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Educação e afeto – Ana M. Detoni

Para que uma criança aprenda é necessário que tenha desejo de aprender. Esse desejo de saber é que Freud relaciona a pulsão, mais propriamente a uma pulsão epistemofilica (erkenntnistrieb). Se há inibição desta pulsão, há uma suspensão dos investimentos cognitivos, ou seja, quando a pulsão do saber fica interditada, o desejo fica abandonado. (CORDIÉ, 1996).

O ponto crucial da aquisição ao desejo do saber é quando se dá entrada no ensino fundamental, aproximadamente 6 a 8 anos, quando, em plena crise edipiana, a criança deve renunciar a sua posição de criancinha e se tornar um ser social confrontando a lei do grupo. É neste momento que a criança deixa de ser objeto de satisfação da mãe para se tornar um sujeito, passando ao status de sujeito desejante. Todo esse processo a respeito da formação do sujeito e a instauração do seu desejo pelo saber estão pautados na participação ativa dos pais.

Temos que levar em consideração que muitas vezes a ausência de interesse pelos resultados escolares, bons ou maus, pode também estar ligada ao modelo cultural dos pais. Porém, se a criança não é perturbada e nem responsabilizada pela sua situação escolar, pode vir a gerar uma espécie de adequação, de continuidade de seu meio de origem e a marca de sua própria inserção nele. Mas não vemos essa falta de preocupação somente dos pais, mas também da escola, que tolera o fracasso dos alunos, usando como desculpa o meio em que vivem e sendo omissa quando vitimiza o aluno e o coloca numa posição passiva frente a sua situação socioeconômica. Deste modo, tira dele a perspectiva de poder pensar uma história de vida diferente a que lhe foi estabelecida. Esta conduta dos pais e da escola pode gerar no aluno uma crença de que realmente ele não tem espaço. Acaba, com certa razão, fazendo reivindicações contra a sociedade que ele sente e acusa pela sua incompreensão e rejeição. Quando a família não vê o processo de aprendizagem como algo importante e a escola não faz investimento nesse aluno, fica realmente difícil despertar nas crianças o desejo pelo saber, pois se todos desistiram dela porque ela não desistiria?

Uma boa qualidade de trocas linguísticas e afetivas colocam a criança em situação de abordar com mais facilidade as primeiras aprendizagens escolares. Já a criança que não teve a oportunidade de ter essas condições, que domina mal a linguagem, que não está familiarizada com o desenho, a escrita e os jogos de formas pode vir a apresentar dificuldades.

As desigualdades dos cidadãos, que se fundamentavam na diferença das classes sociais, reaparecem atualmente sob a forma de desigualdade das capacidades intelectuais, como se a condição econômica fosse determinante na relação do sujeito com o universo da educação.

As desigualdades sociais reaparecem como desigualdade das capacidades intelectuais, como se a condição econômica fosse determinante na relação do sujeito com o universo da educação.

Comumente, dentro do contexto escolar nos deparamos com falas como: “eles não querem nada com nada, não se interessam por nada”, “não querem aprender; os pais mandam para a escola por causa do Bolsa Família e do Conselho Tutelar”. Estas são ideias comuns, que estão a serviço de nos manter em um lugar confortável onde a responsabilidade não é nossa, pois estamos fazendo a nossa parte, a culpa é “deles”. De certa forma não trocar de lugar, não mudar de ideia, operar de acordo com os pré-conceitos, pode parecer confortável. Esta suposta fragilidade esconde a dominação e a manipulação, propiciando que as coisas permaneçam exatamente onde estão.

A família, entendida como o primeiro contexto de socialização, exerce enorme influência sobre a criança e o adolescente. A atitude dos pais, suas práticas de criação e educação, e a atmosfera cultural vivenciada no ambiente doméstico são aspectos que interferem no desenvolvimento individual e, consequentemente, influenciam o comportamento da criança na escola, bem como o resultado que ela irá atingir.  Pensando em um contexto de poucos e inconsistentes estímulos e perspectivas, a educação poderá trazer a possibilidade da construção de uma história diferente daquela protagonizada pelos pais.

A atitude dos pais, suas práticas de criação e educação e a atmosfera cultural do ambiente doméstico interferem no desenvolvimento individual, influenciam o comportamento na escola e no resultado que as crianças irão atingir.

Não podemos deixar de pensar a relação familiar e a importância desta na vida escolar das crianças, porém, podemos pensar a escola sem esta, ou pensar uma escola que se mobilize no sentido de aproximar a família na vivência escolar, pois a falta da participação dos pais não pode servir como mais um desculpa, dentre muitas, para que a escola desista de desempenhar seu papel em construir cidadãos ou, pelo menos, se esforçar para que alguma modificação positiva aconteça na vida dos sujeitos que a ela foram entregues.

