A leitura é uma forma de acesso ao mundo, talvez a mais importante e implicada, mas deve se inscrever dentro de um repertório de reiterada humanização, como compromisso inarredável pela vida, pela formação, pelo esforço que constrange a violência, a estupidez e as garras dos que colonizam nossas geografias afetivas.
Particularmente acredito que nada substitui a relação direta com o livro físico, com o fato de podermos manipular, folhear, riscar, sentir o cheiro e a espessura, o “peso” dessa experiência. Por outro lado, não se pode negar que as tecnologias viabilizaram o acesso a livros, artigos e materiais que era inimaginável na virada do século XXI.
Podemos perguntar se se trata da mesma experiência, se a leitura do livro físico é diversa da leitura do (no) livro digital, por exemplo. Também podemos perguntar se é assim tão comumente dizer que as tecnologias ampliaram o acesso, pois temos plena consciência que há uma discrepância absurda nas realidades brasileiras, e mesmo os que têm acesso, não frequentam a “mesma” época da invenção.
Estamos vivendo e experimentando temporalidades distintas desde quando se inventou a primeira tecnologia, exponencialmente ampliadas no nosso tempo.
Creio que respondo melhor a pergunta dizendo que as experiências são distintas e que há um tipo de relação diversa quando se lê uma obra que pegamos com as mãos e uma obra que visualizamos. Há uma demora própria em cada uma das experiências e que a sociedade contemporânea tem optado pela pressa. Corremos, descartamos, destruímos.
O livro inscreve uma métrica de lentidão, é como um convite a um reolhar, reler, cuidar, estender sentidos e horizontes. Quem não se demora, sonha menos, enxerga menos, sente menos.
O mundo da técnica é o mundo da pressa, da produtividade, do empreendedorismo de si mesmo. Somos continuamente interpelados e atravessados por valores e sentidos que nos afastam do “alargamento” de nós mesmos. Tudo é subsumido ao ritmo do cálculo, da racionalidade e deste desespero por se reinventar.
Afloram pessoas que querem nos ensinar como fazer “tudo melhor”, em menos tempo, esforço e poesia. Há um coach de plantão em cada resto dessa maquinaria neoliberal que nos engole.
Portanto, não se trata apenas de bons professores, famílias comprometidas, alunos interessados, realização de eventos e projetos, depende de escolhas de horizontes para que o mundo se oriente por outros caminhos e que sejam de fato mais humanos e gentis às diferentes formas de vidas, sonhos e existências. Mas há um “enquanto”, ou seja, precisamos continuar fazendo, promovendo e sonhando da altura do mundo em que vivemos, sendo indispensável o cultivo da leitura e das demoras que ocasionam e ocasionarão seres humanos sentidos de outros.
Nada substitui os tantos mundos que se dão pelas páginas dos livros acolhidas das melhores esperanças.
Não creio que podemos afirmar que existe uma relação direta entre ler e amplidão humana, aqui entendida no sentido ético, de nos tornarmos pessoas melhores porque lemos. A história está carregada de exemplos de pessoas que eram (são) grandes leitores, com formação invejável, mas posicionadas do lado da barbárie. Por outro lado, é pouco provável que nossos melhores sonhadores não sejam grandes leitores.
O que quero dizer é que a leitura é uma forma de acesso ao mundo, talvez a mais importante e implicada, mas deve se inscrever dentro de um repertório de reiterada humanização, como compromisso inarredável pela vida, pela formação, pelo esforço que constrange a violência, a estupidez e as garras dos que colonizam nossas geografias afetivas.
A leitura precisa necessariamente vir acompanhada de implicação ética, como um esforço contínuo e coletivo para que a estupidez não seja reconhecida como posição, mas como negação de um mundo melhor. Ler um livro, ler o mundo, ler a vida. A leitura é um ato solitário, mas que se inscreve como um gesto infinitamente alargado, capaz de constituir indicações que podem ser experimentadas por cada um e todos nós.
Ler talvez seja a maneira mais poética e humana de se imaginar melhor.
Autora: Marli Silveira.Poeta e escritora. Acadêmica da Academia Rio-grandense de Letras. Também escreveu crônica “O tempo”, publicada no site: https://www.neipies.com/o-tempo/
O Programa Professor do Amanhã mostrou que há, sim, interesse em estudar — e políticas públicas que apoiem essa decisão são cruciais para o ingresso nas universidades.
O programa Professor do Amanhã,lançado pelo governo do Estado ao final de 2023 e implementado em parceria com o Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung) neste primeiro semestre letivo de 2024, trouxe à tona uma reflexão importante sobre a entrada no ensino superior.
A Universidade de Passo Fundo (UPF) ofereceu cem vagas para ingresso nas quatro licenciaturas envolvidas no processo e teve mais de 1.000 inscritos. O número expressivo de candidatos desejando participar do programa evidenciou que há interesse em estudar na universidade, desde que se ofereçam condições e oportunidades para tanto.
A existência de uma política pública no Rio Grande do Sul voltada para este fim provou ser uma alternativa efetiva para incentivar a formação pessoal e profissional, combater a desigualdade social, fomentar o desenvolvimento humano e econômico e, neste caso específico, qualificar a formação de professores para atuar na rede estadual de ensino.
O Censo da Educação Superior 2022, divulgado em 2023 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), trouxe dados que demonstram a importância de ações como essa. O levantamento apontou que apenas 24,2% dos jovens de 18 a 24 anos no Brasil alcançam o ensino superior, o que significa que, em média, três em cada quatro jovens brasileiros nessa faixa etária não têm acesso a uma graduação.
Somado a este aspecto, há de se considerar, ainda, o momento pós-pandemia e os desafios sociais e econômicos enfrentados pelo país. Tais fatores potencializam um cenário complexo às famílias e à juventude na construção de seu projeto de vida. O enfrentamento a esta realidade ultrapassa o esforço individual e requer ações compartilhados da sociedade como um todo.
Afinal, o jovem não quer mais estudar? Sim, ele quer. Mas para isso precisa de apoio.
Importante ressaltar que a questão do acesso à universidade vai além do escopo de uma formação profissional. A graduação abre portas, amplia a bagagem cultural, descortina horizontes, e oferece, pelo conhecimento, melhores condições de discernimento acerca das questões essenciais à vida e às relações humanas.
Neste contexto, e diante de uma procura sem precedentes já no primeiro dia de lançamento do edital do Professor do Amanhã, fica ainda mais evidente o poder transformador da educação, quando respaldado como um direito, a partir de uma política pública coletivamente construída e implementada.
Esta movimentação não apenas mostrou que é possível encontrar soluções, como também respondeu à pergunta que, por vezes, ronda a sociedade: afinal, o jovem não quer mais estudar? Sim, ele quer. Mas para isso, precisa de apoio.
O Programa Professor do Amanhãtambém ressaltou a importância das instituições comunitárias no Rio Grande do Sul e como elas podem ser parceiras potentes para solucionar problemas reais enfrentados não somente pelo Estado, mas pelo país. Ao atender ao chamado do governo do Estado para a formação de professores, demanda cada vez mais crescente em todos os níveis de ensino, as universidades comunitárias deixam claro que a educação só será um problema quando não for prioridade.
Autora: Bernadete Maria Dalmolin, doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP) e reitora da Universidade de Passo Fundo (UPF) desde 2018.
Seu pensamento infantil o fez generalizar: se não era considerado gente pelo pai, muito menos seria considerado gente pelos estranhos. Essa falsa crença foi assimilada como uma verdade incontestável, um dogma.
Um homem adulto jovem, vou chamá-lo de Bruno, evita conviver socialmente porque tem a certeza de que as pessoas não vão se interessar por ele, não vão “dar bola” para ele, vão ignorá-lo. Por que procurar encontros sociais, tentar fazer amigos, se ele já sabe que sofrerá essa horrível sensação de não ser considerado gente, de não existir?
Há essa crença arraigada dentro dele: é ela uma verdade incontestável, um dogma.
De onde vem essa crença?
Ocorre que seu pai era um homem distímico, ou seja, tinha uma depressão leve, crônica. Possuía ele uma família grande, seis filhos. Sua escassa energia era gasta fora de casa, no trabalho. Ao voltar para junto da família, não lhe sobravam forças para dar atenção aos filhos. No máximo, envolvia-se para reprimir o filho que estivesse a perturbar o ambiente.
Bruno era obediente, não incomodava. O pai, portanto, não sentia necessidade de se voltar para ele. E Bruno passou a evitá-lo. Pois, se o procurasse, acreditava que sofreria ao perceber o desinteresse do pai por ele.
