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Nossas ilusões… como “pesam” nossas ilusões

Como confessou Quintana: “Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o. Com ele ia subindo a ladeira da vida. E, no entretanto, após cada ilusão perdida… Que extraordinária sensação de alívio…”

Todos temos dentro de nós um vidente com “bola de cristal” que erra muito. O futuro ilusoriamente imaginado não acontece. Essa é que é a verdade.

Talvez, parte dele, sim, mas nunca “ipsis litteris”.

Em relação a trabalho, emprego, profissão, vivemos um luto pela perda do imaginado. É o que vejo nos alunos de medicina. Na minha época, entrávamos na faculdade inspirados por um médico que nos atendeu. Para mim, foi marcante meu pediatra, Dr. Telmo Ilha.

Ultimamente, os alunos têm se inspirado não só nos seus médicos, mas também em seriados. Na faculdade, vão percebendo a realidade. No início, tendem a comparar a medicina imaginada com a real. Depois, param de comparar. Só existe, de fato, a medicina real.

E então vem a fase de adaptação ao mundo como ele é e a busca de gratificações que ele pode nos oferecer. Ao natural, os alunos tendem a procurar uma especialidade médica que combine com seu talento e que lhe proporcione momentos de “flow”. Por talento refiro-me à facilidade para aprender, e “flow” significa ficar tão absorvido pela atividade que há momentos nela que não se percebe o passar do tempo.

Na medicina, na psicologia, e creio que em todas as profissões, aliviar o sofrimento de uma pessoa é extremamente gratificante. Um advogado pode fazer isso, um engenheiro, um veterinário, um empresário. Essa é a grande gratificação que o mundo profissional real nos oferece.

Nossas relações amorosas também. Creio já passou a fase do “príncipe encantado”, da “deusa”. Todos estamos mais realistas. Sabemos que um pouco de paixão se faz necessário e é bom. Paixão demais significa que se perdeu o pé da realidade. Com a convivência, vamos nos adaptando e vendo o que um pode oferecer para o outro.

Os pais, em geral, criam expectativas exageradas, ilusões em relação aos filhos. É bom que desde cedo desistam de planejar como será a vida deles. Ajudá-los a ter uma infância feliz, uma adolescência segura, a desenvolver as qualidades humanas que podem ter, uma educação ampla, isso sim.

Enfim, o mundo adulto andará melhor se livre do “peso” das ilusões.

Quando os “Barcos ancorados”, obra de Edoardo de Martino (1871) exposta no Instituto Moreira Salles, entrarem no mar, os ventos, felizmente, assoprarão para bem longe as ilusões dos marinheiros.

Como confessou Quintana: “Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o. Com ele ia subindo a ladeira da vida. E, no entretanto, após cada ilusão perdida… Que extraordinária sensação de alívio…”

Autor: Jorge A. Salton. Autor da crônica “A culpa não serve para nada”: https://www.neipies.com/a-culpa-nao-serve-para-nada/

Edição: A. R.

A dialética do senhor e do escravo

As contribuições de Hegel são imensas para compreender as relações pedagógicas
contemporâneas. Hegel influenciou importantes pensadores contemporâneos não só no
campo filosófico, mas também na educação, sociologia, direito, antropologia.

Frederich Hegel (1770-1831) é considerado um dos mais importantes filósofos alemães do século XIX. Nasceu na cidade de Stuttgart, foi seminarista protestante durante um período estudando em Tübingen, mas logo abandonou a pretensão de se tornar pastor. Foi professor na Universidade de Iena, catedrático na Universidade de Heidelberg e catedrático na Universidade de Berlim onde também foi Reitor.

Hegel escreveu um número expressivo de obras que marcaram fortemente o pensamento moderno/contemporâneo. Dentre as principais obras destacam-se a Fenomenologia do Espírito, Ciência da Lógica, Enciclopédia das Ciências Filosóficas, Lições de História da Filosofia, Lições de Estética, Lições de Filosofia da Religião, Lições de Filosofia da História e Princípios da Filosofia do Direito.

A vastidão de temas abordados por Hegel permite inferir que sua obra possui uma dimensão sistemática, pois procura incluir em um sistema integrado todos os grandes problemas e questões da tradição filosófica, da ética à metafísica, da filosofia da natureza à filosofia do direito, da lógica à estética, das questões do cotidiano às profundas reflexões do mais denso e profundo pensamento filosófico. É considerado por muitos como o último filósofo sistemático, pois depois dele a concepção de filosofia como sistema entre em crise.

Hegel é um filósofo difícil de ser lido, pois tentar compreender seu sistema exige entender sua linguagem própria, altamente técnica, complexa e global. Não é possível entender um conceito hegeliano sem entender todo o seu sistema de pensamento.

A título de exemplo de um dos temas tratados por Hegel, podemos citar o problema da formação da consciência. Este problema é abordado no texto “a dialética do senhor e do escravo” na obra Fenomenologia do Espírito. Por meio da metáfora da dialética do senhor e do escravo, Hegel procura retratar o processo da constituição da identidade da consciência em sua luta pelo reconhecimento pelo outro, a outra consciência.

Nas palavras do próprio Hegel: “A consciência-de-si é em-si e para-si quando e porque é em si e para uma Outra, quer dizer, só é como algo reconhecido”. Uma frase bem estranha para quem não compreende a forma de escrita de Hegel. Traduzindo, podemos dizer que inicialmente uma consciência visa submeter a outra, ao aprendê-la como objeto. Porém, precisa ser reconhecida pela outra, ou seja, precisa considera-la como sujeito. Assim, a outra consciência é ao mesmo tempo sujeito e objeto.

O senhor submete o escravo, contudo, uma vez que a relação é dialética, dependendo ele próprio de que o escrevo o reconheça como senhor, assim o superior depende de que o inferior o reconheça como superior. Trata-se, portanto, de um reconhecimento desigual. O senhor só é senhor se for reconhecido pelo escrevo e vice-versa.

A dialética do senhor e do escravo descreve uma relação assimétrica entre duas consciências que se tratam como sujeito e objeto, e não uma relação entre dois sujeitos, como deveria ser, uma relação de reconhecimento mútuo e recíproco.

As contribuições de Hegel são imensas para compreender as relações pedagógicas contemporâneas. Hegel influenciou importantes pensadores contemporâneos não só no campo filosófico, mas também na educação, sociologia, direito, antropologia.

Como acertadamente expressa meu grande amigo João Wohlfart “na Pedagogia do Oprimido Paulo Freire transforma alguns pontos angulares da filosofia hegeliana numa Filosofia da Educação. Assim como a filosofia hegeliana significa uma radical mudança no pensamento filosófico que vai dos gregos até Kant, a teoria educacional enquanto Filosofia da Educação, de Paulo Freire, significa uma nova concepção de educação e requer dos profissionais da educação novas habilidades e novas atitudes”. Tem razão Hegel quando diz que “o real é racional e o racional é real” no sentido de que “a história universal nada mais é do que a manifestação da Razão”.

Encontramos em Hegel uma forte justificação para compreender que o mundo não está determinado e que até as piores ditaduras e imposições podem ser confrontadas se compreendermos a dialética do senhor e do escravo.

Autor: Dr. Altair Alberto Fáveroaltairfavero@gmail.com Professor e Pesquisador do Mestrado e Doutorado do PPGEDU/UPF. Autor da crônica “Um contrato social em defesa do bem comum”: https://www.neipies.com/um-contrato-social-em-defesa-do-bem-comum/

Edição: A. R.

