Era uma vez a Feira do Livro mais querida que, todos juntos, pudemos fazer.
Era uma vez uma Academia de Letras, uma prefeitura e suas Secretarias de Cultura e de Educação, uma Biblioteca Municipal, uma Coordenadoria Regional de Educação, um Instituto Histórico e uma unidade do SESC, todos muito encantados com livros, letras e literatura.
Todas as pessoas desse grupo habitavam uma cidade que era Capital Nacional da Literatura e se chamava Passo Fundo.
Nesta cidade havia um espaço muito bonito chamado Roseli Doleski Pretto, onde ficavam os prédios da cultura, bem no centro da cidade.
O grupo que gostava de livros, letras, literatura, começou a montar uma feira pra mostrar quanta coisa maravilhosa estava acontecendo no mundo da literatura e resolveu chamar Roger Castro para ser o MC – o mestre de cerimônia.
Vieram os escritores Antônio Schimeneck, Luciana Marinho, Eleonora Medeiros, Pablo Morenno, Simoni Giehl, e deu uma mistura muito pop, porque veio um tal de Chiquinho Divilas, que era rapper e tinha um lado escritor, assim como os dois músicos Thedy Corrêa e Duca Leindecker, que também transitavam pelo mundo das letras, e pronto, já estava montada uma parte muito, muito importante da feira: os escritores convidados.
E aí começaram a pensar: e os escritores que tem livros pra lançar? E os contadores de histórias? Temos que chamar também. Temos que trazer para a feira o café filosófico, espetáculos teatrais, artesanato literário…
Beleza, então vamos ao check list:
– Lugar para a feira? Positivo.
– Escritores? Tá na mão.
– Contadores de histórias? Fechou.
– Lançamento de livros? Tudo belezinha.
– Espetáculos teatrais? Já é.
– Artesanato literário? Demorô.
Tá, mas e quem é que a gente vai homenagear?
A resposta parecia um jogral: tem que ser de Passo Fundo. Aqui está cheio de gente e instituições que nos enchem de orgulho.
Silêncio, silêncio, e a fumacinha branca apareceu: habemus Amigo do Livro e era a Gráfica e Editora Padre Berthier.
Mais um fumacê branco surgiu no ar e o nome era da professora Josenira Ferreira como Educadora Emérita.
Já tinha gente tossindo com tanta fumaça, quando saiu o nome do Educador Motivador: professor Aleixo da Rosa.
Faltava o Patrono. Ah, o Patrono, quem será o Patrono? E a fumacinha veio ali dos lados da Paissandú. – Que massa, a EENAV, a escola que completava 95 anos, a escola das normalistas, era a Patronesse da feira.
Ah, mas agora sim, a feira do livro estava do balacobaco! Só que, do nada, chegou uma notícia: 18 mil alunos da rede de ensino do município terão 40 Reais, cada um, para comprar livros na feira. Era o vale livro, um programa da Prefeitura de Passo Fundo. E a feira que era do balacobaco ficou do ziriguidum também.
Alguém do grupo parecia o burro do Shrek e perguntava insistente: já dá pra começar a feira? Ainda não. Tá pronta a feira? Não, ainda não. E agora, dá pra começar? Aff…
Estava faltando o tema da feira, claro! Aquela frase pra convidar, pra mostrar o espírito da coisa, e aí foi dureza. Vou contar pra vocês, bem baixinho… De um lado estavam os mano da quebrada e, do outro, aquele pessoal que fala certinho, que usa o ‘s’ quando é plural. Meuuu, que embate rolou. Mas a turma estava de boa e ajeita daqui, arruma dali, entenderam que o tema da feira tinha que ser leve, fácil, bom de dizer e assim nasceu o Bora lá, Bora lê!
Tudo montadinho no Espaço Roseli, chegou o domingo, dia 20 de outubro.
Que dia bonito foi aquele! Finalmente a 36ª Feira do Livro estava acontecendo.
Vieram as autoridades, crianças, amigos.
E quando a feira começou, quando o primeiro ônibus chegou, cheio de crianças, o livreiro fez a primeira venda de um livro, quando a primeira criança escutou uma contação de histórias, o primeiro jovem saiu feliz com o autógrafo e o primeiro adulto ouviu, atento, o escritor, todos entenderam porque feiras do livro não morrem.
Essa história é de 2024, mas poderia ser de 1997, porque tudo sempre se repetirá enquanto alguém encontrar um banco, uma mesa, um cantinho, abrir um livro e criar um mundo.
Era uma vez a Feira do Livro mais querida que, todos juntos, pudemos fazer.
Fotos:Divulgação/Feira do Livro de Passo Fundo
Autora: Miriê Tedesco, secretária municipal de Cultura de Passo Fundo, RS.
Vivendo um momento histórico, a cidade de Passo Fundo comemora a eleição de quatro mulheres para a Legislatura 2025-2028. Comemora também a reeleição de três vereadoras em um parlamento que, até então, jamais havia reeleito uma mulher. As quatro candidaturas femininas estão entre as seis mais votadas do pleito, demonstrando o fortalecimento da participação feminina na política e o reconhecimento do trabalho realizado pelas atuais parlamentares.
Foram eleitas para a nova legislatura, Eva Valéria Lorenzato (PT), Professora Regina Costa dos Santos (PDT), Ada Munaretto (PL), além de ser eleita Marina Bernardes (PT).
A criação da Procuradoria Especial da Mulher na Câmara de Vereadores é, também, uma conquista simbólica e concreta, que fortalece nossa presença e empodera as mulheres enquanto agentes de transformação.
Nesta matéria exclusiva ao site, entrevistamos Eva Valéria Lorenzato sobre os desafios de seu novo mandato. Marina Bernardes manifesta suas expectativas pelo seu mandato que começará em 2024.
Perguntamos às vereadoras eleitas: Como avalia as eleições municipais de 2024? Como seu mandato pretende contribuir com a afirmação dos direitos e conquistas feministas, bem como na busca de novos direitos? Quais serão suas prioridades? Como e por que a política é a mais autêntica e eficiente forma de resolver os problemas sociais e estruturantes das comunidades, inclusive a partir dos mandatos parlamentares? O que a comunidade de Passo Fundo pode esperar a partir da tua atuação parlamentar?
Reeleita com 2.831 votos em Passo Fundo, a vereadora Eva Valéria Lorenzato (PT) chegará, aos 51 anos, ao segundo mandato a partir de 2025. A parlamentar mais que dobrou o número de eleitores em comparação com as eleições municipais de 2020, quando arrecadou 1.310 votos.
Com a palavra Eva Valéria Lorenzato
“Momento importante da disputa de projetos para Passo Fundo. Três propostas foram apresentadas. Estive no campo que reuniu PT e sua Federação com o PDT, com apoio do PSOL e outros. Foi momento para avaliarmos os últimos 12 anos de um continuísmo que produziu uma cidade para poucos, abandonou as periferias e não cuidou das dores de nosso povo. Mesmo que tenha sido reeleito, não tem o apoio da maioria do eleitorado, visto que se dividiu entre os dois outros candidatos.
No legislativo tivemos uma mudança significativa, metade não voltou. Para o PT foi um resultado importantíssimo: dobramos os votos para vereadores e agora somos duas vereadoras. O PT passou de 4.527 votos, sendo 201 da legenda, em 2020; para 9.604 votos, com 304 na legenda, neste pleito. É a aprovação de um projeto nacional que tem representantes locais. O prefeito eleito tem maioria, mas não tão folgada.
As mulheres foram vitoriosas. Pela primeira vez três mulheres são reeleitas, sou uma delas. Metade dos seis mais votados são mulheres. As mulheres serão fundamentais no próximo mandato e trabalharemos para ampliar ainda mais a presença feminina nos espaços políticos.
Sobre seu trabalho pelos direitos e conquistas feministas na Câmara de Vereadores
Sempre defendi as mulheres. Sempre participei das organizações e das lutas das mulheres. Tenho certeza que o mandato que conquistamos é fruto deste engajamento e deste compromisso. A luta das mulheres não é a luta de uma de nós, mas de todas nós juntas. O trabalho parlamentar e parte de um conjunto de outras iniciativas.
Enfrentar a violência contra as mulheres segue sendo uma das principais lutas. Ainda muitas são as que morrem ou sofrem algum tipo de violência e são impedidas de se realizarem como pessoas. Inaceitável.
O desenvolvimento da autonomia financeira das mulheres é um desafio fundamental pois a dependência econômica é um dos fatores que as impede de sair dos ciclos de violência e de encontrar novos caminhos.
Serei incansável na cobrança de políticas públicas municiais. Mas não se pode fazer nada sem a participação das mulheres, nos conselhos, fóruns, conferências. O prefeito precisa entender que o Município não existe sem a nossa contribuição e Passo Fundo será melhor para todas as pessoas se for bom para as mulheres.
Sobre a importância da política
A vida é política não porque a gente quer, mas porque a vida acontece sempre na convivência com as outras pessoas, em comunidade. Compreender assim e colocar-se numa posição contrária ao individualismo neoliberal que insiste em nos isolar, como s cada uma e cada um de nós fosse capaz de garantir tudo sozinho, disputando e competindo com os outros.
