Autoridade docente na modernidade líquida[1]


Qual o futuro da escola e da docência numa cultura marcadamente consumista? É possível construir processo de autonomia na escola quando esta é invadida pela lógica de mercado? O professor tem diante de si um aluno que se compreende como indivíduo ou como consumidor, alguém que simplesmente obedece ou constrói processos de autonomia?

Modernidade líquida é a metáfora de Bauman (2010) para explicar e compreender a sociedade contemporânea. A modernidade, enquanto projeto, buscou a consolidação de uma sociedade estável, sólida, livre de desgraças e desvios, uma constituição perfeita da organização social. O horizonte moderno não realizado de um progresso linear para tudo, confirma que o projeto não terminou, mas ingressou numa outra fase, definida por Bauman (2010) como modernidade líquida, ou seja,“aquela forma emergente de vida, aquela forma que era moderna de uma maneira radicalmente diferente daquilo que havíamos testemunhado (e que havíamos participado) antes” (Bauman, 2010, p. 12).

Na modernidade líquida (Bauman, 2010), a educação passou a ser compreendida como uma antessala ao mercado de trabalho. Diversos países como explica Nussbaum (2015) tem orientado suas reformas educacionais em todos os níveis para o trabalho e de acordo com as habilidades profissionais, que não são de longo prazo, mas voltadas para a aprendizagem de hábitos para o tempo imediato. Esse fator também está diretamente ligado à descentralização da autoridade docente, haja vista que o professor acostumado a trabalhar numa perspectiva de uma educação para toda a vida depara-se com as exigências do mercado de uma aprendizagem ao longo da vida e que leve a mudanças constantes dos hábitos dos indivíduos. 

Nesse novo cenário educacional àquilo que era tido como “um corpus bem definido e logicamente congruente de destrezas e hábitos adquiridos, com a experiência que só o ‘longo tempo’ poderia fornecer, não é mais visto como vantagem no corrente sistema produtivo” (Almeida; Gomes; Bracht, 2009, p. 66). Isso significa que, os sujeitos precisam estar preparados para a flexibilidade, ou seja, saber abandonar com rapidez hábitos do presente para que haja adaptação imediata aos novos. As novas exigências do mercado, entretanto, colocam em xeque a própria necessidade do docente, pois “a formação profissional a curto prazo, orientada diretamente aos empregos e obtidas nos cursos flexíveis e em equipe de aprendizagens autodidatas, são muito mais atraentes do que a educação à moda antiga” (Almeida; Gomes; Bracht, 2009, p. 67, grifo nosso).

Desse modo, o docente, a escola e a universidade não possuem mais o saber “sagrado” a transmitir, já não são mais infalíveis e, por consequência, a relação com o conhecimento também muda diante dos projetos de caráter flexível e efêmero. Os alunos não devem apegar-se ao conhecimento, e muito menos seguir comportamentos por ele propostos, pois foi transformado em informação, e a velocidade com que as informações chegam e “somem” é enorme.

O próprio conhecimento torna-se descartável, passível de ser jogado fora e substituído. O conhecimento que é traduzido como informação “guarda relação com o hábito de tomar café: só é bom quando forte e quente, esfriando rapidamente antes que seu gosto possa ser saboreado e avaliado por completo” (Almeida; Gomes; Bracht, 2009, p. 68). Mas, o quê assume o lugar do conhecimento? E quem assume o lugar do professor?

Na modernidade líquida os conselheiros que apresentam várias possibilidades de seguir na vida são melhores quistos que o professor preocupado em oferecer uma única opção, já bastante congestionada. Esses conselheiros, na visão do Bauman (2010), sustentados pela sociedade de consumo, apresentam-se com mecanismos de sedução em substituição à repressão de outros tempos mais sólidos. O poder de repressão da escola moderna sólida é substituído pelo da sedução, pelas vias da sociedade de consumo e o docente já não possui tanta força de determinação e nem consegue seduzir. Os conselheiros, segundo Almeida, Gomes e Bracht (2009, p. 69 – grifo dos autores) “em suas interpretações do ‘bem viver’, oferecem àqueles que os procuram o saber fazer, ser ou viver, não ‘o saber’ que os professores da modernidade sólida pretendiam divulgar e eram bons em transmitir, de uma vez por todas, aos seus alunos”. A autoridade docente entra, desse modo, numa crise profunda com todos esses elementos, que provocaram na modernidade líquida o aparecimento de muitas outras fontes de autoridade.

Nesses novos tempos maleáveis e reconfigurados, a escola não é mais o único espaço de aprender e adquirir a cultura ideal e o professor não é mais a única autoridade para ensinar. A aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes está bastante pulverizada, vários agentes da sociedade educam, ensinam, treinam, preparam as pessoas.

Numa ótica de formação enraizada nos vários aspectos da vida humana, seria extremamente saudável que os vários espaços sociais educassem e ensinassem. Por outro lado, corre-se o risco de um relativismo extremo, onde tudo passa a contar como educação, como experiência formativa do ser humano. É por este viés, que Bauman (2010) alerta que os espaços da sociedade líquida, onde a todo o momento se aprende e desaprende, podem estar operando numa lógica mercantil que não necessariamente leve em consideração a complexidade do humano como o centro do processo formativo.

Talvez o ponto nevrálgico apontado por Bauman (2010), com relação à descentralização da autoridade docente, é que, as novas fontes de autoridade estão estreitamente orientadas pela dinâmica do mercado. Na modernidade líquida, o mundo do trabalho, importante espaço de construção da identidade humana e de formação, é substituído pelo artefato do mercado de trabalho “que agora toma a si o papel de juiz, de formulador de opinião, de verificador de valores, […], os intelectuais foram desalojados até na área que por vários séculos parecia constituir seu domínio monopolista de autoridade – a área da cultura em geral” (Bauman, 2010, p. 172). A antiga aliança dos intelectuais com o Estado ordenador, com capacidade de legitimar e universalizar o discurso sobre a verdade, o gosto, passou para o mercado e seu poder legislador de formador de opiniões e valores, bem como de critérios para o bem e para o mal, beleza e feiura, sucesso e fracasso dentre outros. Há de se considerar, entretanto, que no mercado não há um centro de poder único e nem existe a pretensão de criá-lo, pois o que define a hierarquia é a notoriedade e o quanto algo que é pronunciado é notado e seguido por outras pessoas: “falam de mim, logo existo!” (Almeida; Gomes; Bracht, 2009, p.70).

A já desacreditada autoridade docente em conduzir a lógica da aprendizagem, disputa sem muitas chances de vitória, com as sedutoras e atraentes mensagens dos novos famosos, artistas, esportistas, políticos, outsiders, enfim, dos chamados formadores de opinião. É bom recordar que estes atores induzem a formação de opinião, mas não necessariamente a construção e desenvolvimento do conhecimento, que é uma tarefa central do professor. 

Ocorre que, o docente, antes pertencente a um sistema escolar formal rígido e coletivo quanto a sua formação e estrutura, agora está diante da privatização dos processos de formação e sua subordinação ao mercado, ao trabalho e a múltiplas vozes que se auto intitulam autoridades dispostas a educar e tornar as pessoas mais felizes e bem-sucedidas. Tudo isso nos aponta que o slogan “educação para toda a vida” da modernidade sólida está em crise, juntamente com o ideal de autoridade docente gestado na escola moderno-sólida e, emerge assim, uma perspectiva de “educação ao longo da vida”, que em tempos moderno-líquidos exige novas reflexões acerca da autoridade docente. Sobre isso dedicar-se-á o próximo tópico.

Como bem descreveu Bauman (2010), da mesma forma que o discurso intelectual se deslocou da tarefa de legislar para a de interpretar, o discurso formativo da escola passou por consequências inesperadas, pois está frente a um imenso desafio existencial: como oferecer uma aprendizagem para toda a vida se a todo momento são exigidas novas habilidades, conhecimentos e atitudes em uma realidade de constantes transformações, literalmente em estado líquido contínuo? O que expomos até aqui não é nada empolgante para o sistema escolar e para o modelo de autoridade docente tradicional, já que, os conhecimentos são rapidamente desvalorizados e descartados; as biografias pessoais e projeções profissionais para o futuro atravessam profundas incertezas e inseguranças.