A primeira evidência na arte de compreender é a necessidade de estabelecer laços. É o que a criança faz desde o primeiro dia de sua vida, estabelecer laços entre as coisas, religa informações que lhe chegam de toda parte, seja através da percepção, da sensação ou da palavra. A aquisição da linguagem não pode ser neutra, não sendo um estoque de palavras como em um computador, mas desde o início, a linguagem vem carregada de afeto. Então o processo da aprendizagem na escola deve se dar pela mesma via: afeto. Como querer que os alunos aprendam quando se estabelece uma relação de fracasso, desabilitando-os de produzir, desacreditando no seu potencial? Não existe criança que não aprende ou não quer aprender, mas sim crianças que não aprenderam a estabelecer laços de afeto com a família, professores, escola e, conseqüentemente, com o saber. Por mais precários que eles sejam em casa, a escola pode propiciar uma relação saudável do aluno com a sociedade, na medida em que o trata como um indivíduo e o enxerga como um ser cheio de possibilidades.

Não existe criança que não aprende ou não queira aprender; mas crianças que não aprenderam a estabelecer laços de afeto com a família, com os professores, com a escola e com o saber.

No contexto de sala de aula temos que levar em consideração que tão importante quanto o que se ensina é a forma como o aluno se coloca diante deste, ou seja, o sentido deste conhecimento que está sendo oferecido.

Podemos pensar então na visão de Alonso Rays (1997) que insiste que a prática educativa não pode ser concebida isoladamente, e sim, deve ser pensada em sua relação com a sociedade. Dessa forma pensando a educação como a utilização da teoria formal aliada ao senso comum, ou seja, na lógica do autor em uma equação de razão teórica+razão prática=fazer didático.

De acordo com esta ótica, a aproximação do professor a realidade do aluno não somente seria benéfica no planejamento das aulas, mas sim, tornaria este mais próximo do universo por eles vivenciado, demonstrando investimento na prática educativa, dessa forma dispensando ao processo uma carga de afeição.

Jean Piaget (PIAGET apud. OLIVEIRA; REGO; 2002 p. 162) diz que apesar de diferentes em sua natureza, a afetividade e a cognição são inseparáveis, indissociadas em todas as ações simbólicas e sensório-motoras. Ele postulou que toda ação e pensamento comportam um aspecto cognitivo, representado pelas estruturas mentais, e um aspecto afetivo, representado por uma energética, que é a afetividade. Para Piaget o papel da afetividade é funcional na inteligência, é a fonte de energia de que a cognição se utiliza para seu funcionamento.

Vygotsky também tematizou as relações entre afeto e cognição, postulando que as emoções integram-se ao funcionamento mental geral, tendo uma participação ativa em sua configuração. (apud OLIVEIRA; REGO; 2002 p. 163).

A afetividade é a via de comunicação mais eficaz entre professor aluno, possibilitando o reconhecimento da capacidade intelectual do educando. Se dizemos que a educação hoje está caótica e difícil, temos o dever de pensar nas causas que a levaram a esta situação, fazendo uma reflexão acerca do comportamento dos pais e do corpo docente, para que possamos encontrar as causas e soluções para os problemas na escola hoje.

A cultura da não-reflexão

[quote_box_right]Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma. (Jose Saramago)[/quote_box_right]

Ficamos com a impressão de que as futilidades e apetrechos do momento tomaram, definitivamente, o lugar da reflexão. Não temos tempo para nos ocupar com os pensamentos, mas temos o maior e mais ingênuo orgulho de nos ocupar com as coisas que despertam o entretenimento, o descompromisso e os prazeres mais imediatos. Fomos transformados numa massa amorfa, acomodada e com poucos vestígios de indignação e questionamento. Somos, apenas, bons consumidores de tudo aquilo que outros pensaram como melhor para a vida da gente.

O mais intrigante e perigoso de nossa cultura de não-reflexão é que abrimos mão das responsabilidades para com a gente e para com o mundo. Sem reflexão, não geramos conhecimentos. Já sem os conhecimentos, gerados pela reflexão, não temos maiores compromissos senão com a nossa própria ignorância. Sem compromissos com a vida e com o planeta, a vida se parece mais leve, mais suave, mais, mais…

Há muito tempo ensinamos que pensar é algo perigoso. Que o melhor é sempre a gente se adaptar aos processos que organizam o mundo. Que o melhor é a gente cuidar de si e deixar Deus cuidar de todos. Ensinamos também que insatisfeitos e descontentes se retirem do lugar ou da posição em que se encontram. Ensinamos, por fim, amar as coisas antes de amar as gentes, as pessoas. Amamos mais as coisas do que as pessoas. Mas o que a gente jamais deixou de ensinar é que somos a partir daquilo que conseguimos ter ou parecer (diante dos outros). Que o mais importante é demonstrar poder e força, custe o que custar.

Os grandes pensadores são, quase sempre, grandes incompreendidos. Saramago alertou a humanidade sobre as suas cegueiras, em obra entitulada “Ensaio sobre a cegueira”.