Professora Emérita 2023 Passo Fundo

Em 2023, a professora Taniamar Reschke recebeu o reconhecimento Professor Emérito 2023 da administração municipal de Passo Fundo. Através de lei municipal, anualmente, um professor em atuação na rede municipal de ensino em Passo Fundo, RS, é homenageado. O reconhecimento é prestado pelo município por meio de indicações dos educadores de todas as escolas.

O evento de entrega já teve vários formatos; na maioria das vezes ocorreu nas próprias escolas onde atuam o professor ou professora homenageados de cada ano. Neste ano de 2023, ocorreu num evento de posse de professores e secretários de escola.

Repercutimos, nesta matéria, uma apresentação construída pela professora homenageada, tratando de sua trajetória de vida pessoal e profissional ao longo de seus 17 anos de atuação na rede municipal de ensino de Passo Fundo.

***

Assim começa minha história:

“Há 39 anos, meu pai Eluyr José Reschke me dizia: “Faz magistério, estuda para ser professora, você terá estabilidade, plano de saúde…” Com grande alegria, entusiasmo, acolhi a sugestão deste carinhoso e sábio homem, com quase 97 anos, um artista, meu paizinho, aqui presente.

Gratidão meu pai amado! O que dizer da minha mãezinha, Iracema Rodrigues Reschke, “SEMPRE PRESENTE”. Elevo meu amor, minha profunda gratidão, por tudo que vivemos. Nela, entre tantas virtudes, me espelhei na sagrada relação com a terra, o plantar, cultivar, cuidar, amar…

Do incentivo e encorajamento para ir ao mundo recebidos de meu pai e do amor à terra aprendido com minha mãe, abracei a educação como caminho de vida e, hoje, essas duas estradas se encontram em meu fazer na Pedagogia Waldorf. Um pouco dessa trajetória, peço licença para compartilhar.

Em 1987 conclui a formação em nível médio – Magistério, na Escola Estadual de 1º e 2º graus Nicolau de Araújo Vergueiro. Enquanto aluna do curso, tive a primeira experiência como docente, estagiei em uma turma de terceiro ano, atividade obrigatória para conclusão do curso. Lembro-me dos desenhos e bilhetes carinhosos das crianças, dos diários de classe, das folhas mimeografadas, do caderno de caligrafia, das estrelinhas agraciando as crianças…

Em 1988 ingressei na Universidade de Passo Fundo, no curso de Educação Artística Licenciatura Plena o qual conclui no ano 1992. Em 16 de maio de 1988 fui contratada pela Prefeitura Municipal de Passo Fundo no cargo de Monitora para atuar na Sociedade Cultural Recreativa Beneficente São João Bosco – SOCREBE, no bairro Santa Marta, meu primeiro emprego. Lá conheci a Irmã Maria Guiomar Zambenedetti, a carinhosa Irma Guiomar. Lembro do primeiro dia de trabalho, próxima há um grande portão, estava a Irmã Guiomar trilhando corda para as crianças pular e fui generosamente acolhida por ela.

A SOCREBE foi uma escola querida, onde conheci pessoas maravilhosas, crianças, adolescentes, famílias. De vez em quando encontros acontecem: “Oi você é a professora Taniamar? Lembra de mim, lá da SOCREBE? Recebi uma turma da pré-escola. Desde o início percebi que não seria fácil, as turmas eram grandes, muitas crianças em situação de vulnerabilidade. Logo senti em meu coração que ali eu queria ficar, amava estar com aquelas crianças. Atuei também como bolsista, acompanhava as crianças e adolescentes, no horário do almoço, que chegavam da escola formal e permaneciam no período da tarde. Muitas vezes trouxe crianças para passar o final de semana em minha, era muito bom vê-las felizes.

Depois de graduada fui contratada, pela Associação Educacional e Caritativa – ASSEC como Monitora em Educação, ampliando a jornada de trabalho na SOCREBE. Em 2004, fui convidada para assumir a coordenação pedagógica. Neste período aprofundei meus estudos sobre a Educação Infantil em nível de pósgraduação. Permaneci na SOCREBE por 18 anos, 16 ao lado da irmã Guiomar, me desligando em 2007. Após, assumi como professora da rede municipal de ensino, passando pelas EMEIs Fadinha, Cantinho Feliz, e Jardim do Sol, nas quais fui acolhida e pude vivenciar meus primeiros anos como professora efetiva na rede. Tive também uma passagem pela Rede Notre Dame, como professora de Artes, no Ensino Fundamental II.

Em 2014 fui convidada pelo prefeito Luciano Palma de Azevedo, para assumir a direção da EMEI Toquinho de Gente. O então secretário de educação, o professor Edemilson Jorge Brandão sugeriu que a escola adotasse a Pedagogia Waldorf para orientar a proposta político pedagógica. A partir desta indicação começamos a dinamizar a equipe na busca por informações e conteúdos que pudessem nos ajudar a compreender que perspectiva educacional era essa.

Além de pesquisas em bibliografias e sites, o grupo, intermediado pela SME e juntamente com colegas da rede interessadas no tema, visitou as Escolas Waldorf Querência e Arco-íris, na região de Porto Alegre, a fim de conhecer os ambientes e o trabalho neles desenvolvido. Dados estes importantes passos iniciais, apresentamos a proposta à comunidade escolar e, juntos, começamos a profunda e transformadora jornada de construção de uma escola Waldorf de educação infantil pública em nosso município.

Já se passaram nove anos desde então. Muito foi ressignificado e construído, desde o pedagógico de nossa escola através do Curso de Fundamentação em Pedagogia Waldorf, passando pelos nossos corações, e hoje nossa escola conta com o apoio das queridas tutoras Sandra Beck e Regina Giachetta, bem como a iminente conclusão do processo de filiação à Federação das Escolas Waldorf do Brasil e, ainda, a caminho de se efetivar a construção da sede própria já anunciada pela gestão municipal para o próximo ano.

Nesta trajetória, temos caminhado por paisagens diversas, acompanhadas por muitas pessoas que trouxeram suas contribuições através de conhecimentos, experiências, sonhos, os quais acolhemos com respeito, acreditando no impulso que cada ser traz em seu coração e que mobiliza suas escolhas e ações no mundo. Vivenciamos alegrias e desafios, mas encarando todos eles como oportunidades de autoeducação e fortalecimento de nossos propósitos mais elevados.

Às pessoas que compartilhamos a caminhada, minha gratidão por também fazerem parte da realização deste sonho. Ao grupo que compõe a EMEI Toquinho de Gente, sou grata por abraçarem o ideal de construir uma escola Waldorf pública em nosso município. Um grupo que é movido pelo amor, onde cada um abre-se para este novo e se deixa perpassar pelos valores que Rudolf Steiner destacou ao trazer a Pedagogia Waldorf ao mundo: a beleza, a verdade e a bondade.

Posso afirmar que a Pedagogia Waldorf deu novo sentido a todos os aspectos de minha vida, na escola e para além dela, pois transformou meu mundo interior, se refletindo em minha maneira de pensar, sentir e agir. Ver que isso está se irradiando para toda uma comunidade escolar enche meu coração de esperança e gratidão por esta oportunidade.

Às famílias das crianças que tive a oportunidade de acolher e junto delas atuar, agradeço pela confiança. E àquelas que são a razão de todos os esforços, de toda a dedicação, de toda a luta por uma educação de qualidade e um desenvolvimento saudável, meu especial agradecimento: às crianças. Elas me mostraram e me mostram que cada ser que chega ao mundo traz em si o mais genuíno potencial humano, manifesto em seu puro olhar, em sua alegria, na sensibilidade diante do outro, e no impulso natural de amar e ser amada, lembrando a nós, adultos, que para isto também viemos.

