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Bibliotecas escolares: sinal de alerta no país

Dados dos últimos censos revelam que o atendimento na rede pública é oferecido com precariedade. Por vezes, falta local para consulta ou empréstimo, não tem profissional para o serviço ou, ainda, carece de conservação ou acervo. Muitas bibliotecas escolares têm espaço e acervo, mas faltam profissionais para incentivo, atividades ou empréstimos regulares. Muitas bibliotecas escolares têm espaço e acervo, mas faltam profissionais para incentivo, atividades ou empréstimos regulares.

Importante ferramenta de acesso e ampliação do conhecimento, o livro e a leitura são questões a serem lembradas e valorizadas, especialmente neste período de volta às aulas. Um dos desafios a serem enfrentados no ensino é a qualificação das bibliotecas escolares no país. Estudo realizado pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), com base no Censo Escolar 2022, mostra que somente 31% das escolas públicas brasileiras possuem biblioteca.

A situação é ainda mais grave na Educação Infantil – quando esse despertar para o mundo dos livros e o prazer pela leitura deveria ser impulsionado –, em que só 18% dos estabelecimentos educativos têm espaço para consulta, atividades e empréstimo de livros. Também se verifica que 52% dos alunos matriculados em escolas públicas brasileiras estudam em estabelecimentos sem bibliotecas. Neste quesito, os ensinos Infantil e Fundamental destacam-se negativamente: com 78% dos alunos da Educação Infantil (cerca de 5,2 milhões); e 51%, do Fundamental (11 milhões de crianças) não possuem bibliotecas à disposição no ambiente escolar.

Já no Ensino Médio, essa falta afeta 31% dos estudantes (2 milhões). A análise regionalizada do problema indica que os estados com menor percentual de alunos matriculados em estabelecimentos de ensino com bibliotecas são Acre (13%), São Paulo (16%), Maranhão (29%) e Distrito Federal (31%). E os que contam com mais estudantes em escolas com bibliotecas são Minas Gerais (82%), Rio Grande do Sul (76%), Paraná (73%) e Goiás (69%). Por rede de ensino, 98% das escolas federais têm biblioteca, nas redes estaduais são 61% e nas municipais ficam em 23%. E entre as escolas públicas com bibliotecas, apenas 45% possuem bibliotecário.

Nos estabelecimentos estaduais, 51% têm bibliotecários e nos municipais 39%.

Legislação

O atual cenário das bibliotecas não reflete a determinação legal, preconizada pela Lei Federal 12.244/2010, determinando que as instituições públicas e privadas de todos os sistemas de ensino do Brasil tenham bibliotecas. Além disso, concede prazo de 10 anos, já esgotado, para a universalização destes espaços. Na mesma ótica, temos o Plano Nacional de Educação (PNE), instituído pela Lei Federal 13.005/2014, que reconhece a oferta de escolas com ambientes adequados como condição básica para o desenvolvimento da ação educativa.

Controle

Cezar Miola, presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) assinala a relevância da leitura para o desenvolvimento das crianças. “Como deixa claro a obra ‘Faça-os Ler!’, de Michel Desmurget, o livro é o meio de aprendizado mais adequado para o funcionamento cerebral, sendo que todas as evidências demonstram inequivocamente o impacto positivo da leitura no desenvolvimento das crianças”, destaca. E ainda cita Desmurget, quando ressalta que o formato em papel, dos livros, favorece a concentração e a sensação de imersão do leitor.

O conselheiro Miola relembra que recente pesquisa realizada no Brasil demonstra que, em um nível socioeconômico mais baixo, a existência e a utilização de espaços de leitura trazem melhores resultados de aprendizagem aos estudantes. “Segundo os autores do estudo, em contextos de grandes desigualdades, melhorias na infraestrutura escolar, tais como nos espaços de leitura, tendem a incidir de maneira mais significativa sobre os resultados escolares.”

E o desafio de disponibilizar e garantir o pleno funcionamento e serviço das bibliotecas escolares, com acesso e atendimento especializado, é reafirmado pelo dirigente da Atricon. “Ao darmos visibilidade aos números, pretendemos, essencialmente, estimular a adoção de medidas capazes de resolver os problemas detectados”, assegura Miola. Em 2023, baseado no Censo 2022, técnicos dos 32 Tribunais de Contas brasileiros auditaram, em abril, 1.088 escolas de 537 cidades brasileiras com a Operação Educação – Fiscalização Ordenada Nacional. Detalhes: http://tinyurl.com/ycxvrnat.

Autoria: Maria José Vasconcelos

FONTE: https://atricon.org.br/correio-do-povo-bibliotecas-escolares-sinal-de-alerta-no-pais/

Edição: A. R.

Há cinquenta países que leem mais do que nós. O que nos atrasa?

Sim, o prazer, o deleite em ler, a calma preciosa da leitura degustada, sem pressa, sem cobrança, que nos emociona e nos transforma.

“E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se.  A sua casa perdeu aquele ar sombrio e concentrado que a entristecia; já apareciam por lá alguns companheiros de estalagem, para dar dois dedos de palestra nas horas de descanso…

E o curioso é que quanto mais ia ele caindo nos usos e costumes brasileiros, tanto mais os seus sentidos se apuravam, posto que em detrimento das suas forças físicas.  Tinha agora o ouvido menos grosseiro para a música, compreendia até as intenções poéticas dos sertanejos, quando cantam à viola os seus amores infelizes…” (do livro O cortiço, Aluísio Azevedo)

Seria impensável, como exigência aos nossos alunos e alunas, que descrevessem sobre texto acima, sem consultar, claro, quaisquer fontes.

Não tem problema.

Compreende-se o trauma em se exigir a um público letrado ou desconhecido, em relação a este escrito, realizado em 1890; um clássico, um livro indispensável a qualquer brasileiro, aos que estão à boca do vestibular, aos que já passaram e aos que jamais passarão. Não importa.

E por qual razão destacamos o artigo?

Porque mesmo que a história estivesse à disposição de todas as pessoas, em praças ou em quaisquer locais públicos, escolas ou empresas, hoje, o seu interesse seria mediano; quem sabe, nenhum!

E a razão é simples: há prazer nessa leitura. As suas páginas nos remetem há uma época que ficou no passado, mas nem tanto. Seus personagens, todos do século XIX, parecem retirados de nossos arrabaldes de hoje, em periferias esquecidas, onde as pessoas muitas vezes vivem amontoadas, em espaços ultrajantes.

Aluísio Azevedo escreveu seu livro e o destinou para os próximos séculos, pelo menos dois. Suas palavras, muitas delas incompreensíveis para o escasso vocabular que nos contorna, soa um país que não mais existe. Portanto, não há motivos para ler o que não nos diz respeito.

Eis o engano!

Lemos o Cortiço por puro prazer. Como tantos outros. Não se precisa de mais nada.

Apenas os derivados do livro: encantamento, satisfação.  Deleite, como uma professora, recentemente, em Mogi das Cruzes, referindo-se à leitura de um livro em sala de aula, destacou:

Fizemos a leitura deleite, eu e um aluno.  Depois a reflexão sobre a história.

 O que é uma declaração feita um oásis, no deserto da leitura.

Quem lê O Cortiço não quer parar; tem os seus sentidos aguçados, por uma época, em que se pensa, já passou, e, em seguida, vê-la na esquina.  Está logo ali. Por que diz respeito a nós, como país, que mesmo após 100 anos não encontra soluções dignas que prevaleçam.

