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A máquina de resolver problemas

“A vida é mais do que solução de problemas. Aqueles que só solucionam problemas já não possuem futuro.” (Byung-Chul Han)

Projetos, conflitos gerados nas redes sociais, desagrado com a postura de alguns professores, problemas extraescolares, informações desencontradas, atendimentos exaustivos a pais e responsáveis que querem saber tudo nos mínimos detalhes, opinando frequentemente sobre os processos pedagógicos e muitas outras demandas compõem o dia a dia dos gestores escolares.

Todos parecem querer tudo ao mesmo tempo da escola. E aos gestores sobra pouco tempo para o que realmente importa: acompanhar o processo de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes.

Esse panorama já vinha se agravando, mas evidentemente com a pandemia foi potencializado. Resultado: professores e gestores estão no limite de suas forças físicas e psíquicas para lidar com tantas exigências (e por que não dizer, com tantas intransigências). A sociedade que vivemos parece adoecer a cada instante. Torna-se cada vez mais fria, egoísta e incapaz do que entendemos por empatia, sensibilidade e acolhimento do outro em suas diferenças. Tudo parece respingar na escola.

Estudiosos do comportamento humano indicam estarmos vivendo um período de infantilização. E já há pais que procuram os professores universitários para ‘tirar satisfação dos resultados insuficientes dos filhos nas cadeiras do ensino superior.” Para boa parte da humanidade, que passa horas diante das telas dos smartphones, os educadores devem ter algum poder mágico de resolver todos os problemas que surgem em decorrência de algo ou que são gerados pelas opções impensadas de alguns.

Enquanto isso, os processos educativos, a inovação no ensino, a apropriação de novas ferramentas e práticas relacionadas ao acompanhamento dos estudantes ficam para trás, por não sobrar tempo a uma séria e responsável reflexão sobre o que é importante ensinar, quais competências e habilidades são fundamentais num mundo em constante disrupção, como aliar teoria e prática, a fim de que os estudantes possam adquirir conhecimentos que lhes garantam autonomia, criatividade, consciência crítica entre outros.

Avalio como urgente a importância de uma séria revisão de relações e âmbitos a serem definidas entre o que compete aos diferentes atores no processo educativo das novas gerações. Pais que passam o dia todo no espaço pedagógico dos colégios não compreenderam ainda que sua tarefa é maior do que fiscalizar o que a escola faz.

Professores e gestores que ocupam a maior parte do tempo em atendimentos a um grupo seleto de “fregueses” que todos os dias insistem em tirá-los de seus campos de ação para satisfazer suas demandas particulares precisam se empoderar do que realmente lhes compete.  

Afinal, a escola com sua natureza educativa deve priorizar sempre os estudantes. A grande pergunta parece ser: qual a questão pedagógica que leva um pai ou uma mãe à escola. Caso não seja esse o tema, a resolução do problema não estará ali.

Leia também reflexão “Estão matando a essência da educação”: https://www.neipies.com/estao-matando-a-essencia-da-educacao/

Penso que à escola do presente e do futuro caberá criar gabinetes de crise com pessoas dedicadas ao atendimento de pais e mães, fazendo triagem do que realmente importa e do que deve ocupar-nos em nosso fazer pedagógico.  Caso continuemos querendo ‘agradar’ a todos, estaremos perdendo tempo em fazer o que realmente sabemos e o que está no âmbito de nossas competências e funções. E isso deveria ser assumido por todos, em uma verdadeira rede de cooperação.

É preciso discutir com a sociedade sobre o papel da escola, antes que o futuro dessa instituição tão valorosa seja roubado por quem costuma dar opinião em tudo, e vai pela vida trocando os filhos de escola em escola, por não encontrar uma escola que resolva os seus problemas particulares. Afinal, a escola não é e não deve ser jamais uma máquina de resolver problemas. A ela cabe ensinar as gerações a assumirem suas próprias vidas e serem responsáveis por suas opções.

FONTE: https://cnbbsul3.org.br/a-maquina-de-resolver-problemas/

Autor: Prof. Dr. Rogério Ferraz de AndradeSecretário Executivo do Regional Sul 3 – CNBB

Edição: A. R.

Um desafio chamado inclusão

A detecção precoce de riscos dos transtornos do desenvolvimento infantil e o seu atendimento específico e adequado faz toda a diferença na vida do autista, da família e da sociedade.

A criança de poucos meses dorme boa parte do dia. Já nesta fase inicial de vida os pais devem ajudar o nenê a perceber que nem sempre ele será atendido imediatamente quando chora. Conversar carinhosamente, explicando que ele deve ter calma e esperar um pouco para ser amamentado, trocado, banhado… é assim que ele começará a compreender a dinâmica da vida, preparando-se para enfrentar as frustrações naturais.

No primeiro ano de vida ele crescerá mais rapidamente e se modificará mais do que em qualquer outra idade.

Até os três meses o sentido do tato na criança é bastante desenvolvido. Ela aprende sendo tocada e tocando pessoas e objetos. O saber agarrar é um reflexo inato e não uma ação consciente.

O olhar da mãe é muito importante. Ela vai se “ver” refletida nos olhos da mãe, especialmente quando é amamentada.

O bebê, quando está acordado, gosta de companhia. O contato com a mãe e demais pessoas se dá pela vista, audição e tato. Ele é muito sensível ao som. Faz bem para ele ouvir a voz humana que pode se expressar por uma canção suave, como de ninar, o sussurro carinhoso, assovio, a contação de histórias, são atitudes que acalmam como também o som de móbiles pendurado junto ao berço, movidos pela brisa do vento. Ele ficará encantado com o som e o movimento.

Por volta dos quatro a cinco meses elas apreendem a alcançar e segurar os objetos que estão próximos. Eles gostam de chocalhos e brinquedos de superfície lisa e grandes coisas coloridas para apertar, brinquedos estofados, em forma de bichinhos ou de rosca, que é fácil de ser agarrado.

O sentido da audição é bem desenvolvido desde antes do nascimento. Proporcionar à criança a audição de música suave, cantigas de ninar, canções do folclore, contação de pequenas histórias demonstrando na voz e na expressão facial a emoção dos personagens.

Eles gostam de se olhar no espelho e serem estimulados a se ver no colo do adulto.

Nessa fase eles imitam os movimentos dos adultos com a cabeça, os braços e as mãos e começam a repetir os sons que os adultos fazem.

A partir dos seis meses dormem menos e já estão habilitados a brincar sozinho. Derruba e atira coisas e repete esses atos várias vezes que lhes dá prazer. A criança adora brincar com as pessoas que já conhece e acena quando o adulto se despede.

Aos sete ou oito meses começará a engatinhar e logo em seguida, a levantar-se apoiada em algo e ensaia os primeiros passos estimulada e amparada pelos adultos.

Quando o bebê adquire o senso de mobilidade vai se tornar um grande explorador do mundo que o cerca sem qualquer noção de perigo.  O ambiente onde a criança aprende andar deve ser preparado adequadamente. O que representar perigo deve ficar inacessível a elas: remédios, objetos perigosos, vidros, etc. Eles precisam ser vigiados atentamente desde quando começam a engatinhar até quando estiverem andando e descobrindo o mundo a sua volta.

Elas gostam de “casinhas” improvisadas, caixas de papelão, embaixo da mesa, lugares para se esconderem e serem achados. Estão descobrindo todos os cantos do seu mundo.

Brincar ao ar livre com terra, areia e água é muito gostoso e elas podem sujar-se à vontade, por algum tempo.

As crianças gostam de ouvir música suave ou alegre e movimentada e dançar, se sacudir no ritmo da música. Para acalmar e induzí-la a um sono reconfortante nada melhor que uma música suave e uma prece ao “Papai do céu.”.

As quadrinhas rimadas, versinhos e leituras curtas são apreciados pelas crianças. Elas gostam de folhear livros coloridos, revistas e dedilhar as telinhas coloridas do celular e similares, isto sempre como moderação e cuidado dos adultos.  Elas, até por volta dos três anos, costumam afeiçoar-se a algum brinquedo velho ou surrado e ainda não brincam com outras crianças nem gostam de emprestar seus brinquedos. A partir dos três anos ela passa a ser mais sociável.

A palavra predileta de grande número de crianças de dois anos é NÃO. É o início da autoafirmação, elas estão testando a própria vontade e a dos pais. De vez em quando elas necessitam ser obstinadas, isso faz parte do desenvolvimento. Não se deve fazer disso um problema.

A duração do interesse da criança por alguma atividade é muito curta. Ela só brincará por longo tempo se lhe derem uma bacia com água e areia para fazer barro.

Nessa fase as crianças gostam de subir em escadas e nas coisas, essa ação ajuda a desenvolver os músculos maiores, dos braços, pernas e tórax e de engatinhar em caminhos suspensos o que ajuda a desenvolver o senso de equilíbrio. Os passeios a pé, ao ar livre, com os familiares são ótimos. Eles devem ser curtos e simples pois a resistência da criança é limitada. Ela observará a natureza, ouvirá o canto dos pássaros, verá o voo das borboletas e das aves, acompanhará o deslocar das nuvens, no céu e a noite, olhar a lua e as estrelas.