À minha família, amores da minha vida! Meu esposo Rafael, meus filhos Helena, Arthur e Isabela, agradeço por todo carinho, apoio, paciência, compreensão ao longo de minha caminhada. Por fim…

A outorga do título de professor emérito tem valor inestimável, me sinto feliz e honrada.

Agradeço, na figura do Prefeito Pedro Almeida, do Secretário de Educação Adriano Canabarro Teixeira e da Coordenadora do Núcleo de Educação Infantil Deisi de Oliveira, pelo apoio e estímulo recebidos, estendendo a todos os que passaram pelas gestões de nosso município.

Tenho a consciência de que para hoje aqui estar, fui agraciada pela presença e contribuição de muitos colegas de jornada, por isso dedico este título a todas as pessoas que compõe a rede municipal de ensino de Passo Fundo, representadas pelas professoras e professores da rede. Estou feliz em poder representá-los.

Concluo este agradecimento trazendo um verso de Rudolf Steiner que vem inspirando meu caminhar.

Admira a beleza, Defende a verdade,

Venera a nobreza, Escolhe a bondade!

Assim é que o homem Será conduzido,

Às metas na vida;

Aos retos caminhos

Na hora em que age:

À paz, quando sente;

À luz, quando pensa;

E aprende a confiar na Regência divina

De tudo o que há

No vasto cosmo, No fundo d’alma.

Edição: A. R.

O Ícaro de Passo Fundo

Pablo Morenno, marido da Daniela e pai do Erick, é, reconhecidamente, o principal escritor passo-fundense (embora tenha nascido em Belmonte, SC) da atualidade.

Sobre a mesa, dois exemplares de O NACIONAL, um de 20 de outubro de 2003 e outro de 26 de dezembro de 2018, e, entre eles, a edição de estreia da revista ÁGUA DA FONTE, veículo oficial da Academia Passo-Fundense de Letras, publicada em dezembro de 2003 (v.1, n.0, dez 2003). Nos três, algo em comum: Pablo Morenno.

Em O NACIONAL, no exemplar de 2003, Gilberto Cunha assina a coluna que traz por título “Ícaro Morenno”. Nela, destacou que entre o lendário Ícaro e o escritor Pablo Morenno, que acabara de lançar o livro “Por que os homens não voam?”, havia o compartilhamento do sonho de voar. O primeiro construiu suas asas com cera e subiu, subiu até que o calor do Sol as derreteu, e ele caiu.

O segundo foi mais modesto: do alto de um chiqueirão (local onde se costuma criar porcos), usando asas improvisadas com um pano de guarda-chuva, ousou desafiar a lei da gravidade. Também caiu, quebrou o nariz, mas aprendeu, ainda menino, que voar, para os homens, mesmo sendo uma metáfora, não é uma impossibilidade.

Nas páginas de ÁGUA DA FONTE, assinam textos de opinião, exaltando as qualidades literárias do novel e promissor escritor Pablo Morenno, Helena Rotta de Camargo, Paulo Becker e, reprisando o que havia escrito em O NACIONAL, Gilberto Cunha. Na aludida revista, Helena Rotta de Camargo, na página 16, começou exaltando o talento do jovem escritor que, na ocasião, havia recém-lançado o seu primeiro livro de crônicas, “Por que os homens não voam?”, pela WS Editor. Louvou a trajetória do menino idealista, que recebeu formação religiosa em seminário católico (dos 11 aos 20 anos); que cursou Filosofia (bacharelado e licenciatura); que cumpriu três anos de um programa de Teologia; que estudou e se bacharelou em Direito; que, em 1993, ingressou como funcionário federal do Tribunal Regional do Trabalho (cargo do qual se afastaria, em 2023, para se dedicar exclusivamente às carreiras de escritor e de editor); que trabalhou como professor de língua espanhola em cursos preparatórios de estudantes ao vestibular; e que, indubitavelmente, sobressaia-se pelo acúmulo de talentos para prosa, poesia e música.

Na sequência, Paulo Becker, na página 17, nos apresentou Pablo Morenno como um cronista consumado, colocando-o, pela atenção especial que dava à linguagem, quando da transposição da realidade à literatura, ao lado de nomes como Rubem Braga, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos. E Gilberto Cunha, reprisando o que havia escrito na página 5 de ONACIONAL, m 20 de outubro de 2003, destacou Pablo Morenno como o dono do melhor texto da imprensa de Passo Fundo, na ocasião, e, possivelmente, o nosso melhor escritor do século XXI. Apesar de ressalvar que, comparar Pablo Morenno com Rubem Braga, ainda que não fosse algo tão despropositado assim, era covardia. Pablo Morenno estava apenas começando na crônica e Rubem Braga (1913-1990) já era uma saudosa lembrança.

Rubem Braga escreveu cerca de 15 mil crônicas, tendo se notabilizado por textos inesquecíveis como “Ai de ti, Copacabana!”, “Aula de inglês”, “Homem no mar” e “O pavão”, entre outros. Pablo também tem as suas crônicas especiais: “Sobre cacos de vidro”, “Jô e o buraco negro”, “Máquinas para atender”, “E Deus fez a mulher” e muitas outras que formam a seleção de elite do seu livro de estreia. Similaridades entre Pablo e Braga também são facilmente encontráveis.

Em 1963, quando fez 50 anos, Rubem Braga escreveu sobre sua nova idade: “Uma injustiça, sem dúvida alguma. Logo comigo, que tinha tanta vocação para ser rapaz!”. Pablo, mal passando dos trinta, quando da chegada dos primeiros cabelos brancos, e diante dos argumentos da mulher que tentou agradá-lo com um “logo parecerás Richard Gere com todo o charme”, mesmo temporariamente convencido, emendou com “embora eu saiba, sem dinheiro nem fama”.

E, talvez, Pablo não tenha, ainda, construído o anedotário que cerca o nome de Rubem Braga. Ao estilo dessa passagem, que dizem, ter ocorrido certa feita, durante um espetáculo de Vinicius de Moraes. Lá pelas tantas, Vinicius, poeticamente, suspirou no palco: “Ah, a melhor coisa do mundo é comer um papo-de-anjo ao lado da mulher amada!”. Na plateia, Rubem saiu de um silêncio que já durava horas e resmungou para sua acompanhante: “Está gagá. Muito melhor é comer a mulher amada ao lado de um papo-de-anjo”.

Mas, foi nas páginas de O NACIONAL, edição de 2018, que, em entrevista sob chancela de qualidade do jornalista Gerson Lopes, o escritor consagrado Pablo Morenno nos foi, efetivamente, revelado. E assim cumpriu-se, passados 15 anos, o vaticínio do que fora apenas uma especulação em 2003.

A grande mudança na vida de Pablo deu-se em 2014. Foi quando ele decidiu abraçar, de fato, a carreira de escritor/editor. Abdicou de cargos que ocupava no TRT- 4ª Região (permaneceu como assistente de juiz e, em 2023, deixou o TRT de vez), criou a Physalis Editora, passando a publicar os próprios livros, e começou a trabalhar intensivamente com alunos e professores nas escolas. Unindo talento e muito trabalho, deu certo! Pablo, hoje, cumpre uma agenda de eventos culturais, por mês, fora de Passo Fundo, de fazer inveja a um pop star. E, em 2018, já havia vendido mais de cem mil livros. Cifra essa, em 2023, sobejamente ultrapassada.

Depois de “Por que os homens não voam?”, veio o aclamado “Flor de Guernica” e uma série de livros infantis, que lhe deram muitos prêmios e prestígio como escritor, caso de “Minha avó tecia o mundo” e “Alfabeto poético dos nomes”, que recebeu o troféu Carlos Urbim, da Academia Rio-Grandense de Letras, como melhor livro na categoria infantil.