Aprendemos desde cedo que em tudo somos interdependentes em relação uns aos outros, umas em relação às outras. Transformar estas relações em processos participativos, amorosos e solidários é o melhor caminho. Para isso necessário enfrenar todas as formas de desumanização, de ódio e de desqualificação, de discriminação de todo tipo.
A convivência democrática nos ensina desde os antigos gregos que o exercício do poder não é coisa para os “aritói” (os bem-nascidos), mas o que pode ser alargado para os comuns. Mas, assim como era entre os gregos onde mulheres e escravizados não podiam participar da política, temos hoje em dia ainda o desafio de efetivamente democratizar a democracia pela participação direta e o mais ampla possível.
Sobre o que a comunidade passofundense pode esperar do seu trabalho parlamentar
A comunidade tem meu agradecimento. Cada passofundense que votou em mim pode ter certeza de que terá uma representante atenta e disposta a levar adiante as lutas. Aqueles e aquelas preferiram outros candidatos e candidatas contem com minha vigilância.
Não darei descanso a quem quer que seja que não esteja disposto a garantir os direitos do povo trabalhador. Não darei descanso a quem seguir promovendo discriminação e desrespeito. Não darei descanso a quem acha que pode fazer de conta e não atender ao que o povo de fato precisa.
Serei incansável na defesa do projeto popular, na luta pela proteção das mulheres e meninas, na promoção da vida saudável, na busca da mobilidade inclusiva e na luta pelos direitos humanos para todas as pessoas. Vamos juntas e juntos. É o jeito que sei fazer para que possamos ir mais longe, sem que ninguém fique para trás.
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Estreante na política de nossa cidade, Marina Bernardes (PT) chegará à Câmara de Vereadores como a mulher mais votada da história da cidade. Aos 31 anos, a arquiteta e urbanista recebeu 3.062 votos.
Com a palavra Marina Bernardes
“O processo eleitoral se mostrou uma oportunidade de reforçar a importância do diálogo, da necessidade de se ampliar a participação social e popular na tomada de decisões da cidade e também de apresentar uma forma diferente de produzir tanto a política quanto as formas de se fazer campanha. Em um nível macro, olhamos para a reeleição do atual prefeito a partir de algumas questões que se apresentaram no cenário brasileiro. Entre elas, o uso da máquina pública para mostrar atividades e serviços feitos durante os quatro anos. Essa não foi uma exclusividade de Passo Fundo, pois quando olhamos para outros cenários no Rio Grande do Sul e também em outros municípios brasileiros podemos observar elevados índices de reeleição de prefeitos.
Entendemos que a expressiva votação das candidaturas de Oposição e o alto índice de abstenção revelam uma insatisfação da população com o formato do governo. Vamos acompanhar com muita atenção cada passo da gestão municipal. Olhando para o micro, temos a convicção de que a nossa candidatura ao Legislativo, que surgiu de forma espontânea entre a comunidade, atende a essa disposição e a necessidade que as pessoas tinham e ainda tem de se re-encantar com a política. Minha trajetória pessoal de ativismo em movimentos sociais, principalmente os ligados a arquitetura e ao direito à cidade, vinculado ao trabalho desenvolvido nas redes sociais foram bem recebidas pelo eleitorado e tem um significado importante quando olhamos para as discussões que precisamos fazer pensando em envolver mais pessoas na política partidária.
Sobre seu futuro trabalho pelos direitos e conquistas feministas na Câmara de Vereadores.
Nosso plano de trabalho é organizado em três eixos, um chama-se “Cidade das mulheres”, porque partimos do ponto de que se a cidade é boa e segura para as mulheres e crianças, então, será melhor para todo mundo. Acreditamos que muitas pautas precisam englobar a mulher, como por exemplo, a segurança pública. Não bastam apenas mais estruturas físicas, como a Cidade da Polícia, que é um projeto da atual gestão, sem políticas de prevenção e proteção às mulheres. Além disso, também defendemos a ideia de que se a cidade for mais acessível, com caminhabilidade, transporte público eficiente e boa iluminação, as mulheres terão mais condições de enfrentar as demandas diárias, tendo em vista que assistidas por boas políticas públicas também estarão mais seguras. Outra questão que assola o desenvolvimento e qualidade de vida das mulheres é a falta de vaga na educação infantil, assim como boas oportunidades oferecidas com as novas estruturas como a escola das profissões. Estaremos atentos as demandas e fiscalizando o poder público para atender a estas demandas que são de direito básico.
Sobre a importância da política
Em nosso campo político defendemos o papel do estado para a resolução de demandas que perpassam políticas e serviços públicos, diante disso, em nossa atuação parlamentar vamos trabalhar pela qualificação de todos os serviços que são de responsabilidade da prefeitura e precisam de uma câmara de vereadores atenta que fiscalize, de fato, as decisões da prefeitura e que incluam a participação social.
Sobre o que a comunidade passofundense pode esperar do seu trabalho parlamentar
Desde 2020 estou presente em territórios bastante precários da cidade defendendo a necessidade de cobrar o poder público por políticas habitacionais, planejamento urbano, redução das filas – que são fruto do sucateamento dos mais diversos serviços públicos da cidade. Seguiremos pressionando, denunciando e fiscalizando a prefeitura para que cumpra seu papel na entrega dos serviços que são de direito nosso”.
Cada detalhe da festa é um fragmento da rica tapeçaria cultural que compõe Campina das Missões, unindo passado e presente, Brasil, Rússia e a cultura gaúcha, em um diálogo sereno, construindo um futuro lindo para a cidade e seus habitantes.
No último domingo, dia 13 de outubro, a pitoresca Campina das Missões se encheu de alegria e devoção em sua festa patronal, dedicada a São João Evangelista, também chamado de o Teólogo pela Igreja Ortodoxa. A comunidade, unida por um propósito claro, mostrou-se engajada não apenas em suas tradições religiosas, mas também em um compromisso palpável com o desenvolvimento consciente de seu passado cultural, econômico e social.
Ruas sendo aprimoradas com os pavimentos intertravados que adornam as ruas da cidade são um símbolo eloquente dessa harmonia, permitindo que a água da chuva penetre no solo, respeitando a natureza que nos abriga. Esse cuidado com o meio ambiente, bem enfatizado por mim, uma arquiteta urbanista, reflete uma consciência coletiva, que se estende ao dinamismo econômico evidente na feira rural, que também conhecemos e visitamos. Ali, o empreendedorismo floresce, promovendo produtos locais e resgatando a essência da produção familiar.
A Casa do Agricultor Rural, uma iniciativa que busca conservar tanto a tradição alemã quanto a tradição russa, por meio de sua indústria e artesanatos típicos, demonstra esse fio de ouro que move boa parte da cidade, em constante desenvolvimento numa busca pelo tempo perdido, reatando seus laços com o passado, para honrá-lo e torná-lo sempre presente.
A festa em si, ocorrida ao lado da Igreja dedicada a São João, é de grande vitalidade para esses veios da tradição local. A missa, celebrada em um ambiente de reverência, uniu os presentes em um só espírito. O aroma da Slavianka, uma cerveja preta tipicamente russa, recentemente criada, encantava os paladares, enquanto convidava à celebração da vida e à partilha de histórias que ecoam de geração em geração.
E assim, como uma ponte entre três culturas, o dicionário russo-gaúcho-brasileiro, criado pelo Dr. Jacinto Zabolotsky, um dos responsáveis pela organização de todo o evento e cônsul honorário da Rússia no Brasil, serve de metáfora para a interseção de identidades – o encontro de culturas em um só lugar.
Cada detalhe da festa é um fragmento da rica tapeçaria cultural que compõe Campina das Missões, unindo passado e presente, Brasil, Rússia e a cultura gaúcha, em um diálogo sereno, construindo um futuro lindo para a cidade e seus habitantes.
Concluindo com as palavras de Sêneca, “que a virtude ecoa no silêncio”, presenciamos em Campina não apenas a celebração de um ritual rubricado, mas a perpetuação de tradições vivas, onde uma comunidade, mesmo diante dos reveses do tempo, consegue se manter crescente e coerente com seu passado, apesar do correr desses mesmos dias – cortando a distância do tempo pela ponte do presente. A festa é uma manifestação dessa mesma virtude, que se faz ouvir desde dentro do coração da comunidade, ecoando em cada risada, em cada prece, em cada copo levantado em homenagem ao que é sagrado e ao que nos une. Assim, Campina das Missões se reafirma como um modelo de respeito e tradição, onde tradição e modernidade caminham lado a lado.
Obrigado, Airton Dipp! Tua trajetória política marcou profundamente a história de Passo Fundo!
As eleições de 2024 foram oportunidade única de conhecimento e reconhecimento dos mandatos do prefeito Airton Lângaro Dipp na sua cidade Passo Fundo, como também um momento ímpar para reconhecer sua postura política e suas qualidades como pessoa e como governante.
Durante o período eleitoral, Dipp cumpriu importantes tarefas políticas: pode defender suas realizações e seus legados para a cidade, uniu partidos importantes em torno de um novo e renovado projeto de desenvolvimento econômico com inclusão social e, ainda, mostrou caminhos alternativos para a gestão municipal, propondo ações e políticas de enfrentamento dos problemas sociais da maioria da população, sobretudo dos bairros e periferias pobres.