Elas gostam de ouvir ou ver uma história que as fascina, várias vezes, até esgotarem à vontade, pois elas estão educando as emoções básicas, sentindo o que os personagens estão vivendo: surpresa, medo, tristeza, alegria, raiva, etc. O mesmo acontece com a audição de algumas cantigas infantis.

Aos três anos a criança torna-se sociável, adora brincar ou trabalhar com a mãe e o pai, aprender coisas com eles. A curiosidade de conhecer o mundo é insaciável. Gostam de experimentar e fazer coisas novas, de rasgar, despedaçar e esmurrar. Inicia-se a fase dos porquês, dos questionamentos. Ela quer entender o mundo.

As crianças de três a seis anos gostam de dramatizar, fingindo que são bichos ou coisas, e que já são adultas: motorista, professor, bombeiro, mamãe, papai, etc. e devem ser estimuladas para tal, elas também gostam de encenar as histórias ouvidas. Elas têm a tarefa de separar, na mente infantil, o mundo real do mundo imaginário. Gostam de serem reis, rainhas, fadas, príncipes, porquinho, lobo mau, etc. Possuem alta capacidade de imaginação e criatividade.

Os pais e educadores precisam estar atentos às emoções das crianças. Ideal que elas sejam expressas e trabalhadas pelos adultos. A frustração e a raiva são inevitáveis quando a criança está se desenvolvendo. Ela necessita aprender a desabafar, externando a energia de sua raiva, agredindo e mordendo coisas e não pessoas. Nas escolas maternais tem os “sacos de pancada”, os bonecos “João Bobo” ou “bode expiatório” sobre quem elas descarregam a raiva. Com eles a criança poderá desabafar sentimentos que devem ser externados sem prejudicar irmãos e colegas.

Os sentimentos recalcados são causas de futuras perturbações emotivas. Uma atividade desestressante é jogar, com a criança, pedras dentro de um lago, rio, à beira mar ou acertar num alvo previamente colocado em um lugar para ser atingido. O brinquedo é a mais alta fase do desenvolvimento infantil, cheia de pureza e espiritualidade. Proporciona alegria, liberdade, satisfação e paz com o mundo. A criança que brinca espontaneamente será um adulto harmonizado. 

Na fase infantil muitas crianças aprendem a tocar algum instrumento musical, com música simples e danças acompanhando o ritmo da música.  Gostam de imitar, basta sugerir: faça de conta que você é um animal qualquer, uma árvore ao vento. Ela vai agachar-se, dobrar-se, bambolear o corpo, andar na ponta dos pés e criar passos ao ritmo de música, de preferência de pés descalços.

Nos primeiros sete anos de vida a criança fisicamente sofre grandes alterações e crescimento. O corpo vital da criança ainda é dependente da vitalidade da mãe. Época de predominância das doenças febris e infecciosas comuns da infância, que estimulam o amadurecimento do sistema imunológico e a individualização das proteínas da criança. A criança, por isso, precisa se sentir aninhada, aprende a falar, andar, pensar, brincar, imitar e deve acreditar que o mundo é bom. Por esse motivo os contos de fada e as histórias da Carochinha sempre apresentam um final feliz. O bem sempre vence o mal.

Pelos seis anos, o pensamento já está mais desenvolvido inicia-se a alfabetização e a socialização melhora. As artes são muito importantes: o desenho, o canto, a dramatização, a dança, a pintura. É a época de desenvolver o respeito à autoridade externa, fora do lar.

Mas, atenção! Os pais, demais familiares e cuidadores das crianças devem ficar atentos com o comportamento infantil.  Até agora descrevemos as características gerais do comportamento das crianças típicas, até por volta dos seis anos e de de como elas reagem no transcurso de seu desenvolvimento normal nos primeiros anos da infância. São as crianças neurotípicas.  E as atípicas?

O que é o Transtorno do Espectro Autista?

O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento que se caracteriza por déficit na área da comunicação e da interação social, com estereotipias de comportamento repetitivo e de interesse restrito e peculiar a algumas atividades.  O TEA é muito complexo e diversificado. São diferentes dos neurotípicos, não é uma doença, é uma maneira diferente de pensar e aprender. Atualmente ocorre alto índice de nascimentos de crianças com TEA, no Brasil e no mundo.

O TEA ainda não possui causas totalmente conhecidas que podem ser predisposição genética ou mesmo fatores ambientais. O diagnóstico médico é feito a partir do histórico da criança, a observação de seu comportamento e o relato dos pais e deve ser feito logo que se percebe as dificuldades da criança de interagir com as pessoas mais próximas.  O diagnóstico precoce, que já pode ser feito a partir dos três meses de idade do bebê, é fundamental para iniciar terapias que vão amenizar os sintomas.  Estas crianças apresentam desenvolvimento físico normal mas com grande dificuldade de comunicação e interação, apatia ou agitação, comportamento aparente de viver num mundo isolado, paralelo ao mundo real. É considerado um transtorno multifatorial, mais comum em meninos do que meninas, havendo necessidade de intervenção especializada na condução do manejo com estas crianças que vão ajudar a reverter alguns transtornos do desenvolvimento.

Elas podem apresentar déficit na fala que pode ser total ou parcial. Apresentam dificuldade na interação social por falta de reciprocidade, de atuar em grupo e manter contato físico com outras pessoas. Alguns apresentam comportamentos repetitivos nos gestos, fala e/ou nos movimentos; são meios que as pessoas com TEA usam para se autorregularem e se acalmarem. Elas exigem rotinas e hábitos rígidos diários e reagem, podendo entrar em crise, surto, quando esta rotina é alterada sem elas serem preparadas previamente para tal.  Elas podem apresentar, entre outras, as seguintes estereotipias: rodar objetos nas mãos, girar em torno do próprio eixo, movimentar dedos na frente dos olhos, correr de um lado para o outro, fazer sons com a boca, acender e apagar o botão de interruptor, balançar o corpo, segurar sempre pequeno objeto.

Os terapeutas especializados aconselham que não se deve impedir as estereotipias pois elas ajudam o autista a se acalmar e organizar seu pensamento. Muito cuidado e atenção se deve ter com as portas que levam para a rua no ambiente onde a criança com TEA está participando, pois, utilizando este acesso, pode ocorrer uma fuga sem direção certa, colocando-a em risco.  Há uma grande variedade na manifestação destas condutas.  

Algumas estereotipias são auto lesivas como morder a si próprio, nas mãos, braços, arrancar peles das unhas ou lábios, bater com a cabeça no chão ou parede, deve-se impedir tal atitude   propondo logo uma outra atividade interessante, desviando o foco do problema.

Essas crianças e jovens podem, legalmente, participar das atividades escolares, num processo de inclusão junto com os alunos típicos. Para tal, a direção da escola, professores, funcionários e alunos típicos precisam ser preparados para recebe-los em condições favoráveis para todos.

Os níveis de autismo estão catalogados como:

 Nível 1 – ou grau leve, são mais funcionais do que os outros níveis, necessitam de suporte para se organizarem e planejarem as atividades, tem dificuldade de iniciarem interações com os outros, parecendo tímidos e introspectivos mas possuem rica potencialidade a ser estimulada e que, adequadamente explorada, pode surpreender, como no desenho, no canto, na escrita de histórias, elaboração de pequeno texto ou poema, na dramatização, nas ciências naturais  ou sociais, na matemática, etc. A sala de aula é um ótimo espaço para ajudar a aflorar as habilidades adormecidas quando estas forem incentivas adequadamente. Eles têm boa percepção para detalhes. Pessoas com síndrome de Asperger são incluídas neste grupo pois, falam bem, são inteligentes, mas tem dificuldade na interação social.

Nível 2 – grau moderado – necessitam de suporte maior para se organizarem. A fala é bastante comprometida, usam frases muito simples. Reagem mais ostensivamente às mudanças de rotina e de ambiente. Têm dificuldade no contato social pois seus interesses são específicos. Na sala de aula elas podem participar desde que as atividades pedagógicas sejam adaptadas a seu jeito de ser.  Com o tempo podem surpreender.  Indispensável que o educador possa contar com orientação psicopedagógica e ter, quando necessário, o suporte de outra pessoa para a realização da aula.

Nível 3 – Grau severo – Em geral, dependem do apoio direto de outra pessoa, pois são incapazes de agir de forma autônoma, têm grave dificuldade na comunicação, na interação social e na área da cognição. A criança ou jovem com TEA severo poderá participar das atividades na escola regular de forma bem limitada, sempre com o auxílio de um mediador capacitado.

O educador precisa estar ciente, em relação ao aluno com TEA, de quais são os gatilhos que provocam reações indesejáveis na conduta, como chorar, gritar, fugir do ambiente ou que o deixam irritado, angustiado, mas que não consegue verbalizar o que sente.  Muitas vezes é a intolerância aos sons, ruídos estridentes, barulho e agitação no ambiente. Este aluno leva mais tempo para processar as informações, o professor deve sempre usar frases curtas, com palavras simples e falar pausadamente, aguardando, com calma, paciência, pela resposta.

