Se você prestar atenção, a chuva se parece um pouco conosco porque ela tem um bom coração não deixando ninguém com fome, pois é por causa dela que as plantações de arroz, feijão e milho crescem e os agricultores ficam felizes.
A chuva é uma menina de laço de fita, bela e boa. Quando ela cai na Terra aquela sementinha que você plantou no vaso há algum tempo cresce e fica bem bonita igual a você e eu!
Quando a chuva cai na Terra também ela enche açudes e lagos, não deixando que animais e pessoas morram de sede e fome.
Ela gosta de deixar as árvores felizes e enche os corações das crianças de sonhos lindos quando elas se encontram no meio da rua para tomarem um gostoso banho com seus pingos.
Se você prestar atenção, a chuva se parece um pouco conosco porque ela tem um bom coração não deixando ninguém com fome, pois é por causa dela que as plantações de arroz, feijão e milho crescem e os agricultores ficam felizes.
Você sabia que não é culpa da chuva as enchentes nas grandes cidades? Isso mesmo! A chuva é uma menina boa demais para causar danos, ela nunca faria isso! Quando há enchentes é porque o homem construiu prédios e casas em lugares errados ou porque ele derrubou árvores.
Não deixe que culpem a chuva pelas enchentes! Ela fica muito triste quando isso acontece! Não é culpa dela que você tenha perdido os seus brinquedos e roupas, juro que não, ela nunca faria isso!
Os responsáveis pelas enchentes são os homens que pensam saber tudo dela, mas na verdade se eles soubessem que a chuva gosta mesmo é de criança que faz birra, xixi na cama e chupa o dedo eles nunca diriam que ela é culpada disso ou daquilo.
Lembrem-se sempre que Papai do Céu fica feliz quando a gente aprende a amar a chuva porque ela vem lá das nuvens cheia de alegria para molhar a Terra e assim nos proporcionar alimentos e comida na mesa o ano inteiro.
A chuva não é má! Ela não faz mal a ninguém, mas quando os homens derrubam árvores, jogam lixo nas ruas ou constroem em lugares errados como morros e montanhas ela causa danos a quem vive nesses lugares provocando as enchentes e muita tristeza porque não tem para onde ir!
Você já viu alguém feliz quando não tem para onde ir? É o que acontece com a chuva quando os homens interferem na natureza!
Um beijo para você, meu e da chuva, que só queremos ser amigas de todas as crianças do mundo inteiro! Feliz chuvinha!
Ninguém consegue ser feliz com o seu corpo, sua vida, seus amores e suas escolhas. O capitalismo se apropriou de tudo. Não pense, faça! O algoritmo dita a minha vida. Será que tenho saída?
Acho que cansei. A mente não consegue reter mais tanta informação. Preciso de uma pausa.
Nesses últimos dias me questionei sobre o excesso de informações que nos circulam e nos vitimam. E em qual tipo de pessoa estamos nos transformando.
Isso é sobre as redes sociais e o excesso de informações que chegam a cada minuto, e nós nos deixamos levar, sem fazer o crivo necessário. A sociedade capitalista enche nossos olhos, mentes e corações, com as melhores publicidades que o algoritmo pode nos oferecer, as melhores vidas e performances, e nós nem questionamos o quanto de mal isso nos faz.
Já parou para pensar nisso? Eu paro e vez ou outra me afasto e me forço a não acompanhar o ritmo que me querem imputar, à força.
O algoritmo das redes sociais passou a conduzir as nossas vidas, ditar regras de beleza, normas de convivência, e de como fazer amigos e influenciar pessoas, parafraseando o escritor Dale Carnegie. Basta uma conversa despretensiosa com alguém ou uma busca aleatória na internet que o algoritmo dita a nossa vida: o que devemos comprar, onde devemos comer, que músicas devemos escutar, quem devemos amar ou odiar, qual gênero de filmes assistir. Em que cursos devo me matricular para continuar sempre “bem” informada e “atenta” a cada novo detalhe que surge, que pode dar um “up” no meu negócio ou na minha carreira. A vida moderna se tornou o paraíso dos coach. Tem coach para solucionar tudo.
O algoritmo me aponta para qual lugar devo viajar nas férias, com as várias opções de hospedagem e os melhores roteiros turísticos, de preferência ressaltando aquele “point” da ocasião.
O algoritmo me diz que não posso ter excesso de peso, nem unhas curtas, nem lábios originais, nem a tez rugosa ou os cabelos prateados da maturidade, pois a “tendência” mercantilista é vender todo tipo de procedimento estético que o padrão social exige.
Seja bela, linda e magra, como a atriz de TV. O algoritmo só não me pergunta se serei feliz seguindo esse padrão, mas, para isso, o capitalismo tem a solução: vender remédios para a crescente ansiedade do mundo moderno.
Ninguém consegue ser feliz com o seu corpo, sua vida, seus amores e suas escolhas. O capitalismo se apropriou de tudo. Não pense, faça! O algoritmo dita a minha vida. Será que tenho saída?
Talvez o nome adequado nem seja algoritmo, mas, eu decidi por esse codinome. Agora, eu dito a regra, porque me peguei cansada desse excesso de tudo.
Eita, será que estou fazendo um texto panfletário contra as redes sociais? Poderia e deveria, mas não rende likes (risos). A questão aqui é ficar atenta para não me deixar manipular pelas “belezas” e “sucessos” alheios que nos tornam reféns das vidas dos outros.
Por hora, não quero tanta informação pairando em minha mente. Não quero ter que estar constante e freneticamente alinhada e atenta às novidades. Quero fazer pinturas no papel, com lápis de cor, que eu adoro. Quero ler meus livros, sem dia ou hora para acabar. Quero cuidar das plantas, dos bichos de casa, das pequenas coisas que o algoritmo não pode interferir.
Ou será que pode?
Vejo pessoas adoecidas, reféns da sociedade do espetáculo. Sem saber que rumo seguir e sendo tragadas pela massa ensandecida por likes, disputando espaços nas redes sociais e nas produções teóricas que convidam a partilha de mais informação.
Mas, por que isso? Você não gosta das redes sociais? Sim, a tecnologia chegou para encurtar distâncias, promover encontros, e produzir informações em tempo real, mas, por outro lado, vem produzindo o aumento crescente de ansiedade nas pessoas. Ansiedade para produzir conteúdos para as redes sociais, ser e estar como as pessoas e vidas tão perfeitas nas telas dos celulares.