As instituições tradicionais como a escola e a universidade passam por lamaçais de precarização pelas reformas sociais e econômicas promovidas pelo mercado, que submetem os indivíduos à lógica do consumo globalizado.

Nesta trilha de problematização, outros questionamentos poderiam ser apresentados: qual o futuro da escola e da docência numa cultura marcadamente consumista? É possível construir processo de autonomia na escola quando esta é invadida pela lógica de mercado? O professor tem diante de si um aluno que se compreende como indivíduo ou como consumidor, alguém que simplesmente obedece ou constrói processos de autonomia? São questionamentos importantes que não podem ficar de fora do atual cenário que os professores encontram no cotidiano escolar. A compreensão conceitual destas problemáticas se torna importante para que nossas ações sejam conscientes e educativas. A educação não se faz com entusiasmo ingênuo ou com doses inflacionadas de otimismo descontextualizado. Processos educativos se fazem com lucidez, conhecimento e consciência da realidade que se apresenta. Tem essa lucidez fará toda diferença.

Para os que desejarem aprofundar a discussão deste texto indico o artigo completo: https://www.researchgate.net/publication/343448167_A_dialetica_entre_a_normatizacao_e_a_interpretacao_a_autoridade_docente_na_modernidade_liquida_de_Bauman

Referências:

ALMEIDA, Felipe Quintão; GOMES, Ivan Marcelo; BRACHT, Valter. Bauman e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica. 2009. 

BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e Intérpretes:sobre modernidade, pós-modernidade e intelectuais.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.2010.

FÁVERO, Altair Alberto; CENTENARO, Junior Bufon. A autoridade docente na modernidade líquida. In: FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina; CONSALTÉR, Evandro (orgs.). Leituras sobre Zygmunt Bauman e a Educação. Curitiba: CRV, 2019, p.81-99.

FÁVERO, Altair Alberto; CENTENARO, Junior Bufon. Dialética entre a normatização e a interpretação: a autoridade docente na modernidade líquida de Bauman. Educação em Questão, v.57, n.52, abr./jun., 2029. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/educacaoemquestao/article/view/15883

[1] Uma versão modificada deste texto foi publicada como parte de um artigo de Fávero e Centenaro (2029) que saiu na  e também em partes de uma artigo publicado na Revista Educação em Questão.

Autor: Altair Alberto Fávero – altairfavero@gmail.com Professor e Pesquisador do PPGEdu UPF. Este é a sua octagésima publicação no site. Também escreveu e publicou “Educação contra barbárie”: www.neipies.com/educacao-contra-a-barbarie/

Edição: A. R.

Ainda Estamos Aqui

O filme traz alento e fortalece o seguir dizendo “ainda estamos aqui” e seguiremos, aqui e em todos os lugares, em luta, para que a promessa alcance a realidade, as possibilidades se tornem efetivação… Badalado e premiado, o filme retoma um tema espinhoso, ainda que de um modo não tão duro: as violações de direitos humanos patrocinadas pelo regime militar brasileiro inaugurado há quase 61 anos.

Ainda estamos aqui”, dizem aquelas e aqueles que lutam por direitos humanos, uma luta que vem de longe, na ação militante como defensoras e defensores de direitos humanos, em diversas organizações, movimentos e iniciativas de luta. Sentiram um frescor no ar movimentado desde “Ainda estou aqui”, o filme.

Badalado e premiado, o filme retoma um tema espinhoso, ainda que de um modo não tão duro: as violações de direitos humanos patrocinadas pelo regime militar brasileiro inaugurado há quase 61 anos.

Em tempos de redes sociais, conseguiu resistir aos ataques da ultradireita. Rompeu um padrão militar brasileiro: o de converter toda crítica ao período militar a revanchismo. Está sendo visto como um revival da agenda antimilitares golpistas, de ontem, de hoje, de sempre. Aqueles mais entusiasmados até dizem que o filme teria destravado a agenda de denúncia dos crimes e dos criminosos, acreditando na possibilidade de reconsideração da lei da anistia, ou ao menos parte dela – como sugerem os encaminhamentos no Supremo Tribunal Federal… Aqueles ainda mais encorajados acreditam que teria ajudado a criar um clima favorável à denúncia do Procurador Geral da República contra vários militares – incluindo-se entre eles o ex-presidente – pela recente tentativa frustrada de golpe que culminou no 08 de janeiro de 2023. Nem tanto um e nem tanto outro, modestamente, se poderia dizer.

O filme certamente abriu um momento de valorização da defesa dos direitos humanos, do reconhecimento a defensoras e defensores de direitos humanos. Isso veio especialmente pelas manifestações de Fernanda Torres a este respeito na resposta que dá ao telefonema do Presidente da República, depois de laureada pelo Globo de Ouro.

Fernanda Torres disse que a vitória se dava: “Em nome da Eunice Paiva! Uma mulher defensora dos direitos humanos. É muito simbólico”. Mas, ainda que isso seja uma grande verdade, e é, seu impacto está longe de conseguir remover o entulho autoritário que marca estruturalmente a sociedade brasileira que, na sua maioria, continua achando que defensor de diretos humanos é “defensor de bandidos” – posição alimentada, aliás, exatamente pela ditadura militar.

O enredo do filme, dizem críticos, teria jogado a luta e a resistência à ditadura de um lugar costumeiramente político, típico de organizações (armadas ou não), para um lugar do afeto, a experiência familiar – de classe média alta, portanto, bem longe da típica família brasileira. Esta situação, para quem costuma ser engajado em roteiros mais politizados, pode ver na película uma certa despolitização. Mas, ela pode também ser vista como uma politização da experiência familiar, fugindo, por vários motivos, de ficar refém da captura conservadora de seu sentido e até da tipicidade de seu modelo, realçando a força feminina, realidade, inclusive, da maioria das famílias brasileiras, particularmente das mais pobres.

O reportar a experiência desde o âmbito familiar, de classe média, da zona sul carioca ou dos bairros aquinhoados de São Paulo, entre outros aspectos, pode colaborar para, mais uma vez, reforçar o lugar comum de não apresentar o quanto os pobres, os pretos e pretas, indígenas e camponeses, entre outros, teriam sido atingidos pela ditadura.

Sim, pode ser, mas é bom lembrar que esse talvez seja um problema não somente para diretores e roteiristas, talvez continue sendo uma falsa compreensão reiterada por vários setores progressistas e de esquerda da sociedade brasileira que, ou desconhecem, ou seguem não valorizando o impacto que a ditadura efetivamente gerou com força na vida popular.

Exagerando um pouco, tudo isso pode ter a ver com o fato de que os direitos humanos ainda não estão no cotidiano destas maiorias, à época e ainda hoje, produzindo um estranhamento das classes populares com os direitos humanos que, por vezes, alimenta sua desavisada aderência às posições ultraconservadoras a respeito.

Infelizmente, ainda que o filme tenha sido visto por mais de cinco milhões de pessoas e que muitas delas sejam jovens, certamente está longe de chegar às classes populares, periféricas e negativamente impactadas pela não realização cotidiana dos direitos humanos em suas vidas. Isso não torna o movimento gerado pelo filme de menor importância, somente indica o tamanho do desafio político-pedagógico que, tanto um produto audiovisual, quanto a dinâmica social e o próprio processo formal de educação ainda tem como tarefa a cumprir.

Um aplauso à valorização das lutas e dos lutadores e lutadoras de diretos humanos é fenomenal… mas, mais fenomenal ainda será quando já não for a violação e a violência o que dita o dia a dia de autodefesa nas comunidades populares e sim a proteção e garantia de todos os direitos para todas as pessoas, e mais enfaticamente ainda para aquelas que nunca sequer provaram de sua existência.