O autista deve ter acolhimento amável, sem toque físico, o olhar sensível, sentir a empatia e ter certeza do apoio e do desejo sincero de ser incluído no ambiente social da aula. Naturalmente, os alunos neurotípicos deverão ser informados e preparados, com antecedência, sobre as condições do colega com TEA para saber interagir com ele com amabilidade e respeito.

A administração municipal de Porto Alegre criou o Centro de Referência do Transtorno Autista (CERTA) que está sendo implementado desde 2023, e   reúne as ações de duas Secretarias Municipais, a da Saúde e a da Educação, que se compõe de equipe multidisciplinar composta por médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, pedagogos e psicopedagogos.

A detecção precoce de riscos dos transtornos do desenvolvimento infantil e o seu atendimento específico e adequado faz toda a diferença na vida do autista, da família e da sociedade.

Leia também: “A criança autista e a necessidade de compreensão”: https://www.neipies.com/a-crianca-autista-e-a-necessidade-de-compreensao/

Autora: Gladis Pedersen   –  pedagoga. Também escreveu e publicou “A magia da arte de contar histórias”: https://www.neipies.com/a-magia-da-arte-de-contar-historias/

Edição: A. R.

Sobre o Trabalho: silêncios e vozes

Ao mesmo tempo que o Dia do Trabalho é um dia de memória também é um dia de resistência e de encorajamento, porque sabemos da importância da luta conjunta pela dignidade das pessoas que trabalham.

Muitos empobrecidos trabalham para poucos enriquecidos. Esses poucos dominam o mundo do trabalho, porque são os donos do capital. E isso continua, sem limite.

O mundo do trabalho tem seus silêncios e suas vozes. Ambos, silêncios e vozes, registram os fatos. Temos a história em nossas mãos. Cada momento de nossas vidas nos reinventamos nas novas formas de produção, como pessoas trabalhadoras. Nessa resistência, ainda exigimos melhores condições de trabalho, como exigência de dignidade e de direitos.

Silêncios e vozes têm sua eloquência!

Há direitos, que ainda não foram conquistados por todas as pessoas, como moradia digna, segurança alimentar, educação e saúde. A força de trabalho, que não é a força do capital, ainda não conseguiu atingir uma qualidade de vida em que todos esses direitos básicos estejam assegurados. Por isso que no Dia do Trabalho, que é o dia de quem trabalha, essas questões precisam ser lembradas, por uma questão de Justiça.

O Primeiro de Maio é comemorado como uma homenagem a quem trabalha. Por essa razão, é importante que tenhamos presente essa memória, para que haja sempre o registro de justiça e liberdade, como respeito à resiliência dos que constroem diariamente essa nação.

Ao mesmo tempo que o Dia do Trabalho é um dia de memória também é um dia de resistência e de encorajamento, porque sabemos da importância da luta conjunta pela dignidade das pessoas que trabalham. Desse modo, continuamos nessa tarefa histórica, que é a de diminuir as fronteiras entre poucos e muitos.

Lutemos e comemoremos! Feliz Primeiro de Maio!

Autora: Cecília Pires. Também escreveu e publicou no site crônica “Direitos humanos: porque são imprescindíveis”: https://www.neipies.com/direitos-humanos-porque-sao-imprescindiveis/

Edição: A. R.

Interculturalidade e Cidadania Universal

A globalização econômica, tecnológica, cultural e religiosa influencia diretamente a educação, interferindo até mesmo no modo de organização das instituições de ensino, seja na Educação Básica ou no Ensino Superior. Nesse contexto, consolida-se uma tendência que reduz cada vez mais as disciplinas humanistas para a formação pessoal e profissional dos cidadãos.

Na obra Sem fins lucrativos: por que a democracia precisa das humanidades, a filósofa americana Martha Nussbaum (2015) defende as humanidades e as artes como fundamentais para a formação de cidadãos democráticos e participativos, numa sociedade complexa e global. Ela preocupou-se com o fato de que em muitos países os objetivos da educação estão voltados apenas para o crescimento econômico do mundo globalizado, instrumentalizando o ensino que forma alunos economicamente produtivos, ao invés de indivíduos críticos e cidadãos conscientes e compreensivos dos problemas que precisam ser enfrentados num mundo cada vez mais complexo e plural. Esse enfoque nas competências lucrativas, para a autora, enfraquece nossa percepção de crítica à autoridade e minimiza nosso apreço aos segregados e aos “diferentes de nós”.

A ideia de educação para sermos cidadãos do mundo vem de longa data e não é um desafio que se coloca apenas nos tempos atuais. Nussbaum (2005, p.77-78) retoma Diógenes, filósofo do antigo mundo grego, e toda a tradição estoica do mundo romano, mostrando que ambos já anteviam essa dimensão das obrigações morais e sociais que extrapolam nossa origem de nascimento, de identidade local, de pertencimento a um grupo. Compreender a dimensão cosmopolita e a ideia de educação para sermos cidadãos do mundo, para Nussbaum (2005, p.78), é “uma fonte de recursos essenciais para a cidadania democrática” e deveria “estar no centro da educação superior atual”.

A ideia de uma “educação multicultural”, considerada em nossos dias por setores conservadores como sendo uma moda passageira e inadequada, gozava de grande prestígio na Grécia de Sócrates e mesmo de Heródoto. De fato, como observa Nussbaum (2005, p.79), “Sócrates cresceu numa Atenas já influenciada por essas ideias no século V a.C.” e Heródoto, um dos mais celebrados historiadores etnográficos da antiguidade, “assumiu seriamente a possibilidade de que Egito e Pérsia poderiam ter algo que ensinar a Atenas sobre valores sociais”.

O processo educativo poderia ajudar a perceber e a constituir uma tomada de consciência de que aquilo que é visto como normal e natural em determinada cultura é completamente estranho e causaria escândalo numa outra cultura. Esse processo ajuda não só a perceber as diferenças como também a dar-se conta de que os modos de vida de cada grupo “não são os modos desenhados pela natureza para todas as épocas e pessoas”, mas são tão somente normas históricas produzidas em distintos contextos culturais.

Na Atenas do século V, a indagação socrática colocará em questionamento se os jovens deveriam ser educados na simples assimilação indiscriminada de valores tradicionais ou se deveriam ser mobilizados pelo questionamento ético. A educação espartana e a educação ateniense são apresentadas pela própria Nussbaum (2005, p.80) com duas formas distintas de educar os jovens: na educação espartana, tem-se uma cultura hierárquica e não democrática, a caracterização da uniformidade e o cumprimento inquestionável das regras, em um contexto no qual o bom cidadão é concebido como aquele que segue de forma obediente as regras tradicionais; já na educação ateniense tem-se uma cultura democrática em que ensinar a liberdade de indagação e o debate possibilitava dotar os jovens de instrumentos que lhe permitiam eleger seu próprio modo de vida, pois esse tipo de educação “requer uma ativa indagação e a capacidade de contrastar alternativas”. Sendo assim, para Nussbaum (2005, p.80), seguindo o posicionamento socrático, “a indagação ética requer um clima em que os jovens sejam incentivados a serem críticos de seus costumes e convenções, e que a indagação crítica, requer a consciência de que a vida contém outras possibilidades”.

Outros dois exemplos interessantes sobre como o estudo intercultural já fazia parte dos pensadores da Grécia Clássica se referem a Platão e a Aristóteles. “No livro V da República”, diz Nussbaum (2005, p.81), “aparece um exemplo particularmente fascinante, relativo ao modo em que a reflexão sobre a história e outras culturas desperta a reflexão crítica”, ao tratar especificamente sobre a forma como Sócrates elabora um argumento defendendo “a igualdade de educação para as mulheres”.

Aquilo que é considerado estranho e ridículo dentro de uma determinada cultura (no caso, na cultura ateniense), “não pode por si mesmo dar-nos argumentos válidos a respeito do que deveríamos fazer”. No que se refere a Aristóteles, o estudo intercultural ganha sistematicidade e se converte em tema central do currículo. A elaboração da constituição ateniense, por exemplo, é resultado de um amplo e cuidadoso estudo por parte dos alunos e do próprio Aristóteles para mostrar a dimensão transcultural da constituição, bem como sua noção de política.

Mesmo que o tema já estivesse presente na forma como Sócrates, Platão e Aristóteles trataram a inteculturalidade, a expressão “cidadão do mundo” não foi cunhada por eles e sim por Diógenes (404-323 a. C.): foi ele, segundo Nussbaum (2005, p.83), que optou por uma vida desprovida das habituais proteções dos ricos e poderosos, pois temia perder a liberdade; preferiu viver a pobreza e o desprendimento para manter firme o propósito de independência do pensamento; considerava a liberdade de expressão como a condição mais sublime da vida humana.

Para Diógenes, segundo Nussbaum (2005, p.85) “o verdadeiro fundamento para a associação humana não é o arbitrário ou o mero costume, mas sim o que podemos defender como bom para os seres humanos”, ou seja, compreender que a humanidade está acima de qualquer particularismo, nacionalismo ou crença.