Caminhar ao lado de Dipp oportunizou-nos perceber sua inteligência e visão de futuro do Município. Permitiu, ainda, reconhecer sua integridade e postura de homem público; a importância da realização de obras estruturantes; uma melhor interlocução com a comunidade; valorização dos serviços públicos; defesa e implementação de políticas e estratégias de saúde básica; estruturação de políticas habitacionais numa cidade onde milhares de pessoas vivem em ocupações (por falta de melhores condições para o exercício do seu direito de moradia digna); valorização da educação pública municipal.
Em democracia, não se lamenta resultado de eleições, respeita-se! A escolha dos passo-fundenses foi outra, Paciência! Os caminhos apontados pela candidatura de Airton Dipp e Doutor Júlio podem servir, esperamos, como sugestões aos governantes e legisladores escolhidos pelo povo de Passo Fundo.
O candidato Dipp, de alguma forma, foi vítima de etarismo, ou seja, discriminação, preconceito e estereótipos direcionados a pessoas com base na sua idade. Sofreu tal discriminação de forma velada e de forma expressa, perfectibilizada até em peça publicitária. Cabe a reflexão sobre como lidamos com os mais velhos e qual seu papel na sociedade, bem como qual é a prerrogativa dos prefeitos e prefeitas (que já foram considerados pais ou mães de uma cidade). Ao que comprovamos, o candidato Dipp goza de boa saúde física, emocional e intelectual e poderia fazer, novamente, uma grande administração municipal.
Airton Lângaro Dipp, a partir de sua experiência e de suas proposições nesta campanha de 2024, apontou caminhos republicanos de política, com visão de futuro e ousadia na forma de governar.
Embora sem resultado eleitoral favorável, o estadista saiu satisfeito desta experiência, despedindo-se da vida pública, definitivamente. Assim ele próprio afirmou: “fiquei muito satisfeito porque tive a oportunidade de falar das minhas gestões e do quanto elas foram importantes para o desenvolvimento de Passo Fundo”. Resta-nos agradecer por tudo e por tanto que este homem público realizou por nossa querida Passo Fundo.
Obrigado, Airton Dipp! Tua trajetória política marcou profundamente a nossa história!
Me dou conta de que o título da crônica deveria ser outro: “Até onde algo que você julga que errou irá te seguir?” No meu caso, até hoje. Caso contrário, não teria me lembrado dele. E quem sabe não teria feito o roteiro do filme que tem como título: “Por uma alegre meia tarde”. E como subtítulo: “Até onde você iria para reparar um erro?”
Há muitos anos, quando o tratamento da esquizofrenia não tivera os avanços que tem hoje, me telefonou alguém se apresentando como delegado na cidade de São Paulo. Por azar, minha secretária havia faltado, na sala de espera havia pacientes e familiares de pacientes que vieram à minha procura sem marcar hora, e eu atendia uma paciente com risco grave de suicídio. Tinha tudo para dar errado – e deu.
O telefone tocou com insistência e eu tive que interromper a consulta para fazer silenciar aquele som estridente que me impedia de manter a atenção no relato da paciente. “Eu sou delegado e estou com um rapaz na minha frente que estava com comportamento maluco na rua. Ele tem seu telefone num papel amassado no bolso. Diz se chamar… O senhor o conhece?”
Eu pensei rapidamente, meus olhos estavam na paciente sentada a minha frente, não me veio nada. Minha atenção não estava no telefone. “Não estou lembrando”. O Delegado desligou.
A mãe do rapaz levou uma semana para localizá-lo, preso em São Paulo, e liberá-lo mediante um atestado meu. Na época, pacientes com esquizofrenia tendiam a abandonar a medicação, elas tinham muitos efeitos colaterais, pioravam, e a família custava a fazê-los voltar ao tratamento. Não era incomum, em surtos, o paciente sumir. Fugir de casa, ir embora sem saber para onde ia. Eu insistia para que eles andassem com um papel com o meu telefone.
Não via o rapaz há muito, e isso ajudou a eu não me lembrar dele. Mais o atrapalho do momento… Não importa, o fato é que, se eu tivesse me concentrado na fala do delegado e pedido mais detalhes, eu lembraria. Ele, provavelmente, não ficaria na cadeia, e a mãe não teria de procurá-lo numa cidade enorme e desconhecida para ela por uma semana. Colegas me disseram que talvez fosse pior se eu dissesse que o conhecia, que havia sido meu paciente e que sofria de esquizofrenia: seria internado num manicômio judiciário e custaria muito mais tempo para voltar para casa. Não importa. O fato é que tenho a convicção de que errei. Errei mesmo.
Tentei reparar atendendo-o de graça até o momento em que a família mudou de cidade. E mais: passei a atender a todos os telefonemas com bastante atenção. Na época, não havia celular. Na minha casa, por exemplo, havia um telefone fixo que tocava para mim, para minha mulher e para meus dois filhos adolescentes. Sabe aquele jogo de empurra? Sempre alguém meio brincando afirmava: “Não é pra mim!” Era necessário largar o que se estava fazendo e correr até o telefone. Ele já estava quase parando de tocar…
Bem, a partir daquele dia, para satisfação da família, tocava o telefone e eu corria a atender. E mais ainda: dava muita atenção ao que falavam do “outro lado da linha”, inclusive para os trotes. Na época, havia muitos trotes.
Me dou conta de que o título da crônica deveria ser outro: “Até onde algo que você julga que errou irá te seguir?” No meu caso, até hoje. Caso contrário, não teria me lembrado dele. E quem sabe não teria feito o roteiro do filme que tem como título: “Por uma alegre meia tarde”. E como subtítulo: “Até onde você iria para reparar um erro?”
Trata-se de DRAMA: “Para reparar erro, principio que sempre defendeu, médico teria de abrir mão de outro: sempre agir dentro da lei e da ética”. De 21 a 26 outubro de 2024, 19:30 Passo Fundo Shopping. Ingressos na bilheteria ou pelo site do CINELASER:https://lasercinemas.com.br/programacao/
Temos o dever de reconhecer que, por conta da aceleração da mundialização que se impôs sobre o mundo natural, agora temos conosco a mais violenta lógica de destruição do mundo vivo.
Conter os danos ambientais levados ao corpo da Terra e as mais significativas alterações na base ecológica do mundo vivo, todas gestadas pelo avanço dos projetos economicistas predatórios, é, de longe, o desafio mais imediato de nossa civilização moderna. Assim sendo, a certeza que temos agora, diante de um modelo de produção e consumo global que faz a mais severa exploração comercial dos recursos verdes sem ao menos respeitar o tempo de regeneração da natureza, acelerando, portanto, a destruição da sociobiodiversidade e modificando o clima, é que nos encontramos na encruzilhada do aquecimento global.
Nesse caso, olhos postos na emergência climática, resta claro que o colapso ecológico chegou de vez. Dada a pressão sobre a natureza e o clima, pela primeira vez podemos dizer figuradamente que o planeta está em chamas.
Contudo, pela força das evidências, assusta saber que cada uma das últimas quatro décadas, pelos documentos oficiais do IPCC, foi sucessivamente mais quente do que qualquer outra década que a precedeu desde 1850.
Sendo breve e pensando sobretudo nas condições ambientais que asseguram o direito à vida e que estão no limite crítico justamente por conta do desempenho da economia global que dependente dos combustíveis fósseis, não há mais como esconder os fatos aterradores, a começar pelo aumento do desmatamento tropical (redução da capacidade das florestas pela derrubada criminosa de árvores, nossa riqueza que realiza a fotossíntese, absorve dióxido de carbono, libera oxigênio, ajuda a mitigar os efeitos das emissões de gases de efeito estufa e melhora a qualidade do ar) e também pela fragilização dos ambientes naturais, dois contributos à perda de equilíbrio ecológico.
De resto, numa sociedade que aprendeu a acenar para o modelo de acumulação e que ainda ignora sobremaneira que o planeta é finito, tudo converge para a incidência do que se pode chamar, em termos mais diretos, de ruptura metabólica, razão pela qual a qualidade de vida da humanidade, e é isso o que mais importa, segue bastante comprometida.
No mais das vezes, vendo a questão de forma ampliada, não podemos deixar de dizer abertamente que a lógica da produção e do consumo, ao mesmo tempo em que reproduz a mais antiecológica das lógicas pensadas pela inteligência humana, a expansão do capitalismo global com o qual se pretende organizar a sociedade moderna, corporifica, a rigor, toda a nervura (a estrutura) da própria de crise em si, quer dizer, a busca de uma economia de crescimento sem fim (convenhamos, a mais absoluta das impossibilidades) que se dá acima da capacidade de suporte do planeta.
Logo, diante do contexto da exploração e apropriação da natureza pelo setor produtivo, para repetir o óbvio, a Terra, como tão bem sinalizam os especialistas, se aproxima de “pontos de inflexão do risco”.
Isso significa dizer ainda que, num mundo com dificuldades de manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais, mais significativas tendem a ser as deformações no funcionamento geral da biosfera.