O filme traz alento e fortalece o seguir dizendo “ainda estamos aqui” e seguiremos, aqui e em todos os lugares, em luta, para que a promessa alcance a realidade, as possibilidades se tornem efetivação…  

Autor: Paulo César Carbonari, Doutor em Filosofia (Unisinos), membro da coordenação nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH Brasil), associado da Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF). Também escreveu e publicou no site “Borrachas no passado, para tocar em frente, nunca mais”:  www.neipies.com/borrachas-no-passado-para-tocar-em-frente-nunca-mais/

Edição: A. R.

Mais professores sim, mais valorização também!

O programa Mais professores para o Brasil, lançado em janeiro pelo governo federal vai beneficiar 2,3 milhões de professores que devem impactar a qualidade do ensino ofertado a 47,3 milhões de estudantes.

Com risco real e eminente de apagão de professores em nível global, nacional e estadual, governos lançam programas como Professor do Amanhã, do governo do estado, e oMais Professores para o Brasil (MEC). As iniciativas, um pouco tardias, são louváveis, porém insuficientes para o tamanho do desafio da educação brasileira.

Apoiar a formação inicial de professores por meio de políticas e programas é necessário e, inclusive, no Brasil, deveria ser uma política pública e gratuita permanente. Porém, o apagão de professores possui causas mais profundas e estruturais, como: desvalorização social e profissional, destruição da carreira, baixos salários, contratos emergenciais e temporários, formação precária em EAD, restrição da liberdade de pensar e ensinar e incertezas de futuro.

O programa do Professor do Amanhã, do governo do RS, implementando em 2024, foi resultado de uma negociação de 11 Instituições Comunitárias de Ensino Superior (ICEs) que construíram a iniciativa com o governo gaúcho. No primeiro ano, ficou acordado: Mil bolsas em cursos de licenciatura em ICEs; R$ 800 mensais para o aluno como bolsa de permanência e mais R$ 800 mensais para a instituição como taxa acadêmica; Vigência das bolsas de quatro anos, a partir de 2024.  Para 2025, uma nova edição do programa prevê mais 500 bolsas integrais em cursos de licenciatura em cursos de Letras (Língua Portuguesa), Matemática, Geografia e História.

Já o Programa Mais Professores Para o Brasil, do governo federal, instituído pelo Decreto nº 12.358, de 14 de janeiro de 2025, também denominado Pé-de-Meia Licenciaturas, se propõe beneficiar até 2,3 milhões de professores e impactará a qualidade do ensino para 47,3 milhões de estudantes. O participante receberá mensalmente R$ 1.050 durante o período regular de integralização do curso.

O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, afirma que “o que foi anunciado é pouco para uma mudança estrutural na valorização da nossa categoria. A fala do presidente Lula fez um diagnóstico preciso da nossa situação, quando ele relatou a dificuldade da nossa ida e volta à escola, o transporte, a violência no espaço escolar e a dificuldade do processo de formação”.

Especialistas da ONU convocados a compor Painel de Recomendações aos países recomendam a necessidade de aumentar o reconhecimento e a dignidade da profissão docente  mediante medidas como: fomentar e resgatar o status e a dignidade docente, por meio do respeito, confiança, diálogo social instituído e programas regulares de estudo e qualificação; que os/as docentes possam exercer o seu papel central de fomento às mudanças culturais da sociedade; atrair os/as jovens à profissão; garantir segurança ao exercício da profissão, fomentando o fim da violência, do assédio, das intimidações e ameaças; e, por fim, e talvez a mais contundente e importante Recomendação, que os governos eliminem as subcontratações de docentes em suas redes de ensino.

O programa Mais Professores tem por objetivo alertar a sociedade e os gestores públicos para a necessidade de valorizar o magistério da educação básica, porém, por si só, ainda se mostra insuficiente para mudar a realidade do dos professores que atuam na escola básica pública no Brasil. O desafio não se resume a apoiar a formação inicial e continuada dos professores, implica uma valorização estrutural da carreira e ampliação de investimentos.

De acordo com a pesquisa anual Education at a Glance, da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o investimento per capita na educação básica brasileira é o terceiro pior entre os países em desenvolvimento e que possuem os melhores resultados no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Em 2023, o conjunto das redes públicas no Brasil investiu cerca de R$ 17,7 mil anuais por aluno, contra R$ 158,2 mil em Luxemburgo, R$ 103,9 na Suíça e R$ 99 mil na Bélgica. Como consequência direta do baixo investimento per capita na educação básica, o Brasil também se posiciona há décadas nas últimas colocações da pesquisa da OCDE em relação aos salários de professores que atuam no nível básico.

Programa Mais Professores para o Brasil orienta-se por um conjunto de princípios e objetivos relevantes, como: a melhoria da qualidade da educação; a cooperação entre os entes federativos; a superação das desigualdades educacionais e sociais; a valorização e a qualificação dos professores da educação básica e, o incentivo à carreira docente no Brasil. O problema que no Brasil é usual não implementar que a legislação estabelece e os gestores sequer são cobrados ou responsabilizados.

A cooperação entre os entes federados na implementação de políticas públicas de estado é outro desafio. A autonomia dos entes virou soberania e independência. No contexto da polarização política, cada município e estado sequem suas convicções sem cooperação efetiva. O Programa Escolas Cívico-militares e as Parcerias Público-Privadas (PPPs) são a evidência atual.

Além de um conjunto de diretrizes para o Mais Professores, o programa é estruturado em cinco eixos:

1) Seleção: a Prova Nacional Docente (PND) foi criada com o propósito de melhorar a qualidade da formação, estimular a realização de concursos públicos e induzir o aumento de professores nas redes públicas de ensino. Porém, estados e municípios estão reduzindo os ingressos por concursos públicos, contratando professores temporários e destruindo a carreira profissional docente.

Para a pesquisadora Darcilene Gomes (Fundaj) um dos principais problemas atualmente na educação pública e que afeta sobremaneira as perspectivas sobre a carreira docente é o expressivo percentual de professores com contratos temporários nas redes.“Em alguns estados, esse percentual alcança 80% dos professores atualmente em atividade, o que é um absurdo. Esses professores não conseguem ter qualquer previsibilidade sobre suas vidas, já que nada garante que estarão empregados no futuro. A remuneração também é um problema, pois os ganhos são bem menores e muitos sequer têm garantia do recebimento de 12 salários por ano”, criticou.

2) Atratividade: Neste programa o MEC criou o Pé-de-Meia Licenciaturas, um apoio financeiro para fomentar o ingresso, a permanência e a conclusão das licenciaturas. Neste programa Pé-de-Meia Licenciaturas, o participante receberá mensalmente R$ 1.050 durante o período regular de integralização do curso. Desse total, o estudante poderá sacar imediatamente R$ 700 e os outros R$ 350 serão depositados como poupança.

3) Alocação: a Bolsa Mais Professores dará apoio financeiro para incentivar o ingresso de docentes nas redes públicas de ensino da educação básica e aumentar a atuação em regiões com carência docente. O participante receberá uma bolsa mensal no valor de R$ 2.100, mais o salário do magistério, a ser pago pela rede de ensino a que estiver vinculado. Além disso, durante o período da bolsa, o professor cursará uma pós-graduação lato sensu com foco em docência.

4) Formação: para a formação de professores, o MEC criou um portal com informações centralizadas sobre cursos referentes às formações inicial e continuada, bem como às pós-graduações ofertadas pelo MEC e por instituições parceiras. A plataforma tem o objetivo de fortalecer o desenvolvimento profissional de acordo com o perfil do docente.

5) Valorização: o MEC também lançou ações junto a outros ministérios e bancos públicos para promover a valorização dos professores. Por meio de parceria com o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, serão disponibilizados benefícios exclusivos, como um cartão de crédito sem anuidade. Além disso, professores terão direito a descontos de até 10% em diárias de hotéis.