Os filósofos estoicos também são indicados por Nussbaum (2005, p.85) como uma tradição de pensamento que expandiu a ideia do estudo intercultural e de cidadania universal, transformando o conceito de cidadão do mundo em “um elemento central do programa educacional”. Nesse sentido, seguindo os passos do estoico Sêneca, a educação deveria nos ajudar a tornar consciência de que cada um é membro de “duas comunidades: uma que é verdadeiramente grande e comum […] em que não tomamos em conta um setor ou outro, senão que medimos os limites de nossa nação por meio do sol; a outra comunidade é a que nos tem sido atribuída pelo nascimento” (apud NUSSBAUM, 2005, p.85).

O nascimento em uma determinada cultura não passa de um acidente, pois pertencer a uma classe social, a um grupo étnico, professar uma crença, praticar certos costumes não deveriam ser barreiras para reconhecer os ingredientes fundamentais da humanidade: o saber, a razão e a capacidade moral. A radicalidade de uma cidadania universal nos estoicos gregos e romanos se dá, na leitura de Nussbaum (2005, p.86), quando defendem que nosso primeiro compromisso deveria ser a lealdade para com a humanidade, “pela comunidade moral constituída por todos os seres humanos”.

Nussbaum (2005, p.86) também destaca a dimensão da cidadania universal na obra do estoico Cicero quando este argumentava em seus escritos “que o dever de tratar a humanidade com respeito nos exige tratar aos estrangeiros em nossa terra com honra e hospitalidade”. Cicero também defende que nunca deveríamos nos envolver em guerras agressivas, que a justiça deveria se sobrepor às conveniências políticas e que “formamos uma comunidade universal da raça humana cujos fins correspondem aos fins morais de justiça e bem estar humano”.

Ser cidadão do mundo não significa ignorar ou renunciar certas filiações locais, mas sim dar-se conta de que estamos rodeados por círculos concêntricos: o primeiro é a própria identidade; o segundo, a família imediata e o restante da família; depois, os vizinhos ou os grupos locais; na sequência, os grupos étnicos, religiosos, linguísticos, profissionais e de gênero. Mas além de todos esses está o círculo da humanidade.

“Nossa tarefa como cidadãos do mundo e como educadores que prepara as pessoas para que sejam cidadãos do mundo”, ressalta Nussbaum (2005, p.88, grifos da autora), “será ‘levar os círculos de alguma forma até o centro’, fazendo a todos os seres humanos semelhantes a nosso concidadãos”, ou seja, trabalharmos intensamente para que todos os seres humanos formem parte de nossa comunidade de diálogo e de preocupações, mostrando respeito pelo humano, independentemente de credo, raça ou religião.

Nussbaum (2005) acredita que a educação tem uma imensa responsabilidade para avançar na direção de uma formação cosmopolita. Aprender as culturas, ser um intérprete sensível e empático dos costumes distintos do familiar, cultivar atitudes de respeito, atenção e escuta são algumas indicações vindas da longa tradição estoica e que podem ser indicativos importantes para estruturar programas educacionais contemporâneos. Não seria defensável apresentar programas antissemitas, ou leituras preconceituosas nos processos formativos. Mas seria plenamente indicado que houvesse programas que fomentassem a sensibilidade em prol da cidadania universal.

Conforme ressalta Nussbaum (2005, p.94), “a proposta estoica é que deveríamos selecionar programas de estudo que fomente o respeito e a solidariedade mutua para evitar a ignorância que se apoia no ódio”. Trata-se de um desafio educacional imenso nos tempos atuais em que os particularismos, a xenofobia, o racismo, a misoginia e tantas outras práticas anti-cidadãs estão presentes no cotidiano das pessoas. Para além de um turismo estritamente mercadológico, cuja finalidade principal seria enriquecer grupos econômicos que querem transformar tudo em dinheiro, a cidadania universal poderia se tornar um intenso e promissor processo formativo de interculturalidade que promove o respeito ao outro e às diferenças em prol de uma sociedade inclusiva, digna e democrática.

O texto apresentado aqui constitui parte de uma trabalho mais amplo desenvolvido no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Superior (Gepes/Ppgedu/UPF) coordenado por mim e que congrega diversos orientandos de mestrado, doutorado e pós-doutorado, egressos do PPGEdu, bolsistas de Iniciação científica e diversos pesquisadores de diversas instituições de Ensino Superior espalhadas pelo Brasil.

Uma discussão mais ampliada desta temática pode ser localizado na Coletânea Leituras sobre Marta Nussbaum e a Educação (Fávero; Tonieto; Consaltér; Centenaro, 2021), de modo especial no capítulo 8, intitulado “Interculturalidade e cidadania Universal: o papel imprescindível das humanidades na perspectiva de Nussbaum” que escrevi em parceria com a Dra. Flávia Stefanello e a Me. Fracieli Nunes da Rosa (2021). Segue o link para os que tiverem interesse em ler o texto completo:

https://www.researchgate.net/publication/355037187_8_-_Interculturalidade_e_cidadania_universal_-_o_papel_imprescindivel_das_humanidades_na_perspeciva_de_Nussbaum

Referências:

FÁVERO, Altair Alberto; STEFANELLO, Flávia; ROSA, Francieli Nunes da. Interculturalidade e cidadania Universal: o papel imprescindível das humanidades na perspectiva de Nussbaum. In: In: FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina; CONSALTÉR, Evandro; CENTENARO, Junior Bufon (orgs.). Leituras sobre Martha Nussbaum e a educação. Curitiba/PR: CRV Editora, 2021, p.143-158.

FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina; CONSALTÉR, Evandro; CENTENARO, Juniro Bufon (orgs.). Leituras sobre Martha Nussbaum e a educação. Curitiba/PR: CRV Editora, 2021.

NUSSBAUM, M. Sem fins lucrativos: por que a democracia precisa das humanidades. São Paulo: Martins Fontes, 2015.

NUSSBAUM, M. El cultivo de la humanidade:  una defensa clásica de la reforma em la educación liberal. Barcelona: Paidós, 2005.

Autor: Dr. Altair Alberto Fáveroaltairfavero@gmail.com Professor e Pesquisador do Mestrado e Doutorado do PPGEDU/UPF. Também escreveu e publicou reflexão “A construção de uma pedagogia da autonomia”: https://www.neipies.com/a-construcao-de-uma-pedagogia-da-autonomia/

Edição: A. R.

Um diagnóstico limitante

Eis o problema de vestir um rótulo e ser depressivo, ao invés de se relacionar com a depressão como uma parte de você que precisa de atenção e apoio. Ou melhor, eis a diferença entre um diagnóstico limitante, e impor um limite para o seu diagnóstico.

Sabe, eu sempre achei interessante a necessidade humana de procurar saber mais sobre si mesmo, e mais interessante ainda é a necessidade de compartilhar isso com as outras pessoas, quase que como um processo de validação. Exemplo clássico daquela pesquisa fajuta do facebook que “revela” mais sobre você e você faz questão de compartilhar a resposta.

O segredo está em falar para as pessoas o que elas querem ouvir, com termos genéricos presentes em ampla escala na idealização do comportamento humano: amável, generosa, carinhosa, esforçada, perseverante… e a lista de exemplos é ampla. Falar mais de uma característica também é importante e mais assertiva, porque tendemos a relevar o que não faz sentido, e potencializar o que faz, o que nos identificamos.

As previsões astrológicas, especificamente os nossos horóscopos, fazem algo parecido. Tanto que, se a gente embaralhar a descrição dos signos e mostrar para uma pessoa que não possuir associação prévia entre a personalidade de cada signo, falando que aquilo revela mais sobre você, possivelmente ela vai se identificar, em algum nível, com a descrição.

E no final, somos nós tomando medicamentos para resolver o nosso problema que tem mais a ver com o nosso estilo de vida do que qualquer outra coisa (cadê a coesão textual, dona autora?).

Espera, já vamos entender. Digo isso pois, o que percebo que recorrentemente fazemos, é buscar respostas sobre si mesmos fora, enquanto que deveríamos busca aí.

– Aí aonde?

– Aí dentro!

É muito mais fácil procurar saber quem você é fazendo uma pesquisa de 3 minutos, ou recebendo o seu mapa astral, do que se perguntar: quem é você? O que você gosta de fazer? O que você não gosta? Quais aspectos do seu comportamento você reconhece que deveria mudar? E o que te impede de mudar?

Perguntas muitas vezes incômodas, com respostas nada exatas, que podem demorar um tempo considerável a surgir. Algo completamente contrário ao nosso fastmundo, alimentado com hambúrguer carne e queijo que de nutrição não tem nada.  

Eu não vejo nenhum problema em você fazer os questionários do facebook, muito menos o seu mapa astral detalhadíssimo. Acredito que, quando observados de forma consciente e sincera, reconhecendo o que verdadeiramente faz parte em nós e o que não faz, é um movimento que pode até mesmo contribuir em nosso autoconhecimento.

Qual é o problema então, dona autora? O problema é quando usamos esses elementos para financiar o nosso comodismo. É mais fácil tomar remédio para a sua diabete tipo II do que alterar os seus hábitos alimentares. Também é infinitamente mais fácil você usar o seu signo para justificar, e muitas vezes financiar, o seu mau comportamento, do que o mudar!

“aí meu signo é dinossauro, e é por isso que eu sou agressiva”, “aí, você está falando com uma unicorniana, e é difícil que eu consiga chegar na hora”.