Suas palavras obtusas e deliciosas, presas ao seu século, fazem parar seus leitores em todas as páginas. Seus personagens formam um convite para que entremos na história, no seu dia a dia, o que para um leitor mais eufórico, pode escolher o que mais lhe parece familiar, e com ele conviver até o seu final.

Não seria exatamente o que nos falta nestes dias sombrios, de escassa e frívola leitura?  Para deixarmos o índice ao qual fazemos parte, o dos países mais iletrados do mundo?

Sim, o prazer, o deleite em ler, a calma preciosa da leitura degustada, sem pressa, sem cobrança, que nos emociona e nos transforma.

Leia também a crônica Ler: um prazer pouco valorizado: https://www.neipies.com/ler-prazer-pouco-explorado/

Estamos todos correndo, muito ocupados, tentando ser felizes, como nos diz Matthew Kelly.

Sejamos francos, é uma guerra quase perdida, a da leitura, da curiosidade por livros e mais livros. Novos e antigos, os que falam de outras épocas ou de época nenhuma, e que induzem a um pensamento abstrato e desprovido de qualquer conforto.

Vivemos o tempo dos livros esquecidos.

Haverá solução ao vermos a mudança, nesta geração de péssimo vocabulário, da comunicação truncada e das redações zeradas? Há tempo de parar essa corrida insana de nossas crianças, em sua busca por aplicativos que vendem imagens, em prazeres furtivos, trocando-as para outras imagens, imaginárias, as do prazer do silêncio em uma leitura contemplativa?

Pensem:  quem irá se interessar por leitura, observando seus pais em casa, que não leem, seus irmãos, que não leem, professores sobrecarregados, muitas vezes, que não leem…que motivação as fará mudar?  Vamos esperar que tomem a sua própria iniciativa? E se lerem, que níveis de prazer e fruição buscarão?

Em um minuto apenas, uma criança pode assistir 12 vídeos em qualquer um dos aplicativos que recheiam seus celulares. E se forem desinteressantes ao seu campo imediato de prazer, até mais. Façam as contas.

Aos meninos e meninas que tem um alcance tão grande de acessos pelas redes, mal sabem eles, que sem leitura e interpretação, sem debate e orientação, serão as próprias redes que os tornarão idiotizados.

Penso que o incentivo à prática e à vivência da leitura terá de ser resgatado pelo prazer de se ler, antes de qualquer oferta mercadológica que feiras de livros ofereçam; ou de qualquer estante exposta em um supermercado, passando a falsa impressão de que há incentivo e interesse à leitura nestes dias.

Ler, aquietar-se, tem de vir de dentro. Mas passa pela opção familiar em desacelerar, apagar as luzes que as tornam vigilantes o tempo todo, libertar-se do poder inebriante e inútil da televisão.  Aliás, ler em família, debater temas e livros se tornou tão raro que, quem o fizer e falar, levará escândalo a vizinhos e amigos.

Em tempos de resgate e compreensão da empatia, quem não perceber que ela pode nascer justamente da leitura, perderá o seu tempo na sua insistência.

Foram nas primeiras leituras que todos nós, vivendo as suas histórias, fomos colocados no lugar de vilões e heróis, assumindo papéis que a realidade nos impedia. E como leitores, fomos transformados em atores, assumindo roupagens distintas, em personagens improváveis.

E continua sendo dessa forma! Na leitura, mergulhamos em uma realidade que não vemos, sentimos.  E, sentindo, terminamos por nos tornar naquilo em que lemos. Daí que a leitura é a primeira geradora da empatia, e somente por ela, torna nossos instintos controláveis e mais previsíveis, podendo administrar nossos próprios ódios, e os alheios, a partir de nossos sofás. Porque um livro à mão é um julgamento a menos.

Quem quer mergulhar na leitura do Cortiço, mesmo que nesse tempo histórico nem queira viver? É uma viagem, vendo as palavras terem vida, sentido e prazer.

Pois será como no título deste livro, que vamos nos transformar como nação, pensando, que somente em oferecer mais livros será o suficiente para despertar a sua sedução.

Na magia da leitura somos enfeitiçados.  É o que nos liberta!

Autor: Nelceu Zanatta. Também publicou no site a crônica “O fim da empatia é o fim da civilização”: https://www.neipies.com/o-fim-da-empatia-e-o-fim-da-civilizacao/

Edição: A. R.

A luta contra o Totalitarismo

O aspecto mais perigoso do totalitarismo é que ele trata os indivíduos como se fossem supérfluos. Os indivíduos já não são mais singulares e contribuintes importantes para a cultura e para a política, mas sim criaturas que podem ser facilmente sacrificadas para a ideologia ou condicionadas a agir de maneira previsível e obediente.

Hannah Arendt (1906-1975) é uma importante e controversa pensadora política cujas opiniões não podem ser facilmente rotuladas. Diferente de muitos outros pensadores famosos de seu tempo, que usavam a erudição como forma de se destacar no cenário intelectual, Arendt é uma escritora clara, concisa, pois escreveu para o público em geral, não para plateias meramente acadêmicas. Seus escritos são extremamente férteis para pensar o mundo atual, pois ocupou-se de diversos temas e diversos assuntos polêmicos e instigantes.

Nasceu na Alemanha, filha de uma família de judeus assimilados, estudou em boas escolas na alemãs, doutorou-se em filosofia com uma tese orientada pelo grande filósofo existencialista Karl Jaspers, que teve por título “O conceito de amor em Santo Agostinho”. Com a ascensão do nazismo na Alemanha, refugiou-se na França e depois nos Estados Unidos, onde obteve a condição de cidadão americana em 1951 e onde viveu até o final de sua vida.

Uma das tantas obras escritas por Arendt, e que a tornou famosa no mundo todo, foi As Origens do Totalitarismo. Escrito entre 1945 a 1949 e publicada em 1951, o livro trata dos três pilares que cristalizaram o totalitarismo reinantes na primeira metade do século XX: antissemitismo, o imperialismo e o racismo. Ao tratar do antissemitismo moderno (primeiro pilar do totalitarismo) Arendt explica que não se trata do antigo “ódio aos judeus”, de inspiração religiosa. Trata-se de uma “ideologia laica”, ligada as condições da sociedade europeia do século XIX que redefiniu o papel dos judeus. A velha hostilidade cristão contra o povo que tinha matado o Filho de Deus, não é a mesma que Hitler mais tarde expressou e mobilizou para perseguir e condenar aos campos de extermínio.

Para Arendt, a Totalitarismo é a mais horrível forma de governo, pois não se limita a destruir o espaço público, como faz qualquer tirania que se preze, acrescentando ao isolamento a experiência de sentir-se desamparado, solitário, não pertencente ao mundo. Por isso o totalitarismo é comparado por Arendt como sendo um furação que derruba tudo o que se acha em seu caminho.

O totalitarismo não é deliberadamente planejado ou estruturado, mas se torna um movimento de destruição caótico, não utilitário, insanamente dinâmico, que ataca todos os atributos da natureza humana e do mundo humano que possam tornar possível a política.

No totalitarismo, diz Arendt, a polícia secreta e as várias organizações de espionagem contribuem para a atmosfera de paranoia na qual não se pode confiar em ninguém e ninguém sabe o que as outras partes do governo estão fazendo, à exceção daqueles que se acham nos mais altos níveis de comando.