Pablo Morenno, marido da Daniela e pai do Erick, é, reconhecidamente, o principal escritor passo-fundense (embora tenha nascido em Belmonte, SC) da atualidade. E aqui eu me penitencio sobre o que escrevi, profeticamente, em 2003, quando disse que Pablo Morenno era o nosso melhor escritor do século XXI. Convenhamos, fui exagerado! Por enquanto ele ocupa esse lugar de destaque, mas ainda faltam 77 anos para acabar o século XXI e pode surgir alguém para ocupar esse posto.

Autor: Gilberto Cunha

Edição: A. R.

O amor e a perdição

A estátua da mulher nua suscita, nos portugueses, um sentimento básico: vergonha! Aí me vem um questionamento: os nus masculinos são tão admirados sempre, por que mulher não pode?

Deparei-me com ela em uma manhã de março, na cidade do Porto. Havia um nevoeiro. O frio do inverno ainda castigava o início da primavera e a névoa persistia. A escultura, belíssima, obra do português Francisco Simões, foi feita em homenagem a Camilo Castelo Branco, um dos maiores escritores da literatura portuguesa do século XIX.

Localizada em frente à antiga Cadeia da Relação, em um espaço hoje chamado “Largo Amor de Perdição”, há uma mulher desnuda, nos braços de seu amante, representando todas as mulheres envolvidas em amores proibidos.

A arte passional deixou-me extasiada. Ah! Não conseguia despregar os olhos. Como de praxe, pensei: “uma inspiração para minha escrita”.

Lembrei-me de nosso Euclides da Cunha, quando escreveu sobre “A vida das estátuas”. Elas almejam a eternidade e, a cada olhar, ganham vida, além da existência forjada no metal.

Camilo Castelo Branco nasceu em Lisboa, no ano de 1825. Foi o primeiro escritor profissional em Portugal e sua obra mais famosa, publicada em 1863, chama-se “Amor de Perdição”, inspirada em sua própria vida, quando esteve preso na Cadeia da Relação do Porto, cumprindo pena pelo delito de amar uma mulher casada.

O escritor levava uma vida conturbada, pautada por tragédias e paixões avassaladoras. Seu grande amor foi Ana Plácido, cujo marido, sentindo-se traído, moveu um processo de adultério. Os amantes ficaram presos por alguns meses, na mesma penitenciária. Foram absolvidos do processo no ano seguinte, por D.Pedro V.

O romance escrito por Camilo relata a paixão entre Simão e Tereza. Filhos de famílias inimigas, eles preferem morrer a desistir do amor que os une. Uma versão portuguesa de “Romeu e Julieta”. Um apelo à liberdade do amor contra as exigências sociais do século XIX.

No Brasil, o adultério deixou de ser crime somente há 18 anos. Desde 2005 que a traição não tem mais essa conotação. Contudo, algum prejuízo poderá ocorrer para o traidor, como perda da pensão alimentícia pelo cônjuge infiel, indenização por traição, multas, ação por danos morais, etc…

Cada país com suas regras, normas e leis. Não sei lá em Portugal como funciona, mas parece que tem um processo tramitando na justiça, de moral e bons costumes, para a retirada da escultura.

A estátua da mulher nua suscita, nos portugueses, um sentimento básico: vergonha! Aí me vem um questionamento: os nus masculinos são tão admirados sempre, por que mulher não pode?

Traição é deslealdade? Por certo que é.

É um ilícito civil? Por certo que é.

O que será que dói mais? Um ato de infidelidade ou o desencanto no relacionamento amoroso?

Penso nos amores proibidos e na pobre sina de vida de Camilo Castelo Branco, que teve um final muito triste. Infeliz no amor, angustiado com a vida que levava. Ficou cego e, impossibilitado de escrever, suicidou-se com um tiro de revólver, em 1890.

Penso, também, em Euclides da Cunha, um dos maiores nomes da literatura brasileira e sua trágica morte motivada pelo romance extraconjugal de sua esposa.

Triste fim dos amores de perdição!

Autora: Elenir Souza

Edição: A. R.

Cuidar de si, do outro, da coletividade e da natureza enquanto expressão de valor da vida: propostas de atividades pedagógicas

Existe na literatura, independe do gênero, um potencial humanizador do qual a educação não pode abrir mão. Essa é uma convicção nascida de projetos de leitura que tive a alegria de vivenciar no segundo e terceiro trimestre deste ano letivo na escola em que trabalho.

A reflexão a seguir, bem como a proposta de atividades que a partir dela se iniciam, nasceram de leituras do livro de Nelceu Alberto Zanata, intitulado “A Planta, Suas Folhas e Um Sino, uma pequena história sobre rejeição, empatia e amizade”.

Nesta obra, com muita propriedade e sensibilidade, o autor nos ajuda a pensar na importância de construirmos o “nós” desde a experiência do cuidado e do amor, cujo poder de desconstruir barrerias é ilimitado. Este conto é profundo, recheado de lições, e, sem abrir mão do bom humor, o autor nos conduz para uma viagem interior, cujo trajeto, contribui com o autoconhecimento e aprimoramento de nossa humana condição. 

No conto, Zanatta coloca como protagonista uma planta chamada Jamelão e um Sino nomeado por um estranho, simpático, solidário e humano cuidador, como João do Limão. 

Antes de ser uma planta grande, frondosa e bela, o Jamelão era uma mudinha enraízada em um vaso, cujo comprimento não suportaria o crescer das raízes. 

Em sentido metafórico pensemos na nossa identidade, quem somos e de onde viemos?

Em que circunstâncias sócio-históricas se deu a nossa concepção e nascimento, qual era o ano?

O que acontecia no mundo daquela época?

Qual era o custo de vida?

As fontes de renda dos nossos genitores, vizinhos, familiares?

Será que a vida era como nos dias de hoje? 

É importante sabermos “de que barro” somos feitos para não esquecermos o essencial de nossa identidade, para avaliarmos quais barreiras / quais vasos rompemos para chegar a sermos o que somos hoje. Fundamental é percebermos, que existimos na interdependência com os outros seres humanos, com a natureza, o ambiente todo que nos cerca, do qual depende nossa subsistência de cada dia.

Tendo realizado uma visita as suas experiências pessoais e constatadas as circunstâncias históricas de sua própria existência, é preciso desenvolver a gratidão. Outras pessoas empenharam esforços em prol de nossa vida, pois somos os seres que mais necessitam dos outros para viver.

Analise o reino animal, pergunte aos professores de ciências e biologia sobre esse tema. É muito provável que você se descubra como o ser que mais necessita dos outros para sobreviver. Esta necessidade inicia pelos cuidados, sem os quais a vida de um bebê não se sustenta e que, na mesma medida, estende-se para todo o contexto da sociedade.

O ser humano precisa da convivência com outros seres humanos para construir identidade, saber-se um outro.

Se vivêssemos isolados do convívio com os demais, não iríamos desenvolver a linguagem e tampouco a cultura da qual somos resultado. O cinema conta a história de Mogli, o Menino Lobo, mas existem casos reais, onde crianças que sobreviveram em ambientes desprovidos da interação humana, assimilaram características de animais com os quais interagiram. São as chamadas “crianças selvagens”.  Para conhecer mais sobre esse conteúdo acesse aqui: https://youtu.be/C5cYyMN-M8E?t=6

Neste momento outro conceito pode ser introduzido tendo em vista promover uma educação ética e cidadã. Trata-se do conceito alteridade, durante o conto o autor nos apresenta como se dá a relação com a diferença, uma planta, um frei, um sino e um outro, cujos adjetivos estão sublinhados no segundo parágrafo desse texto.