Bruno não formulava esses pensamentos. Apenas tinha a sensação que, se colocada em palavras, refletiria a crença de “não ser considerado gente”. Essa sensação ruim voltava automaticamente na sua cabeça frente a qualquer pequena desatenção dos outros para com ele em um, como veremos mais adiante, salto para a conclusão.
Seu pensamento infantil o fez generalizar: se não era considerado gente pelo pai, muito menos seria considerado gente pelos estranhos. Essa falsa crença foi assimilada como uma verdade incontestável, um dogma. Nesse sentido, as pessoas não eram suas amigas, ao contrário. Tinha de evitá-las, elas o fariam sofrer. Não teriam, assim como o pai, empatia por ele.
Só muito mais tarde na vida, com a capacidade de pensar de forma madura, pôde compreender o que realmente aconteceu.
O pai não lhe dava atenção devido às suas próprias dificuldades, já referidas. E não havia por que reduzir a avaliação de si mesmo a esse fato. Até então, Bruno aproximara-se dos grupos sociais com a atenção autofocada. Preocupado consigo, não observava os demais e não exercitava a sua capacidade de empatia por eles. Ou seja, não fazia nada para conquistá-los.
Bruno, observando-se à luz da realidade, reconheceu suas qualidades e habilidades.
Com elas, seria capaz de despertar o reconhecimento e o interesse das outras pessoas por ele. Mas teria de repetir esse novo pensar. Repetir e repetir. E teria de agir e agir. Só assim conseguimos deixar para o passado o pensamento primitivo, infantil que costumamos chamar de maniqueísmo composto por: reducionismo, generalização, salto para a conclusão, dogma, ausência de autocrítica, ausência de empatia afetiva, tendência a acreditar que eu e os meus “somos bons”, os outros “são maus, são inimigos”.
Qual o problema de mudarmos a forma como educamos as nossas crianças? Só porque um dia fomos pequenos e sofremos os piores castigos físicos que possamos imaginar vamos fazer a mesma coisa com as nossas crianças? Você acha isso certo?
As crianças geralmente são incompreendidas pelos pais. O mundo contemporâneo mudou a forma de como cuidamos das nossas crianças e já não lhes damos a atenção necessária para um crescimento saudável e acolhedor.
Vivemos numa correria tremenda não tendo tempo nem para resolver os nossos problemas, sempre acumulando coisas para depois; como vamos parar para ouvir os nossos pequeninos? Eles têm coisas para nos dizer ou perguntar. Precisam de atenção nem que seja um pouco de cuidado antes do adormecer.
Outro dia, num supermercado vi uma criança fazer birra porque queria comer um chocolate e a mãe brutalmente a agarrou e deu-lhe uma forte palmada com a mão. Ninguém fez nada. Nem eu. Neste mundo de ódio em que vivemos fazer alguma coisa, defender alguém ou até mesmo uma criança pode ser um perigo para a nossa própria vida, mas também caracteriza a omissão de socorro.
A pobre criança foi levada aos puxões pela mãe chorando alto e gritando que queria um chocolate. Eu fiquei ali, parada, no meio do corredor largo do supermercado querendo ser uma mãe para mostrar aquela senhora como se cuida de uma criança. Ela nem precisaria dar o chocolate, mas conversar com o seu filho que pequenino não compreende um não ainda.
Ademais, os pais que gostam de dar palmadas como correção ou também aqueles que usam dos castigos físicos para obrigar a criança a fazer o que eles querem saibam que estão causando um crime baseado na Lei nº 13.010 de 26/06/2014, chamada Lei da Palmada que altera a Lei Menino Bernardo. Com esta Lei os pais e responsáveis ficam impedidos de baterem nas suas crianças mesmo uma simples palmada.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA visa combater os castigos físicos que tanto atemorizam as crianças e causam traumas pro resto das suas vidas. Há quem diga que apanhou muito quando criança e hoje é um adulto responsável e tal, mas não sabe que isso não acontece com todo mundo.
A palmada é um sinal de agressão física, de perda de controle emocional dos pais, pois depois da palmada, se a criança insistir no erro, vem outra e depois pode vir um castigo mais severo. Os pais devem se conscientizar que não e batendo que se educa uma criança, mas cuidando e dando atenção necessária para que essa criança hoje que está fazendo birra e com um comportamento malcriado possa ser tratada por um especialista.
As coisas mudam, gente. Os smartphones estão aí para nos mostrar isso. Monteiro Lobato todos os dias é chamado de racista com os seus lindos personagens. Qual o problema de mudarmos a forma como educamos as nossas crianças? Só porque um dia fomos pequenos e sofremos os piores castigos físicos que possamos imaginar vamos fazer a mesma coisa com as nossas crianças? Você acha isso certo?
Uma criança é uma bênção de Deus numa casa. É ela que anima tudo, é ela o xodó do vovô e da vovó, é ela quem vai fazer as maiores peraltices e num momento de desespero e incompreensão sem saber que existem outras opções para se conseguir o que deseja vai chorar, espernear, quebrar objetos e se enraivar muito. É preciso que um adulto saiba cuidar da criança neste momento.
Os consultórios de psicólogos e psicanalistas estão cheios hoje em dia por um motivo simples: eles sabem ouvir. Por que os pais não escutam seus filhos antes de ser preciso levá-los a um terapeuta? A arte de ouvir é uma das coisas mais bonitas que existe no ser humano. Nem todo mundo sabe fazer isso, mas a gente tem que parar um instante nas nossas vidas para ouvirmos principalmente a nós mesmos, a esse eu que grita dentro da gente para depois ouvirmos os outros.
A criança que mantém um comportamento malcriado talvez esteja querendo chamar a atenção para algo que está errado nela ou ao seu redor. Como ainda mal fala não sabe expressar o seu medo, o seu desespero, a sua dor, a sua ansiedade, a sua vontade e tantos outros motivos que podem levar essa criança a se comportar de forma feia diante das visitas causando vergonha nos pais e familiares.
A palmada machuca a criança fisicamente e psicologicamente. A mão de um homem é pesada para o bumbum de um bebê de seis a oito meses de idade ou até um pouquinho maior. Se for dada com muita força pode até ficar marca roxa no bumbum da criança. Mas, é claro que num país onde mulheres são agredidas pelos seus companheiros a cada minuto imagine como não são tratadas as crianças das mais diversas classes sociais.
Nos bairros de periferias, é comum ver a criança levar chineladas nas costas e até mesmo na cabeça. Como também o pai pega o cinturão e dar uma surra na criança como correção para que nunca mais faça aquela coisa errada. É nas periferias onde mais as crianças sofrem castigos físicos e eu digo isso porque moro numa e vejo como elas são tratadas.
O puxão de orelha é uma coisa super desagradável e vergonhosa à criança, mas já presenciei isso numa escola onde a mãe saiu puxando a sua criança pela orelha até chegar em casa porque tirou nota vermelha nas avaliações escolares. Muitas vezes, os pais são os próprios culpados pelos erros das crianças, pois quantas vezes esse menino ou menina chegou em casa da escola e foi brincar na rua sem nunca ter pegado no caderno para estudar? E a mãe agora se acha no dever de exigir da criança que ele se saia bem nas avaliações?
Peço que os Conselhos Tutelares visitem os bairros de periferia e conversem com as pessoas sobre como são tratadas as crianças daquela comunidade. Era pra ser assim, não é. Nunca vi um conselheiro tutelar no meu bairro a não ser para prender menor de idade que roubou um pirulito ou um aparelho celular de alguém. Eles parecem os reis e, nós, os seus súditos que lhes devemos favor. É assim que eu vejo os conselheiros tutelares da minha cidade. Ficam sentados nos seus birôs à espera de que cheguem queixas contra pais, mães ou algo que o menor fez. Absurdo isso! Melhor nem entrar neste mérito.
Você não pode castigar a sua criança. Não deve.
A melhor maneira de se educar uma criança também não é dando um aparelho celular para ela parar de chorar, mas conversando, mostrando exemplos, brincando, sendo amigo, sendo verdadeiro, sendo sincero nas suas palavras e mostrando-se forte o bastante para que a sua palavra faça se valer num mundo de coisas cruéis acontecendo a todo instante.
Os pais têm que se impor com palavras duras muitas vezes, mas não dá palmada ou castigar fisicamente. Quem fizer isso pode ser preso em flagrante. Criança não manda em mim, dizem os pais. Isso é verdade porque criança não manda nem em si própria, mas ela não pediu para vir ao mundo e merece respeito e carinho o tempo todo, até mesmo na hora da birra e da raiva descontrolada.