Para explicar as estruturas do totalitarismo, Arendt utiliza a metáfora de um cebola: cada camada protege o líder no centro que detém o controle definitivo; cada camada conhece apenas seu próprio negócio e tem grande dificuldade em compreender a completeza da cebola como um todo. Por isso, os governos totalitários são piores que os governos tirânicos. Estes procuram eliminar os críticos ativos mediante violência; os totalitários suprimem todos os meios que possam ajudar as pessoas a pensarem, questionarem e desafiarem o Estado.

O aspecto mais perigoso do totalitarismo é que ele trata os indivíduos como se fossem supérfluos. Os indivíduos já não são mais singulares e contribuintes importantes para a cultura e para a política, mas sim criaturas que podem ser facilmente sacrificadas para a ideologia ou condicionadas a agir de maneira previsível e obediente. Com o totalitarismo temos o “mal radical”, ou seja, a crença de que humanos são supérfluos e descartáveis. Alguma semelhança com os dias atuais?

Para os que tiverem interessem e se aprofundar disponibilizo a seguir o link para o acesso gratuito de uma Coletânea Leituras sobre Hanna Harent: Educação, Filosofia e Política, organizada por mim e pelo professor Edison Alencar Casagrande, atual Pró-Reitor Acadêmico da UPF. Nos 13 capítulos da coletânea, diversos pesquisadores discorrem sobre diversos aspectos em relação a Hannah Arendt.

Vale a pena a leitura.

Segue o link de acesso: https://www.researchgate.net/publication/358923482_Leituras_sobre_Hannah_Arendt_-_educacao_filosofia_e_politica_1

Autor: Altair Fávero. Também publicou no site “Um contrato social em defesa do bem comum”: https://www.neipies.com/um-contrato-social-em-defesa-do-bem-comum/

Edição: A. R.

É bagunça!

Praticando o “vaivém” somos mais bem quistos pelas pessoas pelos cuidados que conseguimos ter nas relações com elas. Somos inteligentes.

Há alguns anos, publiquei o livro “Vaivém” junto com Pablo Moreno e Adelmir Sciessere.

Se da janela observamos a praça, veremos, por exemplo, em um bebedouro pássaros azuis. Só sabemos isso dos pássaros, são azuis.

Porém se em imaginação “vamos” até eles, nos colocamos no lugar deles, observamos mais. “Voltamos” sabendo que eles tomam um gole e olham para todos os lados, tomam outro e repetem o comportamento. Um som qualquer os faz voar.

Os pássaros agora não só são azuis, tem também uma vida cheia de perigos, precisam estar sempre alertas.

Se antes de ir para o quarto o marido “vai” até ele em imaginação, pode assim deduzir que a mulher está dormindo. Então, quando chega não acende a luz.

Praticando o “vaivém” somos mais bem quistos pelas pessoas pelos cuidados que conseguimos ter nas relações com elas. Somos inteligentes.

O vaivém empático depende do bom funcionamento dos chamados neurônios espelho que estão esparramados em algumas regiões do cérebro, entre elas o córtex pré-frontal.

Há crianças que já demonstram essa capacidade de forma até surpreendente. Repito sempre o caso da mãe que trouxe consigo na consulta a filha de cinco anos. Menininha de olhos atentos. Quando houve um silêncio na conversa da mãe dela comigo, ela:

– Mãe, ele tá procurando alguma coisa ou é bagunça? – perguntou apontando para minha mesa cheia de papéis esparramados, livros, amostras grátis.

Nós rimos, eu respondi:

– É bagunça.

Ela ficou pensativa e tentou me consolar:

– Doutor, o meu quarto também é assim.

Ela já aplicava o vaivém empático. Foi até mim em imaginação e retornou a ela deduzindo que eu havia ficado chateado. Em ato contínuo, tentou aliviar meu possível desconforto.

Autor: Jorge Alberto Salton. Também publicou outros 29 crônicas de sua autoria no site, dentre as quais “Quando um filho se sacrifica pela sua mãe”: https://www.neipies.com/quando-um-filho-se-sacrifica-pela-sua-mae/

Edição: A. R.

Liberdade de ensinar e de aprender

Amordaçar docentes e discentes com restrições é impedir a aprendizagem e negar aos educandos e às educandas o acesso ilimitado e irrestrito a tudo o que de mais significativo a humanidade acumulou sob o nome de conhecimento, expresso nas suas mais diversas formas e nos mais diversos assuntos.

A aprendizagem é prática da liberdade. Não se aprende (e nem se ensina) em ambientes nos quais cada sujeito não dispõe de condições para que leia criticamente o que já sabe, perceba o quanto ainda precisa aprender e se coloque em posição de buscar o novo, sem medo. O medo e imobilizador e, sem movimento, não há aprendizagem. Basta recuperar a história para ver que assim é que o conhecimento produziu inovações, assim é que se enfrentou os “idola” e se criou… assim segue sendo nas melhores escolas e nas mais recomendadas práticas pedagógicas.

Amordaçar docentes e discentes com restrições injustificadas como as que vêm sendo proposta por parlamentares de extrema direita – o que, aliás, é típico e próprio de quem se posiciona neste espectro político – é impedir a aprendizagem e negar aos educandos e às educandas o acesso ilimitado e irrestrito a tudo o que de mais significativo a humanidade acumulou sob o nome de conhecimento, expresso nas suas mais diversas formas e nos mais diversos assuntos.

E a educação é um direito de todas e todos, particularmente das crianças e dos adolescentes, cabendo o seu exercício no mais amplo das possibilidades, contanto que não afronte a Constituição e os Tratados de Direitos Humanos aos quais o Brasil e signatário. Como tudo, tem limites, mas eles são estabelecidos em normativas própria e previstas na legislação educacional e suas normativas.

A educação é responsabilidade compartilhada entre a família, a sociedade e a escola.

Instalar a supremacia dos pais sobre os demais agentes é dar-lhes um poder desproporcional. A responsabilidade que têm com o que seus filhos e suas filhas aprendem sempre poderá e deverá ser exercida, fazendo acompanhamento, em diálogo com docentes e Escola. Mas exigir que docentes submetam aos pais temas previstos para serem desenvolvidos pelas normativas educacionais, pelos parâmetros curriculares e outras orientações públicas é suspeitar que docentes cumpram suas obrigações e sejam responsáveis no tratamento dos temas para os quais foram formados e estão habilitados.

Reascender fogueiras e reinstalar tribunais de exceção é inaceitável, na escola, então, mais ainda! Pela liberdade de ensinar e de aprender!

Autor: Paulo César Carbonari, doutor em filosofia, professor e militante de direitos humanos. Também publicou no site a reflexão “O pensamento tornou-se cego”: https://www.neipies.com/o-pensamento-tornou-se-cego/

Edição: A. R.

A Mordaça ao Livro O Avesso da Pele

O Index, o Índice dos Livros Proibidos, era uma lista de publicações consideradas heréticas, anticlericais ou lascivas e proibidas pela Igreja Católica.[1] A primeira versão do Index foi promulgada pelo Papa Paulo IV em 1559 e uma versão revista dessa foi autorizada pelo Concílio de Trento. A última edição do índice foi publicada em 1948 e o Index só foi abolido pela Igreja Católica em 1966 pelo Papa Paulo VI.[2][3] Nessa lista estavam livros que iam contra os dogmas da Igreja e que continham conteúdos tidos como impróprios.

Face à polêmica causada pela obra ficcional O Avesso da Pele, de autoria do jovem escritor Jefferson Tenório, vimos estabelecer algumas considerações sobre as mordaças (censuras) aplicadas contra as múltiplas manifestações culturais e contra os próprios artistas, os quais, em um passado muito recente foram “queimados” pelas obras que produziram. Sob essa perspectiva trataremos algumas questões sobre o livro citado e os reais motivos de retirá-lo de circulação e das bibliotecas escolares, hoje sob ordem de alguns Governadores, Secretários de Educação, diretores de escolas, pastores, vereadores, dentre outros, pelo simples motivo da linguagem ser inadequada aos estudantes do Ensino Médio. Duvido que tenham lido o romance na íntegra.   