Por vezes, eu tenho a impressão que o período moderno ainda vive em nós, e aquela mentalidade a lá Gabriela, persiste!

“Eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim…”

Minha tristeza aumenta quando eu percebo que esse mesmo movimento se intensifica na fase que intitulei como a fase “TAG”. Um tag é uma espécie de rótulo, mas o nome é bom porque nos lembra do transtorno de ansiedade generalizada, que também pode ser um diagnóstico rotulante, ou até mesmo pode ser um tag bônus pelo seu outro tag.

Você, querido leitor, já tem o seu? É depressivo, ansioso? bipolar?

Em verdade, observo que esse movimento vem crescendo em proporções significativas, ao acompanhar as mídias. Não é incomum encontrar vídeos com milhares de visualizações com um check-list de sintomas. E o detalhe, descrições muitas vezes genéricas e comuns a grande parte de nós, humanos. Por exemplo…

Recordo-me do último vídeo que eu assisti. Era de uma pessoa com determinado diagnóstico que começava assim “pode não parecer, mas, eu aprendi a mascarar” (1). Essa pessoa expunha o quanto para ela era difícil ser uma “adulta normal e funcional” (2). E o quanto ela possuía uma linguagem própria, mas que ela não conseguia traduzir (3). E com isso, alegava a sua dificuldade de se expressar, mas, se expressando muito bem no vídeo (4).

Vamos avaliar isso melhor:

Argumento 1: “pode não parecer mas, eu aprendi a mascarar”

Esse argumento pode revelar uma pessoa que parou para se conhecer melhor e constatar que suas escolhas de vida e seu jeito ser se orientavam mais pelo o que os outros iriam pensar do que por si mesmo. E como somos seres suscetíveis ao meio, não é incomum encontrar pessoas assim. Inclusive tem uma fábula linda que trata sobre isso e se intitula “O cavaleiro preso em uma armadura”, vale a leitura!

Argumento 2: sobre a dificuldade de ser uma “adulta normal e funcional”

Essa fala pode revelar o quanto somos iludidos pela ideia de que existe uma pessoa normal e funcional. Tipo aquela Barbie do mundo real igual a da caixinha. Meus queridos: de perto ninguém é normal (inclusive, tem um livro que trata sobre essa questão e se intitula “o mito da normalidade”) e o tempo todo, ninguém é funcional. É claro que em uma sociedade do desempenho, funcionalidade é um atributo muito valorizado, mas, às custas do que? De nossa saúde? Do tempo com as pessoas que amamos? Acredito que nesses casos, é essencial compreender o que verdadeiramente buscamos com isso. Porque muito além de status e dinheiro, está a nossa necessidade de conexão que se relaciona ao reconhecimento e a atenção que recebemos das pessoas. E podemos conseguir isso de formas muito mais leves.

Eu por exemplo, remodelei toda a minha rotina de trabalho, porque passei a aceitar a minha sensibilidade e reconhecer que está tudo bem não estar tudo bem o tempo todo. Foi um alívio. E assim, ao invés de insistir em me encaixar em uma caixa em que eu não cabia, eu criei coragem suficiente para despadronizar a minha rotina de trabalho. Olhando assim parece fácil, mas, tenta sair da caixa para você ver como dá medo. 

Argumento 3: “eu possuo uma linguagem própria que muitas vezes não consigo traduzir”

Bem, pode-se aqui revelar uma certa dificuldade de se abrir com o outro e se conectar. Isso envolve questões importantes como por exemplo, o quanto suas referências na primeira fase da vida foram relacionamentos seguros ou o contrário disso. Além de que, todos temos uma linguagem própria, e materializar com palavras o que estamos pensando ou imaginando nem sempre é uma coisa fácil, ainda mais dependendo da complexidade do seu pensamento.

Argumento 4: “a dificuldade de se expressar” ao meu ver, se expressando muito bem.

Aqui para mim ficou evidente o seu nível de cobrança ou perfeccionismo. Eu por exemplo, por vezes chego a cancelar várias vezes os meus áudios no WhatsApp porque alguma palavra não saiu como desejado (é por essas que eu amo escrever, porque me dá tempo para refletir mais). Mas, eu entendo que se trata de um nível de cobrança exagerado que quando bem calibrado, pode surtir efeitos positivos em nós! (Inclusive, se o perfeccionismo anda lhe causando prejuízos, convido você a me acompanhar no Instagram em @dialogosdaana, porque em breve pretendo lançar um curso sobre a arte de lidar com o perfeccionismo!).

Com essas considerações eu não quero passar a ideia de que o que essa pessoa está retratando é irrelevante, muito pelo contrário, é muito relevante, e dependendo das escolhas que ela fizer a partir dessas informações, ela poderá se tornar uma adulta mais segura de si, resiliente e preparada para encarar as adversidades da vida.

Isso porque, quando tiramos a ênfase nos sintomas e seu respectivo diagnóstico, passamos a compreender aquele ser humano em sua subjetividade. Elencamos com clareza seus pontos de fragilidade e isso abre espaço para que possamos investir em aprimoramento. Ou seja, não é uma condição imutável, mas uma condição ponderável.

O problema vem agora: quando esse discurso é colocado tendo como principal pano de fundo um diagnóstico, a conversa passa a ser outra. E na fala daquela pessoa, o que ficou mais claro foi o quanto ela mesma estava se limitando em função dos sintomas. É como se os fatores genéticos fossem a causa única daquela condição e ela nada tem a fazer a não ser aceitar.

Por exemplo, se você tem dificuldade de se relacionar com as pessoas, e atribui a causa dessa dificuldade para um diagnóstico, isso pode repercutir de tal modo que você nunca olhe para questões importantes de sua vida que vão muito além dele. Por uma questão de linguagem e otimização de energia, a sua mente não vai investir em um novo olhar para o problema, se você alimenta a ideia que para esse problema a causa é única e definitiva. 

Mas o que deveríamos fazer, então? Fingir que o diagnóstico não existe? Nada disso. Um diagnóstico, quando bem feito, pode nos trazer informações importantes sobre nós mesmos e auxiliar na identificação de nossos pontos, digamos, sensíveis. É com base nessa definição que somos possibilitados a procurar alternativas saudáveis de lidar melhor com nós mesmos. 

Mas cuidado. Quando a gente recebe um diagnóstico e apenas toma uma medicação, meio que renegando que parte da responsabilidade por essa condição também parte do que aconteceu com a gente, além das atitudes que escolhemos ter, ao invés da cura, a tendência é que isso cause mais dor, desconexão e incompreensão.

É o caso, por exemplo, de uma depressão crônica, tratada unicamente a base de medicamentos, com uma mísera resposta de melhora. As coisas complicam ainda mais quando a explicação se direciona unicamente para uma tendência genética e a pessoa passa aceitar aquela condição como um fardo que ela tem que carregar, ou de ser iludida pela ideia de que é o medicamento que não está fazendo efeito, quase como quem diz, o problema nem é comigo. 

Alimentação saudável, atividade física, rotina, meditação, conexão humana, terapia, filosofia, altruísmo… nada disso nem sequer chega a ser uma possibilidade que pode culminar no ciclo interminável da falta de vontade. Quando, por exemplo, a gente passa a misturar as coisas e adota a depressão como justificativa para algo que você deveria fazer para melhorar, mas, é incômoda e muitas vezes chata, e portanto, não faz. Eis o problema de vestir um rótulo e ser depressivo, ao invés de se relacionar com a depressão como uma parte de você que precisa de atenção e apoio. Ou melhor, eis a diferença entre um diagnóstico limitante, e impor um limite para o seu diagnóstico.

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Autora: Ana P. Scheffer. Também escreveu e publicou reflexão “Não está tudo bem”: https://www.neipies.com/nao-esta-tudo-bem/

Edição: A. R.

Como a sua reação afeta a criança

Eu luto por um mundo mais justo para as crianças há mais de vinte e cinco anos. Até agora ninguém me ouviu, mas não vou desistir. Sei que é uma batalha difícil de se ganhar.

Ah, os contos de fadas com Cinderela recebendo críticas e ordens da sua madrasta o tempo todo e se recolhendo num canto da cozinha até o dia em que se rebelou contra tudo e contra todos e descumprindo uma ordem foi ao baile do príncipe! Você já ouviu este conto de fadas? Cinderela pode ser esta criança que está ao seu lado agora.

Muitas vezes temos uma reação brusca quando as crianças fazem alguma coisa que não gostamos, e não agimos assim porque queremos, mas porque estamos tomados pelo estresse do dia a dia, os problemas do cotidiano, as contas atrasadas, o chefe que vive nos criticando e tantas outras coisas que nos afligem e nem nos damos conta.

A forma como reagimos com as nossas crianças vai definir os seus comportamentos diante de nós e das pessoas ao seu redor até mesmo diante de estranhos. É preciso que tenhamos cuidados com as nossas reações. Uma coisa que faz sentido e é bom sempre exercitar é a paciência. Respirar fundo, contar até três para não explodir, rir de tudo até mesmo das coisas mais difíceis da vida e depois agir com cautela.