Chega de palmadas! As crianças já sofrem o suficiente em muitos lares vendo os pais discutindo sobre problemas os mais diversos, os pais assistindo programas que não são indicados para elas, os pais fazendo de conta que os pequeninos são invisíveis e chegarem em casa e não lhes darem sequer um abraço ou um cumprimento de boa noite. Quem merece mesmo uma boa palmada são os pais e responsáveis que criam as crianças de qualquer maneira as entregando as pessoas estranhas, as deixando o dia inteiro no meio da rua, para a noite quererem corrigi-las com castigos físicos. Palmada nos pais que deixam seus filhos o dia todo ao Deus dará e, quando voltam do trabalho, querem ser os bichões, os machões, os sabichões, os homens da casa como se diz ainda nas periferias das cidades pequenas corrigindo os seus filhos com palmadas!
Tem pai que só de olhar para a criança já a assusta e ela corre pra casa com medo da palmada, muitos acham isso bonito e ficam orgulhosos de somente com o olhar colocar o filho para casa. Talvez esta seja uma forma de castigo físico porque a criança anda tão traumatizada que um simples olhar é capaz de assustá-la. Eu já presenciei uma cena igual a esta, meu querido leitor.
Se você bate na sua criança cuidado para não ser preso baseado na Lei da Palmada. Hoje, não fazemos nada às escondidas e, apesar do ódio e da violência que tomam conta do país, ainda há justiça sendo feita em algumas cidades e crianças sendo salvas de palmadas e castigos físicos por Promotores da Vara da Infância e pelo Ministério Público. Não pense que a palmada que você dá no seu filho todos os dias porque ele não quer comer ou tomar banho um dia não será denunciada ao Conselho Tutelar, que espero faça alguma coisa por nossas crianças.
Para concluir este ensaio eu deixo vocês com uma canção que gosto muito do cantor Gonzaguinha mais uma vez que nos diz
“Eu fico com a pureza / Da resposta das crianças / É a vida, é bonita E é bonita… /”
A resposta de uma criança quando leva uma palmada é uma lágrima descendo pelo rosto e uma sensação de incompreensão desse mundo cruel dos adultos. Prefira a pureza das crianças que sorriem do quase nada… de uma careta no espelho ou de um pingo de chuva.
Obrigada, Ironi, por reforçar a nossa identidade nacional, aproximando as pessoas pelo uso correto da Língua, facilitando a comunicação e, consequentemente, melhorando os relacionamentos. Obrigada por aceitares ser o nosso Guardião.
A oportunidade de prefaciar este livro do conhecido e respeitado fundador e professor do Curso Permanente de Português, Redação, Literatura e Oratória – Sistema Educacional Ironi Andrade – e criador do Método de Ensino do Português Lógico, meu estimado confrade Ironi Andrade foi um presente que recebi com imensurável honra e, claro, alta responsabilidade.
Acolhi, porém, o convite como resposta ao desafio que lhe fiz, no início de 2022: ser o nosso GuardiãodasLetras. Como presidente da Academia Passo-Fundense de Letras (APLetras), aliás, busquei levar a cabo uma das finalidades do sodalício, conforme Artigo 6o, Capítulo II, do Estatuto Social: “Contribuir para o aprimoramento da língua nacional”.E ali estava a pessoa certa para tal função: o nosso mestre Ironi.
Buscando a perfeição em tudo que faz, e sempre disposto a colaborar, o confrade aceitou o desafio e elaborou um detalhado projeto, no qual definiu que o GuardiãodasLetras passaria a ser também uma publicação quinzenal, dividida em quatro partes:Editorial, Perguntas e Respostas, Pelas redes sociais e Curiosidades do idioma. No entanto, o Guardião é ele mesmo que, como um farol, ilumina e mostra caminhos, protegendo seu entorno. Este livro que ora tens em mãos, nobre leitor, é a materialização do amparo que o Guardião oferece frente à rica diversidade do idioma pátrio.
Conforme suas próprias palavras, o informativo somou mais de trinta edições ao longo da última gestão e teve o escopo de cumprir um dos múltiplos desideratos de toda e qualquer instituição de gênero análogo: propugnar pela preservação, difusão e domínio do idioma pátrio.
Honrando seu nome que, na origem indígena, siginifica “rio de mel”, o laureado advogado e professor Ironi, detentor de três graduações e quase uma dezena de especializações na área das Letras, do Direito e da Psicanálise, “mergulha” nas nuanças da linguagem, desvelando os segredos e os encantos que permeiam nossa rica tradição linguística. Sua maestria revela-se, não apenas na erudição, mas na paixão por compartilhar o poder transformador das palavras e por poder guiar seus confrades, alunos e leitores pelo majestoso universo do conhecimento linguístico-cultural.
Para a Academia Passo-Fundense de Letras é uma honra ter em seu quadro de quarenta acadêmicos este Cidadão Passo-Fundense Honorário, que veio da Linha Segredo, interior de Arvorezinha/RS, “falando tudo errado”, como ele próprio conta, mas que foi galgando degraus com muito estudo e trabalho, chegando a ser Professor Emérito da Feira do Livro e um dos homenageados com o prêmio máximo das Letras em Passo Fundo, Mérito Cultural Sante Uberto Barbieri, conferido pela APLetras. Em nível estadual, recebeu três vezes o Prêmio Competências, ao ser eleito o melhor professor do Rio Grande do Sul. Tantas conquistas e tantos reconhecimentos também são fruto de mais de cinquenta anos de dedicação à docência e de mais de 2.000 palestras proferidas no Brasil e no exterior.
Como todo bom Guardião, o autor da vez trabalha em várias frentes pelo sucesso dos quatorze projetos literários da APLetras. A partir deste ano, depois de já ter presidido o sodalício em 2001, volta para a Diretoria como vice-presidente e segue na luta pela preservação da Língua Portuguesa e pela expansão da cultura em geral. Como pessoa rara e imprescindível que é, nos influencia com o seu amor pelas letras, tal qual demonstrado em uma das edições do informativo Guardião das Letras, que vocês lerão neste livro: “Quanto mais conhecemos alguma coisa, mais a amamos”. Pergunta ele: “E conhecemos nosso idioma em sua origem, em sua evolução, em seu regramento, em sua grandeza? Se sim, por certo amamo-lo; se não, nossa alma não terá espaço para ele”.
Em outra edição, publica uma das perguntas que lhe fizeram: “Nobilíssimo Guardião, por que o idioma oficial do Brasil é Português, e não o Tupi-Guarani? E responde: “…o idioma é o maior elemento formador da identidade territorial de uma nação. (…) Urge esclarecer, que não existe uma língua tupi-guarani. Essa expressão designa uma família linguística, dentro da qual incluem-se dezenas de idiomas indígenas, inclusive, é claro, o tupi e o guarani. À época do descobrimento, havia mais de 1.200 povos indígenas e cerca de mil idiomas nativos aqui”.
Concluo assim meu mister: obrigada, Ironi, por reforçar a nossa identidade nacional, aproximando as pessoas pelo uso correto da Língua, facilitando a comunicação e, consequentemente, melhorando os relacionamentos. Obrigada por aceitares ser o nosso Guardião. E parabéns por mais esta rica obra!
Boa leitura a todos!
Maiores informações sobre a obra:
Para quem tiver interesse na obra, pode procurar o autor Ironi Andrade em suas redes sociais ou através do telefone (54) 99954 9698.
Se não tomarmos consciência e reagirmos, a educação pública será destruída pela lógica do Empreendedorismo na escola, financeirização da educação e conformismo da sociedade e do “protagonismo juvenil”.
A educação básica no Brasil apresenta regressão e piora de vários indicadores. Esta condição do segmento não revela apenas uma crise e uma disputa pelo controle pedagógico, mas evidencia um projeto destrutivo. O país não somente abdicou de universalizar com qualidade social a formação das crianças e jovens – como prevê a Constituição Federal –, mas ataca a educação pública e implementa reformas educacionais de natureza privatista, financista e instrumental.
Desqualificar e privatizar a educação básica pública estatal, responsável por mais de 84,2% das matrículas no país, parece ser o objetivo principal das reformas educacionais em implementação nas escolas desde 2017, com as Bases Nacionais Comuns Curriculares (BNCCs) – da educação infantil e ensino fundamental, do Novo Ensino Médio –, bem como as BNCs – Formação Inicial e Continuada de Professores.
Educação Básica piora com as reformas educacionais
Para justificar as sucessivas reformas neoliberais, a educação pública foi sendo gradativamente atacada, desqualificada e deslegitimada junto à sociedade. Existem várias estratégias para atingir esta finalidade, como: sucatear mediante redução dos investimentos; destruir a carreira docente com contratos precários e temporários; descontinuar as políticas educacionais de estado; críticas e ataques sistemáticos a educação pública; negação do direito à educação aos estudantes; descumprimento dos Plano Nacional de Educação (PNE) e dos planos estaduais e municipais, entre outras.