Mal sabem os falsos moralistas de cuecas e calcinhas borradas que o romance O Avesso da Pele, publicado em 2020 pela Companhia das Letras, recebeu o maior prêmio literário brasileiro: o Prêmio Jabuti/2021. O livro aborda temas como racismo e violência policial. Escolhido pelo Programa Nacional do Livro Didático, a obra está sendo alvo de críticas ferozes pelos setores conservadores da sociedade brasileira que, mobilizada, busca retirar o livro das bibliotecas escolares e da própria circulação nas livrarias. Tanto é que o autor e a editora já entraram com Mandado de Segurança para garantir a reedição e a circulação do livro, impedindo sua circulação e leitura nas escolas. É a legítima mordaça contra a obra ficcional.  

Voltando aos múltiplos conceitos de literatura, em síntese, pode-se afirmar com segurança que literatura é a arte da palavra escrita na forma de conto, crônica, poesia, teatro e romance. Ela pode ser um dos reflexos, invertidos ou não, das múltiplas faces da sociedade. Nunca a pura realidade, pois personagens, enredo, tempo, espaço e linguagem são meras semelhanças, embora tudo seja fictício, isto é, inventado de tal forma que parece que é, mas não é. 

Assim concebida, tomamos como exemplo três obras de autores gaúchos: Incidente em Antares, de Érico Veríssimo; O Analista de Bagé, de L F Veríssimo; Contos Gauchescos e Lendas do Sul, de Simões Lopes Neto.  Antares não existe, muito menos seus sete mortos falantes e insepultos em protesto no coreto da praça; o heterodoxo e quixotesco Analista de Bagé é apenas uma caricatura do convencional método do joelhaço à solução dos problemas sexuais do gaúcho típico. Por sua vez, o velho e digno Blau Nunes é o narrador dos contos, lendas e mitos do tempo do gaúcho a cavalo. Retirá-los das bibliotecas e livrarias pelo fato de ter uma “linguagem imprópria”, deixando livros inacessíveis e os alunos impedidos ao direito à leitura. Seria um grande paradoxo à literatura e cultura sul-rio-grandense. Tenho certeza de que tais falsos moralistas não leram Bocage, Rubem Fonseca, Deonísio da Silva, Drummond, dentre tantos outros bons escritores.  A propósito, os deputados de MS que assinaram o documento para recolher o livro, assumem que não leram a obra. O Deputado Caravina assim se manifestou:  

Eu não li o livro, então não posso dizer sobre o livro. […] Tenho que discordar com os termos descritos. Sem polemizar, mas pelo nível das palavras colocadas ali para os alunos do ensino médio, não podemos estimular. Não é livro para ser disponibilizado pelo Ministério da Educação.

Revendo a história da censura aos livros e escritores brasileiros, pode-se tecer um rosário de mordaças estabelecidas contra livros e escritores no período do Estado Novo e da Ditadura Militar (1964-1984) com apoio da igreja sob alegação da defesa da pátria, da moral e dos bons costumes. Amparados por leis, foram criadas formas de mordaça contra autores e obras, traduzidas em exílio, tortura, prisão, caça às obras e autores.

Na era Vargas as vítimas da insanidade foram Monteiro Lobato e Graciliano Ramos. Na vigência da ditadura militar, sob a vigência do IA-5, foram proibidos no Brasil cerca de 500 filmes, 540 peças teatrais e duzentas obras literárias, dentre as quais, Eu sou uma lésbica, de Cassandra Rios; Laranja Mecânica, deAnthony Burgess; Roque Santeiro, de Dias Gomes; O Casamento, de Nelson Rodrigues; Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca.  Isso sem contar os autores como Salim Miguel, Ziraldo, Frei Betto, Renato Tapajós, Ignácio de Loyola Brandão, Joel Rufino dos Santos, Caio Fernando de Abreu, dentre tantos outros que foram calados pela força bruta da mordaça moralista. Também os poetas árcades da Inconfidência Mineira: Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga pagaram alto preço por terem se engajado na luta pela independência do Brasil contra o jugo do império português.

Também há que se lembrar o poeta barroco Gregório de Matos Guerra, o Boca do Inferno que, com sua poesia satírica e erótica, estabeleceu   críticas à sociedade baiana do período colonial:

Que falta nesta cidade?

Que mais por sua desonra…

Honra.

Falta mais que se lhe ponha…

Vergonha!

Voltando ao polêmico romance O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, há que se dizer que a obra que retrata a vida de personagens que vivem à margem da sociedade. Aborda temas como identidade, pertencimento e racismo institucional. A história se passa na periferia de Porto Alegre e outros espaços marginais onde diversos personagens resilientes enfrentam e superam desafios de toda ordem.

A linguagem não é de língua culta padrão, chegando ao coloquial e vulgar, refletindo exatamente o espaço onde vivem as personagens que enfrentam múltiplas formas de violência social e familiar.

O jovem negro Raimundo é o protagonista da história. Ele batalha para sobreviver num ambiente extremamente hostil, buscando a dignidade humana num espaço social marcado pela violência e pelo racismo estrutural. O autor usa uma linguagem poética e crua para retratar a dura vida das personagens, mostrando coerência entre a linguagem e suas personagens. É assim que se expressam. Certamente é essa marca que impacta os analfabetos funcionais em leitura, pois acastelados em suas torres elitizadas de marfim e guiados por falsos moralistas, creem que seja a linguagem dos demônios.

Assim, desde que uma diretora de um colégio de Santa Cruz do Sul/RS, Janaína Venzon, publicou um vídeo criticando a obra O Avesso da Pele por conter “Vocabulários de baixo nível. Lamentável o Governo Federal através do MEC adquirir esta obra literária e enviar para as escolas com vocabulários de tão baixo nível para serem trabalhados com estudantes do ensino médio”.  

Tomada pelo poder da mordaça, a professora/diretora, no alto da torre de sua autoridade, escreveu na legenda do vídeo: “Solicito ao Ministério da Educação buscar os 200 exemplares enviados para a escola. Prezamos pela educação de nossos estudantes e não pela vulgaridade. Os professores da escola não “escolheu” nenhuma obra literária”. O vereador Rodrigo Rabuske fez coro à clarinetada moralista da diretora: “Absurdo o uso de O Avesso da Pele em escolas”!  

Em contrapartida, a editora Companhia das Letras divulgou uma nota na qual manifesta “indignação diante da repercussão do vídeo feito pela diretora da escola de Santa Cruz do Sul, que acusa o livro de conter palavras de baixo nível”. E complementa que “a retirada de exemplares de um livro, baseada numa interpretação distorcida e descontextualizada de trechos isolados, é um ato que viola os princípios fundamentais da educação e da democracia, empobrece o debate cultural e mina a capacidade dos estudantes de desenvolverem pensamento crítico e reflexivo”.

Pode-se deduzir que a Igreja fez a “mea culpa” abolindo o Index em 1966, dando-se conta do estrago que causou, queimando e proibindo milhares de livros em defesa da moralidade. Por sua vez, os militares, por força da Constituição, ao invés da censura nociva contra obras e escritores, passados os anos de mordaça aos livros, filmes, jornais e peças teatrais buscam cumprir suas missões em defesa das fronteiras e das riquezas naturais do Brasil.