Por isso a certeza de que o colapso/deterioração ambiental, per si, configura um quadro de destruição/devastação da natureza – e esgotamento de recursos, é claro – jamais presenciado.
E se ainda permanecer alguma dúvida, podemos começar lembrando, entre outros, que: i) um terço das terras aráveis e férteis (12 bilhões de hectares) do mundo estão improdutivas, impactando na produção, na reserva de água e no sequestro de carbono; ii) nada menos que 70% dos sinais vitais da Terra, devido os efeitos das mudanças climáticas, estão em estado crítico.
Bem entendido essa primeira parte nevrálgica, continuemos explicando: i) setenta e sete por cento da terra e 87% do oceano foram [radicalmente] alterados pelo antropocentrismo dominador; ii) a metade conhecida das zonas úmidas do planeta (pântanos, mangues, charcos, turfeiras) desapareceu devido aos impactos da agricultura, urbanização e poluição; iii) o derretimento do gelo (a saber, 2023 foi o ano em que o mundo perdeu mais gelo do que em pelo menos cinco décadas) e das geleiras, hoje mesmo, ameaça frontalmente a segurança hídrica das sociedades modernas. No caso, os especialistas não se cansam de sinalizar sobre a possibilidade real de que 40% das reservas hídricas da Terra podem desaparecer até 2030,devido às mudanças climáticas.
Complementando, todos sabem pelo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) que, em 2023, o ano mais quente dos últimos 100 mil anos, os rios do mundo tiveram a pior seca em pelo menos 30 anos; nesse pormenor, calor e seca estão minando cursos de água vitais. De igual modo, o Rangelands Atlas informa, em linhas gerais, que 54% da superfície terrestre do mundo consiste em áreas sem florestas, biomas não florestais, mas, todavia, somente 12% deles está sob proteção. Nos relatórios do World Wildlife Fund (WWF) lemos brevemente que houve declínio de 83% em relação aos animais que habitam os rios de água doce, principalmente na América Latina e Caribe. Por último, mas não por fim, a informação que vem da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, FAO, destaca, em tom de alerta, que 73% das raças de gado bovino no mundo estão ameaçadas de extinção. Das cerca de 7 mil raças de gado do planeta, apenas 1,3% dispõem de estoque de material genético suficiente para assegurar sua reconstituição em caso de extinção.
Assim sendo, não resta dúvida, portanto, de que estamos diante do mais grave sinal de empobrecimento da diversidade biológica da Terra. É esse, em síntese, o ponto mais nevrálgico da crise ecológica atual.
Empobrecimento da diversidade biológica da Terra
De um lado, focos de queimadas, extração de madeira, e, em alguns lugares, total ausência de chuvas, mudando, pois, velhos habitats ao longo das bordas da floresta. Do outro, tempestades destrutivas e cada vez mais intensas, pesca excessiva, poluição por fertilizantes e pesticidas que comprometem a rica história de biodiversidade do mundo vivo. No fim das contas, como acabamos de dizer, eis a pesarosa situação de empobrecimento da diversidade biológica da Terra.
Ponto preocupante, como o planeta que habitamos não dispõe de recursos em abundância e tampouco dispomos de outro planeta à nossa (irresponsável) disposição, não é difícil inferir, daí em diante, que milhões de pessoas, animais e vegetais, em diversas partes do mundo, serão ainda mais afetadas por conta do desequilíbrio da natureza. De toda sorte, olhos postos na crise de biodiversidade atual, permanece o alerta: se nada for feito de forma radical em termos de mudanças, o tempo crítico, ousamos presumir, está definido: até 2075, como indicam várias estimativas, a biodiversidade local poderá ser reduzida em 75%.
Portanto, nessa perigosa situação de destruição do mundo natural e de absoluto comprometimento dos ecossistemas planetários em que nos encontramos, se o mundo moderno não enfrentar com determinado vigor as mudanças climáticas, até 2030 (e isso nos parece uma questão central na articulação de mudanças políticas significativas) mais de 120 milhões de pobres e desprotegidos estarão aptos a ingressar no quadro assustador que agora chamamos de refugiados climáticos (vítimas ambientais).
Dessa perspectiva, ajustando interpretações, nos resta concluir dizendo sobretudo que, na realidade em que estamos inseridos, hoje, como ontem, ainda “seduzidos” pelo imaginário do progresso que “faz” da ideia do crescimento perpétuo (a impossibilidade que já mencionamos) imperativo político, resta claro que as tramas do equilíbrio planetário não passarão ilesas.
Nessa mesma direção, e sem a pretensão de fugir de nossas responsabilidades, temos o dever de reconhecer que, por conta da aceleração da mundialização que se impôs sobre o mundo natural, agora temos conosco a mais violenta lógica de destruição do mundo vivo.
Assim sendo, sem que se desvie o olhar de todo esse processo de desgaste ambiental, importa não esquecer as causas e as consequências do desajuste planetário, tendo em vista, primeiramente, que:
1) os grandes rios do mundo continuam sendo impiedosamente desviados e contaminados com química pura; 2) o ar que respiramos está cada vez mais poluído, tanto que a Organização das Nações Unidas, ONU, classifica a poluição atmosférica como a “maior assassina do planeta”, responsável por um quarto das mortes prematuras e doenças em todas as partes do planeta; 3) os espaços ambientais se fragmentam em velocidade nunca vista; 4) os oceanos, os maiores ecossistemas conhecidos, seguem comprometidos pela poluição de microplásticos; 5) a elevação do nível dos mares é cada vez mais preocupante; 6) a diminuição da água potável, hoje, como sempre, se tornou sinônimo de risco imediato à vida na Terra; e, 7) a Humanidade, força geológica que nos tornamos, já alterou 70% da superfície terrestre da Terra provocando a perda de mais de 20% da biodiversidade original, gestando, como se supõe, muito mais agravos à saúde humana.
Curiosamente, insistindo no assunto, a reflexão que melhor retrata essa desconexão socioambiental, chamemos assim, diz respeito à confirmação de que toda a Humanidade, a fim de moldar seu estilo de vida consumista e opulento, ao menos, é claro, para a parte mais rica e abastada do planeta (20% da população mundial do Norte do planeta) vem usando quase 150% dos recursos oferecidos pela Terra, ignorando, no curso dos acontecimentos, os efeitos mais indesejados possíveis, notadamente se o clima está ou não sendo alterado pelas emissões de gases de efeito estufa “produzidas” pela queima de carvão, petróleo e gás mineral, pelo aumento da queda florestal e também pela agricultura e pecuária, alheias, como se sabe, à (boa) causa ambiental.
Fechando o raciocínio, queremos apenas registrar mais um ponto relevante: por conta do avanço da sociedade de crescimento, quer dizer, desse atual modelo de economia global que [sobretudo] quer nos convencer que sem aumento da produção (ideologia das quantidades) não é possível alcançar progresso e modernidade, nem avanços e nem prosperidade, agora temos, em nossa vida cotidiana, os mais sérios problemas na estabilidade dos ecossistemas e especialmente na vida das florestas, mas também nas nascentes (no mundo das águas) e nos solos férteis que nos dão o alimento.
Enfim, temos a mais grave crise ecológica instalada no Lar Natural onde habitam todas as espécies vivas. Como procuramos deixar claro, temos um Corpo Planetário (a Casa Comum, a Casa da Vida) gravemente adoecido e maltratado pela economia global que nos guia, e pelo antropocentrismo dominador, a força humana.
Autores: Gilberto Natalini é médico-cirurgião, vereador por cinco mandatos na Câmara Municipal de São Paulo. Foi secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente (2017) e candidato a governador do Estado de São Paulo, pelo Partido Verde (PV), em 2014.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental. Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo – USP (2005). Autor de “”Civilização em desajuste com os limites planetários” (CRV, 2018) E “A Civilização em risco” (Jaguatirica, 2024), entre outros.
A compreensão da política como arte de promover o bem comum é antiga e sempre nova. Uma permanente obra em construção. Já Aristóteles a defendia, dizendo que a política é uma ciência prática e sua finalidade primeira consiste em garantir a felicidade de todos, como grande valor e virtude humana. Necessário, pois, é recuperar o sentido autêntico da política e do seu bom exercício.
Agora, mais do que em outros tempos, os fenômenos sociais e políticos são complexos e associados a vários fatores. A indiferença política, que sobressaiu no resultado das eleições municipais de 2024, é expressão disso. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o índice geral de brasileiros que se abstiveram de votar nessas eleições alcançou 21,71%, superando o percentual das eleições municipais de 2016 (17,58%) e só um pouco menor do ocorrido nas eleições de 2020 (23,15%), em plena pandemia da Covid-19.
Em várias cidades, a abstenção ao exercício do voto nas eleições de 2024 foi superior ao verificado nas eleições de 2020. NoRio Grande do Sul, estão nessa condição cidades como Caxias do Sul (25,13%) e Canoas (31,83%). Porto Alegre aparece como a capital de unidade federativa com maior número de eleitores aptos a votar que se abstiveram (31,51%) de exercer tal direito consagrado pela democracia. O índice representa quase um terço dos eleitores. Em números absolutos, os eleitores que não compareceram para votar supera o total de votos recebidos pelo primeiro colocado na disputa eleitoral.
