra a sociedade que ele sente e acusa pela sua incompreensão e rejeição. Quando a família não vê o processo de aprendizagem como algo importante e a escola não faz investimento nesse aluno, fica realmente difícil despertar nas crianças o desejo pelo saber, pois se todos desistiram dela porque ela não desistiria?
Uma boa qualidade de trocas linguísticas e afetivas colocam a criança em situação de abordar com mais facilidade as primeiras aprendizagens escolares. Já a criança que não teve a oportunidade de ter essas condições, que domina mal a linguagem, que não está familiarizada com o desenho, a escrita e os jogos de formas pode vir a apresentar dificuldades.
As desigualdades dos cidadãos, que se fundamentavam na diferença das classes sociais, reaparecem atualmente sob a forma de desigualdade das capacidades intelectuais, como se a condição econômica fosse determinante na relação do sujeito com o universo da educação.
As desigualdades sociais reaparecem como desigualdade das capacidades intelectuais, como se a condição econômica fosse determinante na relação do sujeito com o universo da educação.
Comumente, dentro do contexto escolar nos deparamos com falas como: “eles não querem nada com nada, não se interessam por nada”, “não querem aprender; os pais mandam para a escola por causa do Bolsa Família e do Conselho Tutelar”. Estas são ideias comuns, que estão a serviço de nos manter em um lugar confortável onde a responsabilidade não é nossa, pois estamos fazendo a nossa parte, a culpa é “deles”. De certa forma não trocar de lugar, não mudar de ideia, operar de acordo com os pré-conceitos, pode parecer confortável. Esta suposta fragilidade esconde a dominação e a manipulação, propiciando que as coisas permaneçam exatamente onde estão.
A família, entendida como o primeiro contexto de socialização, exerce enorme influência sobre a criança e o adolescente. A atitude dos pais, suas práticas de criação e educação, e a atmosfera cultural vivenciada no ambiente doméstico são aspectos que interferem no desenvolvimento individual e, consequentemente, influenciam o comportamento da criança na escola, bem como o resultado que ela irá atingir. Pensando em um contexto de poucos e inconsistentes estímulos e perspectivas, a educação poderá trazer a possibilidade da construção de uma história diferente daquela protagonizada pelos pais.
A atitude dos pais, suas práticas de criação e educação e a atmosfera cultural do ambiente doméstico interferem no desenvolvimento individual, influenciam o comportamento na escola e no resultado que as crianças irão atingir.
Não podemos deixar de pensar a relação familiar e a importância desta na vida escolar das crianças, porém, podemos pensar a escola sem esta, ou pensar uma escola que se mobilize no sentido de aproximar a família na vivência escolar, pois a falta da participação dos pais não pode servir como mais um desculpa, dentre muitas, para que a escola desista de desempenhar seu papel em construir cidadãos ou, pelo menos, se esforçar para que alguma modificação positiva aconteça na vida dos sujeitos que a ela foram entregues.
A primeira evidência na arte de compreender é a necessidade de estabelecer laços. É o que a criança faz desde o primeiro dia de sua vida, estabelecer laços entre as coisas, religa informações que lhe chegam de toda parte, seja através da percepção, da sensação ou da palavra. A aquisição da linguagem não pode ser neutra, não sendo um estoque de palavras como em um computador, mas desde o início, a linguagem vem carregada de afeto. Então o processo da aprendizagem na escola deve se dar pela mesma via: afeto. Como querer que os alunos aprendam quando se estabelece uma relação de fracasso, desabilitando-os de produzir, desacreditando no seu potencial? Não existe criança que não aprende ou não quer aprender, mas sim crianças que não aprenderam a estabelecer laços de afeto com a família, professores, escola e, conseqüentemente, com o saber. Por mais precários que eles sejam em casa, a escola pode propiciar uma relação saudável do aluno com a sociedade, na medida em que o trata como um indivíduo e o enxerga como um ser cheio de possibilidades.
Não existe criança que não aprende ou não queira aprender; mas crianças que não aprenderam a estabelecer laços de afeto com a família, com os professores, com a escola e com o saber.
No contexto de sala de aula temos que levar em consideração que tão importante quanto o que se ensina é a forma como o aluno se coloca diante deste, ou seja, o sentido deste conhecimento que está sendo oferecido.
Podemos pensar então na visão de Alonso Rays (1997) que insiste que a prática educativa não pode ser concebida isoladamente, e sim, deve ser pensada em sua relação com a sociedade. Dessa forma pensando a educação como a utilização da teoria formal aliada ao senso comum, ou seja, na lógica do autor em uma equação de razão teórica+razão prática=fazer didático.
De acordo com esta ótica, a aproximação do professor a realidade do aluno não somente seria benéfica no planejamento das aulas, mas sim, tornaria este mais próximo do universo por eles vivenciado, demonstrando investimento na prática educativa, dessa forma dispensando ao processo uma carga de afeição.
Jean Piaget (PIAGET apud. OLIVEIRA; REGO; 2002 p. 162) diz que apesar de diferentes em sua natureza, a afetividade e a cognição são inseparáveis, indissociadas em todas as ações simbólicas e sensório-motoras. Ele postulou que toda ação e pensamento comportam um aspecto cognitivo, representado pelas estruturas mentais, e um aspecto afetivo, representado por uma energética, que é a afetividade. Para Piaget o papel da afetividade é funcional na inteligência, é a fonte de energia de que a cognição se utiliza para seu funcionamento.
Vygotsky também tematizou as relações entre afeto e cognição, postulando que as emoções integram-se ao funcionamento mental geral, tendo uma participação ativa em sua configuração. (apud OLIVEIRA; REGO; 2002 p. 163).
A afetividade é a via de comunicação mais eficaz entre professor aluno, possibilitando o reconhecimento da capacidade intelectual do educando. Se dizemos que a educação hoje está caótica e difícil, temos o dever de pensar nas causas que a levaram a esta situação, fazendo uma reflexão acerca do comportamento dos pais e do corpo docente, para que possamos encontrar as causas e soluções para os problemas na escola hoje.