Pena que ainda restam ilhas de falso moralismo contra obras ficcionais, tipo O Avesso da Pele, do jovem escritor Jeferson Tenório por parte de entes não-leitores, inclusive professores que avaliam a qualidade literária pelo nível de linguagem, ao invés de considerarem o contexto, o tema e a estrutura profunda que abordam. Os alunos da escola estão órfãs livro pela ação consciente do livro sequestrado. É uma escola em os professores não escolhem obras literárias, preferindo a escuridão.  Nela a censura é por conta da diretora e do vereador de cuecas e calcinhas borradas em pleno início do Terceiro Milênio.

A propósito, o poeta Mário Quintana já tinha alertado que “o pior analfabeto é aquele que sabe ler, mas não lê”, por força da falta de bibliotecas e de livros e por falta de gosto pela leitura.

Muitos estão sendo barrados e devolvidos pelos diretores de escolas com apoio de vereadores, prefeitos, secretários de educação e até governadores, tanto é que os Estados do Paraná, Goiás e Mato Grosso anunciaram a retirada do livro O Avesso da Pele das escolas sob o argumento de que o romance teria usado uma “linguagem imprópria”, repetindo as justificativas do ultrapassado e abolido Index.

Enfim, esqueçamos os novos arautos a favor da mordaça aos livros. Há que se incentivar o gosto pela leitura, estejam os livros onde estiverem: nas bibliotecas escolares, nas livrarias, nas estantes dos lares, nas sacolas, malas de livros, nos presentes de aniversário e em todos os lugares. O tiro já saiu pela culatra contra os falsos moralistas, posto que a procura de O Avesso da Pele cresceu mais de 1400% após seu recolhimento nas escolas.  

Não ao racismo estrutural, não aos genocídios e não às mordaças aplicada aos livros!

Autor: Eládio V. Weschenfelder. Também já publicou no site a crônica “Pretexto para falar de cavalos”: https://www.neipies.com/pretexto-para-falar-de-cavalos/

Edição: A. R.

BURNOUT – uma tortura chamada trabalho

E no final, continuou Helena, as mudanças que são inevitáveis, tornam-se menos assustadoras, quando planejamos elas em sintonia com o que somos e com o que buscamos para a nossa vida!

A palavra trabalho curiosamente deriva do latim tripalium, um instrumento de tortura usado em escravos, que originou o verbo tripaliare, cujo primeiro significado era torturar. Sabe o que mais me assusta? Que depois de milhares de anos, a palavra ainda carrega o mesmo camuflado significado.

– Mas, Helena! É o trabalho que dignifica o homem.

– Eu diria que é o trabalho digno que dignifica o ser humano, meu caro. E dignidade não tem a ver com dinheiro, tem a ver com valores, diferencia que precisamos deixar muito evidente nos dias atuais.

– Sabe o que eu mais atendo em consultório, disse Helena? São pessoas com a chamada síndrome de Burnout que pode ser traduzida por algo como “ser consumido pelo fogo”, o fogo é o seu trabalho, junto com o inferno. Em outras palavras, essa síndrome trata de um estado de exaustão tamanho, que o próprio ego do indivíduo começa a se voltar contra aquilo que lhe prejudica, ou seja, o trabalho excessivo e abusivo. É curioso observar que, às vezes, a pessoa não tem consciência disso, mas, o seu corpo tem!

Depois daquela conversa, Helena se lembrou de sua sessão com Bruno:

– Estou incomodado. Meu chefe entrou em contato comigo no sábado para pedir que eu retorne um cliente. O cliente não podia esperar. Sábado era meu dia de descanso! O problema é que se eu disser não, ele pode me demitir ou no mínimo, me considerar um vagabundo que não gosta de trabalhar (Bruno conhecia bem o seu chefe).

– O que você fez?

– Respondi contra a minha vontade. Parei de brincar com a minha filha e foi atender o cliente que não podia esperar. Sabe o que anda me matando? Que tudo parece estar pegando fogo. Tudo é urgente, nada pode esperar. Aquele cliente podia sim, até segunda, inclusive. Eu deixei de brincar com a minha filha!!!

Bruno estava agitado. A raiva é uma das primeiras emoções que surgem quando nos damos conta dos danos que um trabalho nocivo causa em nosso corpo, nas nossas relações, na nossa vida.

O mais paradoxal de pensar é que Bruno havia aceitado aquele emprego justamente para poder dar uma condição melhor à filha. Ele mesmo já havia se dado conta, que não poderia existir uma condição melhor sem a sua presença, que nenhum, dinheiro no mundo compraria a sua atenção, os seus exemplos. Isso estava lhe matando!

– Importantes constatações Bruno. Perceba que o que você está me dizendo é que existem questões muito importantes que nem sempre se relacionam diretamente com o seu trabalho.

– Sim

– E você consegue tirar um tempo para você?

– Helena, se não tenho tempo nem para minha filha, imagine para mim!

– Compreendo. Mas, vamos avaliar uma questão. Quando você faz algo para você, como por exemplo, descansar, escolher ficar só na companhia de um bom livro ou algo parecido, como você se sente?

– A última vez que lembro, mas que já faz tempo, eu me sentia incomodado, sentia que não devia estar fazendo o que estou com…

– Tanta coisa pegando fogo (interrompeu Helena).

– É, isso mesmo!

– Sabe, Bruno! Vou lhe contar uma história, sobre Napoleão Bonaparte, já ouviu falar?

Quando ele era general, Napoleão adquiriu o hábito de adiar as respostas as cartas. Seu secretário foi instruído a esperar três semanas, antes de abrir qualquer correspondência. Quando enfim lia o que estava na carta, Napoleão gostava de apontar quantas questões supostamente “importantes” já tinham se resolvido sozinhas, e não mais precisavam de respostas.

Embora fosse um líder excêntrico, Napoleão não era negligente em suas obrigações, ou desconectado de seu governo ou soldados. Porém, para ser ativo e consciente do que realmente importava, ele precisava ser seletivo com relação a quem e a que tipo de informação seria exposto (História retirada do livro “A Quietude é a Chave de Holiday).

– A não ser que você seja um Bombeiro, Bruno. Não é seu papel viver apagando incêndio. Os incêndios deveriam ser eventos, portanto, eventuais, principalmente, porque eles demandam muito de nós e precisamos de um bom tempo para se reestabelecer.

– Mas, Helena! Como vou dizer para o meu chefe um não?

– Bruno, quando você foi contratado, ficou bem claro os seus horários e obrigações?

– Sim

– E nelas, existia algo que falasse que além de seu turno habitual, você deveria responder sempre que solicitado, independente do horário? Estava explicito que deveria trabalhar também no final de semana?

– Bruno ficou pensativo. Ele parecia não ter se dado conta, que responder alguém no whats sobre assunto de trabalho, também era trabalho.

– Pois então, Bruno. O essencial é deixarmos claro os seus limites, inclusive, para o seu chefe, que aparentemente, não parece estar compreendendo eles com clareza.

– Mas, Helena! E se eu for demitido? E se eu tiver que encontrar um emprego pior que esse? E se…? E se…?

Helena conhecia bem aquele medo da mudança.

– Bruno, se você for relevante para a empresa, eles irão lhe ouvir e poderão inclusive se aperfeiçoar com isso, transformando o ambiente de trabalho em um local mais saudável, além de que descansar com qualidade aumenta a produtividade. Existe também a possibilidade de você ser muito relevante, mas, eles só perceberem isso com a sua ausência. E existe a possibilidade de você não ser mesmo tão relevante.