Essa relação entre os personagens é exemplo do principio ético da alteridade nos momentos em que há consideração e valorização da diferença, visto que alteridade pode ser compreendida como direito que o outro tem de existir com sua identidade própria. Garantir a cada pessoa o direito de ser com a identidade que lhe é própria e na relação com outros diferentes modos de ser é uma premissa básica dos Direitos Humanos. 

A carta Magna assinada pela ONU aos dez dias do mês de novembro de mil noventos e quarenta e oito, dois anos depois da segunda guerra mundial, defende o direito a vida de todos e de cada um.  Isto porque em nome da hegemonia a guerra negou O OUTRO promovendo o genocídio em massa das alteridades.  

Notemos: o sino não exige que o Jamelão deixe de ser árvore, embora em certo momento reclame de suas folhas e de seus galhos, não existe o desejo do extermínio, tampouco a vontade de aniquilação das características que fazem cada um ser o que é. Da mesma forma, o Jamelão não quer mudar as características que fazem a identidade do sino, ser feito de ferro ou aço, produzir som. Existem diferenças que, embora possam incomodar, são valorizadas, repeitadas e fazem nascer amizade, empatia e amor.

O amor é a força mais poderosa do universo, ela faz vibrar sentido, energias e desejos de vida, a falta dessa força dá a luz a monstros e sistemas que promovem as guerras. E o que são as guerras?  São a prova maior de que a humanidade está falindo abrindo mão da alteridade, da empatia e do sentido de ser gente.

Conheça mais sobre o livro:  https://www.neipies.com/uma-potente-pegada-por-empatia-em-livro/

Considerações finais para educadores

Existe na literatura, independe do gênero, um potencial humanizador do qual a educação não pode abrir mão.  Essa é uma convicção nascida de projetos de leitura que tive a alegria de vivenciar no segundo e terceiro trimestre deste ano letivo na escola em que trabalho.

É nítido que um ensino pautado no protagonismo das crianças e adolescentes que lêem, interpretam, fazem releituras e dão asas a imaginação tem o poder de transformar a realidade. Isto porque construir conhecimento a partir de projetos desperta para a necessidade urgente do pensar, refletir, imaginar e construir um outro mundo possível.

O mundo, a princípio, se limita à realidade familiar, ao contexto da comunidade ou do bairro, e se amplia conforme se amplia o nosso conhecimento cultural.  E a partir da educação aprendemos que limitar-se é abrir mão da condição antropológica que nos acena pra um horizonte a ser buscando. A consciência do que Paulo Freire chamou “inconclusão, inacabamento, incompletude” deve nos colocar em movimentos intencionados para o crescimento, para o rompimento dos ciclos que nos encerram em “mundos” que não dignificam nosso ser.

Um ensino pautado no protagonismo das crianças e adolescentes que lêem, interpretam, fazem releituras e dão asas a imaginação tem o poder de transformar a realidade. Isto porque construir conhecimento a partir de projetos desperta para a necessidade urgente do pensar, refletir, imaginar e construir um outro mundo possível. Mundo que a princípio se limita à realidade familiar, ao contexto da comunidade ou do bairro, e se amplia conforme crescemos e, a partir da educação, aprendemos que limitar-se é abrir mão de nossa condição antropológica que nos acena pra um horizonte a ser buscando.

ATIVIDADE – PROJETO DE LEITURA.

Ensino religioso 9º ano

Habilidades:

(EF09ER06) Reconhecer a coexistência como uma atitude ética de respeito à vida e à dignidade humana.

(EF09ER07) Identificar princípios éticos (familiares, religiosos e culturais) que possam alicerçar a construção de projetos de vida.

(EF09ER08) Construir projetos de vida assentados em princípios e valores éticos.

Competências:

3. Reconhecer e cuidar de si, do outro, da coletividade e da natureza, enquanto expressão de valor da vida.

6.Debater, problematizar e posicionar-se frente aos discursos e práticas de intolerância, discriminação e violência de cunho religioso, de modo a assegurar os direitos humanos no constante exercício da cidadania e da cultura de paz.

ROTEIRO DE ATIVIDADES.

1. Promover um momento especial para leitura do livro “a Planta, Suas Folhas e Um Sino, uma pequena história sobre rejeição, empatia e amizade”. Os estudantes recebem o livro com antecedência, fazem uma leitura prévia e em aula, durante o café com histórialêem em conjunto.

2. Após a leitura os estudantes precisam identificar no texto os personagens, suas características e papeis que desempenham no conto (protagonista, coadjuvante, antagonista).

3. Agora que você identificou os personagens do conto, busque respostas para as questões do segundo parágrafo do texto: (talvez para essa tarefa seja necessário que os estudantes entrevistem seus familiares, mas também podem perguntar para professores e ou adultos). 

a) quem somos e de onde viemos?

b) em que circunstâncias sócio-históricas se deu a nossa concepção e nascimento, qual era o ano? 

c) o que acontecia no mundo daquela época?  

d) qual era o custo de vida, as fontes de renda dos nossos genitores, vizinhos, familiares.

4.Faça um desenho com personagens do texto e relacione características destes com as suas e de pessoas que conhece.

5. Assista ao vídeo a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=3D4cE4FDcZg&t=7s (caso sua turma tenha estudantes com deficiência visual, utilize a versão com audiodescrição: https://www.youtube.com/watch?v=HIOeocKzh_o). Agora relacione o conteúdo do vídeo com a relação estabelecida entre o Jamelão e o Sino.

6. Quanto aos personagens: Sino, Jamelão, o estranho cuidador, crianças. Quais valores precisam compor o nosso projeto de vida?  Mencione e explique a importância delas.

7.Considerando a leitura da reflexão que antecipa essa atividade, responda: o que você entendeu por alteridade?

8. Cite exemplos de afirmação e de negação da alteridade.

9. Proponha soluções para os exemplos de negação da alteridade.

10. Reveja o vídeo sobre as crianças selvagens e em seguida elabore uma carta e ou cartão de agradecimento às pessoas que cuidaram e cuidam de você.

OBS: os professores podem ampliar as atividades de acordo com os contextos onde ela for aplicada. Sugere-se que esse projeto resulte em mostra de trabalhos que podem ser afixados na escola, compartilhado nas redes sociais da instituição e ou em momento especial. Que tal convidar a família para o encerramento do projeto e promover a contação da história e entrega do cartão feito na atividade 10.

A presença do escritor, física ou on-line podia abrilhantar e encher de significado esse momento.

Autor: Marciano Pereira

Edição: A. R.

O tempo

A questão de fundo não é (quase bordão) “viver o momento, o agora”. Aproveitar a vida e seus instantes porque podemos morrer a qualquer momento. A questão é compreender o quanto somos responsáveis pela nossa vida e o que nela empurramos para alargar nossos dias.

Por diversas vezes me pego acreditando que o melhor das datas comemorativas é pensar nelas. É como incluir-se pelo limite do ficcional, ou da imaginação. Claro que precisamos contar uma história sobre nós mesmos, sobre a origem das coisas, estabelecer um ponto a partir do qual podemos içar as nossas amarras para poder seguir.

Não disponho de elementos suficientes para afirmar, mas tenho me convencido de que é a nossa relação com o tempo que determina nosso modo de ser no mundo. Saber lidar com o tempo é e deveria ser nosso maior aprendizado existencial, pois quanto mais sabemos lidar com os sentidos desta estranha impermanência acontecida por cada um, mais suportaremos suas implicações. 