Como somos, sem ideias? O que seremos sem reflexão (que nada mais é do que pensar a ação humana)? O que importa é que, apesar desta cultura de não-reflexão já ter tomado conta de quase todo mundo, ainda conseguimos espaços para perguntar e refletir, como estou fazendo agora. Resta saber se ainda existem espaços para a gente mudar, de verdade, o percurso que a engenhosa humanidade já decidiu trilhar. Se ainda teremos tempo de nos humanizar (nos tornar seres humanos melhores).

Eu ainda acredito e por isso escrevo. Por isso também você está lendo o que a minha consciência e  minha reflexão pediu para dizer.

Espelhos, camaradagem e identidade no Brasil

[quote_box_right]Podemos escolher o que semear, mas somos obrigados a colher aquilo de plantamos. (Provérbio chinês)[/quote_box_right]

Ao descrever a endêmica corrupção que grassa os cofres públicos do Brasil, não é possível ser simplista. Não há única explicação capaz de abarcar a complexa e permissiva cultura brasileira que acoberta quem corrompe e quem é corrompido. No entanto, preferível ter opinião, mesmo com o risco de não poder explicar a complexidade da realidade de um país que agora se descobre além de lindo, maravilhoso, de oportunidades, também corrupto.

Conversando desinteressadamente com experiente político do sul do Brasil, ouvi: “é o próprio povo que corrompe os políticos”. Inicialmente dei-lhe razão, mas pensei mais amplamente a afirmação. O povo tem atitudes que colaboram com a corrupção, mas os políticos, e antes os colonizadores, foram aqueles que praticaram corrupção para benefícios pessoais e próprios. Diria simplista acusar a população brasileira pela origem da corrupção, deixando os políticos livres de acusação. Por outro lado acusar somente os políticos pela corrupção é outro simplismo que não cabe na nossa história brasileira.

No princípio da colonização do Brasil, esta Terra foi Paraíso. Sendo um paraíso, aqui tudo podia. Como não havia leis, tudo estava liberado para a exploração desmedida, arrogante e prepotente dos colonizadores. Nesta época localizamos uma emblemática sinergia dos espelhos: o colonizado foi iludido de sua condição de inferioridade. Quando os nativos indígenas foram presenteados com espelhos, a intenção era que não vissem refletidos sua própria imagem. Os espelhos foram mostrando e confirmando aos mesmos a imagem cruel e discriminatória dos exploradores e enganadores. Sem querer, foram também assimilando parte de seus ideários.

Os espelhos dados como presentes aos povos indígenas constituíram uma identidade que não era a mesma dos que aqui viviam e povoavam. Os espelhos revelaram a sutil crueldade dos colonizadores que se apossaram da inocência e pureza dos colonizados. Os espelhos refletiram a corrupção, o roubo, o assassinato, o jeitinho fácil e enganador, a ideia da vida fácil.

Quando construímos a República, não assimilamos seu princípio fundamental: o respeito sagrado ao que é de todos. Muito antes, pelo contrário, alimentamos  falsa ideia de que o que é público não é de ninguém quando o que é público é tudo aquilo que tem um dono: todos.

A camaradagem foi nascendo como jeito de nos relacionar e fazer negócios. Somos conhecidos no mundo por nosso jeito de sempre burlar as leis e as normas que nós mesmos construímos. Construímos leis com base em oportunismos de ocasião, para sempre beneficiar uns poucos que ainda terão mais uma chance de perpetuar seu poder e sua influência na sociedade. Pense comigo em quantas leis que criamos, em período recente, com a intenção clara e intencionada de acomodar o interesse de alguns poucos.

Não tenhamos vergonha de nossa história e também não é caso de assumirmos “vergonha na cara”. Precisamos entender que o Brasil nasceu como nação por uma sinuosa e deliberada sacanagem: o roubo e apropriação de tudo o que era daqui. Esta, com certeza, é parte significativa para explicarmos nossa endêmica corrupção. Mas aqui também fazemos a história da resistência, das lutas, das conquistas de cidadania, dos direitos humanos, do reconhecimento e da dignidade humana. Desta história, devemos nos orgulhar muito.

Viva o Brasil, feito por brasileiros! Brasileiros não desistem nunca!

Poderes de professor

Aconteceu numa esquina de minha cidade. Tudo para ser encontro casual, mas o evento revelou verdade quase despercebida. Um policial conversava com um juiz, quando ambos foram interpelados por um professor. O professor, sem pretensão de diálogo filosófico ou de outra natureza, chegou junto a ambos com a intenção de cumprimentá-los.

O policial, conhecido dos dois, disse:

– Cuidado, juiz, este professor é um sujeito perigoso.
O professor nada entendeu. O juiz respondeu:
– Todo bom professor e todo professor que se valoriza é sempre perigoso. Sempre instiga nos alunos e na sociedade a inquietação, prima-irmã da indignação. A indignação pode nos remeter à necessidade de mudanças e, talvez por isso, professores sejam sempre perigosos.