Acho que preferiria pausar um pouco o tempo. Escolheria ter mais tempo para refletir sobre as informações, conhecer as notícias, sem que no minuto seguinte ela esteja obsoleta. Por isso gosto dos livros. Nunca estarão obsoletos. O que foi escrito registra o seu tempo histórico, social, cultural.
Cuidemos de nós, pois, estamos caminhando para um abismo de informações truncadas, textos mal escritos e mal interpretados, leituras curtas e rápidas, diálogos e debates cada vez mais polarizados e perigosos.
Sonhe, cante, dance, pinte, escreva, leia… Não se deixe levar pelo algoritmo que conduz as vidas na sociedade do consumo.
Certamente, um dos grandes fatores que mobiliza e seduz os insaciáveis consumidores na sociedade de consumo é a promessa de felicidade. Não precisamos fazer grandes esforços, nem sequer recorrer a um olhar teórico sobre o assunto para constatar tais evidências.
Se prestarmos atenção aos comerciais que diariamente circulam pela televisão ou por outras formas de propaganda, de forma fácil perceberemos esse apelo constante que vem de diversas formas: “a felicidade mora aqui”, “está esperando o quê para ser feliz”, “deixe feliz a quem você ama”, “para que este Natal seja repleto de felicidade”. São apenas alguns exemplos dos slogans constantes que invadem nossas casas todos os dias.
A felicidade é comprada a crédito e a satisfação dos desejos tem de ser imediata, mesmo que isso custe “suaves” prestações que levam até quatro a cinco anos para pagar. Como diz Bauman (2000, p. 55), a sociedade de consumo “é uma comunidade de cartões de crédito, […] uma sociedade do ‘hoje e agora’; uma sociedade que deseja, não uma sociedade que espera”. Por isso não se necessita de “normas reguladoras” que impõe limite aos desejos, ou que disciplinem o compulsivo anseio de comprar.
A sedução torna-se a grande estratégia que os afortunados diretores de marketing bem remunerados que expõe “as maravilhas não experimentadas” e “as promessas de sensações desconhecidas”. Por isso, os consumidores devem estar pautados pela “estética do consumo” e não pela “ética do trabalho” e “o consumo, sempre mais variado e rico, aparece ante aos consumidores como um direito para desfrutar e não uma obrigação para cumprir”.
A estética torna-se o elemento agregador na sociedade de consumidores. A estética bonifica as mais “intensas experiências” que podem ser desfrutadas a cada ida ao shopping, pois esperar para desfrutar algo significa “perda de oportunidade”. Viver uma experiência estética não requer preparação e nem justificativa, pois chega sem anunciar-se e desaparece de forma rápida. Por isso tem de ser desfrutada no “presente fugaz”, onde “cada momento é bom para que se desfrute”.
Adverte Bauman (2000, p. 56) “não cabe ao consumidor decidir quando surgirá uma oportunidade para viver uma experiência alucinante; o consumidor deve estar sempre disposto a abrir a porta e recebê-la”. Por isso o alerta constante, a prontidão para reconhecer a oportunidade e a disposição para fazer tudo que for preciso para aproveitá-la da melhor maneira possível. Não existem receitas infalíveis, nem cálculos matemáticos, para mover-se no “universo das oportunidades”: a bússola para nos movermos não é nem cognitiva, nem moral. Este é o “segredo” e a promessa de felicidade na sociedade do consumo.
O trabalho não desaparece na “sociedade de consumo”. No entanto, sua função e seu status se modificam completamente. Ele perde seu “lugar de privilégio” e sua “condição de ser o eixo” estruturador da ordem social e da construção da identidade dos sujeitos. Com isso deixa de ser uma referência ética e passa a ser apreciado pela avaliação estética, ou seja, o trabalho passa a ser julgado pela “sua capacidade de gerar experiências prazerosas” (Bauman, 2000, p. 57). A partir desse critério são avaliadas as profissões e as formas de trabalho: algumas profissões são fascinantes e refinadas, pois são capazes de “brindar experiências estéticas”; outras são enfadonhas e somente asseguram a sobrevivência. Da mesma forma que ocorre na relação com as mercadorias, a possibilidade de escolha é o critério que demarca quando uma profissão ou trabalho são fascinantes ou enfadonhos. Aos que não são afortunados, com a estética do consumo e nem com a satisfação do trabalho, sobra as “amarguras” deste.
O trabalho pautado pela “estética do consumo” deixa de ser um dever moral e se transforma em um poderoso fator de estratificação social.
Para os afortunados das “profissões fascinantes” não existe mais uma linha divisória entre “trabalho e hobby”, entre as “tarefas produtivas e as atividades de recreação”, pois o próprio trabalho é elevado a “categoria de entretenimento supremo e mais satisfatório que qualquer outra atividade”. Os afortunados se jogam no trabalho 24 horas por dias, os 7 dias da semana, com a “doce e suave sensação” de escolheram viver a vida dessa forma, intensamente. Não se sentem escravos do trabalho; ao contrário, se sentem que fazem parte de uma elite de afortunados e exitosos consumidores. Como diz Bauman (2000, p. 58): “um trabalho como entretenimento é o privilégio mais invejado. E os afortunados que o tem se lançam de cabeça às oportunidades de sensações fortes e experiências emocionantes oferecidas por esses trabalhos”.
E o que significa ser pobre numa sociedade de consumo? Como fica a condição de felicidade na estética do consumo?
Na leitura de Bauman (2000, p. 64), a pobreza não se resume a falta de comodidade e ao sofrimento físico; ela é acima de tudo uma condição social e psicológica, ser pobre nessa condição significa estar excluído do que se considera uma vida normal, o que gera sentimento de vergonha ou culpa. A pobreza implica um fechar de portas de uma vida feliz por não usufruir das oportunidades que a vida oferece.
Na estética do consumo, como ressalta Bauman (2000, p. 64), uma vida feliz é aquela em que todas as oportunidades se aproveitam. Nessa definição, os pobres não têm uma vida normal e, portanto, não podem ter uma existência feliz, pois são consumidores defeituosos ou frustrados, consumidores imperfeitos, deficientes e incapazes de adaptar-se ao nosso mundo. Essa incapacidade e deficiência causam uma profunda degradação social e um exílio interno, que se converte em ressentimento provocado pela exclusão do banquete social no paraíso da estética do consumo. Se a felicidade é fazer parte do afortunado grupo que pode consumir e escolher diante de tanta abundância ofertada pelo mercado, então os pobres dificilmente poderão ter acesso à felicidade.