Estamos presos às suas engrenagens, mas expostos à exata distância de uma inabilidade para defini-lo. Isso talvez tenha mais a ver com o fato de que “somos” um pedaço/fatia do tempo, sem ser todo o tempo. Além deste aspecto, quando deixamos de ser, tudo continua, tornando nossa apresentação existencial desnecessária para a contagem do próprio tempo. De outro, o tempo não suporta todo o nosso ser, sobramos nas dobras daquilo que não se expõe, restando uma história que é propriamente a nossa.

Se, de alguma forma, podemos dizer que todos os dias perdemos um pouco do tempo (pois não temos mais o tempo que passou), não podemos deixar de reconhecer que nosso modo está articulado com o passado. Somos uma espécie de amontoado de horas que não se soletra de frente para trás.

Absorvidos na ocupação com o mundo, podemos nos compreender a partir de um tempo mensurável, datável e extensível. Compreender momentos, coisas e fatos na tensão do estar compreendendo-os no instante do agora que se abre entre passado e porvir. Em função disso, o tempo se torna ele mesmo objeto de preocupação.

O relógio talvez reproduza o símbolo máximo da preocupação humana com o tempo, em que ele possa estabelecer padrões de referência a partir do contexto do já estar no mundo: demarcar a hora do nascimento, da morte, do início ou do fim; imprimir valor aos momentos que se sucedem, ou esquecer-se de coisas que já passaram; esperar, ou quem sabe, tentar evitar qualquer mal que possa ocorrer.

A questão de fundo não é (quase bordão) “viver o momento, o agora”. Aproveitar a vida e seus instantes porque podemos morrer a qualquer momento. A questão é compreender o quanto somos responsáveis pela nossa vida e o que nela empurramos para alargar nossos dias.

Não temos como suspendê-la, dispensando nossa existência dos momentos pesados e ou “intermináveis”. Não temos como agarrar um momento que potencializa nosso ser, eternizando o êxtase da satisfação. Não temos como encurtar a necessária espera e nem comprimir tempos que se arrastam deixando cicatrizes enormes.

Eis a máxima: aprender a habitar os êxtases, deixando-se tocar pelos sentidos da existência que se aprofundam no mundo, sem permanecer em um dos afetos. Quando passamos a sentir o mundo apenas a partir de um afeto, os sentidos do tempo são arrastados pelas suas nuances, autonomizando um dos seus aspectos, implicando nosso modo de ser no mundo. De resto, a vida talvez seja justamente o que não pode ser aprumado às horas.

Autora: Marli Silveira

Edição: A. R.

Há ódio demais, há terror e mísseis demais. Temos de parar esta guerra. Comecemos rezando?

Mas ainda haverá esperança para o mundo? Sim, sempre, mas não para eles, os inocentes que morrem, todos os dias, nos conflitos e guerras que ainda produzimos porque não conseguimos dimensionar a palavra PAZ.

Aprendemos a amar Israel, que soube consolidar-se como nação e como referência de respeito, solidariedade e convivência com os diferentes, mas, hoje, não a reconhecemos em sua obsessão por vingança. Há que se separar, no entanto, o povo judeu, sua história, seus exemplos, suas conquistas, dos seus atuais líderes políticos, para não incorrermos em julgamentos equivocados.

Como seria bom se fôssemos, TODOS, escolhidos por Deus! Qualquer povo. Somos, através das religiões monoteístas, vinculados e ligados ao patriarca maior, o profeta Abraão.

Jesus, também Messias para os cristãos, disse que somos escolhidos por crer, apenas crer, e o que nos torna parte desta caminhada de servos divinos é a nossa fé. Fé, simples assim, não necessariamente o nosso nome, sobrenome ou nacionalidade.

O sonho da terra prometida deve ser sustentável, mas a reação desmedida e injustificada a toda população da Faixa de Gaza, como pensam alguns, não suporta a tese do direito à proteção, tão defendido por Israel. Há Terra para todos, todos podem respirar,

há dias ensolarados para todos, mas há mísseis para todos, igualmente, sem a vontade de perseguir, obsessivamente, por PAZ duradoura.

Pelo histórico recente do conflito entre Israel e o grupo Hamas, a vida de um palestino vale muito menos, por volta de 10 por 1, no mínimo. Em breve, mais de uma dezena de milhares de palestinos estarão mortos e ainda centenas de judeus, todos inocentes.

Tudo leva a crer, que a revanche em curso não cessará até que a morte se estenda aos milhares em Gaza, porque, nota-se, há expressa vontade de extinguir não apenas o grupo terrorista, mas a todos, limpar a Faixa, destruir, dizimar. A morte das crianças parece justificar-se, para que não cresçam e propaguem o ódio à nação Israelita. Tudo, por um futuro seguro. Será?

Nunca houve tamanha desproporção antes, como se está vendo agora. Milhares de palestinos, na condição de crianças, mulheres, idosos, enfermos, morrerão por apenas serem palestinos, como vítimas do conflito. E para o espanto de todos, sob a complacência da ONU, aos olhos da mídia e das redes sociais, onde assistimos em tempo real, como a civilização pode dizimar-se a si mesma.

Partilhando do mesmo destino, ser palestino ou um andarilho verde e amarelo, hoje, é diariamente ter de escolher entre a sorte de viver mais um dia, mais uma noite, ou ser humilhado, apenas por tentar viver. Quem se importa?

De igual maneira, choram as famílias dos que foram capturados. Encarcerados em lugares lúgubres, com alimentação racionada, é quase impossível colocarmo-nos em seu lugar. Filhos e pais sequestrados pelas mãos do terror. Sem a certeza de sua volta. A bandeira da dor e do desespero humanos não tem cores. Há muito que se rezar por eles. É o mínimo que podemos fazer.

Mas ninguém quer negociar. Destruir é a ordem.

E muitas são as semelhanças nesta mesma desgraça, onde o mundo dos infelizes é sempre diferente do mundo dos felizes. Como estamos longe do palco do ódio, nossas impressões e conclusões geralmente estão erradas.

E assim que o desejo de morte cessar, em ambos os lados do Rio Jordão, o abandono seguirá o mesmo e o mundo os esquecerá, como os esqueceu até aqui.

Os inocentes que morrem diariamente, em conflitos, sequestros e guerras que produzimos, são sustentados pela incapacidade dos que se alimentam da guerra, em compreender que somente a paz pode alimentar a esperança e a vida, e que somente a VIDA, tem de se sobrepor aos interesses de todos. Mas pensar a paz é muito difícil para quem vende armas. A lógica da morte é a que prevalece.

Ainda haverá esperança para o mundo?

Sim, sempre, mas não para eles.

Autor: Nelceu Zanatta

Edição: A. R.

Por uma vida sem violência

Com este projeto, os/as estudantes, junto com a professora, realizaram atividades de aprofundamento da temática Violência contra as mulheres e fizeram uma intervenção  social em sua comunidade.

Foi este o nome do projeto realizado na Escola Estadual de Ensino Médio General Prestes Guimarães, coordenado pela professora Loreni de Farias Oliveira da Silva. Tinha por objetivo geral compreender e discutir com ações comunitárias  e  de  conscientização, de  situações  e  ambientes dentro do  entorno  escolar,  na  busca  de  situações de paz, sem violência e pela  vida.

Seus objetivos específicos eram: a) ter  ações  concretas,  dentro  do entorno  escolar,  em  que  a  escola está   localizada  de mobilização  para  que  se  tenha  dentro  das  disciplinas e  ações pedagógicas na  busca  de  mobilizar para  o  conhecimento da  Lei  Maria  da  Penha  e  sua  contribuição  para fortalecer na busca da Paz; b) debater  com a  turma a   leitura  e  interpretação  do  conteúdo  desta  lei,  no  caso  a  da  Maria da  Penha,  de  forma interdisciplinar, maneiras  de  melhor  conhecimento  e  aprimoramento  em  sala  de  aula  e  outras situações  de  ensino  aprendizagem.