As crianças tendem a assimilar as nossas reações e passam com o tempo a imitá-las. Sim, mesmo sem saber por que estão fazendo aquilo as crianças começam a nos imitar como se fosse certo o que fizemos com elas. Se o papai ou a mamãe faz isso comigo, eu também posso fazer com o meu amigo ou com a minha professora.

É mais ou menos uma resposta do inconsciente aquilo que foi recebido e processado para um dia ser colocado para fora da mente. Acho que Freud chamaria isso de repressão, eu não sei bem. Estudo Freud há bem pouco tempo. O que está em questão são as nossas reações que devem ser ponderadas, usadas com eficiência, pensadas mesmo que estejamos ocupados.

As crianças tendem a imitar os adultos porque eles são os seus heróis e sabem de tudo, são aquelas pessoas que têm respostas para tudo sempre e por isso as suas reações para com elas certamente estarão sempre corretas. Os adultos nunca erram para as crianças. Somos perfeitos para elas assim como é Deus para nós. Já imaginou se Deus reagisse com você bruscamente? Pois é assim que se sentem as crianças quando reagimos de forma grosseira com elas.

Uma vez eu devia ter uns cinco ou sete anos e meu pai rasgou um desenho que fiz dizendo que estava muito feio porque o coelho estava sem orelhas e sem os dentes. Alguns dias depois na escola eu rasguei o desenho do meu coleguinha porque a casa que ele fez estava sem portas e não tinha um sol.

Eu tive uma reação igual ao do meu pai. Agi da mesma forma que ele agiu comigo. Só que fui para direção e ainda tive que pedir desculpas ao meu amiguinho por algo que eu tinha plena certeza que não estava errada até que a minha professora conversou comigo e eu lhe disse que o papai sempre fazia aquilo com os meus desenhos feios. Sem querer entreguei o papai.

Quando temos reações de raiva com as nossas crianças elas saem de perto de nós e ficam a se perguntar por que mudamos tanto de uma hora para outra, de repente estamos brincando com elas e num segundo por causa de uma tolice delas reagimos de forma grosseira e ridícula para um adulto considerado um herói.

Tantas vezes as crianças trocaram os pais heróis pelos seus avós companheiros que fazem de tudo para não as machucarem. E fizeram certo porque os avós são os que mais sabem dar amor e nunca reagem de forma agressiva ou descabida.

Creio que devido a experiência e o cuidado que adquiriram ao longo dos anos cuidando dos filhos e de si próprios os avós tenham aprendido que reagir com afeto sempre, mesmo que a criança esteja agressiva é a forma correta de corrigi-la e esperar que se acalme.

Eu não tive amor de avós, logo meus heróis sempre foram meus pais e quando eles reagiam de forma agressiva comigo quem passava a ser meus heróis eram os meus ursinhos de pelúcia. Lembro-me de que passava horas conversando com meus ursinhos antes de adormecer sobre a reação agressiva dos meus pais por uma raiva que tive.

Toda criança tem o direito de ter raiva e os pais deviam saber disso. As crianças não são miniaturas de adultos, elas são crianças e nada mais. Estão em fase de aprendizagem e precisam de cuidados e de compreensão. Tudo o que fizermos diante delas será assimilado como certo. Logo, as nossas reações devem ser com precaução e não com violência ou agressividade.

Eu luto por um mundo mais justo para as crianças há mais de vinte e cinco anos. Até agora ninguém me ouviu, mas não vou desistir. Sei que é uma batalha difícil de se ganhar.

Ainda mais quando nunca se foi mãe e as pessoas tendem a nos dizer isso a todo tempo. Até a forma como você reage com os seus amigos ou pessoas próximas e a criança presencia sempre pode ser imitado por ela.

Temos muitos vícios e tendemos a mostrá-los sem querer para as nossas crianças. Assim, muitas vezes as nossas reações são em parte viciosas, ou seja, agimos daquele jeito porque já se tornaram um vício em nossas vidas e sempre que alguém fizer algo que não gostemos agiremos assim. As crianças pequeninas são as que mais sofrem com as nossas reações abruptas porque elas não conseguem entender o motivo de grosserias e violências quando na maioria das vezes somos amáveis e costumamos dizê-las que as amamos.

Imaginemos um girassol bonito no meio do caminho e chegarmos repentinamente, o arrancarmos do chão e o despetalarmos por completo só porque ele estava no meio do caminho. É assim com as nossas reações, elas tendem a criar vida depois de certo tempo de vícios.

Você já imaginou a cena em que acaba de dizer que ama a criança e ela deixa cair o copo de suco no sofá, você reage com raiva pega no braço dela e a manda limpar aquilo rapidamente aos gritos e palmadas? O que será que este ser pequenino vai pensar do amor? O amor é uma coisa que muda o tempo todo ou ele permanece para sempre uma coisa bonita de se viver, responda para mim.

Devemos cuidar das nossas reações diante das crianças para que elas sejam sinceras e verdadeiras, mas cheias de cuidados e afeto para que não criemos traumas ou pequenos malcriados. Sim, as crianças podem fazer coisas erradas porque não conseguem nos compreender e daí passam a querer nos chamar atenção sendo malcriadas o tempo todo.

A criança vive mais no mundo da fantasia do que no real, e quando são tratadas com afeto e cuidados elas levam isso para os seus mundos e se criam comportamentos que as levarão a ser boazinhas ou não dependendo da forma como são educadas. Lembrando que toda criança é boazinha, quem faz dela um ser malcriado somos nós.

O enunciado da Terceira Lei de Newton (Princípio da Ação e Reação) é descrito da seguinte forma: “A toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade: as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em sentidos opostos.” Seguindo esta teoria os pais devem pensar que estão certos, pois já que as crianças criaram uma ação de descuido, de malcriação ou de birra merecem uma reação brusca e severa para que não cometam mais o mesmo erro.

Os pais sempre pensam que reagindo de maneira brusca e violenta com gritos e palmadas ensinarão as crianças a não repetirem mais aquela ação que os fizeram ficar com muita raiva ou com vergonha das pessoas ali presentes.

Ah, se os pais soubessem que as crianças são como Cinderela: elas só querem um motivo para desobedecerem às reações dos pais e fugirem para onde há alegria e festa! Penso que um dia através dos meus ensaios, das minhas palavras de afeto e carinho para com as crianças eu poderei salvar uma delas das reações bruscas e inesperadas dos seus pais. Neste dia eu serei a pessoa mais feliz do mundo!

Para finalizar este pequeno ensaio deixo vocês com o nosso querido poeta português Fernando Pessoa que nos diz:

“Grande é a poesia, a bondade e as danças. Mas o melhor que há no mundo são as crianças.”

Todas as vezes que alguém reage com violência contra uma criança é como se o mundo ficasse de cabeça para baixo e tudo, tudo mesmo tivesse medo de perder o sentido da infância.

Autora: Rosângela Trajano. Também escreveu e publicou no site a crônica “As crianças das guerras”: https://www.neipies.com/as-criancas-das-guerras/

Edição: A. R.

Memórias de um menino Sem Terra

Este livro não é a história de um único menino, mas é a de milhares de meninos e meninas que vivenciaram, sofreram e alegram-se com a vida em acampamentos e assentamentos do MST. Eles e elas, aprenderam com o espaço organizativo do acampamento, forjaram-se em movimento; o ambiente da coletividade os educou.

O livro Memórias de um menino Sem Terra, trata sobre a vida de crianças e adolescentes, que viveram em um acampamento e assentamento do MST, no Rio Grande do Sul, nas décadas de 80 e 90. Tendo como protagonista – o menino Igor.

Escrito para o público infanto-juvenil (e adulto também), o livro é dividido em três capítulos: o menino e infância; o menino e a adolescência; o menino e a juventude.

Baseado em fatos reais, o livro descreve o cotidiano de um acampamento/assentamento Sem Terra – a organização, a coletividade, os modos de produção, a escola, a educação; e principalmente, diz sobre formação humana.

O livro pode ser adquirido no site da Amazon, ou diretamente com o autor Munir Lauer pelo watsapp (54 98424-8724) ou através de seus contatos nas redes sociais.

Visão geral do livro

Este livro nada mais é do que uma história de criança, contada para outras crianças, adolescentes e jovens, mas, também, contada para adultos. E por ser verdadeira, não é a história de um único menino, mas é a história de milhares de meninos e meninas, que vivenciaram, sofreram e alegram-se com a vida em acampamentos e assentamentos do MST. Eles e elas, aprenderam com o espaço organizativo do acampamento, forjaram-se em movimento; o ambiente da coletividade os educou.

Leia mais nesta matéria: https://www.brasildefators.com.br/2024/01/26/munir-lauer-lanca-o-livro-memorias-de-um-menino-sem-terra?

Edição: A. R.

Ziraldo era o próprio Menino Maluquinho

Ele participou de três Jornadas Literárias em Passo Fundo quando esparramou lindos traços e muita simpatia.

Em 06 de abril, Ziraldo Alves Pinto morreu aos 91 anos de idade. Cartunista e ilustrador de traço inconfundível, foi além da charge e caricatura para ingressar na literatura. Da Turma do Pererê ao Menino Maluquinho, o mineiro de Caratinga abriu portas atrativas para novos leitores. Militante do velho PCB, enfrentou a ditadura na trincheira de “O Pasquim”, quando a intolerância ideológica o conduziu três vezes à prisão.