Em estudos realizados na Inglaterra nos anos de 1980, com o objetivo de compreender os modo de vida dos trabalhadores, ao analisar sobre os efeitos psicossociais do desemprego, revelaram que os termos “aborrecimento” e “frustração” foram as palavras mais frequentemente utilizadas pelos entrevistados. A vida na estética do consumo se propõe erradicar o aborrecimento, pois promete uma vida de excitação contínua, renovada que se dá na possibilidade de obter algo novo, inédito, desde que se tenha dinheiro para pagar.
Se há quase um século Sigmund Freud anunciava que a felicidade não existe como estado, que somente somos felizes por momentos e que logo nos aborrecemos, a estética do consumo, estrategicamente e engenhosamente criou uma sistemática em que “os desejos surgem mais rapidamente que o tempo que leva para saciá-los, e que os objetos de desejo são substituídos com mais velocidade do que se tarda em acostumar-se e aborrecer-se com eles” (Bauman, 2000, p. 66). Na estética do consumo não há espaços e chances para o aborrecimento, esta é a regra.
No entanto, para entrar nessa sistemática é necessário dinheiro, pois é ele que possibilita alcançar o “estado de felicidade”. Como diz Bauman (2000, p.66) “desejar é grátis; porém, para desejar de forma realista e deste modo sentir o desejo como um estado prazeroso, há que ter recursos. O seguro de saúde não dá remédios contra o aborrecimento”. Ter dinheiro é adquirir o “ingresso” para se fazer presente no lugar onde é possível afastar o fantasma do “aborrecimento”, lugar onde os desejos são permanentemente renovados, realimentados e potencializados.
Na estética do consumo aos pobres é reservada a condição de serem subservientes a um estigma de consumidor defeituoso e por isso sua função é esfregar pisos, cuidar dos jardins dos afortunados e prestar-se aos trabalhos mais básicos com a ilusão de que talvez um dia possam ter dinheiro suficiente para usufruir do paraíso do consumo.
Na estética do consumo “os ricos se transformam em objeto de adoração universal” (Bauman, 2000, p. 68). Se na ética do trabalho os ricos se colocavam como modelos de heróis, “homens que haviam triunfado por seu próprio esforço”, agora a riqueza se torna objeto de veneração, pois é ela que possibilita o estilo de vida extravagante oferecido pelo paraíso do consumo. Os ricos são idolatrados, pois possuem uma extraordinária capacidade de escolha da forma de vida e mudá-la se for necessário.
Na avaliação de Bauman (2000, p. 68), o crescimento econômico no cenário da estética do consumo, significa substituição de postos de trabalho por “mão de obra flexível”, a substituição da segurança laboral pelos “contratos renováveis”, empregos temporários e contratações ocasionais. O próprio Bauman (2000, p. 68-69) denuncia essa dura e agressiva realidade quando constata que a Grã Bretanha posterior à era Thatcher, aclamada como o êxito econômico mais assombroso do mundo ocidental, se tornou também o país que ostenta a pobreza mais agressiva entre as nações ricas do planeta. Nesse cenário “quanto mais pobres são os pobres, mais altos e caprichosos são os modelos colocados frente aos seus olhos: há que adorá-los, invejá-los aspirar a imitá-los”.
Uma das possibilidades de saída alternativa para aqueles pobres que almejam sonhar ou ter parte das “migalhas” da estética do consumo é hipotecar sua própria vida através da “vida a crédito”. Neste cenário, não somente a felicidade está à mercê do consumismo, o amor, bem como, os relacionamentos, estão sendo cada vez mais voláteis e fugazes, são tão líquidos que são difíceis de durar.
Para os que tiverem interesse em aprofundar esse debate do consumismo, além das referências do Sociólogo Zigmunt Bauman, indico o capítulo “A Fragilidade dos laços humanos e a felicidade efêmera na sociedade de consumo: implicações formativas” (Fávero; Rosa, 2019).
Referências:
BAUMAN, Zygmunt. Trabajo, consumismo y nuevos pobres. Barcelona: Gedisa, 2000.
FÁVERO, Altair Alberto; ROSA, Francieli Nunes da. A Fragilidade dos laços humanos e a felicidade efêmera na sociedade de consumo: implicações formativas. In: FÁVERO, Altair Alberto: TONIETO, Carina; CONSALÉR, Evandro (orgs.). Leituras sobre Zygmunt Bauman e a Educação. Curitiba: CRV, 2019, p.139-152.
Nosso desafio não é só com a gestão do caos e dos riscos, mas também com a construção de outro sistema capaz de prevenir novos desastres. Se os extremos climáticos provocam migrações forçadas; de outra parte, nos forçam a fazer mudanças substanciais e urgentes na forma de pensar e de agir.
O Rio Grande do Sul vem experimentando uma espécie de dilúvio. Parece mesmo reedição do episódio bíblico narrado no livro do Gênesis (cap. 6 a 9), com destaque para a figura de Noé e sua arca salvadora. Os elementos causadores da inundação atual são diversos. As interpretações que se fazem do fato vão desde as mais fundamentalistas e moralistas até as mais superficiais ou negacionistas. Não faltam opiniões enviesadas e descabidas, atribuindo a causa dos desastres ao ateísmo, à bruxaria, ao castigo de Deus ou à governança do demônio.
Em contrapartida, se intensificam análises científicas sobre as origens e as consequências das emergências climáticas. A rigor, não é possível simplificar o que é naturalmente complexo. Não há soluções fáceis e individuais para problemas gravíssimos e coletivos. Além de prejuízos materiais, econômicos, culturais e ambientais, as inundações também trazem danos à própria esperança e autoestima humanas. De outra parte (ainda bem), evocam inundações de solidariedade nas suas expressões mais humanitárias possíveis.