O Estado do RS O Estado do RS já deveria estar desenvolvendo uma política pública de Estado em conjunto com as Universidades Gaúchas (UERGS, Universidades Federais, os Institutos Federais e as Universidades Comunitária) que se constituem em um dos principais patrimônios culturais, científicos e educacionais do Estado. Programas pontuais e de governo possuem limites de tempo e universalidade.

Já o governo federal, especialmente o atual, que no passado recente (2003-2014) desenvolveu programas como Pibid, Residência Pedagógica Obeduc, Parfor e Prodocência, Prouni, Fies para licenciaturas, deveria retomá-los, aperfeiçoá-los, ampliá-los e financiá-los com a décima economia do mundo.

O Pibid conseguiu afirmar-se rapidamente, graças a recursos e bolsas que criaram compromissos imediatos de ação. Em poucos anos, o programa deu origem a muitas experiências, de grande significado, e um movimento que trouxe uma importante renovação da formação de professores. Este programa, em específico, foi reconhecimento em meios acadêmicos como uma das melhores políticas e experiências de formação de professores à nível global.

A desprofissionalização dos professores tem-se agravado nos últimos anos, devido a vários fatores, desde a manutenção de níveis salariais baixos e de difíceis condições nas escolas até a intensificação do trabalho docente por via de lógicas de burocratização e de controle do exercício da docência, interferindo no direito de ensinar e aprender tudo que é necessário e importante para vida.

 Leia também: www.neipies.com/quanto-vale-um-professor/

A descontinuidade de políticas públicas e programas não contribui para a formação inicial e continuada no nosso Brasil. Cumprir a legislação educacional vigente (CF, LDBN, PNE, Lei do Piso do magistério etc.) é muito mais importante que programas dos governos amparados em marcos legais (decretos) frágeis. Mais Professores no presente, no amanhã e no futuro passa por mais valorização da profissão docente, com: melhor carreira, melhores salários, mais respeito, melhor formação, mais liberdade de ensinar, mais dignidade e qualidade de vida hoje e no amanhã!

Fonte: Mais professores sim, mais valorização também

Autor: Gabriel Grabowski. Professor e pesquisador. Também escreveu e publicou no site “Novos e velhos desafios para educação em 2025”: www.neipies.com/novos-e-velhos-desafios-da-educacao-em-2025/

Edição: A. R.

Restrições ao uso do celular em sala de aula em debate. E fora dela, como os pais o utilizam?

Não podemos ter o celular apenas como um vilão. Se, por um lado, o bom uso traz vantagens que beneficiam a todos, seja na escola, no trabalho ou na vida de cada um, é preciso estar alerta ao uso indevido e eventuais prejuízos decorrentes.

É cada vez maior o número de países onde a utilização do telefone celular em sala de aula sofre restrições ou é proibida, e, no Brasil, o tema voltou à tona recentemente. E não é assunto novo, pois, desde o ano de 2015 tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que proíbe o uso de celular e de tablet em salas de aula dos estabelecimentos de educação básica e superior.

Dados do “Relatório Global de Monitoramento da Educação 2023″, divulgado no final do mês de setembro pela Unesco, Organização da ONU para Educação, revelam que França, Itália, Finlândia, Holanda, México e Estados Unidos já proibiram o uso do celular ou de redes sociais nas escolas, e que um em cada quatro países do mundo tem leis que com igual finalidade. No Brasil, há proibições pontuais em alguns estados e municípios, mas que restringem-se às suas escolas, não atingindo, por exemplo, escolas particulares. Desta vez, uma lei em nível nacional irá normatizar para todas as escolas brasileiras, e, em todos os níveis.

Lei nº 15.100/2025 agora proíbe o uso de celulares e outros aparelhos eletrônicos em escolas públicas e privadas do Brasil. A lei foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 13 de janeiro de 2025. A lei proíbe uso de celulares em todo o ambiente escolar, inclusive recreio e intervalo entre as aulas. No entanto, o uso é permitido em situações excepcionais como emergências, necessidades de saúde e para fins pedagógicos. 

Levantamento do SUS mostrou que, no ano passado, a incidência de níveis elevados de ansiedade entre crianças superou a de adultos pela primeira vez, e, entre as causas, está o uso excessivo dos smartphones. 

Na Inglaterra, as escolas que baniram os celulares em salas de aula tiveram melhores resultados em exames nacionais de ensino, além do que, citado por professores, a perda de foco dos alunos, as distrações, a exposição a conteúdos sexuais e violentos e o aumento de casos de bullying on-line também diminuíram.

Poderíamos ampliar a gama de consequências que usos indevidos provocam: aumento de consumo de medicamentos em faixa etária muito jovem, alguns transtornos de aprendizagem, desestímulo à memorização e consequente ocorrência de “preguiça mental”, perturbações ao desenvolvimento de área motora ao substituir a escrita por fotos e prints de conteúdos escolares e muito mais.

Porém, não podemos ter o celular apenas como um vilão. Há pouco tempo, em meio à pandemia de Covid, foi por intermédio dele que milhares de alunos e de escolas puderam manter as atividades de ensino à distância. Se por um lado, o bom uso traz vantagens que beneficiam a todos, seja na escola, no trabalho ou na vida de cada um, é preciso estar alerta ao uso indevido e eventuais prejuízos decorrentes, e, para isto, há uma série de movimentos resultantes em estudos e pesquisas na internet. 

Há um questionamento que diz: “Você controla a tecnologia ou a tecnologia controla você?”

Se este é um desafio para adultos, imagine para crianças em seus primeiros contatos com o mundo fascinante dos smartphones. Porém, de pouco uso e desconhecida pela maioria de usuários, é a função “Bem estar digital e controle parentais” instaladas em aparelhos com tecnologia android e acessível a partir do ícone de configurações; para o IOS vá em “ajustes”. Ali, é possível monitorar quais os aplicativos mais utilizados e por quanto tempo, verificar sobre como está o uso em redes sociais, como pausar aplicativos quando atingirmos um tempo de uso (definido pelo próprio usuário), como reduzir interrupções, configurar modo de dormir e outras funções.

A minha proposta, caro leitor, é a de que você configure por um dia seu celular limitando o acesso a alguns aplicativos e, principalmente às redes sociais, para que ao final do dia possa analisar como foi a experiência. Só então, você terá condições de responder se controla ou é controlado pela tecnologia e vivenciar sobre o quanto é difícil abster-se do celular, e o mais importante: qual o seu grau de dependência, se é que há.

Poder conviver melhor com a tecnologia mantendo o foco no que realmente importa, ser capaz de se desconectar e alcançar um equilíbrio consciente entre a conectividade e a desconexão digital, tornam-se desafios para todos. A prioridade deve ser fazer com que os dispositivos e aplicativos que usamos diariamente estejam alinhados com nossas necessidades e façam parte de rotinas mais saudáveis, não nos expondo a prejuízos sociais, de aprendizagem ou de relacionamentos.

Agora, você já ouviu falar em nomofobia? Pois bem, trata-se de uma doença cada vez mais comum e pouco conhecida por este nome e caracterizada por quando você não consegue deixar o celular ou o computador de lado. Nestes casos, cuidado, você pode estar sofrendo de dependência do seu dispositivo eletrônico e os primeiros sintomas percebidos são estresse, depressão, tristeza, falta de sono e dificuldades em se relacionar. Em assim sendo, não espere o quadro agravar-se, procure ajuda, procure um psicólogo.

Recomendamos esta outra matéria sobre o assunto publicada recentemente no site: www.neipies.com/restricoes-do-uso-de-celulares-nas-escolas-o-que-pensam-professores-e-professoras/

Autor: César Augusto de Oliveira – psicólogo. Também escreveu e publicou no site “O mundo muda quando eu mudo…”: www.neipies.com/o-mundo-muda-quando-eu-mudo/

Edição: A. R.

O Sentido da vida é fazer sentido a outras vidas

Que a fé, firme e inabalável, seja o combustível que ilumina nosso caminho. Uma fé que não se fecha em templos, mas que transborda em ações. Porque o verdadeiro amor a Deus se revela no amor ao próximo.