Com mais de 130 livros publicados, também esteve em Passo Fundo para participar de três edições da Jornada Nacional de Literatura. O evento, que colocou Passo Fundo no mapa cultural, foi idealizado em 1981 pela professora Tânia Rösing, que define Ziraldo como “um gênio, pois ele era a própria genialidade”. Aqui, além de lindas caricaturas, ele espalhou simpatia e deixou gostosas lembranças.

Tânia e a foto da neta Lavínia no colo de Ziraldo – Foto – LC Schneider-ON

Multiplicidade

A professora Tânia desenha a trajetória de Ziraldo como um caminho à leitura, um encaixe com a proposta das jornadas: a formação de novos leitores. “Ele começou a usar o desenho com texto, deu movimento e com isso veio o vídeo. Assim, ele traz a criatividade evolutiva no humor. E, o mais importante, a diversidade, pois ele não trata só da pessoa, usa animais e seres mitológicos sem perder o olhar nos nossos indígenas”. A interpretação da professora detecta a vanguarda de Ziraldo. “Quando começaram a ilustrar ele já era um ilustrador. Trabalhava com múltiplos suportes e múltiplos públicos. Desenhos, quadrinhos, charge, caricatura, cinema, escritor, fazia cartazes…”

Um moleque

Do traço às letras, o talento de Ziraldo entusiasma Tânia Rösing. “Ele se apresenta no texto como sapeca, divertido e prodígio que é o Menino Maluquinho. E o Menino Maluquinho é o próprio, pois ele sempre foi assim”. Um menino que, mesmo chateado com a idade avançada, continuou um moleque. “Ele convidou os amigos para a festa dos seus 80 anos em um restaurante do Rio. Sem a presença do aniversariante, criou-se um clima ruim. Lá pelas tantas acendem as luzes sobre Ziraldo que ninguém havia reconhecido, pois estava num canto com o cabelo pintado de preto. Lavou o cabelo e voltou. Foi uma grande festa”.

O apoio da Editora Melhoramentos foi fundamental para trazer Ziraldo a Passo Fundo em três oportunidades. Participou das Jornadas de Literatura em 1985, 1997 e 2007. “O Jaime Lerner (CEO da Editora) foi importante para isso. Até porque o cara (Ziraldo) já tinha vendido mais de 15 milhões de livros”, conta a professora. Logo, Ziraldo foi um grande parceiro das jornadas e até fez um cartaz para a Jornadinha.

Mas não faltam relatos de pequenos contratempos. “Em 2007, ligou de última hora dizendo que estava em Curitiba e não viria. Então, disse para ele falar com o Lerner e resolver. Deu certo, pegaram um jatinho e ele veio pois estava na programação do dia seguinte. Outra vez, na hora de falar, ele foi irredutível e disse que não iniciava a fala: ‘só ouço e respondo’. Então provoquei a plateia para perguntar e, enfim, começou a palestra”.

Um sorriso, um traço

E como se portou Ziraldo nas andanças pelo Planalto Médio? “Simpático, uma simpatia! Um artista. Atencioso com todos dava um sorriso, a mão vinha junto, fazia um risco que se transformava num desenho. Aliás, uma obra”.

Tânia diz que era um cara divertido e atencioso sem perder o característico estilo galanteador. “Exalava arte e falava muito sobre o irmão Zélio (pintor e artista plástico). Foi um entusiasta da Jornada, e dizia que ‘aquilo deveria ser reproduzido em todo o Brasil’. Leitor começa criança e esse era o público dele.” E o carinho pelas crianças está nas paredes do apartamento da professora, em ilustrações e fotos de Ziraldo com os maluquinhos da família Rösing de todas as idades.

Um encontro de moleques

A Família Repilica: os Rösing na versão de Ziraldo – Reprodução – ON

Em suas primeiras edições, o almoço e o jantar dos escritores eram oferecidos na residência de Acioly e Tânia, então numa casa da Paissandu em frente ao HC. “No almoço era churrasco ou comida campeira preparada pelos amigos do Acioly. À noite o jantar era da Dona Olívia, então chef do Clube Comercial”. Comes e bebes no velho estilo copa franca. Uma festa!

O esposo de Tânia, o também professor Acioly, recentemente falecido, era um moleque de carteirinha. Brincalhão, quebrava o gelo com tapinhas nas costas e dizia poucas e boas. Ora, o encontro com outro moleque resultou em uma fraterna amizade entre os meninos maluquinhos já bem crescidos. “Simpatia e bom-humor, logo Ziraldo estava em casa”. Uma amizade que prosseguiu no fluxo inverso, Passo Fundo-Rio. E, aqui, na caricatura de Ziraldo, retratando Tânia, Acioly e os filhos Cassiano e Ilana, que batizou de “Família Repilica”.

Ziraldo se foi. E a Jornada? “A Jornada foi destruída por não-leitores. A cidade perdeu o charme que era ser a Capital Nacional da Literatura”, finalizou Tânia Rösing.

FONTE: https://www.onacional.com.br/cultura,7/2024/04/19/ziraldo-era-o-proprio-menino-mal,128198

Autor: Luiz Carlos Schneider, colunista. Escreveu e publicou também no site a crônica “O silêncio das vilas”: https://www.neipies.com/o-silencio-das-vilas/

Edição: A. R.

É verdade que menina cresce mais rápido do que menino?

Deixem que as nossas meninas e meninos cresçam por igual e lhes deem as mesmas oportunidades de estudo e trabalho. Mesmo que o patriarcado e o conservadorismo estejam fortemente voltando aos nossos lares, as mulheres já sabem quais são os seus lugares e meninas, apesar de pequenas, já pensam em seguirem carreiras profissionais que antes eram impossíveis de sonharem.

O patriarcado é uma coisa cruel que machuca as mulheres do mundo inteiro ditando as suas normas, tradições e costumes. De uns tempos para cá tem diminuído um pouco com o empoderamento de algumas mulheres, mas no interior do Brasil e em bairros de periferias ainda vemos muito fortemente a sua presença nas casas de famílias mais pobres.

E começo pelas mulheres das cidades do campo quando os pais não aceitavam que elas estudassem para não aprenderem a escrever bilhetes de amor aos seus namorados, uma das formas do patriarcado maltratar as mulheres e deixá-las de fora da escola.

Eu sou uma feminista e acredito que a mulher é a dona do seu corpo e pode fazer dele o que quiser respeitando as leis de uma sociedade mesquinha e cruel que só dá direitos aos homens. Vamos sair por aí sem esse horrível sutiã, meninas, que machuca nossos seios?

As diversas ondas feministas ao redor do mundo ainda precisam ser consideradas como escolhas das mulheres para não mais serem subestimadas ou criadas para serem donas de casas.

Assim é que Simone de Beauvoir com a sua famosa frase “Ninguém nasce mulher, mas se torna mulher” ela quer nos dizer que nascemos numa sociedade pronta para nos ditar as suas normas, nos impor limites, nos colocar em lugares inferiores aos homens e nos subestimar dizendo que não somos capazes de quase nada a não ser cuidar de casas e de crianças.

Entrando no “paraíso” da infância vemos meninos e meninas da mesma idade morando na mesma casa e sendo filhos dos mesmos pais muitas vezes estudando coisas diferentes e sendo educadas de formas diferentes também. Meninos são educados para jogarem futebol nos fins de semana e meninas para passearem nas praças com os seus bichinhos de estimação.

Como história de mentirinha ainda enganam as mulheres dizendo que as meninas crescem mais rapidamente do que os meninos, o que é mentira e invenção do patriarcado para que as mulheres comecem desde cedo a serem tratadas como senhoras que serão para submissas aos seus maridos. Meninas e meninos crescem no mesmo ritmo. É mentira dizer que a menina cresce assustadoramente mais rápido do que o menino.

Muitas meninas podem ser mais experientes do que os meninos porque foram educadas para isso e sabem cozinhar, lavar, passar e cuidar de uma casa aos dez anos de idade enquanto os meninos com a mesma idade só sabem jogar bola ou assistir televisão.

Meninos são preguiçosos e não querem aprender tarefas domésticas porque desde cedo o patriarcado lhes disse que aquilo é coisa para meninas. E lá se vão as meninas para a cozinha fazer junto com a mãe um bolo de chocolate quando ela queria mesmo era estar no telescópio observando as estrelas.

Se fizermos uma pesquisa de quantas meninas são educadas para serem donas de casa e meninos para trabalharem e manterem uma família financeiramente ficaremos assustados com os resultados porque é isso que acontece ainda. Quase ninguém educa a sua filha para ser uma cientista, médica, juíza ou outra profissão qualquer.

Até um dia desses existia na minha cidade uma escola que ensinava as boas maneiras as meninas, a como cuidar de uma casa e fazer belos pratos para os seus maridos. Homens não podiam estudar nesta escola. Ainda bem que depois das ondas feministas repararam esse erro absurdo na educação.