A indiferença diante da política tem diversas causas. Algumas podem ser oriundas do próprio descontentamento com os caminhos tortuosos da política e outras atreladas às desconexões produzidas pelo sistema econômico neoliberal, para o qual quanto menos democracia e participação popular houver, melhor. Os resultados de abstençõestambém podem ressaltar outro fator diretamente ligado àquilo que alguns denominam de sociedade de mercado, onde as pessoas são levadas a acreditar que o melhor caminho para enfrentar seus problemas é individual.
O período de pandemia contribuiu significativamente e com efeitos em cascata para o aprofundamento da indiferença e do cancelamento social. O isolamento social instalou-se não como mera atitude necessária para o momento, mas como uma forma de comportamento acentuado e crescente. Isso constatamos. Uma vez instaurada nas mentes e nos sentimentos, essa característica se expressa de diversos modos no campo da política, da economia, da religião e da vida social como um todo.
Dizer que as causas desse macrofenômeno estão vinculadas à pós-modernidade e à globalização, com suas múltiplas crises associadas, não é o bastante. Além de ser indispensável essa leitura sobre a mudança de época – mais que época de mudanças – ela é insuficiente e insatisfatória. A questão crucial que nos afeta enquanto sociedade está relacionada aos rumos e ao teor da esperança. Como alimentar o sonho de uma sociedade mais humanizada, justa, democrática e igualitária, quando se desiste de lutar, de se organizar, de participar e de acreditar?
Diante das várias formas deturpadas e doentias de praticar a política, seja como expressão de dominação, de busca de vantagens individuais, de maldade, mentira ou ódio, é compreensível que haja tanto desinteresse e até nojo da política. Mas, não é possível permitir que essa tendência continue a crescer.
Na encíclicaFratelli Tutti(2020), o Papa Francisco conclama todos a revalorizarem a política salutar capaz de produzir um mundo de fraternidade e justiça social. Assim entendida, afirma ele, a política “é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum” (FT 180). E acrescenta que “esta caridade política supõe ter maturado um sentido social que supere toda a mentalidade individualista” (FT 182).
A compreensão da política como arte de promover o bem comum é antiga e sempre nova. Uma permanente obra em construção. Já Aristóteles a defendia, dizendo que a política é uma ciência prática e sua finalidade primeira consiste em garantir a felicidade de todos, como grande valor e virtude humana. Necessário, pois, é recuperar o sentido autêntico da política e do seu bom exercício.
A esperança não pode ser uma utopiafugaz que se abate com os ventos contrários. Ela precisa ser ativa, coletiva, resiliente, sempre refeita e ancorada na realidade dos nossos tempos. Não há outra maneira de suportar a vida se não houver esperança. Sem ela sucumbimos enquanto humanidade e nos desintegramos como pessoas e como sociedade. Daí que a esperança, embora muitas vezes enfraquecida, é-nos uma necessidade vital.
No livro Pedagogia da Esperança, Paulo Freire afirma: “Não sou esperançoso por pura teimosia, mas por imperativo existencial e histórico.” Eis nosso desafio contínuo na luta contra todas as indiferenças e insensibilidades!
Há consequências profundas deste deslocamento da centralidade da “ética do trabalho” para a “estética do consumo”. Isso não significa que as pessoas não precisam mais trabalhar, mas, sim, que o consumismo é mais importante que o trabalho, ou melhor, o trabalho se dá em função do consumismo.
Max Weber (1999), certamente um dos sociólogos que de forma mais lúcida diagnosticou a sociedade moderna, ao tratar da Ética protestante e o espírito do capitalismo, assinalou com propriedade que se em algum lugar se deveria buscar a gênese do capitalismo moderno, esse lugar seria o momento em que aconteceu uma separação entre o âmbito dos negócios e o âmbito doméstico. Essa separação significa que os negócios passam a fazer parte de algo que está para além da fronteira do espaço compartilhado por uma determinada comunidade de povos ou grêmios artesanais onde as famílias estavam instaladas.
Reforçando o diagnóstico weberiano, Bauman (2010, p.110), diz que “os negócios se aventuram para além de uma autêntica fronteira e se adentram em uma terra do nada, livre de toda preocupação moral e limitação legal, e pronta para ser subordinada ao código de conduta dos próprios negócios”. Essa extraterritorialidade da moral acabou resultando no “avanço do potencial industrial”, bem como no “crescimento da riqueza”, apesar de ter como efeito colateral a produção “de grandes doses de sofrimento e pobreza”.
Na leitura de Bauman (2000), um dos principais valores que possibilitou a construção da modernidade sólida ou sociedade de produtores, foi a “ética do trabalho”. No que consiste essa ética? Quais suas origens? Por que ela foi tão importante para o avanço industrial e a produção da riqueza? Que fatores fizeram com tivesse como efeito colateral a produção de sofrimento e pobreza? Por que em determinado momento a “ética do trabalho” entra em crise promovendo a passagem para a “estética do consumo”?
Em seu livro Trabajo, consumismo y nuevos pobres, Bauman (2000) faz uma instigante análise desse processo. Em seu primeiro capítulo faz uma preciosa análise do surgimento e assimilação da “ética do trabalho”.
Para Bauman (2000, p.37-42) a ética do trabalho pode ser caracterizada por duas premissas explícitas e duas pressuposições tácitas. A primeira premissa explícita diz que se você quer conseguir o necessário para viver e ser feliz, então deve fazer algo que os demais consideram valioso e digno de ser pago, pois se te dou algo, recebo algo em troca. A segunda premissa diz que é ruim contentar-se com o que se tem, pois é moralmente danoso conformar-se com o que já se conseguiu; é ruim deixar de esforçar-se depois de ter alcançado uma suposta satisfação; não é adequado descansar, a não ser para recuperar as forças para seguir trabalhando, pois trabalhar é um valor em si mesmo e uma atividade nobre e hierarquizadora; trabalhar é bom; deixar de fazê-lo é ruim.
A primeira pressuposição tácita, que de uma certa maneira sustenta as premissas acima expostas, é de que a maioria das pessoas tem uma capacidade de trabalho que pode vender e pode ganhar sua vida oferecendo tal capacidade para ser recompensada em forma de salário. O trabalho é o estado normal dos seres humanos; anormal é não trabalhar. Isso significa que a maioria das pessoas, ao trabalharem, está cumprindo suas obrigações, e seria “injusto” deixar de fazer aquilo que se deveria fazer. A segunda pressuposição é de que só o trabalho, cujo valor é reconhecido pelos demais pelo fato de ser remunerado, tem um valor moral consagrado pela “ética do trabalho”.
A ética do trabalho continua Bauman (2000, p.18), serviu para difundir o hábito de tornar as pessoas produtivas, pois possibilita combater, destruir e erradicar os obstáculos que impedem o novo e esplêndido mundo que se pretendia construir na modernidade. “O trabalho dignifica o homem”, dizia uma encíclica papal; “o trabalho forja o caráter e produz a riqueza”, corroborava o senso comum. Essa foi a crônica oficial que foi instaurada para construir a sociedade do progresso, da produtividade, do bom rendimento.
Mas para isso era necessário disciplinar as pessoas, treiná-las e convencê-las de que a obediência era necessária para construir esse modelo societário. Era necessário instaurar uma instrução mecânica que pudesse habituar os trabalhadores a “obedecer sem pensar”, ou seja, seriam “pequenas engrenagens sem alma integradas a um mecanismo mais complexo”. Sendo assim, diz Bauman (2000, p.20-21), “a imposição da ética do trabalho implicava a renuncia à liberdade”, pois significava impor o controle e a subordinação ante uma vida que para os trabalhadores não era “nem nobre”, “nem ajustada a seus próprios princípios morais”.
A ética do trabalho representava a grande luta para vencer as correntes do obscurantismo, da ignorância, do velho sistema e as forças da natureza. A natureza devia ser conquistada e obrigada a servir os seres humanos; o trabalho seria o grande responsável por esse êxito e os inventores os protagonistas desse novo mundo. Por isso que todas as forças de resistência à “ética do trabalho” deveriam ser combatidas e silenciadas em prol do progresso e construção de um mundo produtivo e disciplinado.
A ética do trabalho era ao mesmo tempo “uma visão construtiva” e “a fórmula para obter um trabalhador eficiente”. Por isso era necessário realizar uma cruzada, uma guerra contra os “tradicionalismos” e todas as inclinações para o ócio ou a satisfação primária das necessidades. “Na guerra contra o ‘tradicionalismo’ dos pobres anteriores à época industrial”, diz Bauman (2000, p.26), “os inimigos declarados da ética do trabalho eram, ostensivamente, a modéstia das necessidades desses homens e a mediocridade de seus desejos”.
Na implantação e fixação da “ética do trabalho”, não é de estranhar que os mendigos, os indigentes, os deficientes, os incapazes e mesmos os velhos e enfermos são considerados os indesejados.