Os eventos climáticos extremos produzem também muitas migrações forçadas em todo o mundo. De acordo com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), mais de 30,7 milhões de migrações foram registradas em 2020 em função de desastres relacionados ao clima. A Organização Internacional para Migrações (órgão ligado à ONU) estima que, só em 2022, mais de 700 mil brasileiros precisaram se deslocar, a maior parte em função de enchentes. Com as inundações no Rio Grande do Sul, em 2024, mais de 615 mil pessoas tiveram de deixar suas residências. Os migrantes do clima ou refugiados climáticos (por conta de enchentes, ciclones e secas) estão aumentando cada vez mais em nível mundial.
Para evitar que migrações ocorram de maneira súbita e forçada por tragédias ambientais, elas poderiam ser planejadas em conjunto com pessoas interessadas e os poderes públicos locais, estaduais e federais. No caso das inundações no Rio Grande do Sul, migrações organizadas e amparadas social e economicamente acabam sendo uma alternativa, entre outras, para famílias que tiveram perdas significativas ou totais de suas residências, de seus locais de trabalho no meio urbano ou rural.
Migrações para outros locais dentro da própria cidade ou município, dentro do mesmo estado ou para outros estados em que os habitantes estão diminuindo, podem ser pensadas como uma das formas de enfrentar a situação emergente. No Alto Uruguai gaúcho, por exemplo, dos 32 municípios que compõem a região, apenas 4 aumentaram sua população comparando o Censo do IBGE de 2010 com o de 2022. Os demais 28 municípios tiveram redução de habitantes, sobretudo da população que vive e trabalha no meio rural. Fomentar o repovoamento de zonas rurais, além de estimular a produção agrícola e agropecuária, poderia reconstituir comunidades que estão cada vez mais esvaziadas.
Entre outras medidas diante do contexto de crises atuais, é importante também o combate efetivo ao racismo ambiental e às injustiças climáticas, bem como o enfrentamento do consumismo, do desmatamento, da poluição e da exploração destrutiva da natureza. É fundamental estimular a transição energética, a produção agroecológica, a economia solidária, a educação ambiental crítica, a conservação dos ecossistemas, a pesquisa sobre as mudanças climáticas, etc.
Conferências municipais, estaduais, nacionais e mundiais de meio ambiente são espaços essenciais para discutir novas políticas e assumir compromissos conjuntos de restauração e preservação da Casa Comum.
Há uma conexão evidente entre a destruição das floretas e o aquecimento global; entre o desmonte da regulação ambiental para favorecer a mercantilização da natureza e os eventos catastróficos.
Nosso desafio não é só com a gestão do caos e dos riscos, mas também com a construção de outro sistema capaz de prevenir novos desastres. Se os extremos climáticos provocam migrações forçadas; de outra parte, nos forçam a fazer mudanças substanciais e urgentes na forma de pensar e de agir. Parafraseando o Hino do RS, poderíamos dizer: ‘Sirvam nossas tragédias de alerta a toda terra’!
Defender a educação como direito fundamental se faz no dia a dia e na compreensão de que cada ser envolvido no processo de aprendizagem está atravessado por contextos e questões que precisam ser considerados, por vulnerabilidades e precarizações dirigidas. Não é somente uma questão de querer.
Eu não comecei na Pedagogia amando o curso, pelo contrário, a decisão em cursar no primeiro momento foi pura e concretamente influenciada pelo fato de no ano anterior, ter ouvido falar que o salário de uma Pedagoga seria de 3 mil reais. Foi isso: uma menina do interior sonhando em cursar faculdade que ouviu que talvez pudesse receber uma quantia que jamais fez parte da renda da sua família.
Essa é a minha história inicial com a Pedagogia, pouco glamourosa, tampouco com pretensão de vocação mas carregado da realidade que vivia. É mais ou menos esse o sonho do pobre, uma ousadia em querer estar na academia mas nunca esquecendo do que a vida toda está presente: saco vazio não para em pé, tampouco estuda.
Me apaixonei pela Pedagogia tardiamente e acho que foi um processo de descoberta e encantamento bonito de quem começa a entender que tem voz e pode dizê-la no mundo. Acho que isso foi uma das coisas que me transformou imensamente: ser escutada e, no acolhimento da palavra, poder me fazer cidadã nesse mundo.
A minha língua pouco formal – e com poucas travas em alguns momentos – me fez ter a possibilidade de questionar o que antes era pouco nítido pra mim. De cara, já um outro fato: eu não cabia numa pedagogia de hierarquias, numa cultura escolar que não compreende o exercício da palavra, da escuta e da acolhida como fundamentais para qualquer processo educativo e, assim, nascia também alguém apaixonada pela Pedagogia Social.
Nesses anos passei por escolas, ONGs, comunidades, clínicas, prefeituras e prisões. E em cada lugar me construía um pouco mais gente. Acho que, também, um pouco mais escutadora e admiradora da vida de cada pessoa junto a possibilidade de ouvi-las ou, como disse Edivânia (uma Pedagoga social por quem tenho profunda admiração), de “pisar o solo sagrado do outro”.
Há dias que me sinto uma fraude de Pedagoga, dias que se Paulo Freire me visse só ia baixar a cabeça e a balançar negativa e levemente enquanto coçava sua barba branca e me julgava interiormente. E isso é parte do processo eu acho, poder me olhar e ver o quanto ainda preciso aprender e melhorar, dar-me conta das contradições que ainda estão presentes e como construo caminho em busca de superá-las.
Carrego essa a certeza que a Pedagogia não é neutra e, se a concebo assim, é por perceber os constantes ataques que sofre a educação pública.
Precarizar a educação é um projeto político muito bem situado e com intenções bastante nítidas e da educação infantil ao ensino superior, muitas vezes, o que está em jogo é o poder.
Defender a educação como direito fundamental se faz no dia a dia e na compreensão de que cada ser envolvido no processo de aprendizagem está atravessado por contextos e questões que precisam ser considerados, por vulnerabilidades e precarizações dirigidas. Não é somente uma questão de querer.
Digo com convicção que todo processo de aprendizagem não é neutro porque tento estar constantemente no furacão da práxis. De agir, refletir, avaliar, transformar. E que, para isso acontecer, preciso estar totalmente presente, atenta e sensível com o que bell hooks chama de abertura radical, essa “disposição para explorar diferentes perspectivas e mudar a mente conforme novas ideias são apresentadas”.
Muito cedo na pedagogia assumi esse compromisso político com a educação (de vários modos e em diferentes instâncias) e que depois percebi que sempre atravessou minha vida e permitiu que eu me sonhasse acadêmica e formada.