Nunca vi uma mãe ensinando o seu filho menino a colocar roupas nos varais, a varrer uma casa, a passar roupas, mas sempre vejo a mãe reclamar da menina que passa o tempo todo brincando de médica com as suas bonecas. E se ela não quiser ser uma dona de casa? E se a sua escolha desde a infância sobre a sua vida adulta já estiver traçada?

Meninas e meninos crescem por igual. Os meninos deviam ser educados com os mesmos direitos das meninas. Não vejo pais levarem suas filhas pequenas aos estádios de futebol, mas vejo muitos meninos vestidos com as camisas dos seus times sentados nas arquibancadas. Dizem que o mundo está mudando e que as mulheres estão ficando chatas, será mesmo que estamos chatas ou é porque estamos reivindicando os nossos direitos e como dizia Simone de Beauvoir não existem sexos diferentes.

Para esta mesma pensadora acima enquanto o mito da maternidade e da família não for destruído a mulher será sempre oprimida. Dão bonecas as crianças para lhes dizerem que um dia elas serão mães e precisarão aprender a cuidar dos seus filhos enquanto para os meninos dão carrinhos, bolas, trens.

Nunca vi um menino ganhar uma boneca de presente de aniversário, pois o patriarcado não permite que isso aconteça. Pais machistas que se dizem modernos não os são na verdade. Eles dizem para os seus filhos que devem fazer xixi de pé porque é assim que homem de verdade faz.

Os tempos mudaram, contudo as meninas continuam ganhando bonecas de presente com casinhas e fogões para cozinharem comidas de mentiras e já irem treinando os seus dotes femininos para idade adulta. Continua do mesmo jeito no casamento religioso, pois ainda é o pai quem entrega a filha para o noivo e não a mãe.

Leia também crônica: Coisa de menino/coisa de menina: https://www.neipies.com/coisa-de-menino-e-coisa-de-menina/

São as meninas de dez ou doze anos de idade que devem cuidar dos irmãos menores quando as suas mães solos saem para trabalhar e não têm com quem deixá-los. Os meninos ficam brincando no pátio da casa sem sequer ajudarem as suas irmãzinhas a dobrarem uma roupa, a varrerem uma casa ou olhar o irmão menor. Claro, eles não foram educados para isso. As mães lhes ensinaram que devem brincar de carrinhos e correrem nas ruas. Que devem depois de grandinhos ajudar financeiramente no sustento da casa.

O menino ainda pequenino se sente mais poderoso segundo Freud por ter um pênis e o da menina deve ter sido cortado. Ele fica o tempo todo se perguntando onde está o pênis da menina e com isso vai se formando um amor pela mãe que também não tem pênis mais profundo do que pelo pai que não o interessa, pois ele sabe que o pai tem um pênis. É a mãe quem vai precisar de proteção, de cuidados, de zelo e afeto.

A menina vai menstruar aos onze ou doze anos de idade e vai se tornar uma mocinha pronta para ter filhos, como dizem os machistas e as mães criadas com base no patriarcado. Elas não sabem que aquilo é o começo de um novo ciclo onde as meninas precisam de cuidados para não se submeterem mais ainda aos deveres que os homens vão lhes impor quando souberem que já menstruaram e estão prontas para serem mães.

Houve um avanço na maternidade e as mulheres já não são mais como as nossas avós parindo quinze ou vinte filhos. Agora elas só querem um ou dois filhos. Talvez estejamos no caminho certo e educando as nossas meninas como deveriam ter sido educadas há muito tempo, ou seja, elas nasceram para serem o que quiserem e não para servirem machos ridículos que acham que mulheres são seus objetos de decoração.

Temos visto as meninas brincarem mais de bonecas, só que com um detalhe: elas agora também jogam online, usam tablets, têm smartphones e nas escolas sentam-se ao lado dos meninos e disputam na mesma igualdade as melhores notas. Ainda são os meninos os que se saem melhor nas Olimpíadas de Matemática, mas é porque em casa e na escola lhes são dadas oportunidades que não são oferecidas às meninas como tempo para estudos somente de uma disciplina. Ainda há desigualdades nas escolas e em casa. Os professores de matemática ainda dão mais suportes aos meninos, isso é fato.

Ter mulheres nas ciências é comemorado como algo maravilhoso, o que deveria ser garantido a elas por direitos a escolha das suas profissões. Igualdades salariais do mesmo jeito. As mulheres comemoraram até outro dia este direito aqui no Brasil.

Deixem que as nossas meninas e meninos cresçam por igual e lhes deem as mesmas oportunidades de estudo e trabalho. Sabemos que o patriarcado ainda vai continuar e não tem como acabar, com uma bancada política na Câmara e no Senado conservadora.

As meninas têm medo de falar dos seus sonhos porque os acham difíceis de conquistarem e quando são interpeladas pelo que querem ser quando crescerem titubeiam para não ouvirem risinhos de machistas, preferem inventar uma mentirinha de casamento e mãe de família.

Ainda vamos ter muitas meninas nas ciências e na política. Mesmo que o patriarcado e o conservadorismo estejam fortemente voltando aos nossos lares, as mulheres já sabem quais são os seus lugares e meninas, apesar de pequenas, já pensam em seguirem carreiras profissionais que antes eram impossíveis de sonharem.

Meninos e meninas crescem por igual, somente na sua cabeça é que eles crescem mais rapidamente um do que o outro, se você é um machista desavisado que estamos em pleno século vinte e um.

E para terminar deixo vocês com a grande filósofa americana Judith Butler que nos diz

“Sempre fui feminista. Isso significa que eu me oponho à discriminação das mulheres, a todas as formas de desigualdade baseadas no gênero, mas também significa que exijo uma política que leve em conta as restrições impostas pelo gênero ao desenvolvimento humano.”

O humano é a presença real nas políticas públicas que devem ser tratadas pelas autoridades governamentais dos países desenvolvidos e em desenvolvimento para que as nossas meninas possam ir tão longe o quanto se vai uma estrela cadente.

Autora: Rosângela Trajano

Edição: A. R.

Sobre regulamentação das redes sociais

A regulamentação das redes sociais pode ajudar a promover a diversidade e a pluralidade de vozes na esfera pública digital. Muitas vezes, as plataformas tendem a privilegiar conteúdos populares ou controversos em detrimento de perspectivas mais equilibradas e menos sensacionalistas.

Diante dos desafios cada vez mais evidentes apresentados pelas redes sociais, é imperativo que consideremos seriamente a necessidade de uma regulamentação mais robusta dessas plataformas digitais. A disseminação descontrolada de desinformação, ódio e intolerância tem causado danos significativos à coesão social e ao debate público saudável, exigindo uma resposta firme e coordenada por parte das autoridades reguladoras.

Em primeiro lugar, a regulamentação das redes sociais se faz necessária para proteger os usuários contra os danos causados pela disseminação de conteúdo prejudicial e enganoso. A desinformação pode ter consequências graves, desde minar a confiança nas instituições democráticas até incitar à violência.

É fundamental que as plataformas sejam responsabilizadas por implementar medidas eficazes para combater a propagação de informações falsas e prejudiciais.

Além disso, a regulamentação das redes sociais é essencial para promover a transparência e a prestação de contas nessas plataformas. Muitas vezes, as decisões sobre o que é permitido ou não nas redes sociais são tomadas de forma opaca e arbitrária, levantando preocupações sobre censura e discriminação. Uma regulamentação clara e transparente ajudaria a garantir que as políticas de moderação de conteúdo sejam aplicadas de forma justa e consistente.

Leia também: https://www.neipies.com/somos-manipulados-nas-redes-sociais/

Outro aspecto importante da regulamentação das redes sociais é a proteção da privacidade e dos dados dos usuários. O modelo de negócios das redes sociais muitas vezes depende da coleta e exploração dos dados pessoais dos usuários, levantando questões éticas e de segurança. Regulamentações mais rigorosas poderiam estabelecer limites claros sobre como as informações dos usuários podem ser coletadas, armazenadas e compartilhadas, garantindo assim que sua privacidade seja protegida.

Além disso, a regulamentação das redes sociais pode ajudar a promover a diversidade e a pluralidade de vozes na esfera pública digital. Muitas vezes, as plataformas tendem a privilegiar conteúdos populares ou controversos em detrimento de perspectivas mais equilibradas e menos sensacionalistas.

Uma regulamentação que promova a equidade na distribuição de conteúdo poderia ajudar a garantir que uma variedade de pontos de vista seja representada nas redes sociais.

Em suma, diante dos desafios cada vez mais evidentes apresentados pelas redes sociais, a regulamentação é uma medida necessária para proteger os usuários, promover a transparência e a prestação de contas, proteger a privacidade dos dados e promover a diversidade de vozes na esfera pública digital.

É hora de as autoridades reguladoras assumirem um papel mais ativo na definição das regras do jogo no mundo das redes sociais, garantindo assim um ambiente online mais seguro, justo e inclusivo para todos.

Autor: Hermes C. Fernandes. Também escreveu e publicou no site a crônica “Quem deve ter a última palavra: a mente ou o coração”?: https://www.neipies.com/quem-deve-ter-a-ultima-palavra-a-mente-ou-o-coracao/

Edição: A. R.

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