Essa ideia de eliminar os desocupados é facilmente identificada, por exemplo, na obra La Idea de la pobreza, de Gertrude Himmelfarb (1988, p.193), quando diz: “Os mendigos, como os ratos, podiam efetivamente ser eliminados com esse método; ao menos podiam apartá-los de sua vista. Só fazia falta decidir-se a trata-los como ratos, partindo do suposto de que os pobres desleixados estão aqui só como uma moléstia que tem de ser limpada até por-lhe fim”. Por isso era necessário limitar a assistência, combater o ócio, tornar cada vez mais “desgraçada” a vida dos desocupados, para convencer os trabalhadores das fábricas que “a miséria fabril pareceria, em comparação [com a situação de vida dos miseráveis], um golpe de sorte ou uma benção” (BAUMAN, 2000, p.28).
Por isso era necessário criar estratégias que viessem diminuir a assistência, ou até proibi-la, para que não houvesse opção de escolha. “Para promover a ética do trabalho”, diz Bauman (2000, p.31), “se recitaram inúmeros sermões desde os púlpitos das igrejas, se escreveram dezenas de relatos moralizantes e se multiplicaram as escolas dominicais, destinadas a encher as mentes jovens com regras e valores adequados”. Não dar opção era a estratégia fundamental para que os “obreiros” se submetessem a ética do trabalho.
Buscar um emprego, submeter-se as suas regras, formar uma imagem idealizada de si mesmo, superar as imperfeições, achar um remédio para curar as enfermidades eram atividades que poderiam ser sintetizadas na ação de trabalhar. “Dar-lhes trabalho a todos, converter a todos em trabalhadores assalariados, era a fórmula para resolver os problemas que a sociedade pudera ter sofrido como consequência de sua imperfeição e imaturidade” (BAUMAN, 2000, p.33).
Tanto o capitalismo quanto o comunismo colocaram no mundo do trabalho o preceito para o progresso da sociedade. O trabalho tornou-se, ao mesmo tempo, em ambas os “modelos societários”, o eixo da vida individual e a ordem social, assim como a garantia de sobrevivência para a sociedade em seu conjunto.
O trabalho e, principalmente, o tipo de trabalho, caracterizava o tipo de individuo: além de assegurar o sustento, o tipo de trabalho realizado definia o lugar que cada indivíduo ocupava na colocação social e avaliação individual. A identidade de cada um se forjava a partir do tipo de trabalho que se exercia, a empresa que trabalhava ou o cargo que ocupava. Era o trabalho que definia os pares, a quem se poderia comparar e, principalmente, o tipo de vida que podia aspirar.
“A careira laboral”, diz Bauman (2000, p.34), “marcava o itinerário da vida e, retrospectivamente, oferecia o testemunho mais importante do êxito ou do fracasso de uma pessoa”. A carreira significava, paradoxalmente, a principal fonte de “confiança ou insegurança”, de “satisfação pessoal ou de autoreprovacão”, de “orgulho ou de vergonha”. “Em síntese”, diz Bauman (2000, p.35), “o trabalho era o principal ponto de referência, ao redor do qual se planejavam e ordenavam todas as outras atividades da vida”.
No âmbito da ordem social, o trabalho era o lugar mais importante para a integração social. Era no trabalho que se forjava o “caráter social” necessário para perpetuar “uma sociedade ordenada”. O “trabalho na fábrica” e o “serviço militar obrigatório” eram, para usar um conceito foucaltiano, a principal “instituição panóptica” da sociedade moderna. Os que não podiam trabalhar ou os que não possuíam emprego significavam uma ameaça, pois estariam fora do controle da ordem social. “A gente sem emprego era gente sem patrão, gente fora de controle: nada os vigiava, supervisava nem submetia a uma rotina regular, reforçada por oportunas sanções” (BAUMAN, 2000, p.35).
Até mesmo o modelo de saúde do século XIX estava regrado pela capacidade do homem realizar o esforço físico requerido tanto para a fábrica como para o exército. A ordem social iniciada na ditadura mecânica da fábrica se prolongava na “família patriarcal forte e estável do homem empregado”.
“Dentro da família”, diz Bauman (2000, p.36), “se esperava que os maridos/pais, cumprissem, entre suas mulheres e filhos, o mesmo papel de vigilância e disciplina que os capatazes de fábrica e os sargentos do exército exerciam sobre eles nas oficinas e quartéis”.
Por último, o trabalho foi apresentado como questão de sobrevivência e prosperidade da sociedade: o trabalho seria o grande responsável para a produção da riqueza, para o processo de transformação dos recursos naturais em bens e serviços para a população.
“Em resumo”, corrobora Bauman (2000, p.37), “o trabalho ocupava uma posição central nos três níveis da sociedade moderna: o individual, o social e o referido ao sistema de produção de bens. Além disso, o trabalho atuava como eixo para unir esses três níveis e era fator principal para negociar, alcançar e preservar a comunicação entre eles”. A ética do trabalho colocava todos a abraçarem “voluntariamente”, com alegria e entusiasmo, o que surgia como necessidade inevitável.
No entanto, a ética do trabalho não teve seu pleno êxito, pois não foi plenamente aceita, principalmente por parte dos novos trabalhadores que viam em sua condição a perda da liberdade. Por isso, na leitura de Bauman (2000, p.40) era necessário programar uma nova estratégia. Progressivamente houve um deslocamento da ética do trabalho para “os incentivos materiais do trabalho”, ou seja, “ganhar mais dinheiro”. A ética do trabalho foi sutilmente sendo substituída pela ideia de que ganhar mais seria uma forma de restaurar a dignidade humana perdida no desgaste da mão de obra industrial. Esse processo foi decisivo para desenvolver a moderna sociedade industrial. O ganhar mais poderia significar uma motivação autêntica para a liberdade.
Na visão de Bauman (2000, p.41) esse processo foi decisivo para a passagem posterior da “sociedade de produtores” para a “sociedade de consumidores”. Essa última transformação não foi unívoca e também não teve as mesmas consequências. Poderíamos, por exemplo, destacar a diferença entre o mundo capitalista e o mundo comunista: neste último, a apelação ao consumidor que se ocultava no produtor foi pouco sistemática, pouco convincente e carente de energia.
“Por esta e outras razões”, diz Bauman (2000, p.41), “se aprofundou a diferença entre as versões da modernidade, e o crescimento do consumismo que transformou de forma decisiva a vida do ocidente atemorizou o regime comunista que, tomado por surpresa, incapaz de atualizar-se e mais disposto que nunca a reduzir suas perdas, teve que admitir sua inferioridade e declinou”.
“A nossa sociedade é uma sociedade de consumidores”, afirma categoricamente Bauman (2000) ao iniciar a explanação sobre a passagem da “ética do trabalho” para a “estética do consumo”. O que isso significa?
Que modificações aconteceram para determinar essa passagem? A que nos referimos quando falamos de uma sociedade de consumidores? Como acontecem as relações entre indivíduo e sociedade na “estética do consumo”?
O consumo sempre existiu; em todas as sociedades e em todos os tempos o consumo é inerente à vida: para viver é necessário consumir alimento, energia, água. No entanto, na sociedade de consumidores, o consumo passa a ter um novo sentido: é necessário ter tanto a capacidade quanto a vontade de consumir. Essa passagem da ética do trabalho para a estética do consumo não é algo automático e nem simples.
Conforme nos adverte Bauman (2000, p.45), tal passagem “significou múltiplas e profundas mudanças”. Em primeiro lugar é necessário prepara e educar a gente para o consumo, assim como elaborar estratégias para que o consumo se torne uma necessidade permanente, insaciável e progressiva. As antigas estratégias desenvolvidas pelas instituições panópticas que moldavam a gente para um comportamento rotineiro e monótono e limitavam ou eliminavam a possibilidade de escolha, não servem mais para “modelar” um autêntico consumidor.
Na sociedade de consumidores, diz Bauman (2000, p.45), “a ausência de rotina e um estado de escolha permanente, sem dúvida, constituem as virtudes essenciais e os requisitos indispensáveis para converter-se em autêntico consumidor”. Por isso o desejo de consumir deve ser permanentemente renovado, ou seja, “o desejo não deseja a satisfação”; pelo contrário no consumidor ideal “o desejo deseja o desejo” numa busca sem fim.
Aumentar a capacidade de consumo e não dar descanso aos consumidores é a estratégia mais importante para alimentar e fortalecer a sociedade de consumo.
Para tanto, é necessário expor os consumidores em um ambiente de novas tentações, numa situação de permanente excitação para o desejo de comprar e consumir. “Em uma sociedade de consumo bem aceitada”, diz Bauman (2000, p.47), “os consumidores buscam ativamente a sedução. Vão de uma atração a outra, passam de tentação em tentação”, devido as infinitas ofertas que estão a disposição. Nada mais ilustrativo do que as vitrines e atrações de um Shopping Center de qualquer cidade. Mas o mais importante dessa formatação do consumidor ideal ressaltado por Bauman (2000, p.47), é que “essa ‘obrigação’ internalizada, essa impossibilidade de viver sua própria vida de qualquer outra forma possível, se lhes apresenta como um livre exercício de vontade”.