Entre tantas estratégias praticadas, a educação pública sofre críticas sistemáticas e uma campanha constante de desqualificação protagonizadas pelos atores privados e diversos meios de comunicação (Jornais, TVs, Canais de Assinaturas, etc).
A título de exemplo, vejamos o que a pesquisadora da Faculdade de Educação da Unicamp, Thais Rodrigues Marin, identificou ao analisar 1.197 artigos de opinião e 145 editoriais publicados somente pelo Jornal Folha de São Paulo no período de 15 anos (2005–2020).
Na análise destas publicações, o que mais surpreendeu a educadora foi encontrar nos textos uma postura reiterada de desqualificação do sistema brasileiro de educação pública, com ataques que atingiram, também, os professores dessa rede pública. São recorrentes as expressões exageradamente negativas, catastróficas e mesmo grosseiras para caracterizar a educação pública, tais como “tragédia”, “desastre’, “fracasso” e “mediocridade’.
A pesquisa identificou e destacou seis narrativas que mais se evidenciaram. A primeira delas – “a mais expressiva”, é a da desqualificação da educação pública de modo geral no Brasil e a consequente necessidade de reformá-la. “Esse ideário de crise da má qualidade respalda as iniciativas de reforma da educação, ou reforma empresarial da educação, que temos hoje”.
A segunda narrativa, a do financiamento, defendendo não faltar recursos para a educação básica, mas faltar eficiência na gestão do Estado. A terceira, a de desqualificação dos professores da escola pública, descrevendo-os como acomodados, malformados e corporativistas. “Esse discurso coloca o professor como inimigo e nega sua condição de trabalhador”.
A avaliação educacional relacionada a mecanismos de vigilância do trabalho do professor e de mensuração em larga escala configura a quarta narrativa identificada na pesquisa. “Isso é reflexo do modo de funcionamento corporativo e meritocrático, de mensurar o trabalho com métricas, para premiar ou punir. A qualidade da educação passa a significar posições em rankings, e o professor é responsabilizado por esses resultados, desconsiderando-se problemas estruturais que também afetam o processo educativo”, explica Marin
A quinta narrativa versa sobre as parcerias educacionais, recorrente nos artigos, tendo relação “direta com a privatização” e fica até mais fácil de entender, porque coloca os atores não estatais como supostamente mais capazes para oferecer soluções e diz como eles são importantes para que a política educacional seja de melhor qualidade”
A sexta e última narrativa descrita pela pesquisadora trata das finalidades educacionais. “Essa narrativa resume-se a colocar na conta da escola a superação das desigualdades sociais e o desenvolvimento econômico, defendendo que a suposta má qualidade da educação seria a causa da perpetuação de desigualdades e do arrefecimento da economia. Isso é a teoria do capital humano alinhada ao discurso neoliberal”.
Tais narrativas endossam, legitimam e consolidam uma opinião pública contrária a oferta pública e favorável aos processos e práticas privatistas. Com a repetição, diz a pesquisadora, essas narrativas vão se tornando hegemônicas na sociedade e se naturalizando. A sociedade fica inerte e não reage na defesa da oferta de uma educação pública com qualidade que historicamente era a melhor no país, como ainda são as Universidades e Institutos Federais.
Por fim, a pesquisadora lembra que a educação escolar no Brasil já nasceu privatizada por intermédio da Companhia de Jesus, vinculada a igreja católica. Sempre houve um ator não estatal na política educacional brasileira. Porém, desde os anos de 1990, o Estado brasileiro vem sofrendo um processo de reestruturação e enxugamento e vem se abrindo a novos atores, que passam a participar, também, da política educacional”, descreve a pesquisadora.
Quando se examina a interferência da iniciativa privada na escola básica, nem sempre ficam inteiramente explícitos os conceitos e os princípios envolvidos na análise. Para o professor Vitor Henrique Paro (USP), a interferência do privado na escola básica – especialmente por meio dos pacotes e “sistemas” de ensino comercializados pela iniciativa, sonega dos educadores escolares o direito (e o dever) de planejarem, organizarem e executarem a aprendizagem em estreita colaboração com seus colegas e educandos. Ao invadir, assim, o espaço público, o privado não só reduz a universalidade da cidadania, mas, também, solapa o terreno em que se constrói o educativo.
Indicadores apontam retrocessos em vários níveis e modalidades
Conforme o Censo da Educação Básica de 2023 e a Pesquisa por Amostra de Domicílios (PNAD da Educação 2023) publicada em 22 de março/2024, a educação básica apresenta piora e retrocessos de indicadores em vários níveis e modalidades. Em 2023, registraram‐se 47,3 milhões de matrículas nas 178,5 mil escolas de educação básica no Brasil, cerca de 77 mil matrículas a menos em comparação com o ano de 2022. Essa leve queda é reflexo do recuo de 1,3% observado no último ano na matrícula da rede pública, que passou de 38,4 milhões em 2022 para 37,9 milhões em 2023, e o aumento de 4,7% das matrículas da rede privada. A proporção de matrículas no ensino fundamental cai pelo terceiro ano seguido, sinalizando uma tendência estrutural.
O censo revela que foram registradas 26,1 milhões de matrículas no ensino fundamental em 2023. Esse valor é 3,0% menor do que o registrado para o ano de 2019. Nos últimos cinco anos, essa redução foi mais acentuada nos anos iniciais (3,9%) do que nos anos finais do ensino fundamental (1,9%). O Ensino Médio apresentou 7,7 milhões de matrículas no ensino médio, uma redução de 2,4% no último ano.
Já na Educação de Jovens e Adultos (EJA), o número de matrículas diminuiu 20,9% entre 2019 e 2023 chegando a 2,6 milhões em 2023. A queda no último ano foi de 6,7%, ocorrendo de forma semelhante nas etapas de nível fundamental e de nível médio, que apresentaram redução de 6,9% e 6,3%, respectivamente.
Segundo a PNAD de Educação também de 2023, o Brasil tem 48,5 milhões de pessoas de 15 a 29 anos de idade e 15,3% deles estavam ocupadas e estudando, 19,8% não estavam ocupadas nem estudando, 25,5% não estavam ocupadas, porém estudavam e 39,4% estavam ocupadas e não estudavam.
A Pnad revelou que 9 milhões de estudantes não conseguiram terminar o Ensino Médio no Brasil, em 2023. Destes, 58,1% são homens e 41,9% são mulheres. A discrepância é maior entre a população negra. Cerca de 71,6% dos alunos que desistiram de estudar são pretos ou pardos, enquanto o cenário é de 27,4% entre os brancos. A mesma pesquisa mostra, também, que o Brasil, o analfabetismo resiste, ainda tem 9,3 milhões de pessoas analfabetas com 15 anos ou mais de idade.
Somente a modalidade da Educação Profissional (EP) apresenta indicadores de expansão, chegando a 2,4 milhão de matrículas em 2023, um aumento de 26,1% em relação a 2019. Porém, a EJA do ensino médio que teve um discreto declínio; a modalidade com maior incremento relativo foi a dos cursos de formação inicial e continuada ou de qualificação profissional (FIC), que apesar do baixo número de matrículas em termos absolutos, cresceu 71,9% no último ano.
Porém, as matrículas da EP estão principalmente concentradas na rede privada, representando 44,4%, seguida das redes estadual e federal, com 38,2% e 13,7%, respectivamente. De todas as etapas de ensino, a educação profissional é a que detém o maior número de matrículas na rede federal, alcançando 331.037 em 2023. A mesma rede apresenta o maior número de matrículas da educação profissional na zona rural (no campo).
Ainda, segundo dados da PNAD da Educação 2023, quase 400 mil crianças e jovens de 6 a 14 anos não estavam frequentando a escola em 2023. O número demonstra que 5,4% dos alunos abandonaram a escola no último ano. A parcela de crianças na escola começou a cair a partir de 2019. Daquele ano para 2022, o volume de alunos foi de 97,1% para 95,2%, refletindo, até então, os efeitos da pandemia de Covid-19, das reformas educacionais, da queda dos investimentos e da precarização das escolas.
Cabe lembrar que a educação pública há três décadas tinha suas vagas disputadas pelas juventudes que esperavam conseguir trabalho e mobilidade social com base em sua escolarização, hoje precisa oferecer recursos financeiros aos estudantes, como os programas Pé-de-Meia (MEC), Todo Jovem na Escola (SEDUC-RS) e Primeira Chance (Paraíba) para que a evasão não seja tão massiva. Essa mudança de posição da educação escolar, alerta Caroline Catini (UNICAMP), impõe a análise de outras contradições do sentido da escolarização, que não fique presa no argumento da garantia da permanência de estudantes mais pobres e que abandonariam a escola sem tal incentivo financeiro.