Em Mateus 25, Jesus nos ensina o verdadeiro critério do amor: “Tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era estrangeiro, e me acolhestes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me”.

Não há sentido maior para a vida do que fazer sentido à vida do outro. Não se trata apenas de palavras ou boas intenções, mas de um compromisso ético, moral e humano de viver com empatia e partilha.

O caminho é simples e profundo: olhar cada pessoa como igual, sem superioridade, sem julgamentos. O verdadeiro valor está em estender a mão para quem caiu, ajudar a sair do buraco, e sentar-se ao lado para ouvir, mesmo quando a história não nos interessa ou o cheiro seja desagradável. Ser presença. Ser escuta. Ser abraço.

Estar pronto para incentivar, apoiar, e colaborar com quem enfrenta a escuridão da depressão. Muitas vezes, uma palavra amiga ou uma companhia silenciosa pode ser a faísca da esperança. O amor verdadeiro não calcula ganhos nem busca recompensas.

Envolver-se também é agir. A política não é apenas debate ou poder; é vida em comunidade, é escolha diária de que mundo queremos construir. Não basta dizer que se importa, é preciso lutar por igualdade e justiça. É defender a partilha, a inclusão e os direitos daqueles que são invisibilizados. E, se necessário, estar disposto até a perder privilégios para proteger quem mais precisa.

Contudo, agir com amor não é fechar os olhos à realidade, mas aprender a enxergá-la com discernimento. É fundamental buscar conhecimento, informar-se, e selecionar o que ouvimos e vemos, para não sermos presas do senso comum ou repetidores de bobagens e preconceitos. A verdade nem sempre está no discurso mais alto, mas na escuta atenta e crítica.

Além disso, respeitar a história de cada pessoa é reconhecer que ninguém é definido por um momento ou erro. Cada vida é um livro único, escrito com dores, sonhos e recomeços. E não cabe a nós julgar ou condenar. Como nos alerta Jesus, o julgamento precipitado nos torna IGUAIS ou PIORES do que aqueles que erraram. Devemos ouvir os dois lados, sempre com o coração aberto, sem alimentar ódio ou desejo de vingança.

Que a fé, firme e inabalável, seja o combustível que ilumina nosso caminho. Uma fé que não se fecha em templos, mas que transborda em ações. Porque o verdadeiro amor a Deus se revela no amor ao próximo.

Que, ao fim da nossa jornada, possamos ouvir: “Vinde, benditos de meu Pai… porque tive fome, e me destes de comer… Estava preso, e fostes ver-me”. E que o sentido de nossa vida seja esse: fazer sentido para outras vidas.

Autora: Vera Dalzotto. Também escreveu e publicou no site “Educação ou prisão: o futuro que devemos construir”: www.neipies.com/educacao-ou-prisao-o-futuro-que-escolhemos-construir/

Edição: A. R.

“A medida do amor é amar sem medida”.

Muito antes do Mahatma Gandhi (1869-1948), Jesus propagou a não-violência ativa: amar os amigos, desarmar os inimigos!

Não importa se a frase do título acima é de Santo Agostinho ou São Bernardo. Ela sintetiza lindamente a pregação desconcertante de Jesus, no Evangelho lido nesse domingo em milhares de comunidades de fé pelo mundo (Lucas 6, 27-38).

Na época do Nazareno, vigorava a Lei de Talião: “olho por olho, dente por dente”. Jesus subverte esse princípio do “troco”, do “bateu, levou” – cada vez mais comum, até hoje.

Propõe a gratuidade radical: fazer o bem sem olhar a quem, responder com amor ao ódio (contendo a espiral da violência), “dar a outra face” (deixando sem graça o agressor, exposto à sua própria estupidez), não fazer ao outro o que não queremos que nos façam. “Amar os inimigos” pressupõe tê-los, reconhecê-los e, sim, docentemente, combatê-los.

Como é difícil! Como é raro sermos misericordiosos (como a bispa anglicana de Washington Mariann Budde pediu a Trump, que ficou irado). Como demoramos em abrir nosso coração aos outros, termos com-paixão!

Dar e dar-se sem esperar nada de volta é romper com a regra mercantil das relações humanas. “Se vocês fazem o bem somente aos que lhes fazem o bem, que gratuidade é essa?” (v. 33).

Não se trata de ser passivo, “banana”, ingênuo: é ser imbuído de entusiasmo amoroso, sem perder o senso de justiça. Não ser dominado pela raiva, inibindo os raivosos. “Amar os inimigos” é tentar afastá-los de seu mundo de trevas, mentiras, golpes, trapaças e sede de poder. É fazer o contrário deles. É exigir que eles paguem pelo mal que fizeram à coletividade, sempre respeitando sua dignidade.

Muito antes do Mahatma Gandhi (1869-1948), Jesus propagou a não-violência ativa: amar os amigos, desarmar os inimigos!

PS: “Caminhemos cantando; que as nossas lutas e preocupações por este planeta não nos tirem a alegria da esperança!” (Papa FRANCISCO, Laudato Si’ – Sobre o cuidado da Casa Comum).

Rezemos por esse mensageiro da Justiça e da Paz (e por todos os que sofrem, como Francisco, solidário, sempre pede).

SAÚDE, IRMÃO!

Autor: Chico Alencar. Também escreveu e publicou no site “As aparências enganam: breve reflexão para cristãos ou não”: www.neipies.com/as-aparencias-enganam-breve-reflexao-para-cristaos-ou-nao/

Projeto “Conversas entre Educadores” completa 15 anos de existência

A escrita e a sistematização de práticas são formas de promover mudanças significativas da educação. Enquanto não escrevemos, não nos posicionamos, outros profissionais, das mais diferentes áreas do conhecimento, dizem como deve ser a educação.

A Série Internacional -Conversas entre Educadores- nascida no Brasil e hoje sediada nos EUA completa 15 anos de publicações de uma maneira inovativa! Lançamos uma podcast no youtube para enriquecer seu dia.

Confira! https://www.youtube.com/@elliebodah2025

Em um dos episódios, entrevistamos o Professor Nei Alberto Pies, professor, escritor e ativista de direitos humanos: https://youtu.be/SHariHoRFJA?t=3

Em nossa última edição impressa, o professor Nei Alberto Pies escreveu o prefácio da publicação “Conversas entre Educadores”. Segue texto.

Primeiras palavras

“Interessante que a crise da pandemia gerou diferentes reações dos pesquisadores e educadores, menos a inação e a acomodação. A pandemia desafiou todos nós a pensarmos e repensarmos as práticas educativas, sobretudo com destaque ao papel fundamental dos sujeitos aprendentes: os estudantes e os professores e professoras.

Eliane Thaines Bodah protagoniza e organiza uma série de reflexões sobre “Conversas entre educadores: educação e pesquisa em tempos de pandemia”. Um esforço importante para estabelecer conexões entre diferentes conhecimentos que envolvem sujeitos da educação normal e que ajuda a reconhecer e reafirmar o sentido das teorias e práticas que estão sendo conjugadas pela escrita e sistematização, bem como o protagonismo dos sujeitos escreventes.

A escrita e a sistematização de práticas são formas de promover mudanças significativas da educação. Enquanto não escrevemos, não nos posicionamos, outros profissionais, das mais diferentes áreas do conhecimento, dizem como deve ser a educação.

Uma das formas de valorizarmos a profissão docente é também manifestarmos publicamente o que pensamos, o que acreditamos e o que fazemos a partir das nossas escolas e das nossas experiências educativas.

Embora já bastante estudadas, a sistematização e a escrita das práticas pedagógicas ainda não foram internalizadas entre a gente como estratégia de mudança e ressignificação do “fazer docente”. Parece estar ainda muito restrita ao fazer pedagógico que embasa as experiências educativas sociais e populares ou a estudos do “pessoal da pedagogia”.