Os consumidores se sentem “poderosos”, pois podem “mandar, julgar, criticar e eleger” seus objetos de consumo diante de uma variedade e diversidade de opções. No entanto os consumidores da “estética do consumo” devem cumprir com seu dever: “comprar, comprar muito e comprar mais”, pois o “crescimento econômico” depende do “fervor e do rigor de seus consumidores”.
“Flexibilidade” é o novo lema a ser admirado e seguido na “estética do consumo”. Isso implica um novo tipo de relação e uma nova forma de construir a própria identidade. Nada é perdurável: profissão, carreira, formação, moda, cultura, valores, deveres, trabalho, tudo pertence ao “império do efêmero”, para usar uma expressão que deu o título de uma das obras de Lipovetsky.
Como bem expressa o conciso e contundente aforismo de George Steiner, citado por Bauman (2000, p.50): “todo produto cultural é concebido para produzir ‘um impacto máximo e cair em desuso de imediato’”. Nesse cenário de “flexibilidade” a própria ideia de identidade se torna algo movediço e, possivelmente, inútil. “Talvez”, como destaca Bauman (2000, p.51) seria melhor falar em “identidades no plural”, pois ao longo da vida, “muitas delas serão abandonadas e esquecidas”. Da mesma forma que os bens de consumo, a identidade deve pertencer a alguém a um determinado momento e tende a ser consumida e desaparecer em prol de outras identidades novas e melhores.
A “estética do consumo” tem uma suposta ou aparente vantagem diante da “ética do trabalho”: o consumidor tem a liberdade de escolher. “A uma sociedade de consumo”, diz Bauman (2000, p.52), “é enfadonho qualquer restrição legal imposta à liberdade de escolha, é perturbador o que está fora da lei dos possíveis objetos de consumo, e expressa esse desagrado com seu amplo apoio a grande maioria das medidas ‘desregulatórias’”.
“Mais dinheiro no bolso do consumidor” elegido como slogan de certos políticos objetivando diminuir a carga tributária dos contribuintes, pode ser traduzido como uma fórmula sutil de dar mais direito de escolha ao consumidor, “um direito já internalizado e transformado em vocação de vida”.
Na “ética do trabalho” na sociedade de produtores, a ação coletiva é primordial: “a produção é uma empresa coletiva, que supõe a divisão de tarefas, a cooperação entre os agentes e a coordenação de suas atividades” (BAUMAN, 2000, p.53). Na “estética do consumo” na sociedade de consumidores ocorre exatamente o contrário: o consumo é uma atividade individual, “de uma só pessoa”, pois “é uma atividade que se cumpre saciando e despertando o desejo” permanentemente.
Mesmo que os consumidores se reúnem para consumir, vide a concentração de pessoas nos Shopping centers, o consumo é uma experiência por completo solitária “que se vive individualmente”. O coletivo é necessário apenas para testemunhar “o caráter individual da escolha e do consumo”. “A liberdade de escolha”, diz Bauman (2000, p.54), “é o bastão que mede a estratificação na sociedade de consumo”. E continua: “É, também, o marco em que seus membros, os consumidores, inscrevem as aspirações de sua vida: um marco que dirige os esforços em prol da própria superação e define o ideal de uma ‘boa vida’”.
Há consequências profundas deste deslocamento da centralidade da “ética do trabalho” para a “estética do consumo”. Isso não significa que as pessoas não precisam mais trabalhar, mas, sim, que o consumismo é mais importante que o trabalho, ou melhor, o trabalho se dá em função do consumismo. E para dar conta de satisfazer o desejo consumista as pessoas trabalham cada vez mais, ou hipotecam a própria vida para conseguir crédito para consumir aquilo que os ganhos com o trabalho não são suficientes. Assim, temos uma sociedade de endividados que “gastam” sua vida para pagar a dívida contraída por empréstimos para satisfazer os desejos consumistas.
Para os que tiverem interesse em aprofundar as reflexões rapidamente expostas no presente inscrito, indico duas coletâneas que se complementam nessa direção: Leituras sobre Zygmunt Bauman e a educação (Fávero; Tonieto; Consaltér, 2019) e Leituras sobre Educação e neoliberalismo (Fávero; Tonieto; Consaltér, 2019). Segue o link de acesso gratuito da segunda coletânea:
Aguçar o interesse dos jovens com estas temáticas é estratégico e fundamental, porém seu envolvimento depende mais de políticas públicas do que responsabilizar os estudantes.
Outubro é o mês dedicado à Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) com o objetivo de mobilizar e conscientizar a população, em especial crianças e jovens, com temas e atividades da área, valorizando a criatividade, a atitude científica e o ensino pela pesquisa. Neste mês, geralmente, se concentram e ocorrem as principais feiras científicas nas escolas, universidades e entidades científicas.
Aguçar o interesse dos jovens com estas temáticas é estratégico e fundamental, porém seu envolvimento depende mais de políticas públicas do que responsabilizar os estudantes.
Nossa educação é que deveria ser um processo e um espaço público repleto de oportunidades aos estudantes a práticas de reflexão, investigação e discussão, desenvolvendo aprendizagens pela pesquisa e apreendendo a identificar os problemas e desafios do mundo atual e seus impactos em nossas vidas.
No entanto, a cultura educacional brasileira predominante é “dar aula” expositiva aos estudantes em detrimento da “fazer aulas” por meio da pesquisa. Todas as iniciativas nesta perspectiva são válidas, mas não basta promover pequenas experiências esporádicas, como feiras ou eventos de iniciação científica. É preciso priorizar e investir massivamente em laboratórios, infraestrutura tecnológica, formação de professores e pesquisa-ação nas escolas públicas e instituições de ensino superior (IES).
As primeiras iniciativas de programas de iniciação científica no Brasil se fortaleceram na década de 1990, embora houvesse concessões esporádicas de bolsas nessa modalidade desde a criação do CNPq em 1951.
A criação do Programa de Iniciação Científica do CNPq destinado a estudantes de graduação se deu em 1993. Só dez anos depois, em 2003, foi criado o primeiro programa do CNPq destinado ao ensino médio.
No Brasil, tanto a educação como a pesquisa são iniciativas somente do século XX.
No ensino superior brasileiro é quase inacreditável que, das 2.595 Instituições de Ensino Superior (IES), somente se exija pesquisa-ensino-extensão das 205 universidades. As demais 2.349 faculdades e centros universitários não tem obrigação de fazer e promover o ensino pela pesquisa e nem a produção de conhecimento novo.
Interesse dos Jovens e relevância social por ciência e tecnologia
De acordo com a pesquisa O que os jovens brasileiros pensam sobre ciência e tecnologia – 2024, realizada pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da C&T (INCT/CPCT), que entrevistou 2.276 jovens de 15 a 24 anos, entre 3 e 25 de fevereiro deste ano, é elevado o interesse dos jovens por vários temas, como: 77% se afirmam ter muito interesse ou interesse por meio ambiente, 67% por ciência e tecnologia e 66% por medicina e saúde – percentuais superiores aos declarados por religião (63%), esportes (63%), arte e cultura (59%) e política (28%).
Por outro lado, 32% afirmaram que o espaço mais visitado são as bibliotecas. Já os museus ou espaços de ciência foram visitados apenas por 8% dos entrevistados. Entre as causas para a não visitação a um museu ou espaço de ciência estão “não tive tempo” e “não existem em minha região”.
Destaca-se, ainda, o desejo dos jovens por maior controle e participação social nas escolhas científicas e tecnológicas. A maioria acredita que a população deve ser ouvida nas grandes decisões sobre os rumos da C&T (84% concordam totalmente ou parcialmente) e desejam maior regulamentação da pesquisa científica por parte do estado (79%).
A pesquisa revela que as opiniões e as atitudes dos jovens brasileiros sobre temas da ciência, tecnologia e inovação indicam diversos aspectos positivos e muitos desafios.
Existe um grupo que parece mais atento às estratégias de desinformação e que demonstra maior equilíbrio em suas percepções. Mas, também, há um público que se informa basicamente pela internet e redes sociais, ambientes em que há maior circulação de notícias falsas e conteúdos duvidosos, e que apresenta baixo acesso a atividades científico-culturais.
Os dados demonstram que os jovens estão vulneráveis à desinformação, à possibilidade de participar em atividades de democratização do conhecimento e ao grau de familiaridade com conceitos científicos. As preocupações sobre aspectos específicos da C&T são muito diferentes em diferentes grupos.
Isso aponta para a necessidade de se pensar ações e conteúdos específicos para nossos jovens, tão diversos e bastante interessados em participar ativamente de uma cidadania que, cada vez mais, precisa de apropriação social da C&T para ser exercida plenamente.
Estes resultados podem direcionar não só gestores, mas também educadores, profissionais de comunicação e os próprios cientistas, em suas ações de aprendizado, apropriação do conhecimento e fortalecimento da cidadania científica.
O debate sobre a importância do ensino de ciências e do método científico tem ganhado força diante da disseminação de notícias falsas e da negação da ciência nos mais diversos espaços da sociedade. E na escola não é diferente.
“Os tensionamentos entre os valores trazidos pelos estudantes de suas casas e o que é ensinado em sala de aula sempre foram comuns. No entanto, nos últimos anos, a ascensão de valores conservadores que levam à negação de consensos científicos se exacerbou”, avalia a professora Sandra Selles, da UFF.