A ótica da financeirização e da privatização
Da ótica do empresariado e investidores, como comandam a reestruturação da forma e função da educação escolar, além de uma fonte direta de rendimentos, por meio de investimentos em ativos reais e financeiros e do controle sobre o orçamento estatal, a educação, antes de tudo, tende a ser reduzida a um conjunto de dispositivos voltados à divisão, fragmentação, seleção, discriminação, e controle sobre a juventude, seja na condição de trabalhadores a serem explorados, de consumidores a serem condicionados, ou de uma massa endividada e enredada nas teias da financeirização.
Não por acaso, prossegue a pesquisadora Catini, a educação financeira é componente curricular da BNCC, em vigor desde 2017, e em 2021 foi criada uma comissão para formar professores e professoras para abordar a temática em sala de aula. Além de calcular, poupar e investir, a educação financeira visa ensinar um conjunto de comportamentos para que os jovens façam escolhas mais “conscientes”. De fato, a educação financeira está ganhando cada vez mais centralidade nos currículos dos estados desde a educação infantil. Em São Paulo, por exemplo, desde o meio do ano de 2023, todas as disciplinas eletivas criadas com a Reforma do Ensino Médio foram substituídas por aulas de educação financeira. Chegaram a ser criadas mais de 1.500 disciplinas nos primeiros anos de implementação da reforma. O programa pretende atender 2,5 milhões de jovens, os mais pobres, do universo de quase 8 milhões de estudantes de ensino médio.
A educação superior seguiu esta lógica da privatização e mercantilização, com mais de 2/3 das matrículas pagas, onde cinco grupos educacionais respondem por 2,5 milhões de matrículas, a maioria na modalidade EAD. Esta lógica está sendo desenvolvida e aplicada à Educação Básica. É a lógica mercantil e financista do capitalismo adentrando os espaços de formação acadêmica e escolar. Trata-se da destruição da educação pública enquanto direito e espaço comum público.
Se não tomarmos consciência e reagirmos, a educação pública será destruída pela lógica do Empreendedorismo na escola, financeirização da educação e conformismo da sociedade e do “protagonismo juvenil”.
Suspeito que este processo limitado e instrumental de mobilizar a educação por meio das mensurações, compromete e danifica a formação mais ampliada dos estudantes, pois não é capaz de mobilizar o desenvolvimento de capacidades mais amplas para uma vida democrática cidadã.
Nas últimas décadas tem sido frequente um discurso inflamado de que a educação pública não tem qualidade e que só irá melhorar se implantarmos processos de avaliação rigorosos, medições eficientes, aplicação de provas de larga escala, utilização de padrões internacionais de avaliação e adotarmos a lógica empresarial para gerenciar o funcionamento da escola. Ana, Prova Brasil, Enade, Saeb, Enem, Pisa são algumas das siglas e nomenclaturas que tem povoado as escolas e as redes de ensino nos últimos tempos, com o firme propósito de que mensuração torna-se o projeto condutor que levará a medir a “qualidade educativa” no Brasil.
Certamente, devem haver boas intenções e boas razões, embora os principais proponentes venham dos setores empresariais da educação que tem transformado educação num bem de consumo, numa mercadoria que pode ser ofertada, comprada e vendida por dinheiro. Suspeito que este processo limitado e instrumental de mobilizar a educação por meio das mensurações, compromete e danifica a formação mais ampliada dos estudantes, pois não é capaz de mobilizar o desenvolvimento de capacidades mais amplas para uma vida democrática cidadã.
Segundo a filósofa Martha Nussbaum (2012, p. 40), as capacidades são “um conjunto de habilidades inter-relacionadas para escolher e agir, desse modo, a capacidade vem a ser uma espécie de liberdade: a liberdade substantiva de alcançar combinações alternativas de funcionamento”. Em consonância com essa ideia, destaca-se a necessidade de preservar a independência e de assegurar a capacidade do indivíduo de manter o pensamento crítico que lhe permita avaliar a coerência daquilo que lhe é dito e conceber alternativas para tudo o que lhe é oferecido (Ibidem, 2014, p. 78).
Nussbaum (2012) questiona a questão das medições em educação a partir de duas questões: o que as pessoas são realmente capazes de ser e fazer? E quais são as reais oportunidades de escolha e ação que a sociedade lhes oferece? A partir desses questionamentos, a autora realça, por meio da teoria comparativa de qualidade de vida demonstrada pelo economista indiano ganhador do Prêmio Nobel em Economia em 1998, Amartya Sen, de que a heterogeneidade impossibilita a medição de oportunidades e capacidades.
Ao evidenciar tal impossibilidade de medição, Nussbaum critica as abordagens que mesclam todas as esferas da vida e as transformam em um único dado mensurável, como o Produto Interno Bruto (PIB). A partir dessa perspectiva, podemos pensar os formatos de avaliação em larga escala que tem sido ovacionados pelos empresários da educação e pela mídia alinhada ao neoliberalismo, tendo em vista que estas medições avaliam os indivíduos de forma reduzida, a partir dos resultados de uma única medida numérica. Essa medida, por sua vez, acaba por desconsiderar as capacidades mais ampliadas dos alunos e as desigualdades existentes no processo.
Não existe avaliação justa quando são ignoradas as desigualdades do processo.
Nessa perspectiva, Almeida (2020) chama a atenção para as diferentes realidades dos educandos, relacionadas às esferas culturais, sociais e econômicas. Tais realidades, por não serem igualmente justas, acabam por desnivelar as chances que os alunos têm de obter o desempenho almejado; “desse modo, torna-se insólito equiparar, de modo ilustrativo, um aluno de uma escola cujo foco é a formação moral ou crítica-social com aquele que tem um ensino tecnicista, voltado para a resolução das questões do Enem” (Almeida, 2020, p. 417). Em consonância, Nussbaum (2015) evidencia a importância de considerar dois aspectos: o indivíduo e a situação. Além de se considerar a situação do indivíduo, deve-se considerar as diferenças individuais, pois as experiências influenciam os aspectos psicológicos de cada um.
Nesse contexto, podemos refletir acerca das medições, na medida em que “o raciocínio crítico e a imaginação empática não podem ser mensurados por meio de testes quantitativos de múltipla escolha” (Nussbaum, 2015, p. 134). Esse método de mensuração acaba por não contemplar o que o indivíduo é capaz de ser e fazer. Por meio dos avanços do processo de aprendizagem, dispostos no método de autoavaliação (e não nos formatos de avaliações de larga escala), seria possível o desenvolvimento crítico-reflexivo do educando a partir de uma avaliação mais ampla e globalizada. Tal avaliação ampliada estaria pautada pela educação como forma de desvincular e perceber as relações de poder, emancipação humana e desalienação, avançando, assim, para a construção de um saber autônomo e humanizador.
As capacidades que Nussbaum (2012) propõe visam a uma educação humanizadora e sensível, por meio das artes e das humanidades, a qual seria capaz de nos libertar de uma educação mecanizada e padronizada cuja única finalidade é fazer com que os alunos tenham bom desempenho em avaliações. Essa educação humanizadora seria uma forma mais correta de mostrar o que cada um realmente é capaz de ser e fazer, indicando o quanto um educando é qualificado e se está apto a ingressar na educação superior, por exemplo.
Quando a avaliação fortemente induzida pelas medições numéricas de larga escala vão se tornando o critério de aferir “qualidade na educação”, temos um processo limitado de escolarização e de formação, pois produz uma semiformação (Adorno, 2000) e um processo tecnicista padronizado de formatação dos estudantes. Perde-se o ideal humanizador da formação, quando a escolarização sucumbe à demanda do mercado de trabalho e ao consumismo alienado, que exige cada vez mais treinamento, eficácia, eficiência, subserviência e ausência de pensamento crítico e reflexivo.
Esse modelo de mensuração de avaliação proposto evidencia o que Bachelard (1996, p. 261) denuncia ao dizer que “medir exatamente um objeto fugaz ou indeterminado, medir exatamente um objeto fixo e bem determinado com um instrumento grosseiro, são dois tipos de operação inúteis que a disciplina científica rejeita liminarmente”.
Dificilmente teremos uma escola pública melhor e mais justa se continuarmos apostando nas medições como projeto norteador da educação de qualidade e na falácia da meritocracia.
O pensador François Dubet (2004, p. 542) reconhece que “a concepção puramente meritocrática da justiça escolar se defronta com grandes dificuldades e, mesmo que aceitemos o princípio, fica claro que ele deve ser ponderado”. Ele mesmo observa que “a Sociologia da Educação mostra que a abertura de um espaço de competição escolar objetiva não elimina as desigualdades” (Dubet, 2004, p. 542), e aqui estão em jogo tanto as desigualdades entre as pessoas quanto as desigualdades entre os sexos e os grupos sociais, sendo que os mais favorecidos têm vantagens decisivas. É falacioso dizer que a igualdade de oportunidades para o acesso escolar elimina as desigualdades escolares.