– Como assim, relevante? Questionou Bruno.

– Relevante pode ser compreendido como o quanto de diferencial você tem. O quanto você faz bem feito o que faz. O quanto procura se aperfeiçoar com constância. O quanto a sua falta é sentida.

– Bruno, existem empresas que estão tão aprisionadas ao jogo do lucro, que venderiam a própria mãe, se aquilo garantisse efetividade nos negócios. A essas, não lhe cabe tentar mudar ou fazer ver nada. Cabe-lhe compreender que o seu lugar não é aí. Você está se dando conta de algumas questões importantes, que algumas pessoas preferem inclusive evitar perceber, porque percebe-las é um caminho sem volta.

– A mudança pode parecer assustadora, mas ela não precisa acontecer do nada. Você pode procurar outro emprego, ao mesmo tempo que persiste, tentando verificar se existe a possibilidade de dialogar com o seu chefe. A gente pode trabalhar essas questões de tal modo que você passe a se sentir mais confortável e seguro. Ou você pode escolher não fazer absolutamente nada do que conversamos e se encaminhar para um Burnout.

– Assim você pegará um atestado e passará um bom tempo livre do seu chefe. E mesmo que você quiser responder ele, você não vai conseguir, porque o seu corpo não vai ter energia suficiente nem para isso. A proposta pode parecer tentadora, mas você também não vai ter energia para brincar com a sua filha. Acrescido dos transtornos gerados pelo sentimento de inutilidade e incapacidade. Lembrando que, quando tudo isso passar, se você não for demitido, você vai voltar para o incêndio!

– Sabe, Bruno! Eu ainda acredito que o melhor caminho seja escolher as nossas prioridades. E uma delas, deveria ser você. Perceba, ao se aperfeiçoar, ao ter consciência de si, de seus valores, de seus objetivos, ao investir em si, você investe também em se tornar uma pessoa de valor para outras pessoas, relevante. Às vezes, você pode ganhar até menos dinheiro, em troca de mais tempo com as pessoas que ama, e sentir que o vazio que lhe corrói dia após dia pode ser preenchido. Sabe, por vezes eu considero que ter dinheiro mas não ter tempo, parece ser uma pobreza muito pior.

Bruno só “fazia sim” com a cabeça. Helena sabia que aquele mal-estar demoraria um tempo para ser digerido. Por isso ponderou se devia fazer mais uma observação.

– Há também a outra questão, Bruno. O excesso de informações causa uma pobreza de atenção. E com a falta de atenção os nossos erros tendenciam a se tornar recorrentes, isso aumenta os riscos de desempenharmos um trabalho que não nos cause prazer, além de aumentar os riscos de sermos demitidos. A notícia boa é que a busca por um novo emprego ou até mesmo a proposição de alterações no seu emprego atual, pode nos reportar a rever as nossas habilidades e investir em aprimoramento. Pois, acredite, há sempre algo que possa ser melhorado em nós mesmos.

– E no final, continuou Helena, as mudanças que são inevitáveis, tornam-se menos assustadoras, quando planejamos elas em sintonia com o que somos e com o que buscamos para a nossa vida!

Autora: Ana P. Scheffer. Também publicou no site “A Valentina não irá fazer medicina”: https://www.neipies.com/a-valentina-nao-vai-fazer-medicina/

Edição: A. R.

Brasil é o terceiro país com menor investimento por aluno

Educação com qualidade social é cara. O Brasil possui uma das maiores demandas por educação básica e superior do mundo por não ter investido em educação do povo ao longo de quase cinco séculos.

Bastou a Conferência Nacional de Educação (Conae) realizada em janeiro de 2024 reafirmar a necessidade do país investir 10% do PIB em educação, ao invés dos atuais 5,4%, que a elite e os representantes do capital tentaram, imediatamente, desqualificar a proposta.

Leia mais: https://www.neipies.com/conae-2024-e-conferencia-nacional-das-juventudes-reafirmam-a-educacao-como-direito/

A Folha de São Paulo foi a primeira a disparar o ataque a proposta de meta de para o financiamento do próximo Plano Nacional de Educação (PNE), para a década de 2024-2034 aprovada nesta última Conae. Esta meta já consta na Lei nº 13.005/2014, descumprida no plano decenal em vigência.

Em seu editorial de 2 de janeiro de 2024, “Educação a sério”, o jornal acusou a proposta de “farsesca” e afirmou que o dispêndio atual “é compatível com o padrão global, seja entre países desenvolvidos, seja entre emergentes”.

A própria Folha, em matéria do dia 12 de outubro de 2023, demonstra que o “Gasto por aluno no Brasil é o 3º pior entre 42 países”, conforme relatório do Education at a Glance 2023 da OCDE.

O Brasil investe o equivalente a US$ 2.981 por aluno ano, que engloba todos os investimentos públicos na educação pública. A média dos países da OCDE é de US$ 10. 510 por aluno, ou seja, quase dois terços a mais que o brasileiro.  Aliás, o Brasil só supera o México e a África do Sul, ficando abaixo da Argentina (US$ 3.367), Turquia (US$ 3.389), Colombia (US$ 3, 497), Chile (US$ 4.867), Costa Rica 9US$ 4.936) e os demais países membros da OCDE, para não comparar com Luxemburgo (US$ 23.548), Coreia (US$ 14.344) ou Finlândia (US$ 12.110).

Já sob o título “Prioridade errada”, o jornal O Estado de S. Paulo, em editorial de 14 de fevereiro de 2024, também retoma a velha discussão sobre a nefasta contraposição entre a educação básica e a educação superior, a qual até já foi revisada pelo Banco Mundial em 2000, em um documento sobre a educação superior, intitulado Higher Education in Developing Countries – Peril and Promise, em que fez a reavaliação dessa contraposição difundida pelo próprio Banco em seus documento.

O Estadão ignora que mais de 95% da pesquisa no Brasil é desenvolvida nas Universidades Públicas com um orçamento que envolve ainda o ensino e a extensão universitária, diferente de outros países que possuem altos investimentos de em pesquisas por outras fontes de países, institutos, doadores bilionários e empresas.

A própria OCDE confirma que o investimento adequado para cada realidade e necessidade histórica do país é fator determinante na qualidade da educação. O Brasil insiste em negar-se a investir o necessário segunda nossa condição histórica e realidade atual. Vejamos outro exemplo: os investimentos no Brasil foram reduzidos entre 2019 – 2020, inclusive na pandemia. Em média, nos países da OCDE, a despesa dos governos com educação cresceu 2,1% neste período e a despesa total dos governos 9,5%. No Brasil, o gasto com a educação diminuiu 10,5% no mesmo período, enquanto o gasto com todos os serviços aumento 8,9%. Isto revela qual era verdadeiramente a prioridade do Estado brasileiro.

Desonestidade intelectual e jornalística

Não é honesto do ponto de vista intelectual e jornalístico analisar o gasto e o investimento em educação abordando o percentual do PIB isoladamente e comparando com outros países. É preciso levar em conta, no mínimo, mais outros fatores, tais como: o tamanho da demanda educacional (a do Brasil é a 3ª maior do mundo), o tamanho da economia e do PIB, a carga tributária do país, os elevados níveis de pobreza e desigualdades de classe, sociais, étnicas e de gênero, entre outras. Assim fizeram países quando promoveram a revolução na educação, como Correria do Sul e Finlândia.