Nesta perspectiva, é importante entender que os professores/as trazem uma bagagem específica de conhecimento (por sua formação acadêmica) e de trajetória de vida, mas podem juntos constituir aprendizagens significativas e específicas, gerando identidades próprias e específicas do “ser docente”.

“Ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho. Nos educamos juntos, mediados pelo mundo”, como já disse o educador brasileiro Paulo Freire.

Juntar estes diferentes textos, sejam em forma de textos acadêmicos ou em forma de relato de experiências, oportuniza compreender os diferentes processos em que se faz educação, seja no Brasil ou nos Estados Unidos. Mais interessante, ainda, pelo reconhecimento dos sujeitos que se dispuseram a escrever e relatar.”

Autora: Eliane Thaines Bodah. Também escreveu “Problematização na educação”: https://www.neipies.com/problematizacao-na-educacao/

Edição: A. R.

Sobre o envelhecer

É preciso falar e refletir sobre o envelhecimento, pois o Brasil começa a envelhecer. Da cidade que vivo, Porto Alegre, das capitais tem o povo mais longevo e o maior número de pessoas com mais de 60.

Nossa civilização ocidental, pelo que leio e vejo, tem dificuldades de lidar com o envelhecimento. É um terror ter que assistir cenas de publicidade, apelando ao consumismo, para vender produtos de beleza que garantem a “eterna juventude”. E agora este papo de “geração prateada”. Outro engodo.

O tema da morte, da finitude, do passar da vida é dramático para nossas gentes. Chegando a certa idade, sem preparação para a aposentadoria, sem plano de finanças para viver com dignidade, pela pobreza, pelas condições sociais, vivemos no Brasil o drama da depressão das pessoas idosas. Sei que não se trata de um fenômeno local.

Faz algum tempo que comecei a me interessar pela temática, primeiro como vereador, para tentar representar um pouco estas pessoas, depois por circunstâncias não planejadas de ter que cuidar de minha mãe, hoje nonagenária, e é claro por mim, pois me dei conta que era uma pessoa idosa. Aos 60 anos voltei a estudar, fui cursar a Faculdade de Direito e ali minha consciência se aguçou com a convivência intergeracional.

Além disso, instigado por uma amiga, começamos a pensar em fazer algo pelos chamados 60+. Conversa vai, conversa vem, entre um café e outro, acabamos por decidir reunir um grupo de pessoas que, com experiência, pudessem falar do envelhecimento, surgindo então o livro “Metamorfose da vida”, volume 1, com as enchentes surgiu o “Perdi tudo, e agora?” e mais recentemente o volume 2 de “Metamorfose da vida, a arte de envelhecer”.

Cuidar da minha mãe me trouxe ensinamentos variados, entre eles de que é necessário ter paciência, resiliência, solidariedade e compreensão com o Outro. Mais difícil ainda porque ela vem da roça, do interior, cidade pequena. Eu passei mais de 40 anos longe dela. Vivi e me formei numa grande cidade. Tornei-me uma espécie de cidadão do mundo. Que lições tomei e estou tomando a cada dia com ela e outras pessoas idosas.

A experiência de coordenar com uma amiga um livro com mais de 20 autores para que não perdesse o foco, que tivesse a mínima unidade, foi duro; porém, gratificante. Como estão sendo também nossas rodas de conversas com os lançamentos do livro, em vários lugares diferentes, com gente diversa. E, agora, nosso engajamento no Movimento Sociedade sem idadismo.

O que me levou a escrever este texto agora, desta forma, foi isto tudo, sem dúvida, mas também por causa de uma postagem que li sobre Julia Roberts, refletindo sobre o envelhecimento, com uma lição dadivosa. Sua visão é muito diferente de muitos artistas que buscam manter uma aparência eternamente jovem.

Estou envelhecendo com dignidade, humor e serenidade… Não apelo para lifting nem Botox, e sei que, nos padrões de Hollywood, isso é um risco para minha carreira. Mas se não quiserem me dar um papel por parecer velha, então produzo o projeto e escolho quem quero. O importante é não levar esse trabalho a sério demais.

Conheço muitas mães que lutam para sustentar suas famílias; esses são os verdadeiros desafios, essas são as mulheres que admiro. São belas e fortes, mesmo quando o peso da vida é imenso.

Honestamente, meus medos são outros… Meu maior temor é por meus filhos, por não poder protegê-los de quem tenta se aproveitar deles. O que realmente importa para mim é que eles estejam bem e que nossa família viva com amor e segurança.

Sou abençoada e sou grata todos os dias pelo que tenho, pelo meu marido, pelos meus filhos.

É por isso que os momentos mais importantes do meu dia não são os que passo no set, mas aqueles ao redor da mesa de café da manhã, conversando sobre a vida. Esses momentos são mágicos.” — (Julia Roberts)

Fiz questão de fazer toda a citação, pois aqui temos quase um guia. Viver ao máximo com os seus é o caminho a seguir. Mas nem sempre é fácil, às vezes, até impossível.

O mesmo digo para qualquer pessoa idosa, seja rica, pobre ou remediada. O convívio familiar é essencial, sabendo que este é um grande problema, pois filhos trabalham, moram longe, às vezes em outros países. Nem falo daqueles que descartam os seus “velhos”.

Não tendo a família, muitas vezes, não há mais amigos, pois muitos já morreram, outros estão longe ou simplesmente estão reclusos. A reclusão para a pessoa idosa é um terror, é sempre o caminho mais curto para a finitude.

Volto ao tema do consumismo. Veja a grandeza da atriz do filme “Uma linda mulher”. Bate de frente com o mito da “eterna juventude”.

Li faz pouco o difícil envelhecimento de outra diva do cinema, Brigitte Bardot. Ela sempre está de cara limpa com seus animais, mas se queixa da velhice e de suas dores.

Esta é a vida como ela é, real, palpável e às vezes dura.

É preciso falar e refletir sobre o envelhecimento, pois o Brasil começa a envelhecer. Da cidade que vivo, Porto Alegre, das capitais tem o povo mais longevo e o maior número de pessoas com mais de 60.

É o caminho… Todos envelheceremos. A morte é um dia que vale a pena se viver, anote este ensinamento da Ana Cláudia Quintana Arantes.  Prepare-se para envelhecer e morrer, com dignidade.  É (d)a vida!

Autor: Adeli Sell, professor, escritor e bacharel em Direito. Também escreveu e publicou no site “Você vai ver e sentir a velhice também”:  www.neipies.com/voce-vai-ver-e-sentir-a-velhice-tambem/

Edição: A. R.

Estamos jogando roleta russa com o planeta

Vamos observar com mais atenção: o planeta já perdeu mais de 20% da biodiversidade original; mais de 70% da superfície da Terra já foi alterada e nada menos que 10 milhões de hectares de florestas (que fornecem água potável para um terço das grandes cidades do mundo) continuam sendo derrubados todos os anos, em várias partes do mundo.

Agora sabemos: do início da era industrial (por volta de 1760) até os dias de hoje, os principais biomas do mundo (especialmente as florestas, tropical, temperada e equatorial) vêm sofrendo radicais alterações e consideráveis perdas, e quase todos os principais serviços ecossistêmicos (responsáveis pela manutenção da biodiversidade) que beneficiam e sustentam as comunidades humanas, apresentam consistentes alterações no corpo da Terra, impactando o ordenamento global das sociedades.

De toda sorte, como estamos numa época na qual a relação direta com a severidade dos impactos ambientais potencializa o que se pode chamar de “multiplicador de ameaças” (para falar como Amitav Ghosh, escritor indiano), tudo indica, metaforicamente, que António Guterres, secretário-geral da ONU, tem toda a razão ao dizer de forma franca que “estamos jogando roleta russa com o nosso planeta.”1

Tal e qual, no rastro do Antropoceno (termo que ainda está longe de ser unanimidade na comunidade científica) está bem claro que nossa sociedade humana, guiada pela economia dominante, vem ajudando a alterar o funcionamento geral geológico e biológico do planeta. Nesse caso, sendo breve, nunca se presenciou as mais significativas alterações no clima e na terra/solo (25% da massa terrestre já foi afetada pela ação antrópica); no mundo das águas (rios, mares, e oceanos, cada vez mais acidificados, ameaçando, agora mesmo, 90% de todos os corais que sustentam pelo menos um quarto de toda a vida marinha) e na biodiversidade; nem mesmo nas geleiras da Groenlândia (segunda fonte de água doce do planeta) que diminuem em velocidade assustadora.