O assunto se encerrou por aí, mas o universo das lembranças dos três conspirou para que a reflexão continuasse, semelhante a um evento que deixa rastros de luz e estranhamento que relutam em ficar restritos a quem o promoveu. Este é o caso que me leva a esta reflexão.

Nem sempre os professores tem a dimensão do seu poder, seja na vida das crianças, jovens, adolescentes e adultos ou seja a partir do que representa a sua profissão e os seus posicionamentos diante da vida, do mundo e da sociedade. Os professores, muito ocupados com suas tarefas, funções e atribuições nem sempre dedicam devido tempo para pensar sobre o que fazem.

Fato é que, de forma desinteressada e desmedida, professores e professoras são grandes referências na infância e juventude de nossa gente. Seus conselhos, seus gestos, suas palavras, sua disponibilidade para compreender o universo infanto-juvenil constituem habilidades que ensejam poder de mudar, poder de influenciar, poder de libertar. Não é um poder assustador e nem preponderante, mas é um poder humanizador, motivado pelo desejo de promover os sonhos, as capacidades e as potencialidades das crianças e jovens, em formação.

A educação, tendo como protagonistas o educando e o educador, não tem poderes para mudar o mundo. “A educação muda as pessoas, e pessoas mudam o mundo”. A força do professor/educador está na relação que o mesmo consegue estabelecer com seus educandos, fazendo-os sempre enxergar para além das aparências, do imediatismo, do superficial, do irrelevante. Quem gosta da profissão, torna-a significativa para si e para aqueles que são sua companhia. O perigoso dos professores e das escolas é que estes tem a possibilidade concreta de realizar processos: um dia após outro, conteúdos que se relacionam, conhecimentos que se cruzam, métodos que permitem aprofundar e sistematizar a informação que vira conhecimento. O mundo, modo geral, torna a vida uma sequência de eventos: desconectados, sem continuidade e sem amarração. Alguns eventos melhores do que as aulas, só que sempre passageiros.

A vida humana exige relação, amarração, processo, síntese, acúmulo, reflexão, continuidade. Por isso mesmo que professores que acreditam na humanização das pessoas a partir do conhecimento tornam a sua ação educativa diferenciada; talvez por isso poderosa. A vida não se esgota em eventos, mas os eventos esgotam seus sentidos quando acabam! Viver é sempre costurar os diferentes sentidos da existência, a partir dos aprendizados de todas as experiências que fizemos.

Uma história sobre a Terra

Antes de conhecer Ilan Brenman, li seu livro “O que a terra está falando”. Encontrei um exemplar da obra na sala dos professores de minha escola, com carimbo do Ministério da Educação, FNDE, Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE 2013, Editora Edelbra).

Este conto é da tradição oral judaica e retrata com extrema sensibilidade o conflito, as guerras e as disputas em torno da terra. Foi uma surpresa agradável descobrir este texto e desafiar os alunos dos sextos anos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Guaracy Barroso Marinho, num bairro de gente humilde de Passo Fundo, para interpretá-los através de desenhos.

A história foi dividida em 05 partes: a) Momento do arrendamento da terra; b) Arrendatário produzindo a terra; c) Reencontro e briga dos amigos; d) Juiz e a sentença; e) Reconciliação e paz.

Divididos em grupos, os alunos desenharam interpretando a sucessão de fatos que retratam as diferentes percepções que podemos ter sobre a mesma terra: terra seca e sem produção; terra produzindo a partir da intervenção humana; as disputas pela terra quando ela é produtiva; a sentença de que a Terra não tem dono e de que todos pertencem a ela; a reconciliação e a paz entre os amigos quando estes entendem que a terra não pode ser motivo de disputa e brigas.

Recomendo esta obra para que seja lida e interpretada por alunos do Ensino Fundamental II. O retorno é muito interessante e a história é instigadora da criatividade e curiosidade das crianças e adolescentes.

O autor Ilan Brenman é um dos mais importantes autores de livros infantis do Brasil.

As ilustrações que compõem esta publicação são da aluna do sexto ano Iasmyn Souza.

Abençoada paixão de ensinar

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Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais…

Rubem Alves

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Vivemos tempos em que permitimos pisotear flores, ignorar pérolas, subjugar pessoas e a mãe natureza. Estamos vivendo tempos em que é permitido menosprezar aquelas e aqueles que, heroicamente, tecem histórias suas, e de outros, construindo o mundo da vida e da sabedoria. Estes são tempos em que aqueles que cuidam, não são cuidados. Aqueles que educam, não são valorizados. Aqueles que amam, sofrem com o deboche e o desprezo daqueles que não acreditam mais no amor.