Para Nicolas Davis, estudioso do financiamento da educação, a discussão sobre o financiamento da educação estatal não ficaria completa se não relacionasse as responsabilidades educacionais das diferentes esferas de governo (o governo federal, o do Distrito Federal, os 26 governos estaduais e os mais de 5.568 municipais) com a sua disponibilidade de recursos. Desde a independência brasileira, em 1822, até hoje, sempre houve uma grande discrepância entre essas responsabilidades e a disponibilidade de recursos dos governos.

O governo central/federal, por exemplo, embora detentor de uma maior parcela das receitas governamentais, nunca assumiu constitucionalmente a obrigação de oferecer educação básica para toda a população, deixando-a a cargo dos estados e municípios, geralmente menos privilegiados.

No Brasil, historicamente, as elites e os donos do capital preferem subsídios para o agronegócio, a indústria, falência de empresas por má gestão, setor serviços, emendas parlamenteares, fundo eleitoral astronômico, isenção de impostos para igrejas, clubes de futebol e de tiros, entre tantos outros, do que investir seriamente em educação, ciência, tecnologia e cultura. Nosso modelo de capitalismo é financiado pelo estado e os fundos públicos são destinados prioritariamente para sua reprodução.

Manifesto contrapõe jornais

A Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da educação (Fineduca) contrapôs tecnicamente estes posicionamentos representados pelos jornais a Folha e o Estadão, demonstrando que o Brasil possui uma das maiores economias do mundo e tem capacidade financeira para investir ainda mais em educação.

É necessário ter visão e fazer uma opção política do que é verdadeiramente prioridade para a nação brasileira e para as gerações presentes e futuras. “A educação pública brasileira costuma ser um terreno fértil de erros e inversão de prioridades que geram atrasos e desigualdades, impondo um horizonte sombrio para milhões de crianças e jovens”, complementa a manifestação pública da Fineduca.

Sobre os investimentos educação necessário no próximo PNE (2024 – 2034, os pesquisadores reafirmam que o “Brasil possui riqueza para realizar a aplicação de valores equivalentes a 10% do PIB em educação pública” e, como fez a Conae, indicam possíveis fontes de financiamento da educação, C&T. E, também, se posicionam dizendo que “é chegada a hora de priorizar a Educação no processo de desenvolvimento social e econômico do Brasil.

E mais, pesquisadores perguntam: até quando o Brasil terá que esperar para iniciar, seriamente, a priorização da educação de sua população? Se nada for feito nas próximas décadas, diversas gerações poderão ser consideradas perdidas educacionalmente, reproduzindo a histórica exclusão social e educacional. Por isso, a hora de virar a chave é agora, com o respaldo do PNE (2024-2034).

A geração atual será cobrada pelas gerações futuras por não ter aproveitado a Riqueza Natural brasileira, por não iniciar, já, esse processo, fundamental para o Desenvolvimento Social e Econômico brasileiro” (manifestação pública da Fineduca).

Porém, uma estratégia de desconstruir propostas e planos de educação, seja no âmbito nacional, regional ou local, é desqualificar as construções coletivas e as deliberações de conferências, os estudos, os debates como os da Conae 2024, ou utilizar algumas estatísticas de forma desvirtuada conforme interesses específicos.

Brasil da desigualdade

No país da desigualdade, a forma como os dados educacionais brasileiros são priorizados, destacados e divulgados induzem, geralmente, a conclusões imparciais, pontuais e insuficientes para produzirem uma compreensão global dos verdadeiros impactos da educação na vida das pessoas e na estrutura da sociedade brasileira.

Cabe relembrar que, a educação, é um processo complexo que requer análises e evidências ancoradas em processos e séries históricas de médio e longo prazo.

Nesta perspectiva, sugiro o clássico livro intitulado Como mentir com estatística, escrito por Darrell Huff, publicado em 1954 nos Estados Unidos. Nele, o autor demonstra de forma muito direta como números que parecem tão fortes são na realidade frágeis, quando não totalmente falsos, formando castelos de areia que ruirão após uma análise mais detalhada, ampliada e desprovida de ideias preconcebidas.

Por fim, em artigo resposta ao editorial da folha no dia 12 de fevereiro de 2024, os pesquisadores Miriam Fábia Alves (Presidente da Anped) e Nelson Cardoso do Amaral (presidente da Fineduca), entendem que está em jogo na Conae a construção de um projeto de país com propostas robustas e ambiciosas que coloquem a educação como protagonista no desenvolvimento social e político brasileiro, com justiça social, ambiental e equidade.

Assim, o texto-base ao PNE 2024 – 2034 avança em aspectos como a transição ecológica e o desenvolvimento sustentável. Complementam ainda os pesquisadores – considerando que este texto subsidiará o projeto de lei do governo federal a ser apreciado por um Congresso Nacional conservador –, ser essencial que ele expresse tudo o que a sociedade brasileira de fato almeja e precisa para o desenvolvimento educacional e democrático do país.

Precisamos fazer uma opção agora: investir mais em um projeto de educação de qualidade no Brasil ou será a barbárie social. A opção e decisão é nossa, agora, já!

FONTE: https://www.extraclasse.org.br/opiniao/2024/03/brasil-e-o-terceiro-pais-com-menor-investimento-po

Autor Gabriel Grabowski, professor, pesquisador. Também publicou no site Juventudes dispensadas: https://www.neipies.com/juventudes-dispensadas/

Edição: A. R.

Censura e perseguição ideológica na terra gaudéria

Mais uma vez, o nosso Estado frequenta, com destaque, a cena nacional em ataques à cultura. Mas como nos diz Charles Bukowski, “não há problema que a leitura não possa solucionar”.

No dia em que o TCU divulgou relatório que o Exército concedeu registros de CACs a 5.235 pessoas condenadas por tráfico de drogas, homicídio e lesão corporal; na terra dos preadores de gado selvagem, para tirar o couro e vender, o debate era a censura do livro “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório.

Para os desocupados da pampa moderna 1,5 mil pessoas com processos de execução penal e 2,6 mil foragidos da Justiça com registros de armas dados pelo Exército Brasileiro são assunto de menor impacto e poder ofensivo. O que é “ofensivo” na terra da escravidão contemporânea é uma passagem “erótica” de um já clássico livro de nossa Literatura, um livro norteador em narrativa romanceada do racismo estrutural.

Nosso autor tem razão quando diz que alguns palavrões chamaram mais atenção do que o racismo, foco da sua narrativa. Ou melhor, muitos que brandiram armas contra o romance de Jeferson Tenório nem leram este ou outro romance nos últimos tempos. Se acharam passagem erótica no texto é porque nunca leram Jorge Amado e Nelson Rodrigues.

Como uma professora e uma diretora de Literatura Brasileira de Santa Cruz do Sul, cidade que tem uma Universidade de primeira grandeza, numa região de forte e arraigada formação cultural podem cair a tão baixa apreciação de uma obra. Pior do que elas foi o coordenador da 6ª Coordenadora de Educação mandar recolher os livros. Em boa hora, a Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul decidiu que o livro deve circular e ser lido.

Como já disse no dia em que as atenções deveriam estar voltadas para o descalabro do desserviço do Exército Brasileiro em liberar armas para marginais, o tempo precioso foi ocupado em atacar um livro que esta gente que critica nunca leu.

Por isso, louvo que o autor, sua editora, o MEC e o governo federal expressaram repúdio à atitude da diretora em tentar proibir a leitura desta obra magistral.

Pude contraditar colega na Câmara, lancei nota pública de repúdio a esta escumalha intelectual e falei em emissora de TV: “Censura Nunca Mais”! Não podemos nos calar. Temos que falar, temos que lutar pela leitura.