A bem da verdade, nunca, nós, os modernos, estivemos em situação ecologicamente tão crítica (no limite). Pela Organização Internacional do Trabalho, OIT, somos informados que 70,5% da força de trabalho mundial (mais de 2,4 bilhões de trabalhadores, com base em dados coletados até 2020) estão expostos aos impactos diretos e indiretos do clima desequilibrado.2

Como se depreende, com a degradação da biosfera que mina a capacidade do meio ambiente, combinado às perturbações geológicas que aceleram os impactos ambientais produzidos, como se sabe, pela (frenética) busca de crescimento infinito, não resta dúvida que somos, a rigor, Homo complexus (termo frequentemente usado por Edgar Morin), com capacidade de destruir as formas de vida. Talvez porque, e vale a reflexão mais detida, temos muitas dificuldades de reduzir nossa pegada ecológica e nossa pegada hídrica (afinal, nos produtos e serviços que são consumidos está a maior quantidade de água que utilizamos).

De tudo isso, causa e efeito, vamos observar com mais atenção: o planeta já perdeu mais de 20% da biodiversidade original; mais de 70% da superfície da Terra já foi alterada e nada menos que 10 milhões de hectares de florestas (que fornecem água potável para um terço das grandes cidades do mundo) continuam sendo derrubados todos os anos, em várias partes do mundo.

Por isso, sem mais delongas, a narrativa (ou recado básico) que faz o ativista espanhol José Esquinas, se apresenta bastante oportuna: “se não pararmos a destruição de nosso planeta, nada mais terá importância”.3

***

Com efeito, nesse “mundo de feridas” (expressão de Aldo Leopold [1887-1948]) em que os 20% mais ricos do planeta “respiram” consumismo puro, somente os últimos 30 anos de nossa época, como a ciência já comprovou, respondem pela metade das emissões globais que a humanidade produziu em toda a história da vida humana – são mais de 410 partes por milhão de dióxido (ppm) de carbono que colocam toda a sociedade humana diante da maior concentração de CO2 já presenciado por nós que aqui estamos. Assim sendo, tocando na nervura central, a World Medical Association [Associação Médica Mundial] nos faz entender, por meio de vários estudos e relatórios, que o aquecimento global é a […] “maior ameaça à nossa saúde no século XXI.”4

Seja como for, diante da emergência de uma economia de produção global que pode aumentar no curto espaço de tempo em 60% a exploração ecológica,pressionando portanto os sistemas naturais (oceanos, solos, biosfera etc) para atender o crescimento populacional que segundo estimativas deve chegar a 23% até 2060, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) poderá subir cerca de 150% no mesmo período, quem se dispuser a olhar para a trajetória que a economia contemporânea assume para defender as vontades do grande capital, irá constatar, entre outros, a mais radical alteração dos processos da natureza, capaz de deixar em situação crítica o equilíbrio da base que sustenta a complexidade de vida na Terra.

Nesses termos, Aílton Krenak,5 melhor que ninguém, acirrando oportunas críticas ao modelo dominante, não cansa de repetir: “é burrice suicida pensar o desenvolvimento sem integrar os direitos da terra…

Assim, em essência, o brilhante líder indígena ainda faz questão de assim acrescentar: “uma hora ela [a terra] não responderá mais”6

Considerações finais

Fechando o raciocínio, para falar agora como Marie Curie (1867-1934), a cientista polonesa que revolucionou o estudo da radioatividade, só podemos ter esperança de construir um mundo melhor – e isso necessariamente precisa estar combinado com a existência de uma nova economia [social e solidária, humana e ecológica] que respeite o tempo de regeneração da natureza – se, de facto, e antes de tudo, conseguirmos equacionar a tarefa-chave: “aperfeiçoar” os indivíduos. Nesse caso, como se supõe, será imprescindível aplicar em linhas gerais a lição maior outrora deixada pelo eco-teólogo norte-americano Thomas Berry (1914-2009), […] “nos reinventar como seres humanos”.7

De resto, imaginamos poder alcançar ainda, como tarefa complementar, ao menos três ações coordenadas: alterar a lógica da racionalidade econômica, quer dizer, questionar linha a linha o atual paradigma da modernidade; constituir outro modo de “pensar” a economia moderna capaz de valorizar maisa qualidade (o desenvolvimento) que a quantidade (o crescimento), tendo em vista que a Terra é incapaz de suportar o atual modelo dominante; e, por último, reconstruir, a partir de um éthos de convivialidade, o metabolismo Ser Humano-Natureza – Homem-Meio Ambiente.

Momento raro, parece lícito imaginar que, a partir de um novo modelo econômico, cetro de racionalidade bem equilibrada, só teremos possibilidade de sucesso civilizacional completo se for ampliada nossas mais gritantes carências: a cobertura social e a saúde ambiental, diminuindo sobremaneira os extremos da maldosa e desleal desigualdade econômica que não cessa de aumentar em várias partes do mundo.

E para que tudo caminhe bem, precisamos de alguns resultados sólidos, a saber: redesenhar uma nova estratégia planetária; equilibrar os diversos interesses entre a economia e a política; conter a expansão das finanças mundiais; monetizar o custo social de poluir o meio ambiente, adotando o que já é realidade em pelo menos mais de 40 países, isto é, o imposto sobre carbono – a taxação direcionada às grandes empresas emissoras de CO2.

Por fim, dizendo de modo brutal, interessa buscar ao menos cinco significativas ações de desenvolvimento propriamente dito:

(1) reduzir a utilização de combustíveis fósseis, o que significa enfrentar com bastante rigor a mais poderosa indústria dos últimos tempos que movimenta cinco trilhões de dólares anuais; (2) diminuir a emissão de substâncias poluentes; (3) adotar um conjunto de políticas de conservação de energia (com estímulos à energia solar e à eólica, hoje em dia, responsáveis por 7% do fornecimento da eletricidade mundial) e de recursos; (4) substituir recursos não renováveis por renováveis e; tão elementar quanto às demais; (5) aumentar a eficiência em relação aos recursos utilizados.

Notas:

  1. Disponível em: <https://expresso.pt/sociedade/2024-06-05-ha-12-meses-que-se-batem-recordes-de-temperatura-estamos-a-jogar-a-roleta-russa-com-o-nosso-planeta-diz-guterres-6d486d2c
  2. Reconstruindo a ‘humanitas’ e novos sentidos para a vida no Antropoceno. Disponível em: < https://www.ihu.unisinos.br/categorias/623851-reconstruindo-a-humanitas-e-novos-sentidos-para-a-vida-no-antropoceno>
  3. Entrevista com José Esquinas: Se não pararmos a destruição de nosso planeta, nada mais terá importância. Disponível em: < https://ihu.unisinos.br/categorias/629853-se-nao-pararmos-a-destruicao-de-nosso-planeta-nada-mais-tera-importancia-entrevista-com-jose-esquinas>
  4. Acessar: < https://www.wma.net/>
  5. Disponível em: < https://www.ihu.unisinos.br/categorias/628752-a-adiada-descolonizacao-do-brasil-entrevista-com-ailton-krenak>
  6. Idem
  7. Recolhido de HARLAND. M & KEEPIN, W. A canção da Terra, Editora Roça Nova. Rio de Janeiro: 2016.

Autor:  Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental.  Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP), pelo Programa de Integração da América Latina (Prolam). Autor de Civilização em Desajuste com os Limites Planetários (CRV, 2018) e A Civilização em Risco (Jaguatirica, 2024), entre outros.