A vida dos que chamamos mestres, educadores, professores, infelizmente, também é triste e desmotivada. Sim, logo aqueles e aquelas dos quais a sociedade ainda espera muito (saber, sabor e sabedoria). Pouco valorizados e feridos em sua dignidade, estes resistem bravamente. Os educadores e educadoras, como os demais humanos, são movidos por suas utopias e paixões. Mas a realidade cotidiana é sempre dura, reveladora e cheia de contradições.  A escola tornou-se um lugar de onde se espera muitas soluções; muitas delas estão muito além das demandas de ensino-aprendizagem e das competências a partir das quais a mesma se organiza.

Pouco valorizados e feridos em sua dignidade, estes resistem bravamente. Os educadores e educadoras, como os demais humanos, são movidos por suas utopias e paixões. Mas a realidade cotidiana é sempre dura, reveladora e cheia de contradições.

Os professores não deveriam, mas já se acostumaram. Acostumaram a ganhar baixos salários. Acostumaram a ter de trabalhar 60 horas semanais para garantir mais dignidade à sua família. Acostumaram a aceitar todo o tipo de pressão que a sociedade e os governos exercem sobre seu ofício e sobre a escola. E agora, pasmem, alguns já estão se acostumando com a desesperança, que pode ser lida na expressão de seus rostos e de seus olhares. Uma constatação triste, pois sempre foram e ainda são vistos pelos adolescentes e jovens como um alento da esperança.

Nossos professores e nossas professoras estão doentes e estressados. Cuidaram, encaminharam e salvaram vidas alheias, mas não dedicaram o devido tempo para cuidar de sua própria vida. Como contemporiza a escritora Marina Colasanti, “eu sei que a gente se acostuma, mas não devia. A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. A gente se acostuma para poupar a vida, que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma”.

Os professores continuarão fazendo das escolas espaços de humanização. Acreditam que, através do conhecimento, todos os seres humanos podem ser cada dia melhores.

Apesar de já terem se acostumado com tantas coisas, a maioria mantém firme sua missão de semear esperanças. Muitos ainda alimentam orgulho de sua profissão. Converse com algum deles e você verá como resistem para não virarem números ou meras figuras decorativas. Muitos deles já pensaram em desistir, mas não conseguiram. “Desistir… eu já pensei seriamente nisso, mas nunca me levei realmente a sério; é que tem mais chão nos meus olhos do que cansaço nas minhas pernas, mais esperança nos meus passos, do que tristeza nos meus ombros, mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça” (Geraldo Estáquio de Souza).

Ainda que tomados por imensa paixão de ensinar e por uma coragem, que nem sempre sabem de onde vem, desejam compreensão e apoio para dar conta de grande missão de educar para a vida, para a cidadania, para o conhecimento. Os professores continuarão fazendo das escolas espaços de humanização. Acreditam que, através do conhecimento, todos os seres humanos podem ser cada dia melhores. Abençoados sejam!

Ser professor no início do III milênio – Eládio Vilmar Weschenfelder

Como professor de Português e de Literatura há mais de três décadas, o tempo todo momento me concentro para definir o perfil e a função fundamental do(a) professor(a) em todos os seus níveis nesse início do III Milênio.

Há apenas duas opções: manter a tradição ou inovar. Tenho certeza de que educar é ensinar e educar. Ensinar a ler, escrever, calcular, fazer as coisas em função do bem e pensar sempre. Educar para a ética, para o senso crítico, para o bem comum, para enfrentar as dificuldades e para a busca da realização pessoal e profissional.   No entanto, frente aos novos desafios científicos, tecnológicos, políticos, morais, econômicos, dentre outros, ensinar implica, sobretudo inovação.  As novas gerações de estudantes clamam por um ensino que implique adoção de novas metodologias, ferramentas, linguagens, tecnologias e filosofias que lhes garantam mudanças no trato das relações interpessoais, profissionais, e, sobretudo interação com as novas tecnologias de comunicação e entretenimento.

Foi-se o tempo de um ensino autoritário, sisudo, impositivo, cognitivo, intransigente, monológico e repressor. Vide o texto machadiano intitulado Conto de Escola.  Por outro lado, há que se apresentar uma escola com professores bem remunerados e capacitados profissionalmente, que se apropriem, moderadamente, das novas tecnologias em suas práticas letivas. Quero dizer que todas as áreas devem dialogar entre si, buscando alcançar coletivamente alguns parâmetros que lhes garantam sabedoria, discernimento, compreensão do mundo, preparando seus aprendentes para enfrentar os desafios desta nova era.

As novas gerações de estudantes clamam por um ensino que implique adoção de novas metodologias, ferramentas, linguagens, tecnologias e filosofias que lhes garantam mudanças.

Para tanto, os professores, quer sejam da rede pública ou privada, não podem prescindir de uma boa bibliografia (biblioteca familiar), cursos continuados de qualificação e aprimoramento, leituras de textos em múltiplos suportes contidos nos livros, jornais, revistas especializadas e nos ligados à grande rede de computadores.