Sonhar é alimento para criança curiosa transformar o mundo.
Tenho sonhado e esperançado muitos mundos com crianças, jovens, adultos, comunidades, prisões.
De um continente a outro, da sala com estrutura de aço e cimento à sombra das mangueiras: piso firme mas gentil em todo solo e peço licença para construir junto.
A chuva que sempre foi alegria para as crianças hoje, em muitos lugares, tornou-se um trauma causando medo nos corações dos pequeninos. Não podemos permitir que crianças tenham recordações tristes de desastres de enchentes, pois a chuva é um presente dos deuses para o homem e sem ela não estaríamos aqui mesmo sendo os causadores das maiores tragédias naturais do planeta Terra.
As crianças são os amores das nossas vidas, sem elas nada seríamos, mas a infância tem as suas alegrias e traumas no pensar dos pequeninos e nos seus mundos imaginários dependendo de como lhes mostramos as coisas ao nosso redor.
Nos últimos anos, o clima tem sofrido constantes mudanças ao redor do mundo com o desflorestamento e as queimadas. O homem tem devastado o meio ambiente invadindo áreas que antes eram apenas de mata virgem com árvores e plantas lindas. O que o homem faz com a natureza chega a doer na escrita do poeta.
Sendo assim, com essa brusca mudança do clima temos visto muitos desastres naturais ocorrendo no mundo inteiro. Governantes não sabem o que fazer para ajudar seus povos. Ninguém sabe o que fazer, quando a resposta está dentro das nossas palavras transformadas em ações sérias e responsáveis.
O meio ambiente há anos pede socorro e ninguém parece ver isso, apenas quando ocorre um desastre natural é que nos preocupamos com as vítimas dos nossos esquecimentos momentâneos e das nossas responsabilidades para com a natureza.
Não basta somente falar, fazer reuniões e eventos com governantes e responsáveis pelo meio ambiente, não culpo a natureza nem os deuses do Olimpo ou de qualquer outro lugar divino, mas responsabilizo o homem pelo que está acontecendo conosco no mundo inteiro quando vemos nossos irmãos morrendo vítimas de desastres naturais que poderiam ser evitados se tivéssemos políticas públicas sérias para evitar que o homem interfira na natureza com tanta propriedade.
A chuva que sempre foi alegria para as crianças hoje, em muitos lugares, tornou-se um trauma causando medo nos corações dos pequeninos. Quantas vezes não vi uma criança brincar de tomar banho de chuva, de correr com as mãos para cima para sentir os pingos da chuva caírem na sua cabeça ou de tomar banho numa bica dessas grandes que deixa a água cair na gente com a alegria que só os deuses podem nos proporcionar.
Essa chuva querida e amada pelas criancinhas era motivo de festa e alegria nos tempos em que o homem respeitava o cordão umbilical da Terra à vida. Lembro-me bem do quanto ficava feliz na minha infância quando via a chuva cair da minha pequena janela e mamãe autorizava que eu fosse tomar um banho de chuva no meio da rua correndo pra cima e pra baixo vivendo como se não tivesse mais um amanhã para mim apenas sentindo a vida na minha criancice chegar e eternizar-se numa primavera de alegrias em tempos de soltar pipa e brincar com as poças de água formadas pela chuva na minha pequena rua onde tudo se transformava em festa no meu mundo imaginário.
Não, meu Deus, não permita que as crianças tenham traumas da chuva e fiquem com medo dela. Não permita, Senhor, que a chuva se torne algo ameaçador a alegria da infância já tão sofrida e dolorida neste mundo de ódio e violências. Que possamos mostrar para as nossas crianças um mundo de bonitezas em que a chuva é um presente que vem de algum lugar mágico e enche rios e alimenta plantas para um bem-viver.
Que toda criança possa ter a lembrança de um banho de chuva com a alegria que eu tive. As suas memórias ao se deitarem sejam belas e gigantescas diante de uma chuva que traz alegrias e sorrisos à infância que desce a ladeira num banho de chuva maravilhoso de deixar toda saudade passar sem ser percebida nos pingos de água que vêm do céu. E que cada criança possa desenhar nuvens escuras com pingos de chuvas caindo em cima das suas cabecinhas com a alegria de estar vivo e presente em meio a um mundo tóxico e cheio de irresponsáveis humanos.
Levemos às crianças do mundo inteiro que sofrem hoje com os desastres das enchentes destruindo seus lares, levando embora seus brinquedos e molhando seus corpos trazendo frio e medo uma forma de mostrar-lhes que a culpa não é da chuva, a ideia de que a chuva não é uma coisa má, mas ela é consequência da irresponsabilidade e negligência das autoridades que só sabem colocar concretos e arrancar árvores mundo a fora.
Que toda criança possa ter a lembrança da chuva como algo bom, algo que vem dos deuses e que traz benefícios grandiosos para o homem que planta milho, feijão, arroz além de toda o planeta Terra que precisa da água da chuva para sobreviver. Sem a chuva não estaríamos aqui neste lugar cheio de homens de paletó e gravata que todos os dias derrubam uma árvore e constroem prédios dentro das florestas.
Precisamos dizer às crianças que a chuva não é culpada por elas terem que ser resgatadas por bombeiros ou voluntários da defesa civil e deixarem todas as suas coisinhas para trás até mesmo os seus animais, quem é culpado de tudo isso é o homem que fala tanto em analfabetismo funcional e esquece do seu analfabetismo ambiental. Devemos e somos responsáveis a mostrarmos para as nossas crianças que a chuva quando vem é para alegrar o planeta Terra, pois sem ela não teríamos vida.
Se nos alegra um pouco e não sabemos como mostrar para as nossas crianças vítimas de enchentes o quanto a chuva é importante para o homem, mostremos-lhes um pouco do sofrimento do sertanejo nordestino que toma sopa de pedra e corre atrás de bichos os mais diversos num chão rachado de tão seco e com suas vacas mortas no quintal de casa porque a chuva não vem, mostremos para as nossas crianças a alegria do sertanejo no inverno e quando a chuva vai enchendo açudes e lagos.
É nosso dever dizermos às crianças vítimas de enchentes que a chuva nunca fará mal a nenhuma delas, que a chuva quando cai é para alimentar plantas e animais, é para não deixar que os homens, as florestas e os bichos morram de sede. A chuva enche os rios e os nossos corações de alegrias e isso as crianças precisam saber.