Ela atribui essa mudança a um movimento contemporâneo conservador atrelado a princípios religiosos e que envolve a universalização de padrões morais e a negação de consensos científicos.
A professora chama a atenção para o fato de que esse fenômeno é intensificado pelo uso massivo das redes sociais, que aceleram a disseminação de pautas negacionistas, e de que não se trata de meras atitudes individuais, mas de ideias de circulação massiva que têm o poder de atrasar ou mudar a direção de políticas públicas.
Ensino pela pesquisa e autonomia intelectual dos estudantes
Já o educador Pedro Demo, autor de mais de 100 livros, defende a pesquisa como princípio científico e educativo apregoando que ela não deve mais ser considerada algo distante, própria das práticas acadêmicas, mas incorporada aos processos de ensino e de aprendizagem.
O educador aponta que o professor maneja duas rédeas estratégicas para a vida dos estudantes: pode contribuir para forjar sujeitos capazes de história própria, bem como pode fomentar em cada jovem a habilidade de conhecimento com autonomia, em nome da e para a autonomia. Isto implica, necessariamente, educar e conhecer para gestar cidadãos capazes de mudar a sociedade em nome do bem comum.
O processo de formação do estudante compreende o apoio por outra pessoa, geralmente mais adulta, no sentido da construção da autoria e da autonomia. Este outro é apoio, pois ninguém se emancipa sozinho. O outro nos constitui. Formar, segundo Demo significa aprender a construir-se como referência das próprias oportunidades, no contexto social.
Neste sentido, duas referências são relevantes: a) autoria – habilidade de construir a vida como texto próprio, no plano individual e coletivo, e como expressão de cidadania ativa; b) autonomia – habilidade de gestar roteiro de aperfeiçoamento incessante da personalidade, tendo como resultado a constituição de sujeito capaz de história própria.
Pedro Demo, também, adverte que autoria e autonomia não podem ser completas, porque não somos seres completos. Somos seres inacabados. Formação implica capacidade de convivência com outras autorias e autonomias, igualitariamente.
Da mesma forma, formação e aprendizagem não são sinônimos. Aprendizagem acrescenta habilidades relativas à produção do conhecimento e o “aprender a aprender” é tipicamente formativo, no sentido que se baseia na gestação de autoria e autonomia.
Por coerência, prossegue Pedro Demo, a aprendizagem precisa desenvolver habilidades de dentro para fora, tais como:
elaboração própria – lemos um autor para nos tornarmos autor, não mero porta-voz;
argumentação – fazer ciência é saber argumentar e principalmente autoquestionar;
espirito crítico – é o manejo da incerteza com sua potencialidade disruptivo; e
comunicação desimpedida e bem-educada – liberdade de expressão, diálogo crítico, arte de produzir consensos possíveis, saber pensar, saber escutar o outro, falar na sua vez e falar apenas se tiver o que dizer.
Por contingências históricas, nossa educação brasileira e nossas instituições formadoras se vinculam a procedimentos de “ensino”. Até hoje persiste a concepção de “professor horista” contratado para “dar aula”, onde o professor transmite para o estudante o que ele absorveu de maneira reprodutiva de outros autores.
Como, na sua grande maioria, não somos autores, não conseguimos transformar os estudantes em autores de suas aprendizagens e conhecimentos. O ensino pela pesquisa é uma das estratégias que requer professores autores formandos estudantes protagonistas.
O desenvolvimento da autonomia e do protagonismo estudantil decorrem de processos participativos, coletivos e autorais dos docentes e discentes. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.
Por consequência, ensinar exige rigorosidade metódica e pesquisa, pois quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto mais se constrói e desenvolve a “curiosidade epistemológica”, sem a qual não alcançamos o conhecimento cabal do objeto.
Porém, como ter uma escola emancipatória em uma sociedade opressora? Como motivar, especialmente as crianças e os jovens, num país com extremas desigualdades, com racismo histórico e estrutural, com machismo, exclusão socioeconômica, gravidez precoce, o poder do tráfico, entre outros contextos que configuram o cenário brasileiro atual?
Nos falta valorização e referências científicas reconhecidas. Porque a Argentina, o México, a Costa Rica e a Guatemala – países latino-americanos – possuem Prêmios Nobels e o Brasil ainda não? Por que nossos cientistas precisam trabalhar fora do país?
É inaceitável que o Brasil, uma das dez maiores economias do mundo, continue persistindo e negando o direito a educação, a ciência e cultura para 86% dos adolescentes e jovens que estudam nas escolas públicas.
Não culpe nem responsabilize as crianças os jovens estudantes pela desvalorização e interesse pela ciência. Esta responsabilidade é das elites e de seus governantes, que não permitem maiores investimentos na Ciência, na Pesquisa e na Educação com qualidade em todas as escolas pelo Brasil.
A comprovação é que a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), em conjunto com diversas outras entidades científicas, acabam de manifestarem-se sobre a redução de recursos para Ciência no Projeto de Lei Orçamentária para 2025, expressando: “seguimos entendendo que o Brasil não pode prescindir da ciência e da tecnologia para alçar voos mais altos como Nação, assegurando não só seu crescimento econômico, mas também o desenvolvimento social que seu povo merece.
E só conseguiremos isso com investimentos fortes no sistema público de P&D e incentivo ao desenvolvimento tecnológico empresarial. Buscar esse equilíbrio é fundamental”.
Em conceituação, narrativa e intento, a Lei de Gestão Democrática em vigência no Rio Grande do Sul está em desacordo ou, no mínimo, em flagrante contradição com o que motivou sua inscrição na Carta Constitucional de 1988 e implica num infeliz “indigestão burocrática”.
Da lei à vida: aquilo antes aprovado agora passa à prática e se veem confirmadas as nossas críticas e preocupações. Quando denunciávamos o teor da nova legislação que versa sobre o princípio constitucional da Gestão Democrática, não o fazíamos por desagrado, veleidade ou oposição pura e simples, mas porque o exame dos pressupostos inscritos na redação do texto indicava um método e sistema estranho e avesso àquilo construído e conquistado historicamente pelo movimento educacional.
Ao tempo da aprovação da nova versão da Lei de Gestão Democrática – no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul sob o Governo Eduardo Leite – incluída num pacote de propostas e medidas batizado de “marco legal da educação” e que tinha ainda o incentivo à municipalização, a desresponsabilização do entendimento estadual em ofertar ciclo completo do ensino fundamental, mudanças na composição e representatividade no Conselho Estadual de Educação e alterações no Ensino Técnico e Profissional, expressávamos a avaliação de que a mesma seria transformada em algo burocrático, tecnocrático e autoritário.
As exigências não dialogam com a realidade social, muito menos com a concepção política do que representa a escola no sistema de educação ou mesmo no imaginário das pessoas. Cursos prévios obrigatórios – com teor e conteúdos discricionários, prazos exíguos e condições precárias de acompanhamento e realização – são apenas a primeira parte de um rosário de imposições e dificuldades.
A aplicação – em caráter excludente – de prova de conhecimentos pode parecer inquestionável, afinal quem pode ser contra uma seleção que distingue e separa “melhores vs. piores” ou “preparados vs. inaptos”. Volta-se à carga: condições de estudo, conteúdo exigido (que circunscreve e aponta para determinado conceito e prática educacional), anulação da dimensão intrinsecamente relacional e humana da gestão político-pedagógico de um educandário. É a substituição da democracia pela burocracia, com óbvios caracteres tecnocráticos e riscos autoritários.
Ainda que vencidas estas etapas problemáticas, restam como obstáculos e impeditivos a própria eleição (e o fato de que se reduz ano a ano a disponibilidade de habilitados ao cargo na medida em que quase 60% dos professores e mais do que isso entre os funcionários não são servidores de carreira e não se realizam concursos públicos conforme a necessidade de preenchimento das vacâncias). E cumpre registrar que o texto legal conserva o absurdo dispositivo de proibição a detentores de mandatos sindicais em concorrer ao cargo (derrubado em caráter liminar pelo Sindicato).
Resta como outro aspecto equivocado e deletério do novo procedimento a exigência de apresentação e aprovação de Plano de Gestão que acompanhe e obedeça estritamente as
diretrizes e ordenamentos da SEDUC, verdadeira afronta a um dos pilares da Gestão Democrática, o a autonomia e que faz letra morta do Projeto Político-pedagógico da escola.
Em conceituação, narrativa e intento, a Lei de Gestão Democrática em vigência no Rio Grande do Sul está em desacordo ou, no mínimo, em flagrante contradição com o que motivou sua inscrição na Carta Constitucional de 1988 e implica num infeliz “indigestão burocrática”.
Apesar dos pesares, Sindicato e categoria – de maneira responsável e inteligente – participarão do processo realmente existente como forma de resistência e construção de bases concretas que possam num momento futuro reaver as máximas de uma Gestão Democrática de verdade em todo o Rio Grande do Sul.
Autor: Alex Sarat, Diretor do CPERS Sindicato, da CNTE e da CT. Estreia hoje sua primeira coluna no site.