Dubet (2004, p. 542) também ressalta que “uma igualdade de oportunidades meritocráticas pressupõe, para ser justo, uma oferta escolar perfeitamente igual e objetiva”. No entanto, o que se vê e o que quase todas as pesquisas mostram é que “a escola trata menos bem os alunos menos favorecidos”, isto é, as equipes de professores são menos estáveis, não há suporte familiar aos alunos e as atenções destinadas aos estudantes são diferentes.
Nas palavras do próprio Dubet (2004, p. 543): “quanto mais favorecido o meio do qual o aluno se origina maior sua probabilidade de ser um bom aluno, quanto mais ele for um bom aluno, maior será sua possibilidade de aceder a uma educação melhor”. Nesse sentido, há “uma certa crueldade do modelo meritocrático”, pois “os ‘vencidos’, os alunos que fracassam, não são mais vistos como vítimas de uma injustiça social e sim como responsáveis por seu próprio fracasso”.
Essa condição de assumir a responsabilidade pelo próprio fracasso possui efeitos perversos na autoestima dos alunos, fazendo-os muitas vezes renunciar à escola e abraçar a violência. Ao impedir que percebam que seu fracasso pode ser decorrente das desigualdades sociais e de um conjunto de outras variáveis, a meritocracia reforça as desigualdades.
Outro problema igualmente relevante do princípio meritocrático acorado nas medições implica um conjunto de problemas no âmbito pedagógico. Como ressalta Dubet (2004, p. 543), “o princípio meritocrático pressupõe que todos os envolvidos na mesma competição sejam submetidos às mesmas provas”. No entanto, quando a competição começa, imediatamente vêm à tona as diferenças; “os que são incapazes de continuar competindo” desanimam, sentem-se impotentes, despreparados e mesmo “desanimam seus professores”; assim, passam a ser deixados de lado, marginalizados e esquecidos. Ao final, o sistema meritocrático reforçou as desigualdades que já existiam, com a diferença de que agora a vitória dos vencedores foi merecida.
Dubet (2004, p. 544) finaliza suas reflexões levantando alguns questionamentos sobre a virtude e a própria ideia de mérito: “O mérito é outra coisa além da transformação da herança em virtude individual? Ele é outra coisa além de um modo de legitimar as desigualdades e o poder dos dirigentes?”. E, seguindo os passos de John Rawls, ainda questiona: “o mérito realmente existe?”, “pode ser medido objetivamente?”, “pode ser aplicado às crianças e até que idade?”; “Se não somos responsáveis por nosso nascimento, como sê-lo por nossos dons e aptidões?”. Esses são questionamentos profundos, instigantes, provocativos e oportunos que convergem com o pensamento de Nussbaum (2015, p. 135), a qual afirma que, “nos Estados Unidos, o exame nacional […] piorou as coisas, como normalmente acontece com os exames nacionais”. Tais dimensões são completamente ignoradas em exames padronizados. No entanto, seriam essas dimensões que possibilitariam, por exemplo, que as crianças e os jovens se dessem conta das desigualdades sociais, de que a narrativa meritocrática é cruel e ilusória, de que a vida escolar pode ser mais intensa e criativa do que uma simples preparação para a realização de exames padronizados. Infelizmente, no caso do Brasil, estamos indo na direção contrária dessa possibilidade.
Em suma, o sistema de medição na educação carrega em si diversas limitações por considerar que todas as pessoas possuem as mesmas oportunidades e por não levar em consideração a natureza particular de cada sujeito.
Nussbaum (2014) considera a relação entre as humanidades e as artes um importante pilar de uma formação para a cidadania. Por conseguinte, as políticas educacionais, segundo a filósofa, devem cultivar tais áreas para que a democracia sobreviva (Nussbaum, 2014). Dessa forma, uma educação humanizadora pautada nas capacidades deve incutir no educando o hábito de questionar-se, principalmente sobre suas crenças e o que lhe é imposto. É por meio da inquietude do perguntar-se que equívocos, preconceitos e injustiças serão evitados.
Ao refletir sobre suas práticas atuais, o sujeito consequentemente modificará suas práticas futuras, pois tal reflexão, além de proporcionar o autoexame, provoca também uma mudança de atitudes, uma tomada de consciência e a responsabilização pelos próprios atos. O indivíduo torna-se, então, responsável pela própria liberdade, pela defesa e promoção de uma sociedade democrática e pela construção das condições de construir um mundo comum de convivência.
Para os que desejarem ampliar as reflexões apresentadas neste breve texto, indico o artigo “Critica as medições em Educação à Luz da Teoria das capacidades: a meritocracia que reforça a desigualdade”, que escrevi em parceria com Thalia Leite de Faria e Julia Costa Oliveira, publicado na Revista Internacional de Educação Superior (Riesup).
ADORNO, Theodoro. Educação e emancipação. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz &Terra, 2000.
ALMEIDA, V. S. O Enem como instrumento de autoavaliação: um projeto não efetivado.
Revista Educação e Políticas em Debate – v. 9, n. 2, p. 407 – 420, mai./ago. 2020.
BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Tradução Esteia Dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
DUBET, F. O que é uma escola justa? Cadernos de Pesquisa. v. 34, n° 123, p. 539-555, set/dez, 2004.
FÁVERO, Altair Alberto; OLIVEIRA, Julia Costa; FARIA, Thalia Leite de. Critica as medições em Educação à Luz da Teoria das capacidades: a meritocracia que reforça a desigualdade. Revista Internacional de Educação Superior (Riesup), Campinas/SP, v.8, 2022. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2446-94242022000100214
NUSSBAUM, M. Sem fins lucrativos: por que a democracia precisa das humanidades. Tradução de Fernando Santos. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2015.
NUSSBAUM, M. Educação e Justiça Social. Tradução de Graça Lami. Ramada: Pedago, 2014.
NUSSBAUM, M. Crear Capacidades: propuesta para el desarrollo humano. Barcelona: Paidós, 2012.
Livro visionário de Aldo Huxley, Admirável Mundo Novo inspira debates sobre o futuro da humanidade .
O livro Admirável Mundo Novo é um romance escrito por Aldo Huxley em 1932. Contendo 306 páginas e dividido em 18 capítulos, conta a história de uma nova organização mundial, onde a evolução da tecnologia possibilitou avanços em diversas áreas como a reprodução dos seres humanos, a clonagem em larga escala e a construção de castas sociais, geradas a partir do nascimento dos indivíduos pela engenharia genética. Também retrata a manipulação psicológica onde o amor não pode ser cogitado nem estimulado, mas em compensação, o sexo é banalizado e assume o protagonismo das relações sociais.
Segundo Bauman (1925-2017), “[…] a vulnerabilidade das identidades individuais e a precariedade da solitária construção da identidade levam os construtores da identidade a procurar cabides em que possam, em conjunto, pendurar seus medos e ansiedades individualmente experimentados e, depois disso, realizar os ritos de exorcismo em companhia de outros indivíduos também assustados e ansiosos.”
É assim, que em Admirável Mundo Novo presenciamos a quebra do princípio da identidade humana, onde o que hoje consideramos como direitos humanos, neste mundo de Huxley, não existe mais – as regras do jogo da vida mudaram. A vida não é gerada a partir do corpo da mulher, e sim desenvolvida em laboratórios e centros de pesquisa, onde são construídas e modeladas as identidades de cada ser, antes mesmo de “nascerem”. Portanto, a busca incessante pelo descobrimento das identidades aparecem com frequência no livro, especialmente quando Bernard Marx se questiona do porque não consegue se encaixar na sua casta, já que ele é diferente dos Alfa-Mais, os jovens, reunidos em grupos debatem sobre o que consideram certo e errado.
A “quebra” da inocência e do não descobrimento de que existem outras formas de viver em sociedade se dá quando, os jovens “evoluídos” visitam o campo dos “selvagens”. Lá, presenciam coisas que não conseguiam imaginar que existiam, pois era a forma primitiva de viver em comunidade.
Bauman nos diz que “a comunidade realmente existente” será diferente da de seus sonhos — mais semelhante a seu contrário: aumentará seus temores e insegurança em vez de diluí-los ou deixá-los de lado. Exigirá vigilância vinte e quatro horas por dia e a afiação diária das espadas, para a luta, dia sim, dia não, para manter os estranhos fora dos muros e para caçar os vira-casacas em seu próprio meio”. É isso que acontece quando saímos da zona de conforto e da bolha social que vivemos, conhecemos outras realidades e outros modos de conviver – quebramos a ideia de que determinado jeito de ser é o que deve ser mantido e passamos a questionar atitudes cotidianas.