As crianças não podem e não devem ter traumas da chuva assim como conheço muitas que estão sofrendo ao verem o tempo nublar e lembrarem do que passaram ontem. Não podemos permitir que as crianças tenham recordações de desastres de enchentes, pois a chuva é um presente dos deuses para o homem e sem ela não estaríamos aqui mesmo sendo os causadores das maiores tragédias naturais do planeta Terra.
Digamos às crianças que continuem desenhando nuvens escuras, árvores sorrindo com a chuva caindo e que elas continuem com a alegria de tomar um banho de chuva sempre e sempre, pois o maior responsável pelas memórias eternizadas na alma dos nossos pequeninos somos nós, homens e mulheres imperfeitos que todos os dias matam e destroem um pouco o meio ambiente.
Ademais, peço que os pais e responsáveis nunca coloquem a culpa das enchentes na chuva, pois ela é preciosa e rara em alguns lugares do mundo e muita gente morre com a sua falta. O que acontece, criancinha, meu amor, é que o homem maltrata tanto o planeta que ele chora lágrimas de pedra e faz com que responsabilizemos uma coisa tão linda em uma bruxa do mal. A chuva é uma princesa que vem nos salvar quando as vaquinhas estão morrendo no terreiro de sede e fome. O homem é esse bruxo mau que destrói tudo o que encontra pela frente e é ele o responsável por você ter que sair de casa correndo para não se afogar com a enchente.
Peço aos professores, pais e responsáveis que mostrem para as suas crianças a bondade e grandiosidade da chuva, tirando dela qualquer lembrança maldosa ou sofrida. Em lugares onde o homem já saiu da Idade da Pedra e se tornou um aliado da natureza tomar banho de chuva continua sendo a maior alegria de uma criança e ver a chuva pela primeira vez é coisa para se registrar na memória afetiva de cada coração pequenino. Amemos a chuva!
Para terminar deixo vocês com os versos da canção do nosso amado cantor Tom Jobim onde ele nos diz
“É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã/ É um resto de mato na luz da manhã / São as águas de março fechando o verão / É a promessa de vida no teu coração…”
Seja março, dezembro ou junho o importante é que a criança reflita e imagine que a chuva é uma promessa de vida no seu coração sempre e sempre, cada vez mais.
Enquanto as águas subiam, me disse meu amigo: “Fui me transformando em gaúcho. Precisava”. E completou: “Façamos, pois, cara feia para os males, companheiro”.
Acabo de falar com um colega diretamente atingido pela terrível enchente que nos assola. Me disse ele que nunca participou de Centros de Tradições Gaúchas, nem botas, alpargatas e bombacha tem. No entanto, para sua surpresa, quanto mais a água subia, mais recordava da vez que leu Martin Fierro de José Hernandez. Foi atrás do livro e recitou-me a passagem: “Por dura que seja a sorte, nem há que pensar na morte, senão em vencer a vida…”
Acabou se preocupando em salvar das águas não só o poema de José Hernandez mas também um texto que tinha de Richard Llewellyn, escritor inglês. Texto antigo de quando o inglês esteve por aqui e se impressionou com o povo gaúcho.
Sabemos, vou ser breve, é tema bem conhecido, que o gaúcho nasce onde havia europeu, índio e gado sem dono, solto em grande quantidade. O homem europeu começa a se acasalar com a índia e nasce dessa mistura um povo com mentalidade europeia e habilidade indígena. O europeu não sabe fazer nem se dispõe ao rude trabalho de reunir o gado silvestre. O índio, que tem habilidade para isso, não se interessa, não vê necessidade disso. O filho do europeu e do índio, este, sim, reúne as condições. E nessa lide vão se construindo gaúchos e vai se formando, aos poucos, um povo.
Esse gaúcho, é claro, não existe mais: as cercas, as cidades, as mudanças nos meios de produção fizeram com que ele descesse do cavalo. A ficção de Cyro Martins bem descreve esse “gaúcho a pé”. Mas seu lado “super-homem” permanece vivo.
Quem mora em outras paragens tem certamente outros modelos. O gaúcho é o nosso. Modelo no sentido de que se ele fez é sinal que é possível de ser feito. Se ele superou o que superou, também podemos.
E lembrando dele, podemos fazer crescer qualidades tão necessárias: honestidade, franqueza, coragem, destemor frente à morte, tomada imediata de decisão, aceitar qualquer empreitada e fazer o que tem de ser feito!
Enquanto as águas subiam, me disse meu amigo: “Fui me transformando em gaúcho. Precisava”. E completou: “Façamos, pois, cara feia para os males, companheiro”.
As lições que podem nos ajudar a aprender do acontecimento são aquelas que transformam e, sobretudo, que mobilizam a transformações profundas e duradouras, sustentáveis, produzindo uma virada!
A catástrofe climática é um fato. É vivida, desta vez, por milhões de gaúchos e gaúchas, particularmente e com maior impacto por aqueles e aquelas dos locais mais afetados e que estão em situação de maior precariedade e menor proteção. Chegou dramática. Mas, a situação somente poderá gerar algum tipo aprendizagem, para que não seja “só mais uma”, se for capaz de ser transformada efetivamente numa “experiência”, ou seja, num acontecimento do qual se aprende e que, o que dele se aprende, seja duradouro e capaz de transformar a vida!
Há muitos nomes para designar o que está acontecendo. Chamamos “catástrofe” intencionalmente para recuperar a ideia do teatro dramático antigo que significava o momento no qual os acontecimentos da representação se voltavam contra a personagem principal. Etimologicamente significa: Kata “para baixo” e strophein “virar”, virar para baixo. Tudo isso há de ajudar a “virar”, a “dar uma virada”, esperamos. É, portanto, mais do que um desastre, uma tragédia, um acidente, uma calamidade… ainda que todas estas sejam, de alguma forma, e também, sinônimo daquela.
A questão é saber, no sentido de Bruno Latour, se o fenômeno é “acontecimento”.
Para que seja, precisa levar a uma escuta profunda que transforme o fenômeno, de simples objeto externo a ser descrito funcionalmente, a ser justificado existencialmente, e leve a entender seu sentido, suas razões, motivadoras de reflexões e ações capazes de modificar a própria maneira de pensar e agir, o mais amplo e profundamente possível. Trata-se de superar a simples ocorrência, para problematizar e gerar outras formas de ser, de desejar, de julgar, de agir… e produzir uma ruptura com o modo normalizado e normalizador, gerar impossíveis, mundos totalmente diferentes, outros mundos…
Transformar ocorrências em acontecimento exige que haja reflexão, não somente reação.