Esperamos que este lamentável episódio faça com que mais e mais pessoas se interessem pela obra do autor, que isto leve a mais leituras, criando leitores/as ativos/as, conscientes da importância da LITERATURA.

Dias atrás já tínhamos tido na Serra gaúcha a perseguição à indicação de Boca Migotto para patrono da Feira do Livro de Carlos Barbosa.

Vale a pena buscar nas mídias sociais deste autor e cineasta suas razões para, depois da perseguição, voltar as costas aos seus perseguidores.

E foi mais uma vez na Serra, onde tivemos, no ano passado, os lastimáveis casos de Escravidão Contemporânea, que gerou um livro homônimo meu. Neste ano, além desta perseguição, novos casos de escravidão surgiram na região.

Mais uma vez, o nosso Estado frequenta, com destaque, a cena nacional em ataques à cultura. Ninguém esqueceu a censura a obras no Santander Cultural, no episódio chamado “Queermuseu”. Sempre por aqui….

Por isso, estou cada vez mais convencido do necessário Movimento pela Leitura, qualquer leitura, em qualquer espaço e lugar.

Jovens, qualquer pessoa na verdade, devem ser instigados a ler. Tudo indica que a Câmara Rio-grandense do Livro vai adotar a partir da Feira do Livro de Porto Alegre – 2024-25 como o Ano da Leitura.

As Frentes Parlamentares do Livro e da Leitura devem existir em todas as Câmaras.

Que se criem mais Academias, Clubes de Leitura, bibliotecas comunitárias, que a biblioteca seja um espaço privilegiado nas escolas.

Que mais e mais feiras de trocas sejam feitas. Que surjam novas feiras do livro.

Que este triste episódio sirva para um grande debate sobre a literatura rio-grandense que retoma com força e vigor lançamentos de primeira grandeza como é este livro de Jeferson Tenório e os de José Falero, para citar dois autores de projeção nacional.

No atual estágio de nossa literatura é grande o número de mulheres publicando, na cabeça das entidades, como a AGES – Associação Gaúcha de Escritores – que fará encontro estadual em maio na capital do livro que é a pequena cidade de Morro Reuter.

Um exemplo posso dar a partir de minha experiência: em Porto Alegre, a cada mês aos sábados se realiza uma Feira no icônico Chalé da Praça XV em pleno Centro Histórico com um estrondoso sucesso.

Não há problema que a leitura não possa solucionar” nos diz Charles Bukowski. E é mesmo.

Censura Nunca Mais!

Autor: Adeli Sell, professor, escritor e bacharel em Direito. Também publicou no site crônica Ler, escrever e publicar: https://www.neipies.com/ler-escrever-e-publicar/

Expectativas e Perspectivas

Ao refletirmos sobre expectativas e perspectivas precisamos circundar os conceitos.

As expectativas se apresentam em um cotidiano contínuo, como parte das nossas intenções e necessidades. Fazem parte da nossa condição humana. Somos seres de desejos, desejantes e desejados. Nossa vontade, escolhas e circunstâncias condicionam nossas ações e alimentam nossas expectativas.

As perspectivas, em uma outra dinâmica, abrem horizontes ou, estreitam caminhos, com base nas contingências, uma vez que nem tudo se realiza conforme nossa vontade e desejos, porque nem todos os nossos projetos dependem exclusivamente de nós.

Essa dinâmica, experimentada em nossa condição humana, é substantiva e necessária na vivência de todos os momentos, ressignificando acordos que fizemos conosco mesmos. Tudo isso desenha novas expectativas e perspectivas.

Se somos sujeitos de desejos, expectativas e perspectivas, somos seres em movimento de pensamento e de ação. Desse modo, podemos agir compreensivamente com a outras pessoas, em situações de cuidado e acolhida.

De uma forma ou de outra, partilhamos os mesmos limites existenciais, como as formas de alegria e de tristeza, que podem ter motivos diferentes, ainda que a experiência desses sentimentos afete a todos os humanos, no tempo de suas vidas.

Diante disso, delineiam-se expectativas e perspectivas de avanços em vários aspectos de nossa história de vida. Se forem realizadas, nos sentiremos agraciados, se ocorrer o contrário, o sentimento de frustração aparece, diante da reversão do esperado.

Ortega y Gasset tem uma frase lapidar: Eu sou eu e as minhas circunstâncias. Ou seja: as esferas da vida, nas quais estamos envolvidos, evidenciam nossas escolhas, condicionadas às circunstâncias. Não se trata de nenhuma espécie de determinismo, mas revela os limites da nossa condição humana. Tais circunstâncias influenciam nossas expectativas e perspectivas, que orientam nossos projetos. Redefine-se a consigna de Hegel, de que tudo está ligado a tudo, na totalidade do processo da história humana.

Diante de tais evidências, nossas expectativas e perspectivas necessitam de uma certa dose de bom senso, para que as frustrações não aumentem. Afinal, não buscamos a felicidade absoluta. A busca humana é de uma felicidade possível e de uma serenidade inteligente, como desafio do tempo em que vivemos.

Em uma longa jornada, nas continuadas décadas vividas, entre mudanças de costumes e fatos diversos, os que vivem há mais tempo apresentam alguma dificuldade a respeito da continuidade da própria vida e dos que com eles convivem. As dificuldades surgem desde os monitoramentos diários da saúde até o acompanhamento das novas tecnologias, tal como a identificada IA, inteligência artificial.

Podemos ter uma certa reserva com essa denominação, porque se formos à origem do termo latino intus legere – ler dentro, compreender a realidade por dentro, podemos observar que se a IA não for alimentada pelo cérebro humano, não fará leitura nenhuma do real. Logo, a IA necessita da inteligência natural para ser eficaz. Desse modo, torna-se importante entendermos as coisas do tamanho que elas são, sem superdimensionamentos.

Enfim, digressões à parte, falemos de expectativas e perspectivas.

Os idosos, no movimento do saber e do envelhecer se envolvem mais com expectativas do que perspectivas. Adultos, jovens, crianças vivem simultaneamente as duas dimensões, esperam e projetam desejos, sonhos, futuros indecifráveis. Isso não significa dizer que os idosos não sonham e não têm projetos. Apenas, sublinhar que o tempo deles é menor para viver, face ao já vivido.

Trata-se de observar que, na velhice, as perspectivas se estreitam e as expectativas nem sempre se realizam. Desencontros ocorrem. Há vários fatores inesperados que produzem reversão de expectativas.

Expectativa diz respeito a um tempo de espera, que pode ser associada à dimensão de esperança, de promessa, de probabilidade. Perspectiva dimensiona novos cenários e novos alinhamentos. Refere-se a pontos de vista, desenvolvimento e crescimento. Alargam-se espaços.

Ao refletirmos sobre expectativas e perspectivas precisamos circundar os conceitos. Na experiência da vida prática, em que a retórica ocupa um lugar menor, podemos alinhar expectativa relacionada às questões singulares, ocasionais, sejam traduzidas em acontecimentos, ou em comportamentos advindos de pessoas, concretamente. A perspectiva tem um grau de amplitude, no horizonte do tempo, modulando-se em várias dobras, que se desenrolam à medida em que se realizam.

Ambas estão presentes em nossas vidas.

Autora: Cecilia Pires. Também publicou no site Direitos humanos: porque são imprescindíveis: https://www.neipies.com/direitos-humanos-porque-sao-imprescindiveis/

Edição: A. R.

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