Com este projeto, os/as estudantes, junto com a professora, realizaram atividades de aprofundamento da temática Violência contra as mulheres. Realizaram palestras, assistiram vídeos, tiveram dias de estudo, fizeram confecção de cartazes e informativos sobre a Lei Maria da Penha, distribuição de panfletos junto à comunidade.

Este projeto transcorreu por cerca de dois meses, entre os estudos, a confecção de materiais e a intervenção fora da escola, junto à comunidade da qual a escola é parte.

Estas atividades e este projeto fizeram parte do itinerário formativo Ética e Relações interpessoais, com uma turma de terceiro ano do Ensino Médio.

Ocorreu também uma palestra com Maria Cristina Andreolla, assistente social, professora, psicopedagoga e estudante de Direito. Ela também é Coordenadora do Centro de Referência e Atendimento à Mulher vítima de violência (CRAM).

Breve artigo, produzido pelos estudantes.

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Uma luta contra a violência doméstica e o feminicídio no Brasil

Maria da Penha Maia Fernandes é uma mulher brasileira que se tornou símbolo da luta contra a violência doméstica no país. Em 1983, ela foi vítima de uma tentativa de homicídio por parte de seu então marido, que a deixou paraplégica. Porém, mesmo com todas as evidências contra o agressor, a Justiça falhou em puni-lo, gerando uma longa batalha judicial que durou mais de duas décadas.

Em decorrência desse caso, Maria da Penha se tornou uma ativista incansável na luta pelos direitos das mulheres e pela prevenção da violência doméstica. Sua atuação foi fundamental para a criação da Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, que busca garantir a proteção às mulheres vítimas de violência e combater a impunidade dos agressores.

Um dos principais crimes enfrentados pelas mulheres é o feminicídio consiste no assassinato de uma mulher por razões relacionadas ao seu gênero. Infelizmente, o Brasil é um dos países que mais registra casos desse tipo de violência, e a luta contra o feminicídio se tornou uma pauta urgente da sociedade.

O feminicídio está intrinsecamente ligado à cultura machista e patriarcal que perpetua a ideia de que as mulheres são propriedade dos homens e, por isso, têm o direito de controlá-las e subjugá-las. Além disso, essa violência é potencializada pela cultura do silenciamento e pela falta de denúncias e punições adequadas.

Nesse sentido, a Lei Maria da Penha trouxe avanços importantes no combate ao feminicídio, ao estabelecer medidas de proteção para as vítimas, como a concessão de medidas protetivas de urgência e a criação de juizados especializados em violência doméstica. No entanto, ainda há muito a ser feito para efetivamente combater esse crime.

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Os estudantes avaliaram esta atividade como bem proveitosa e positiva, proporcionando conhecimentos e possibilitando uma intervenção social fora das paredes da escola.

O estudante Patrick Feula dos Santos escreveu:

A metodologia do projeto foi bem sucedida, conseguimos alcançar nossos objetivos. Os recursos e estratégias que usamos foram adequados para o nosso propósito que era impactar a comunidade e a escola. O envolvimento dos estudantes e professores, nesse projeto, foi bastante alto, passamos dias e dias analisando, estudando, fazendo o projeto. Percebi que os estudantes adquiriram bastante conhecimento sobre a Lei Maria da Penha, mostrando interesse e participando das atividades propostas. O projeto contribuiu muito para a comunidade. Nos deparamos inclusive com o caso de uma senhora, que está sofrendo dentro de casa e só precisa de apoio para denunciar!

A professora Loreni de Farias Oliveira da Silva escreveu:

“Foi de muito proveito elaborar o projeto e pesquisar mais a fundo sobre este tema e sua importância. Acredito que trazer essa questão da violência de gênero, feminicídio e proteção a mulher para a sala de aula gera conscientização dos estudantes sobre esses problemas, demonstra formas de prevenir crimes, a forma como podemos denunciar, a quem as mulheres podem recorrer e qual a assistência que elas recebem das autoridades”.

Fotos e registros: (uso restrito) Divulgação/ arquivo pessoal professora Loreni de Farias Oliveira da Silva.

Edição: A. R.

Expansão da EaD no ensino superior prejudica a qualidade da formação

A educação sempre foi e continuará sendo essencial na formação humana e par ao desenvolvimento de uma coletividade ou nação. O Brasil praticou, historicamente, a dualidade estrutural na educação: formação acadêmica sólida para os filhos das elites e profissionalização de mão-de-obra barata para os filhos dos trabalhadores. A EaD reproduz está lógica, pois é precária e destinada a estes jovens trabalhadores.

O Censo do Ensino Superior (ES) de 2022, divulgado pelo Inep/MEC em outubro passado, revelou e confirmou um crescimento excessivo da Educação a Distância (EAD) no Brasil. Excessiva porque demonstra que o número de ingressantes no ensino superior na modalidade EAD foi o dobro dos ingressantes na modalidade presencial e, nesta perspectiva, deve superar os ingressos presenciais brevemente. Em nenhum outro país tamanha expansão existe.

Preocupado e pressionado, o MEC (Ministério da Educação) abriu Consulta Pública até 20 novembro 2023 para revisar os critérios de credenciamento de Instituições de Ensino Superior (IES) para a modalidade a distância e estabelecer limites à oferta de cursos da área de saúde na modalidade de educação a distância (EaD). A motivação para revisar a regulação da oferta foi intensificada após a publicação do relatório do GT EaD que analisou os cursos de Direito, Enfermagem, Odontologia e Psicologia nesta modalidade virtual.

O Sinpro/RS, com o apoio da Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (FeteeSul), Sinpro/Noroeste e Sinpro/Caxias, também promoveu o V Seminário Nacional Profissão Docente e debateu o crescimento dessa modalidade de ensino nas mãos das empresas de educação e os impactos dessa expansão na qualidade do ensino e nas condições de trabalho dos professores.

Desde 2004, quando se instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), por meio da Lei nº 10.861, as IES, os Cursos Superiores de Graduação e os Estudantes (Enade) são avaliados. Porém, o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação das instituições e dos cursos superiores de graduação e pós-graduação do sistema federal de ensino são fixadas por decreto presidencial.

Em 2017, o então presidente Michel Temer, atendendo pressão e interesses das IES privadas sem fins lucrativos, emitiu o Decreto nº 9.057 flexibilizando a regulamentação, a supervisão e avaliação. Naquele momento, ao analisarmos o referido decreto, criticamos a nova regulação como sendo irresponsável.

Atualmente, não somente confirma-se tal irresponsabilidade, como o excesso de cursos e matrículas em EaD coloca em risco a qualidade do sistema federal de ensino superior brasileiro formando precariamente milhões de estudantes e profissionais. Logo após este decreto, o número de polos em EaD das IES expandiu-se 6.583 para 15.394, sem necessidade de supervisão e avaliação in loco nestas unidades.

Chegamos agora em 2022 a condição de que apenas cinco instituições privadas concentram 27% de todos os alunos do ensino superior no Brasil. Dos 9,4 milhões de matriculados nos cursos de graduação do país em 2022, mais de 2,5 milhões estudavam nestas cinco instituições, sendo 91% das matrículas na modalidade EaD. Tamanha concentração, com instituições que investem na bolsa de valores, é um risco aos estudantes e a qualidade do ensino superior brasileiro.