A ciência tem alterado a vida humana em amplos sentidos, para além do que a Internet e a convergência tecnológica já estão fazendo. Vendo os grandes temas recentes: a utilização das célula-tronco embrionárias e a fecunda discussão sobre a origem da vida feita pelos juízes do STF, que promete regenerar órgãos humanos e ampliar o tempo de vida; os desequilíbrios climáticos, que tornam nosso mundo dependente do desenvolvimento da ciência para escapar do desastre da tecnologia destruidora do meio-ambiente, a perspectiva recente de que se há água em Marte, e que, em algum momento, houve por lá vida humana na cadeia de carbono, ou seja, vida como a nossa, a  vertigem da globalização que operou a impensada irrupção da China e Índia como players do comércio internacional, superando as limitações do Estado comunista e Estado teocrático,  a inesperada crise de energia e de alimentos, que tornou o mundo dependente da ciência e tecnologia,  o despontar do Brasil como produtor de etanol, a nova forma  de energia limpa, que aponta para, num futuro não muito distante, ser ele uma potência emergente por ter energia e áreas para produção de alimentos, as doenças endêmicas da humanidade, a crise política no Congresso, no Senado e nos governos dos Estados brasileiros, as drogas modernas, dentre tantos outros,  temas que devem entrar em discussão no ambiente escolar.

Não é o que nós, das artes e da cultura, gostaríamos, mas a verdade é que o mundo está mais dependente do que nunca da ciência e, cada vez mais afastado das artes, da sensibilidade humana e da cultura. Razões de sobra para discutirmos a ciência no âmbito da cultura e das artes, dentre elas, a literária.

Por tudo isso avalio que poderíamos discutir não a formação do pensamento, posto que ele já está formado pela tecnologia, que é aplicação do saber científico, e pela ciência, e que, ao mesmo tempo em que alivia a dor e prolonga a vida, instaura as crises de energia e alimentos, ameaçando destruir o planeta, nos impondo uma ainda maior dependência das saídas urgentes que só a ciência pode dar à humanidade, mas também o sentido de nossa existência finita neste planeta. Diria que o grande tema poderia ser: arte-homem-ciência: vida e morte.

Ideias são lentes? – Sérgio Augusto Sardi

Há algo de estranho e admirável no mundo. Pensar, por exemplo, que tudo poderia simplesmente não existir, ou que sequer sabemos o que somos, para onde vamos e qual o sentido de tudo… pode até causar vertigens. Pois, são muitas, e são decisivas as perguntas que surgem quando indagamos o sentido último de tudo o que nos cerca.

Começa, aqui, uma singular experiência do pensamento, a Filosofia, caminho trilhado desde a Grécia Antiga, ou ainda antes. Mas, além de um começo na história, esse despertar está em cada um que vivencia a mudança de percepção da realidade que as questões filosóficas evocam. Assim como os gregos, um dia começamos a refletir sobre os mitos que narram as origens, os porquês e a finalidade de tudo. Como eles, passamos a estranhar aquilo que pensávamos ser trivial, a duvidar do óbvio e a buscar as razões das nossas perguntas e respostas.

O mundo atual seria impensável sem o legado de pensadores gregos como Sócrates, Platão e Aristóteles. Suas lentes ainda hoje são importantes para compreendermos nosso mundo em ligeiras e significativas mudanças.

Tudo se transforma?

Qual o problema que moveu os primeiros filósofos? Quais foram as lentes que eles utilizaram para ver e interpretar o mundo? Eles se deram conta de algo surpreendente: tudo muda, tudo está constantemente deixando de ser o que era para vir a ser outra coisa. Nada permanece igual, nem sequer eu, ou você! Eis que surge o outro lado da questão: se tudo está em transformação, como é possível que o mundo, ou cada um de nós, continue a ser, de certo modo, o mesmo?

Deve haver algo, pensaram os gregos, que permanece idêntico, no fundo de tudo o que se transforma. Um princípio de estabilidade e unidade, apesar da multiplicidade e da mutação incessante de todas as coisas.

Tales e Anaxímenes, no século VI a.C., buscaram esse princípio no âmbito do visível. Julgaram ser algum tipo de matéria, como a água, ou o ar, que se transformaria naquilo que observamos na natureza, podendo voltar a ser o que era. Porém, outro pensador, Heráclito, seguiu um caminho diverso, propondo que a ordem do mundo estava no próprio vir a ser contínuo de todas as coisas. Seria preciso ir além, e filósofos como Pitágoras e Parmênides, dentre outros, pensaram a estabilidade e a unidade do mundo a partir do invisível, chegando aos números e ao Ser como princípios. Inauguraram, com isso, outro problema: o das relações entre conhecimento e realidade. A busca prosseguiu com Demócrito e Leucipo, no século V a.C., que conceberam partículas indivisíveis, os átomos, a sustentar a existência do mundo, uma ideia bastante familiar aos dias atuais.

O que é a verdade?