A conscientização de que lá fora é diferente, desestabiliza e fragiliza a comunidade existente em nós mesmos, e, consequentemente nos faz querer sair e vivenciar novas experiências.
Outro fator desestabilizante é a vontade dos jovens de consumir o comprimido chamado desoma, que dá a eles a sensação de calmaria, paz e satisfação, impedindo-os de questionar ou mesmo sentir outros sentimentos que não fossem os pré-definidos para eles sentirem. É como se, ao verem a verdadeira realidade, quisessem tapar os olhos e voltar a escuridão – aos lugares que para eles eram mais cômodos de viver. É a típica história da caverna de Platão, onde o conhecimento e o questionamento são sufocados e mortos pelos ignorantes, que não deixam (e não querem) pensar de outros jeitos.
Aliás, o comprimido de soma – tão difundido no livro abre outro leque de questionamentos: o da dependência dos seres humanos à tecnologização. Atualmente vivemos em um mundo onde não nos imaginamos sem o uso de drogas e medicamentos (que de certa forma nos auxilia em diversos momentos), porém com a evolução da tecnologia e o desenvolvimento de novos tipos desses medicamentos, estamos caminhando para a realidade de Admirável Mundo Novo, onde basta tomar um comprimido de soma e os problemas estão resolvidos, não há tristeza, raiva ou descontrole. Já há medicamentos para controle da depressão, onde segundo a ADEB (Associação de Apoio aos Doentes, Depressivos e Bipolares), “atuam no cérebro, modificando e corrigindo a transmissão neuroquímica em áreas do sistema nervoso que regulam o estado do humor (o nível da vitalidade, energia, interesse, emoções e a variação entre alegria e tristeza), quando o humor está afetado negativamente num grau significativo”. No livro, eles atuam basicamente assim, mas de forma mais intensa e já estão inseridos na vivência cotidiana de todos os seres humanos – quase que estabelecendo uma interligação entre o corpo e o medicamento.
Massimo Canevacci (1942) vai nos dizer que esta interdependência pode ser considerada uma espécie de “bodycorps”, onde a tecnologia está gradualmente integrada ao ser vivo. É a fusão do objeto tecnológico com o corpo humano, criando uma simbiose – um processo de dependência, onde um não sobrevive sem o outro.
O Admirável Mundo Novo produz grandes e tormentosas reflexões sobre o futuro que nos espera enquanto sociedade. A reflexão sobre como e até onde utilizaremos a tecnologia é um dos pontos fortes do livro, tal como a visão futurística do autor, que já em 1932 conseguiu escrever esta obra pensando em questões que permeavam, mas ainda de forma primitiva os acontecimentos do mundo na época. É muito recomendável para quem deseja se aprofundar em questões ligadas à ética, tecnologia e psicologia, traçando um paralelo do que já está acontecendo em nosso mundo e do que ainda está por vir.
Tenho medo de um dia as crianças desaparecerem da face da terra. As crianças das guerras são vítimas do ódio de pessoas adultas que esqueceram de que um dia foram crianças.
Disse Jesus Cristo na sua passagem pela Terra “deixai vir a mim os pequeninos, pois deles é o meu reino…” Reino este que não temos visto aqui na Terra em meio a tantas guerras civis e militares que têm destruído lares, hospitais, escolas, hotéis e restaurantes. Lugares onde as crianças vão se esconder também estão sendo bombardeados.
Parece-me que o alvo são as crianças. Sim, são as crianças que estão sendo bombardeadas com uma mídia que impõe goela abaixo produtos que elas não podem comprar, com uma Internet que as intimam e muitas vezes as matam sem nem precisarem de armas nucleares.
O grupo terrorista Hamas degolou muitos bebês como pode ser visto a quem teve coragem de ver fotos nas redes sociais. Eu não tive essa coragem. Para mim toda criança devia apenas brincar até os seis anos de idade e nada mais. O mundo da criança é tão incompreendido pelos adultos! Elas querem ser ouvidas, fazem perguntas, choram, desejam coisas, mas sempre recebem um tremendo “não” a qualquer um dos seus pedidos.
As últimas guerras que temos acompanhado pela televisão bombardearam hospitais, lares e abrigos. A guerra da Ucrânia contra a Rússia e de Israel contra o Grupo Terrorista Hamas. Talvez o que mais passe na cabecinha das crianças desses lugares é por que tanto barulho e tanta gente morta perto delas.
Eu não sei direito o que se passa pela cabeça de uma criança em meio a uma guerra, mas sei que devem ficar muito assustadas, pois se nós adultos trememos de medo de enfrentar as bombas, os mísseis, as balas das metralhadoras dos soldados imagine uma criança de três ou cinco anos de idade acordar com a casa sendo bombardeada.
Devia existir um acordo mundial para que nenhuma criança fosse vítima nas guerras, mas como evitar isso se explodem seus abrigos, lares, igrejas, escolas e hospitais?
Tenho medo de um dia as crianças desaparecerem da face da terra. Não existirem mais bebês com essa onda de aborto sendo legalizada no mundo inteiro e discutida no Supremo Tribunal Federal – STF. Ninguém tem o direito de tirar a vida de outro. A vida é concebida desde o ventre da mamãe.
Vejo pela televisão as crianças chorando ensanguentadas nos hospitais, assustadas, sem a presença dos seus pais ou alguém conhecido, sem alguém que possa acalmá-las, sem seus brinquedos ou animais domésticos, sem nada. É triste. É doloroso. Crianças tendo seus membros amputados sem anestesias, sofrendo pelos corredores dos hospitais à espera de alguém que lhes diga quando tudo isso vai acabar, mas ninguém arrisca dizer por que ninguém quer mentir para uma criança em meio a tanto sofrimento.
Outro dia lendo uma revista de notícias vi a foto de uma criança correndo toda suja de poeira com medo das explosões no seu bairro. Ela chorava. Todos nós choramos quando estamos assustados enfrentando o inimigo que nem sabemos do que se trata porque ninguém nunca teve coragem de contar para a maioria das crianças que os homens brigam entre si e jogam bombas que destroem milhões de lares, escolas, hospitais e abrigos.
Eu só queria que as crianças fossem retiradas desses lugares em guerras e levadas para um lugar seguro onde tivessem brinquedos e pessoas sorridentes para lhes contarem histórias de princesas, bruxas e dragões.
Não matem as nossas crianças, peço pelo amor de Deus.
Deixem-nas longe das bombas, dos mísseis, das metralhadoras. Deixem-nas viverem. Elas não sabem o que são as guerras, elas não fazem ideia do que está acontecendo ao seu redor, elas veem pessoas mortas, pessoas chorando, pessoas ensanguentadas pedindo socorro e se sentem sem saber o que fazer em meio a uma multidão de gente que está morrendo perto delas vítimas de bombardeios.
Salvem as nossas crianças das guerras, eu peço. Não as deixem saber que existem pessoas capazes de mandar destruírem cidades e acabar com a vida de inocentes por problemas que poderiam ser resolvidos com conversas de ambas as partes.
A matança das nossas crianças é uma injustiça ao mundo da infância. Estamos matando as crianças por uma causa que dizemos ser necessária à humanidade. De qual humanidade falamos quando terroristas degolam crianças?
Tratam as nossas crianças como adultas quando nas favelas da cidade do Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e outras mais que não preciso citar os nomes são feitas de “aviõezinhos” nome dado às que levam drogas para cima e para baixo no meio do tráfico. Crianças essas que deveriam estar brincando e estudando.
Não vejo nenhuma política federal, estadual ou municipal se preocupar com essas crianças, apenas vão aos noticiários lamentarem quando uma dessas é vítima de bala perdida ou violentada por um adulto. Falo aqui da guerra que as crianças brasileiras vivem todos os dias e que não movemos um dedo para tirá-las desses lugares.
As guerras não são somente as que usam bombas e mísseis, mas todas que afrontam contra a dignidade da pessoa humana como já se referia o filósofo do renascimento Pico Della Mirandola. Toda guerra começa com um simples desentendimento que vai crescendo e se tornando um problema maior.
Vivemos em guerra constantemente quando odiamos as pessoas ao nosso redor, quando apontamos uma arma para uma pessoa na rua, quando maltratamos as nossas crianças ou quando as deixamos nas mãos de pessoas violentas.
As crianças das guerras são vítimas do ódio de pessoas adultas que esqueceram de que um dia foram crianças.
Chorando ao redor do corpo do pai ou da mãe mortos sem lugar para onde ir e sem saber o que fazer a criança chama pelo pai à espera de que ele ou ela abra os olhos. Não sabe ainda o que é a morte, desconhece mais ainda o que é uma guerra feita por adultos que se intrigam e querem mostrar poder ao mundo.