Juntas, a Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera (do grupo Cogna), o Centro Leonardo da Vinci, a Universidade Cesumar, a Universidade Estácio de Sá e a Universidade Paulista detêm mais alunos que as 312 instituições públicas de ensino superior no Brasil, que possuem ao todo 2,07 milhões de estudantes

Esta concentração de matrículas em EaD em tão poucas Instituições de Ensino Superior (IES), privadas, com fins lucrativos, sem pesquisa e extensão, com pouca atividade formativa, sem articulação teórico-prática, com turmas de até 2 mil alunos, inviabiliza um trabalho de qualidade do professor. Nas IES pequenas, também, são atribuídas diversas disciplinas a um único tutor com baixo salário e formação específica.

O número de ingressos em cursos de graduação a distância tem aumentado substancialmente nos últimos anos, tendo ultrapassado a marca histórica de 3 milhões de novos estudantes em 2022. Por outro lado, o número de ingressantes em cursos presenciais vem diminuindo desde 2014. Em 2021, foi registrado o menor valor dos últimos 10 anos. Em 2022, foi registrado uma quebra da tendência e o número de ingressantes em cursos presenciais voltou a subir um pouco.

A taxa de desistência de estudantes matriculados nesta modalidade em IES com fins lucrativos chegou em 2019 a 58,19%, enquanto que nas IES sem fins lucrativos foi de 51,08. A avaliação de cursos em EAD e o desempenho de estudantes no ENADE é negativa, preponderam os conceitos 1 e 2, ou seja, reprovados. Porém, estas instituições permanecem funcionando mesmo não atendendo o mínimo de qualidade estipulado pelo Sinaes, ou seja, conceito 3, 4 ou 5.

Na contramão da expansão das matrículas e da EaD, o número de docentes em atuação na educação superior de graduação, na rede particular, vem diminuindo. Em 2015, a rede privada possuía 190.989 professores e, em 2022, baixou para 151.425 (quase 40 mil a menos). Enquanto isto, o número total de matrículas no ensino superior continua subindo e a participação das instituições particulares já absorve 78% do total de matrículas. Enquanto isto, o número de professores nas redes públicas continua crescendo e chega a 173.378, para atender um total de 22% matrículas, ofertando ensino, pesquisa e extensão com maior qualidade.

O que está em discussão não é somente o uso de tecnologias, a modalidade de EaD na educação superior e a possiblidade de “jovens trabalhadores” poderem cursar uma formação superior acessível, como alegam os defensores da modalidade EaD. O que precisa ser discutido e questionado é o excessivo uso em escala tão elevada no Brasil, considerando nossa breve tradição na educação, com enormes  desigualdades sociais, econômicas e tecnológicas, nos constituindo na maior rede  ofertante do mundo de ensino na modalidade de EaD. Deve-nos alertar, que esta oferta, dirige-se para jovens, majoritariamente, trabalhadores, pobres, sem tempo e espaço para a dedicação aos estudos, em instituições privadas mercantis. Não há país nas américas e nem no mundo com uma taxa  tão elevada de educação a distância como a brasileira.

A Unesco publicou, em julho de 2023, o Relatório Global de Monitoramento da Educação 2023 abordando o tema da Tecnologia na Educação: Uma ferramenta a serviço de quem? Trata-se de um alerta, principalmente, sobre o uso excessivo, intensivo e como as ferramentas tecnológicas estão fazendo parte do cotidiano das salas de aulas (sejam presenciais ou virtuais), bem como as plataformas digitais ameaçam o papel das universidades e representam desafios regulatórios e éticos.

O historiador, arqueólogo e professor da UFRGS, Francisco Marshall, diz que a cegueira brasileira funda-se na opção multissecular de não se reconhecer na educação um valor social fundamental. Houve e há esforços e resultados notáveis na luta pela educação, mas esses lutam contra forças hostis, causa de nossa permanente crise educacional.

Uma parte da sociedade é contra a educação, e disso decorrem salários vergonhosos do professorado, a degradação da escola pública e os recentes ataques a educadores e instituições de ensino. Ainda pior, há hoje políticas públicas decididas a acabar com o belo modelo da educação.

Já o professor e pesquisador Júlio C. G. Bertolin, autor do livro Qualidade em Educação Superior, alerta que esta EAD praticada no Brasil dilapida o que as políticas de democratização ajudaram a melhorar no sistema de ensino. Esse contexto coloca em pauta o importante debate sobre a qualidade em educação superior, uma vez que, na emergência da sociedade do conhecimento, os graduandos necessitam de uma formação integral – tal qual a antiga ideia da Paideia Grega –, com capacidade de proporcionar uma educação que forme indivíduos que, além de competentes, criativos e inovadores, sejam críticos, empoderados, com capacidade de agência, cosmopolitas e tolerantes.

Este Brasil anti-paidéia, impõe, que a formação inicial e continuada de professores seja quase que exclusivamente em EAD. Os cursos superiores de formação de professores (as licenciaturas) já atingem 64% de suas matrículas em EAD e os ingressos nesta modalidade, em 2022, corresponderam a 81%. Isto ocorre só no Brasil. Nas IES privadas as matriculas em licenciaturas são 88% em EAD, enquanto nas IES públicas, inversamente, a maioria é presencial: 81,6%. Dentre os cursos de licenciatura, prevalece o curso de Pedagogia com quase a metade dos alunos matriculados (49,2%) ou pouco mais de 821 mil alunos matriculados. Destes, 650.164 estudantes cursam Pedagogia em EAD, sem formação teórico-prática, sem estágio em salas de aula, que irão trabalhar na educação infantil e alfabetizar nas séries iniciais do ensino fundamental.

O próprio ministro da educação Camilo Santana se posicionou no sentido de que “Precisamos garantir que os cursos de pedagogia e licenciatura devem ser focados no presencial. […] Um professor não pode ser formado sem a experiência prática de sala de aula, isso não existe.” Sabe-se que isso vai contra os interesses de grandes grupos educacionais, que tem uma fonte de lucro fácil e gigantesco, e quem perde é o país e o povo brasileiro.

O debate acadêmico sobre o cenário atual da Educação Superior no Brasil, segundo os pesquisadores Artur Jacubus, Rosangela Fritsch e Ricardo Vitelli (Unisinos), pode ser expresso pelas metamorfoses e processos de mercantilização da Educação Superior no mundo e no Brasil como consequências e reflexos do capitalismo global, do projeto neoliberal e do protagonismo do Estado; pelas influências das políticas educacionais mundiais protagonizadas por organismos internacionais e multilaterais e pelo panorama da expansão e das tendências da Educação Superior Brasileira marcado pela fragmentação, flexibilização, heterogeneidade e diversificação de conceitos, configurações e modelos institucionais no âmbito do projeto societário capitalista neoliberal global.

A educação sempre foi e continuará sendo essencial na formação humana e par ao desenvolvimento de uma coletividade ou nação. O Brasil praticou, historicamente, a dualidade estrutural na educação: formação acadêmica sólida para os filhos das elites e profissionalização de mão-de-obra barata para os filhos dos trabalhadores. A EaD reproduz está lógica, pois é precária e destinada a estes jovens trabalhadores.

A educação, seja básica ou superior, exige tempo e espaços organizados e estruturados, professores pesquisadores bem formados, com tempo integral presencial, mediados por tecnologias inclusivas, em espaços públicos comuns, para desenvolverem aprendizagens significativas dos estudantes para a vida de todos em sociedade justas.

FONTE: https://www.extraclasse.org.br/opiniao/2023/11/expansao-da-ead-no-ensino-superior-prejudica-a-qualidade-da-formacao/

Autor: Gabriel Grabowski

Edição: A. R.

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