Algo começou a mudar quando Sócrates, nas ruas de Atenas, passou a interrogar àqueles que diziam conhecer a verdade, até que se dessem conta de que, no fundo, não a conheciam. Ele mesmo dizia saber apenas que nada sabia. Livre de preconceitos, cada um poderia fazer nascer, em sua interioridade, novas ideias. Pois só começamos a filosofar quando percebemos que somos aprendizes do aprender, e passamos a pensar sobre como pensamos. Com Sócrates, foi o próprio homem o motivo de admiração e reflexão filosófica.

Platão retratou, em diálogos, este método de educação de Sócrates, a maiêutica, assim como sua vida. Em “O banquete”, disse que a sabedoria não pertence ao ser humano, pois é algo divino, mas é preciso continuar a buscá-la, ser “amigo da sabedoria”, ou seja, filósofo. Ele se voltou, então, contra a relação utilitária com o discurso e o conhecimento que alguns sofistas representavam. Eles eram homens que diziam poder defender igualmente teses contrárias, dependendo dos interesses em jogo. Para tanto, buscavam iludir, distorcendo argumentos e promovendo uma luta verbal. Assim, Platão passou a sua vida buscando distinguir as aparências da realidade. Mas, para isso, precisou refletir sobre a totalidade do mundo e do conhecimento humano.

Platão, assim como Aristóteles, que foi seu discípulo, concebeu o mundo como um sistema, algo como uma pirâmide de ideias ou conceitos, onde, no topo, ou princípio, deveriam estar aqueles que abrangessem a realidade como um todo, conferindo unidade e estabilidade ao real. Na base, as coisas múltiplas e mutáveis que nos cercam. Discordaram, porém, sobre a relação entre essas ideias e o mundo.

Aristóteles vai além, desenvolvendo a Lógica e os fundamentos das ciências, como, por exemplo, a Física. De fato, o mundo atual seria impensável sem o legado destes pensadores.

A escola só serve para ensinar conteúdos? – Sueli Gehlen Frosi

A escola para muitos é lugar de aprender as várias disciplinas obrigatórias, submeter os estudantes a provas de conhecimento e aprovar os que aprenderam e reprovar os que não. É um conjunto arquitetônico pensado para a vigilância, para a promoção da disciplina, com o intuito de que a norma seja respeitada.

Historicamente preferimos silenciar acerca da sexualidade infantil. Negamos essa dimensão como se as crianças não fossem seres que tentam descobrir o próprio corpo e, com isso, descobrem que são dotados de características sexuais, que os diferenciam uns dos outros. São, em essência, seres desejantes, desde bebezinhos.

A criança entra para a escola por inteiro. Ela não deixa a sua sexualidade em casa, nem cala suas descobertas. A observação da vida é um aprendizado ininterrupto, que tem o mundo físico como laboratório, por isso a convivência com os amigos e colegas é pautada pela vivência da sexualidade. Todo o comportamento humano é perpassado pela sexualidade, o que na infância e na adolescência é algo pulsante e revelador.

O corpo transmite visões de mundo. Consegue-se detectar as relações que as crianças têm com o próprio corpo, que podem ser de vergonha, de inadequação, de constatação de que é admirado, olhado, enfrentado. Sabendo-se disso, deve-se perguntar como algo tão forte e importante não é objeto de estudo aprofundado por parte dos professores e professoras, como o Estado se mantém neutro frente a tantos conflitos, preconceitos e violência dentro das escolas, em grande parte por causa de problemas de gênero.

A dimensão social e coletiva é vivida fora da família, motivo pelo qual é tão importante que a escola esteja preparada para acolher a questões tão delicadas e determinantes para a saúde e integralidade da pessoa como a sexualidade.

Cuidar de todas as dimensões humanas deveria ser a mola propulsora de todas as escolas e dos que elaboram Planos Nacionais, Estaduais e Municipais de Educação. Chamar de ideologia o cuidado com as questões de gênero revela a concepção ultrapassada de que nascemos prontos e que podemos pensar como sempre foi pensado, que devemos obedecer a normas cegamente, que não devemos questionar um modelo falido, mas que nos dá o poder de vigiar, controlar, perpetuar – agora sim – ideologias. Ao invés de nos comportarmos de forma anacrônica, podemos ajudar as crianças a pensar sobre si e sobre o outro de forma cuidadosa, identificando e respeitando as diferenças.

A família passa as informações primárias sobre sexualidade, na medida em que produz situações de amamentação, parto, gravidez, contracepção e, importante, fala sobre esses assuntos. Ela tem a prerrogativa primeira de educar para a sexualidade e o cuidado pessoal. Mas a dimensão social e coletiva é vivida fora da família, motivo pelo qual é tão importante que a escola esteja preparada para acolher a questões tão delicadas e determinantes para a saúde das pessoas.

O silêncio da escola nas questões de gênero reproduz o medo que temos de problematizar a realidade. As questões de gênero são algo profundo e abrangente. Espera-se que o Estado esteja atento a isso e que a academia forme profissionais da educação capazes de discutir, acolher e pacificar os muitos conflitos e mal entendidos que ainda ofuscam a beleza da sexualidade humana.