Sim, o momento é de socorro, de salvamento, de solidariedade, exercida de forma tão intensa e forte, mas é também de fazê-lo com o desejo de que não se precise voltar a fazer, logo, de novo, uns dias depois. Há que trabalhar a reconstrução, que não pode ser um simples retorno ao mesmo, um refazer no mesmo lugar, posto que, para um bom número de situações, seria insistir em esperar novos eventos traumáticos. Há um processo de responsabilização daqueles que agiram ou que deixaram de agir para prevenir, para proteger, e não são poucas as ausências e as faltas. Há que construir condições para a reparação das vítimas da catástrofe climática e são milhares, aqui e em tantas outras emergências climáticas pelo mundo.
Enfrentar a complexidade das exigências postas pelo acontecimento requer tomar a circunstâncias a fundo, mas não ficarmos presos elas, hão de ser transpassadas, transfluidas… trans… A travessia que se exige neste momento é mais do que simplesmente encontrar alguma margem, ainda que numa enchente, uma margem física é “salvação”. Há que se fazer a travessia para buscar novas margens, margens portadoras potenciais de novas formas de relação que denunciem o intolerável, que travem e freiem a destruição do progresso infinito e abram à criação que fecunda transformações profundas, novas relações, novas existências.
Há uma compreensão a ser construída… um acontecimento não é uma simples casualidade, por mais que o componham. Há antecedentes, há consequências, há causalidades, diretas, indiretas, há agentes, há relações… uma complexidade a ser, não somente esquadrinhada, explicada, mas particularmente, compreendida, interpretada, sentida, refletida. E para tal não se pode dispensar qualquer tipo de saber, de sabedoria, de conhecimento. Todos eles estão convidados à roda dialógica. Mas não dá para acolher a desinformação massiva, a produção de informações falsas, a disseminação de ódio. Uma emergência climática é piorada com o uso das tecnologias da informação para desinformar e para desmobilizar.
É uma catástrofe que tem uma qualidade substantiva: é “climática”. Mas, dizê-la assim, pode sugerir carregar a separação entre ser “climática” e ser “humana”, reproduzindo a cisão entre natureza e cultura, tão cara ao “antropoceno”.
Ailton Krenak, em Ideias para adiar o fim do mundo (2020), alerta que “[…] passamos a pensar que ele [o planeta] é uma coisa e nós, outra: a terra e a humanidade”. Davi Kopenawa, em A queda do céu (2015), diz que “[os brancos] pensam que a floresta está morta e vazia, que a natureza está aí sem motivo e que é muda. Então di¬zem para si mesmos que podem se apoderar dela para saquear as casas, os ca¬minhos e o alimento dos xapiri como bem quiserem!”.
A insistência em submeter, no sentido mais duro que esta palavra pode significar, a natureza à cultura, fazendo dela um “recurso” a serviço dos humanos, faz com que as águas sejam tratadas como inimigas da humanidade: deveriam ser recolhidas e enviadas para longe… sobretudo nas cidades… esta é a lógica das “drenagens”. Ao mesmo tempo, operações imensas para trazer água, de longe, do fundo, para abastecer a sede de milhões. E as águas voltam… desta vez voltaram com força! Voltaram para dizer que precisamos conviver com elas. Nos ensinam que não há humanidade sem natureza.
Uma catástrofe climática é uma catástrofe humana, inclusive porque mais produto da ação humana na natureza do que o contrário… longe de que seja uma simples “vingança” da natureza. O desafio de retomar a interdependência entre o humano e o natural é a mensagem mais dura que a “enchente” deixa, além de muita lama, destruição e morte.
O quilombola Antônio Bispo dos Santos, em A terra dá, a terra quer (2023), que há pouco encantou, chama a atenção para a necessidade de entender o movimento das águas: vão e voltam. Ele lembra que “a água não reflui, ela transflui e, por transfluir, chega ao lugar de onde partiu, na circularidade”. Simbólico e exigente entender o que ele diz quando o desejo imediato é que as águas simplesmente “refluam”, se afastem, rápido, para longe…
Bispo dos Santos propõe que, assim como as águas, o movimento humano seja de “transfluência”, porque, “transfluindo somos começo, meio e começo. Porque a gente transflui, conflui e transflui. Conflui, transflui e conflui. […] Na transfluência não há volta, porque ela é circular. Ao mesmo tempo que algo vai, fica; ao mesmo tempo que fica, vai – sem se desconectar”.
As lições que podem nos ajudar a aprender do acontecimento são aquelas que transformam e, sobretudo, que mobilizam a transformações profundas e duradouras, sustentáveis, produzindo uma virada!
Autor: Paulo César Carbonari. Doutor em filosofia (Unisinos), membro da coordenação nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH Brasil) e associado da Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF). Também escreveu e publicou no site a reflexão “Liberdade de ensinar e de aprender”:https://www.neipies.com/liberdade-de-ensinar-e-de-aprender/
Outro caminho de oração consiste em rezar pelas necessidades da humanidade que são preocupação comum. E temos muitas. São João Paulo II ensinou isto ao convocar as lideranças religiosas para rezar pela paz na cidade de Assis, como já mencionamos anteriormente, que tem motivado vários outros encontros. Neste caminho olhamos um pouco além dos nossos processos reiterando o papel das religiões no mundo.
Nesta semana a Igreja Católica propõe a Semana de Oração pela Unidade Cristã, tradicionalmente proposta no hemisfério sul na semana que antecede a Solenidade de Pentecostes. Já no hemisfério norte acontece na semana que antecede a festa da conversão do Apóstolo Paulo. Neste ano tem como lema: “Amarás o Senhor teu Deus… e ao teu próximo como a ti mesmo” (Lc 10, 27).
A proposta de uma semana de oração acolhe a iluminação e o desígnio do Espírito Santo que suscita a unidade de todos os cristãos. Na força e inspiração do Espírito os cristãos se aproximam, superam as diferenças e rezam juntos como rezaram Pedro e Cornélio (At 10,25-48). A oração é uma forma de se viver o amor enquanto acolhida da iniciativa divina, enquanto proposta de relacionamento humano e enquanto preocupação com o bem comum da humanidade.