Edição: A. R.

Porque não devemos chamar palavrões na frente das criancinhas?

Todos os nossos gestos, palavras e atitudes são imitadas pelas crianças mesmo que as digamos para não fazerem aquilo. Quando estiverem longe da nossa convivência vão xingar o coleguinha e chamar aquele palavrão bem feio com a professora ou com o amigo do jogo de bola.

Sempre que estou escrevendo um poema ou um pequeno ensaio como este, gosto de citar alguma letra de canção ou poesia para trazer bonitezas ao nosso viver tão carente de amor e cuidados.

Hoje eu trago o poema de Vinícius de Moraes na voz intitulado “Valsa para uma menininha” com os seguintes versos:

“…Menininha, que graça é você / Uma coisinha assim / Começando a viver / Fique assim, meu amor / Sem crescer…”

Ah, como eu queria que as crianças não crescessem jamais e pudessem viver sempre no mundo do faz de conta e da imaginação vindo para o real só para sentirem o cheiro da terra a ser molhada pela chuva ou tomarem um belo banho de mar! Todavia, as coisas nem sempre são como a gente gostaria que fossem, e as crianças precisam crescer.

Enquanto criancinhas, devem experimentar as mais lindas aventuras e os mais belos momentos que puderem ao lado de quem as ama, ao lado de pessoas responsáveis e que lhes passem a segurança e o cuidado necessários para crescerem saudáveis emocionalmente e fisicamente. Sem o cuidado dos pais ou de responsáveis que saibam como lidar com as suas birras e peraltices talvez não tenham tantas alegrias nos seus mundinhos e vez ou outra necessitem fugir da realidade criando monstros dentro de si. Triste isso, mas é a verdade, e ela dói, eu sei.

Hoje, nós vamos falar de uma coisa que passa meio despercebida pelos adultos quando estão rodeadas pelas suas criancinhas: os palavrões e xingamentos falados a outros que elas escutam e ficam sem entender o que significam aquelas palavras que fazem a gente ficar nervosos por demais, gritarmos, sairmos de si, explodirmos de raiva e até mesmo descontarmos em cima delas coitadinhas que não têm nada a ver com os nossos estresses e confusões com pessoas alheias.

As crianças tendem a imitar os pais e responsáveis em tudo.

Elas têm orgulho das pessoas com as quais convivem, somos seus heróis e heroínas de carne e osso, porque os outros nunca apareceram para elas vestidos iguais a nós, nunca choraram ou nunca tiveram dores de cabeça ou dores de barriga, por isso elas nos têm tão próximas de si que são capazes de adoecerem de saudades se ficarmos muito tempo distantes delas.

Todos os nossos gestos, palavras e atitudes são imitadas pelas crianças mesmo que as digamos para não fazerem aquilo. Quando estiverem longe da nossa convivência vão xingar o coleguinha e chamar aquele palavrão bem feio com a professora ou com o amigo do jogo de bola.

É preciso cuidado e respeito também. As crianças não devem escutar certas coisas, é por isso que existe horário para crianças assistirem alguns filmes e novelas na televisão como também horário de ir para cama.

Alguns pais e responsáveis nos causam vergonha xingando outros pais nos semáforos e filas de supermercados de frente as suas crianças que ficam perdidas no meio da confusão ouvindo tudo aquilo e absorvendo nos seus pensamentos e espírito. No dia seguinte, o que ocorre é que na primeira confusão que tiver na sala de aula a criancinha vai achar que se disser o mesmo palavrão que o pai ou a mão disse àquela pessoa estranha no semáforo resolverá seu problema quando não é verdade.

Criança que chama palavrões e xinga as outras são consideradas rebeldes e malcriadas pelos seus professores que não entendem ser aquilo reprodução do que vivem em casa, porque uma criança que tem um lar com harmonia, amor e paz jamais vai ser agressiva com outra a não ser que sofra de alguma doença ou coisa especial e mesmo assim ainda não se comportará de forma malcriada.

Os professores com os quais as criancinhas passam a maior parte do tempo devem educá-las com paciência e cuidados básicos dizendo para elas que aquilo é feio, que aquele palavrão não pode ser dito, que vai machucar o coração do amiguinho e vai fazer dela uma criança não querida pelas outras. É preciso saber conversar e o diálogo neste momento é muito importante para que a criança assimile o seu erro e peça perdão a quem xingou ou chamou um palavrão.

Nunca devemos bater nas criancinhas por elas falarem palavrões ou xingarem alguém mais velho do que elas como os vovôs e vovós. Se não querem ir para os seus colos ou não querem as suas companhias respeitemos e mostremos para elas que os idosos têm muito a nos ensinar. Eles não gostam de xingamentos ou palavrões. Eles só querem que digamos palavras bonitas como amor, carinho, felicidade, bonito e por aí segue.

Somos os responsáveis pelos comportamentos das nossas criancinhas em sala de aula e em casa.

Vi outro dia uma criança que foi mordida pelo seu amiguinho da creche e quando chegou em casa que o pai viu aquilo xingou a professora e a escola. A criancinha começou a chorar porque no seu pequeno mundo teve medo de nunca mais poder reencontrar aquelas pessoas queridas já que o pai dizia a todo momento que ia tirá-la daquele lugar para um outro melhor.

A criancinha não sabe o que é o melhor para ela. Até mesmo já passou a dor da mordida e não vai revidar coisa nenhuma, papai ou mamãe. Crianças não são vingativas iguais aos adultos. Crianças não guardam mágoas e não planejam maldades.

Evite perder o controle das suas emoções na frente da sua criancinha. Comporte-se diante dela. Você passa cada vez menos tempo ao seu lado. Seja para ela um adulto amável e cuidadoso.

Respeite as suas poucas palavras que já aprendeu a falar, e não permita que no seu pequeno vocabulário emocional sejam escritos palavrões e xingamentos. Queira o bem para quem precisa aprender a amar e chegou agora neste mundo cruel e difícil de viver e ser compreendido, pois somos o tempo todo julgados pelas nossas palavras e ações.

Faça a sua criancinha crescer aprendendo a respeitar a todos independente de quem seja. Que ela aprenda a cumprimentar as pessoas, a se comportar como um príncipe ou princesa dizendo sempre palavras doces e cheias de ternura. Sabemos que as crianças são inocentes e quando chamam um palavrão não sabem nem o que aquilo significa, porém se permitirmos, se sorrirmos, se fizermos pouco caso daquilo, a cena que hoje gostamos de ver só porque ela é pequenina e não merece ser castigada vai se repetindo até a idade adulta.

É verdade que criança nenhuma deve ser castigada por reproduzir os palavrões e xingamentos que os pais dizem quando estressados, mas conversemos com elas dando-lhes orientações respeitosas e cuidadosas de que aquilo é feio e não fica bom para uma criança dizer. Uma criança deve dizer palavrinhas bonitas e as ensinemos algumas palavrinhas pequeninas que podem ser delicadas, ternas e carinhosas para aprenderem antes que o mundo lhes ensine coisas terríveis porque para isso não faltam quem lhes ensine.

E para concluir deixo vocês com mais um pouco de Vinícius de Moraes na sua “Valsa para uma menininha” que indico para todo os gêneros com os quais a criança se identifique e os pais a respeitem.

Sigamos com os seguintes versos que tanto gosto de Vinícius que nos diz:

 “…Menininha, não cresça mais não / Fique pequenininha na minha canção / Senhorinha levada / Batendo palminha / Fingindo assustada / Do bicho-papão…”

Que possamos ser fadas, reis e rainhas engraçados às nossas criancinhas, mas nunca bicho-papão xingando pessoas estranhas e dizendo palavrões aos gritos por aí a fora, mas sendo carinhosos e respeitando a presença deste ser inocente que está crescendo ao nosso lado e nos ensinando que para ser gente grande é preciso amar com gente pequena e que o bicho-papão fique apenas nos contos de fadas.

Autora: Rosângela Trajano

Edição: A. R.

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