Deve ser uma beleza reproduzir conhecimento que já não atende às exigências atuais! Agindo sempre igual não precisamos nos preocupar em pensar, nem em tomar decisões próprias. Podemos nos limitar a lembrar com saudade de como fomos criados, de como nossos avós foram criados e de como alguns livros tratam de todos os assuntos, como se não houvesse necessidade de atualização, nem adequação aos rumos de uma sociedade que se reinventa todos os dias. A escola, para além dos conteúdos formais, pode servir como um grande laboratório para conceber e compreender a vida integralmente.

Reino encantado de Luzé

Num reino encantado, bem longe daqui, mas perto de Susa, reina Luzé. Luzé de luz com muito brilho. O rei tem estranha mania de tocar e intervir em tudo. Onde toca e intervém, joga suas luzes e seus brilhos. Alimenta a ilusão de que reina sobre tudo e sobre todos. Tem pretensão de sempre ser paparicado e exaltado, mesmo quando seus feitos não são os mais acertados e apropriados.

Seu reino é encantado, mas os encantos não afastam as contradições. Luzé considera-se sempre o mais esperto e o mais astuto de todos os reis.  Luzé conta, solidariamente, com contribuições bem medidas e intencionadas de três importantes súditos: Matzu, Zimbá e Neco. Junto com eles, organiza um complexo círculo de governança e de poder. Matzu, um obstinado por frações de poder. Zimbá, um oportunista de plantão. Neco, o mais fiel defensor e escudeiro.

Nenhuma mulher é uma referência em seu reino. Luzé faz questão de estar rodeado de mulheres, ocupando espaços de poder e dividindo responsabilidades. Todavia, sempre em funções bem subordinadas a ele. As mulheres lhe servem na resolução dos maiores problemas, dadas suas capacidades intelectivas e intuitivas.

Luzé sabe que todo reinado corre riscos. Para tanto, deseja imprimir, sem perder tempo, sua grande marca: ocupar todos os espaços físicos para garantir-lhe uma importância relevante. Deseja constituir espaços determinados para o lazer, entretenimento e a diversão do povo. Pretende ainda doar outros espaços para novos empreendimentos para gente influente de seu reino. O rei Luzé tem certeza de que o brilhantismo de suas ideias sempre será maior do que todas as vozes críticas que sobrevivem no seu reino, quase sempre combatidas por sutis mecanismos.

Nesta sua tentativa de ocupar a cidade e dar-lhe novos significados e novas roupagens, vale-se da influência de seus mais importantes súditos. Para realizar seus desejos impetuosos, Luzé faz alianças programáticas com o líder Matzu. Como é jovem, Matzu joga com sua força, sua oratória e jovialidade para impressionar tanto o rei e seus admiradores. Ele até tenta, mas não consegue esconder o desejo de, mais tarde, ser recompensado com um espaço mais privilegiado de poder no reino.  Desejaria, um dia, ser apresentado com grandeza e em praça pública aos súditos e governados pelo rei, como também fora o desejo de Amã, súdito do rei Assuero.

Zimbá é outro líder que colabora significativamente com o rei Luzé. Zimbá é líder de um grupo de governados que mantém os serviços essenciais do reino: educação, saúde, segurança, trânsito, habitação, tributação e pequenas obras. Para muitos deles, nunca inspirou muita confiança. Até bem pouco tempo atrás, declarava-se ferrenho questionador das obras do rei. Contudo, resolveu aliar-se em troca de futuras benesses.

Neco, como todo fiel escudeiro, é sempre firme e fiel ao rei. No passado, alimentava indignação e rebeldia. Para quem o conhecia há mais tempo, passa a impressão de que Neco transformou o vigor das suas rebeldias juvenis em defesas sempre coloquiais, seguras e certeiras em defesa de todas as iniciativas do rei. Talvez, por isso mesmo, o rei não precise nem mesmo de defesas de outros súditos, que lhe são mais próximos.

Com tanto sucesso nesta sua engenhosa forma de governar, o rei Luzé se sente cada vez mais mimado e querido por todos os seus súditos e governados. Quando aparece, mostra sempre um sorriso bem aberto, fácil. Sempre impressiona pela desenvoltura da chegada, pelo calor quase excessivo dos abraços, pelos acenos insistentes e pelos discursos empolgantes.

Contaram que já há súditos e governados que desconfiam dos verdadeiros propósitos do rei Luzé. Preocupam-se os desejos impetuosos do rei que trata de esconder a realidade para seus governados para fins de se perpetuar no poder. Muitos destes já leram O Livro de Ester. Sabem que em todo o reino precisa haver um Mardoqueu e uma Ester para que o poder possa estar a serviço da justiça e não a serviço das vaidades e interesses pessoais de quem quer que seja. Desejariam até mudar de reinado, mas ainda estão órfãos de um líder que represente seus desejos de mudança.

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