Segundo Luciano Pacomio na apresentação da obra do cardeal Carlo Maria Martini, “orações do cardeal Martini” a oração cristã consiste em repetir a Deus com grande confiança as Palavras de Deus; é suplicar, interceder, oferecer em união com Jesus e seu Santo Espírito; é louvar e adorar ao Pai graças à ação do mesmo Jesus e do Espírito Santo.
As diferentes denominações religiosas têm grande apreço e valor à oração. A experiência orante lhes garante uma identidade. Podem também ser uma ponte com as outras denominações.
Atividade reuniu diferentes denominações religiosas na Catedral em ato inter-religioso tendo presente a dramática situação que assola o Estado do Rio Grande do Sul. Centenas de pessoas, de diversas comunidades e tradições religiosas responderam ao convite e se uniram em oração em favor das vítimas das enchentes.
Entre os católicos a tradição de rezar pela unidade cristã é secular e aos poucos foi encontrando sustentação no magistério eclesial.
Em 1865, o Papa Leão XIII fez a recomendação da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. Em 1897, na Encíclica Divinun Illud Munus, sobre o Espírito Santo, destacou o valor da oração pediu que se rezasse pelo bem e o crescimento da unidade dos Cristãos. Em 1909, o Papa Pio X concedeu a bênção oficial à Semana de Oração. Durante o seu pontificado, o Papa Bento XV introduziu a Semana de Oração definitivamente como ação da Igreja Católica. Em um gesto expressivo São João Paulo II em 1986 se reuniu em Assis com irmãos de outras experiências religiosas para rezar pela paz, uma atitude de simbolismo profundo.
A crescente preocupação com a unidade cristã foi assumida com preocupação da Igreja Católica com especial atenção para a construção de uma espiritualidade da unidade que tem como um dos pilares a dimensão orante. Citamos alguns documentos do magistério eclesial que salientam a importância e recomendam a oração pela unidade.
Durante o concílio Vaticano II (1962-1965) foi aprovado Decreto conciliar Unitatis Redintegratio, sobre a reintegração da unidade cristã, que descreve a importância da oração como movimento para a unidade cristã. Assinala a oração e sua importância para os cristãos católicos, como alma do ecumenismo e como expressão de um coração convertido. Sobre a oração afirma: “esta conversão do coração e esta santidade de vida, juntamente com as orações particulares e públicas pela unidade dos cristãos, devem ser tidas como a alma de todo o movimento ecumênico, e com razão podem ser chamadas ecumenismo espiritual” (UR 8). Assegura que a prática orante é um pedido de Jesus Cristo: “é coisa habitual entre os católicos reunirem-se frequentemente para aquela oração pela unidade da Igreja que o próprio Salvador pediu ardentemente ao Pai, na vigília de sua morte: que todos sejam um” (UR 8). Também aprova o encontro com os demais cristãos de outras denominações para a oração: “é lícito e até desejável que os católicos se associem aos irmãos separados na oração. Tais preces comuns são certamente um meio muito eficaz para impetrar a unidade” (UR 8). É um vínculo de unidade entre os cristãos e com o redentor.
Em 1994 o Pontifício Conselho para a Promoção e Unidade dos Cristãos publicou o Diretório para a aplicação dos princípios e normas do ecumenismo. Ali também destaca o valor da oração. Recomenda a oração em comum considerando um meio eficaz de pedir a graça da unidade e constituem expressão autêntica dos laços que unem os católicos aos outros cristãos (Diretório 108).
São João Paulo II, em 1995, publicou a carta Encíclica Ut Unum Sint tratando sobre o caminho do ecumenismo. No documento, afirma a primazia da oração no diálogo ecumênico: “no caminho ecumênico para a unidade, a primazia pertence, sem dúvida, à oração comum, à união orante daqueles que se congregam à volta do próprio Cristo.
Se os cristãos, apesar das suas divisões, souberem unir-se cada vez mais em oração comum ao redor de Cristo, crescerá a sua consciência de como é reduzido o que os divide em comparação com aquilo que os une. Se se encontrarem sempre mais assiduamente diante de Cristo na oração, os cristãos poderão ganhar coragem para enfrentar toda a dolorosa realidade humana das divisões, e reencontrar-se-ão juntos naquela comunidade da Igreja, que Cristo forma incessantemente no Espírito Santo, apesar de todas as debilidades e limitações humanas” (UUS 22).
A prece pela unidade é um caminho potente para os cristãos das diferentes denominações, porque a oração é dizer, fazer silêncio e escutar a voz do Criador a partir das diferentes contingências da vida. Aprende-se a exercitar a confiança e o abandono ao desígnio divino e então não são as nossas vontades que prevalecem, mas a vontade de Deus mesmo. Na perspectiva do diálogo vai prevalecer sobre as instituições religiosas a vontade daquele que deseja que todos sejam um (Jo 17,21).
A oração pela unidade cristã compreende um coração convertido a Deus e ao outro compreendendo que as diferenças não podem ser motivo de afastamento. Então, é possível rezar na intenção do outro que não professa a mesma trajetória de fé, mas que está aberto à proximidade e ao diálogo. É um gesto de abertura amplo segundo o princípio de que não se prioriza a particularidade, mas a necessidade do outro.
Também é possível rezar com o outro, o diferente, segundo o princípio de que é possível o entendimento via espírito orante. Na oração em comum e junto com o outro, de uma índole religiosa diferente abrimos espaço para a ação de Deus via Espírito Santo guiando nossas mentes e corações. Nas experiências de oração em comum nos enriquecemos e fortalecemos a fidelidade a Jesus e a perspectiva da construção da unidade.
Outro caminho de oração consiste em rezar pelas necessidades da humanidade que são preocupação comum. E temos muitas. São João Paulo II ensinou isto ao convocar as lideranças religiosas para rezar pela paz na cidade de Assis, como já mencionamos anteriormente, que tem motivado vários outros encontros. Neste caminho olhamos um pouco além dos nossos processos reiterando o papel das religiões no mundo.
A Semana de Oração pela Unidade Cristã assinala o compromisso com a unidade. A prece comum é um caminho fértil. Possamos exercitar este princípio que une todos nós e nos une com o Criador porque rezar é compromisso de fé, mas antes é dom vocação e graça.