Que mundo horrível este em que vivemos hoje em dia! Onde está o amor por Jesus Cristo?
Cadê os evangélicos que nessas horas se escondem e não protegem as nossas crianças dos traficantes, dos bandidos, dos soldados perversos. Onde estão os cristãos que mataram as bruxas e não destroem as armas que matam as nossas crianças? Armas essas que se misturam com gritos, palmadas, violências psicológicas.
O papa Francisco parece preocupado com as crianças das guerras, mas ele só fala e o momento é de agir e não aceitar ditadores nos cargos de ministros e presidentes de países em guerras. As milícias cariocas matam as nossas crianças oferecendo-lhes drogas e armas para guerrearem com os verdadeiros policiais que buscam a paz. Um soldado que aponta uma arma para uma criança e atira nela esqueceu completamente da sua infância.
Crianças são vítimas de guerras todos os dias. As guerras com os pais, as guerras com os avós, as guerras com os responsáveis que deveriam cuidar delas e ao invés disso as violentam cruelmente.
Não posso parar as guerras. Nenhum tipo de guerra das quais falo aqui neste pequeno ensaio, mas posso pedir as autoridades que olhem com mais carinho para as nossas crianças que andam assustadas com alguma coisa que não sabem nos contar, mas está as incomodando e elas entram em guerra contra esse inimigo invisível. A pior guerra da infância é não saber dizer o que está acontecendo consigo por medo da incompreensão dos pais.
Existem guerras em todos os lugares. Guerras cruéis por sinal. Guerras que matam nossas crianças todos os dias, que matam seus sonhos, suas esperanças, seus sorrisos e seus mundos imaginários. Qual criança em meio a uma guerra com bombas, mísseis, metralhadoras vai poder crescer saudavelmente? Quais adultos estamos formando para o futuro nesses países onde as crianças desde cedo já são treinadas para guerrearem e pegarem em armas pesadas para matarem outras crianças iguais a elas?
Para onde estamos indo que não enxergamos o mal que estamos fazendo às nossas crianças? Este é um reino de hipócritas e egoístas, pois o de Jesus Cristo ainda espera pelas crianças com flores e anjos à sua porta.
Outro dia estava lendo uma notícia no jornal da minha cidade e vi a triste história de que faltavam vagas para crianças nas creches. Ora, ora, pensei comigo. As nossas crianças se não têm escolas para irem como serão os seus futuros?
As autoridades estão mais preocupadas em construírem pontes, arranha-céus que está na moda em orlas marítimas, estradas e não em construírem creches e ampliarem o número de matrículas para que nenhuma criança fique sem acesso ao estudo garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
Parece que vivemos uma guerra grande em nosso Brasil e estamos “matando” o direito das nossas crianças pensarem criticamente e aprenderem a ler e a escrever na idade certa. Estamos com medo de formarmos cidadãos críticos e não termos mais a quem comprar votos. Talvez seja isso. Era para ter creches, parquinhos, quadras, brinquedos em cada bairro das cidades porque as crianças são o nosso maior tesouro. Serão elas que vão dirigir o país em breve. Elas precisam de amor, cuidados e carinho.
Para terminar eu concluo com uma música que acredito ser o resumo de tudo o que quis dizer acima, o nosso querido Gonzaguinha na canção “O que é, O que é” quando ele nos diz:
“Eu fico com a pureza / Da resposta das crianças / É a vida, é bonita E é bonita…”
Que a infância das crianças da Faixa de Gaza na Palestina ou as de Israel que foram degoladas, onde crianças estão morrendo todos os dias e a cidade do Rio de Janeiro onde crianças aprendem a pegar em armas todos os dias, possa ser dada com a pureza das crianças a clamarem no fundo dos seus olhinhos cheios de interrogações o que são as guerras e por que elas acontecem.
Eu não sei nada de guerras, mas sei um tanto que me importa e me faz chorar. A pureza das crianças é mais bonita.
Borges, na sua originalidade, criou uma história com algo diferente. O narrador é um Minotauro ciente de que o acusam de soberba, e talvez de misantropia, e talvez de loucura. Não admite que seja prisioneiro.
Impossível imaginar que Pablo Picasso (1891-1973), em 1934, tivesse se inspirado na figura do escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), para produzir a gravura do Minotauro cego, que integra a coleção suíte Vollard. E mais impossível ainda, nos parece, na atualidade, é admitir que, alguém consegue mirar a famosa gravura de Picasso, sem deixar de associar essa peça de arte com Borges.
Entre impossibilidades e concretudes, destaca-se, que, 1934, Borges não era cego e nem gozava do prestígio internacional que passou a auferir a partir do final dos anos 1960. A sua imagem, desde então, especialmente a do velho escritor cego, com um olhar singular, apoiado em um bastão e sendo guiado, quase sempre, por uma mulher, virou figura icônica inconfundível.
O Minotauro cego conduzido por uma menina à noite faz parte da coleção de 100 gravuras, produzidas por Picasso, entre 1930 e 1937, para atender encomenda do marchand e editor Ambroise Vollard.
Na citada gravura, sob iluminação tênue da Lua e de estrelas, o Minotauro cego, apoiado por uma vara e tomado pela mão de uma menina com rosto de mulher e com uma pomba de asas abertas no braço, avança vacilante pela noite. Dois pescadores em um barco e um jovem marinheiro de rosto adolescente, aparentemente assombrados com a bestialidade do Minotauro, observam a cena.
A imagem do Minotauro cego de Picasso tem se prestado a interpretações diversas, quando envolve Jorge Luis Borges. Desde psicanalíticas, trazidas à luz por Julio Woscoboinik (El secreto de Borges – Indagación psicoanalitica de su obra), ao tratar da obsessão do escritor por labirintos, até biográficas, como fez o jurista espanhol Eduardo Garcia de Enterria (La poesia de Borges y otros ensayos), que vê nela (na menina especialmente) a sombra frágil da estudante María Kodama, a segunda esposa de Borges, que acompanhou o escritor nos seus últimos anos de vida e mereceu dele a dedicatória de muitos livros, não obstante ser ela, arbitrariamente, relegada a papel secundário ou de vilã em algumas biografias do escritor.
A fascinação de Borges por labirintos deu origem, entre tantos textos, ao conto La casa de Asterión (incluído no livro El Aleph, 1949). Um relato breve, no qual o talento do escritor argentino se impõe desde o título até a última linha. No título, Borges não cita labirinto, usa casa, e nem Minotauro, faz referência a Astério, que era o nome usado em Creta. Na epígrafe – Y la reina dio a luz um hijo que se llamó Asterión (Apolodoro, Biblioteca, III, I) – antecipa, ao leitor razoavelmente atento, que se tratava de famosa lenda grega. E, no final, um desfecho que, a meu juízo, se mostra mais plausível do que o original.
A história da vingança de Poseídon, deus do mar, contra Minos, rei de Creta, é assaz conhecida. Idem sobre o menino, fruto da paixão da rainha Pasífae, esposa de Minos, pelo touro branco de Creta, que nasceu com corpo de homem e cabeça de touro.
A estranha criatura, o Minotauro, depois de adulta, acabaria levada para o Labirinto (projetado por Dédalo, pai de Ícaro), um lugar de onde ninguém conseguia sair. E, onde, a cada nove anos, como tributo da vitória de Creta sobre Atenas, sete rapazes e sete virgens, eram enviados para serem devorados pelo Minotauro. Até que, no grupo do terceiro tributo, Teseu, com a ajuda de Ariadne, filha de Minos, que lhe deu uma espada e um novelo de lã (o fio de Ariadne), penetrou no Labirinto, matou o Minotauro e, na companhia dela e de seus compatriotas, deixou Creta.
Borges, na sua originalidade, criou uma história com algo diferente. O narrador é um Minotauro ciente de que o acusam de soberba, e talvez de misantropia, e talvez de loucura. Não admite que seja prisioneiro.
Descreve o Labirinto como a sua casa e como vive nela. Ignora quem são as pessoas que entram no labirinto para que ele os liberte de todo o mal. Mas, lembra de que, uma dessas, na hora da morte, profetizou que, um dia, chegaria o seu redentor. Desde então, vivia, ansiosamente, esperando por esse redentor. E o derradeiro momento, na descrição de Borges, chegou: “El sol de la mañana reverberó en la espada de bronce. Ya no quedaba ni un vestigio de sangre. – ¿Lo creerás, Ariadna? – dijo Teseo – El Minotauro apenas se defendió”.
(Coluna originalmente publicada em O NACIONAL, edição de 19/08/2022.)