Início Site Página 30

De que lado estou, afinal?

Meu amor ao opressor não se traduz em torcida pela sua vitória, mas no desejo de que se arrependa da opressão perpetrada. Meu amor ao oprimido se traduz no desejo pela sua libertação e reivindicação de sua causa.

Se alguém acha que ao postar denúncias da violência praticada pelo estado de Israel aos palestinos, meu propósito seja instigar o ódio a Israel, está completamente equivocado. O alvo de nosso amor não é o estado de Israel, mas o seu nome povo. Assim como o alvo de nosso amor não é o Hamas, mas o povo palestino. Semelhantemente, o alvo de nossa indignação não são os judeus, mas o estado sionista, tampouco deveria ser os palestinos, mas o grupo extremista Hamas.

Não se atreva a usar sua fé para legitimar o ódio e o preconceito contra quem quer que seja. Cristo jamais abonaria tal conduta.

O que poderia legitimar o ódio cristão a Judeus ou a Palestinos? O fato de não reconhecerem Jesus como Filho de Deus? Tal justificativa se assemelha a usada pelos nazistas para perseguir e matar os judeus. Eles os responsabilizavam não apenas por rejeitarem o Messias, mas também por tê-lo matado. Quem crucificou Jesus foi o império romano.

Não importa o que ambos os povos pensem acerca de Jesus, e sim o que Ele diz acerca do nosso dever em amar, perdoar, acolher, bendizer indistintamente a todos.

Apesar de Jesus ter sido judeu, há mais pontos convergentes entre a fé cristã e o islamismo no que diz respeito à pessoa e a obra de Cristo, do que entre a fé cristã e o judaísmo. Cristãos e judeus têm um livro em comum: A Bíblia Judaica (Torá para os judeus / Antigo Testamento para os cristãos).

Cristãos e Muçulmanos têm em comum algumas opiniões sobre o próprio Cristo. Para os muçulmanos (religião professada pelos palestinos), Jesus é o Messias, nascido da Virgem Maria, e vai voltar no fim dos tempos para o Juízo Final. Entretanto, eles não creem em sua crucificação. Já os judeus nem sequer o veem como um possível Messias. Seria isso motivo para odiá-los e desejar o seu mal? Se fosse, Jesus teria entrado na pilha de Tiago e João e atendido o seu inusitado pedido para que fosse enviado fogo do céu para exterminar os samaritanos, desafetos dos judeus à época.

Jesus não nos ofereceu a opção de amar a uns e odiar a outros. Pelo contrário: “Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus; porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos” (Mateus 5:43-45).

Amar os israelenses não implica odiar os palestinos, nem vice-versa.

Meu amor ao opressor não se traduz em torcida pela sua vitória, mas no desejo de que se arrependa da opressão perpetrada.

Meu amor ao oprimido se traduz no desejo pela sua libertação e reivindicação de sua causa.

Apelar a passagens bíblicas para justificar uma predileção, enquanto recorre a imagens que desumanizem o lado oposto, é tomar a contramão do evangelho, rendendo-se a um ódio gratuito e absolutamente injustificável. Voltemos para Jesus. Retomemos o caminho de volta ao amor.

Autor: Hermes C. Fernandes

Edição: A. R.

ESCOLA 29 DE OUTUBRO: uma escola do campo, em tempo integral

No último dia 28 de outubro de 2023, a comunidade escolar da Escola Estadual 29 de Outubro, do interior de Pontão, realizou festa de aniversário dos seus 36 anos de existência.

Esta é uma escola referência na modalidade Escolas do Campo, que atende estudantes do interior do município, oriundos de comunidades próximas. A sua história sempre esteve vinculada à luta e conquista da terra, pois localiza-se em Assentamento da Reforma Agrária neste município.

As apresentações de atividades e projetos desenvolvidos pela escola, por ocasião das comemorações, reforçam o protagonismo das crianças e adolescentes de turmas da pré-escola até os anos finais do ensino fundamental.

Repercutimos aqui a importância deste educandário, que faz parte da Sétima Coordenadoria Regional de Educação de Passo Fundo e é uma referência estadual, com a entrevista do coordenador pedagógico Munir Lauer.

Um pouco da história da Escola 29 de Outubro

A Escola Estadual de Ensino Fundamental 29 de Outubro, localiza-se no Assentamento 16 de março, (área 01) município de Pontão/RS. Sua história é inerente a história da ocupação da Fazenda Annoni, da organização das famílias assentadas e do prelúdio do Setor de Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A conquista e a implantação da escola foi uma das iniciativas primeiras em educação do MST em acampamentos, em 1986/1987.

A Escola 29 de Outubro foi concebida num espaço de luta para atender uma demanda real dos camponeses acampados, isto é, o acesso ao conhecimento como mecanismo de luta pela terra e maximização dos direitos sociais. A ideia de Escola, nasce do contexto – o que fazer com as crianças? – num espaço de acampamento de adultos.

A constituição da escola em si, enquanto instituição educativa, perpassa o caminho da escola embaixo de uma árvore, da escola em um barracão de lona, da escola em um galpão de madeira, e finalmente, da escola em um prédio em alvenaria (ampliado gradativamente, durante os anos).

No âmbito pedagógico, a construção histórica da Escola 29 de Outubro deriva de experiências aglutinadas e refletidas (mesmo com suas contradições) ao logo da história do MST e da Articulação Nacional Por Uma Educação do Campo.

A trajetória pedagógica da escola pode ser marcada por momentos importantes. O primeiro momento foi assinalado pela conquista e implantação da Escola, entre 1986/87 a 1990. Nesse espaço de tempo não havia ainda, de modo claro, princípios pedagógicos do Movimento. Eram desenvolvidas as primeiras experiências, num processo de síntese, avaliação e reavaliação do antigo ideário de educação articulado com a nova forma de educar, a partir das concepções do MST e demais movimentos populares.

O segundo momento, de 1990 a 1998, registra a ampliação da Escola, em razão da organização e consolidação do Assentamento 16 de Março e dos demais assentamentos da Fazenda Annoni. Sendo que a Escola, mediante processo de nucleação das escolas do Campo, passou a atender também educandos dos anos finais, oriundos de escolas de outros assentamentos próximos. Esse período foi caracterizado pela elaboração e organização coletiva do MST em função das questões pedagógicas. Através de suas experiências pedagógicas, de suas educadoras, educandos(as) e comunidade escolar, a Escola 29 de Outubro atuou diretamente neste processo de elaboração nacional, auxiliando na apresentação e debate de sugestões ao Movimento.

Caracterizado pela consolidação da proposta pedagógica do MST e da Articulação Nacional Por Uma Educação do Campo, o terceiro momento, a partir de 1999, são efetivadas na Escola, práticas educativas construídas historicamente mediante aprendizagem desses movimentos sociais. Nesse período novos conceitos e concepções são assumidos. Como a reconstrução do Projeto Político-Pedagógico, a forma de avaliação dos educandos, o processo de formação dos educandos, a elaboração dos projetos de pesquisa, a estruturação da escola em si.

Como a comunidade participa da vida escolar?

A Escola 29 de Outubro compreende que a comunidade deve estar dentro da escola, e a escola deve estar dentro da comunidade. Numa relação extremamente próxima, de ajuda mútua. Há o entendimento claro que escolas do Campo somente permanecerão em funcionamento se as mesmas contarem com o apoio da comunidade, não somente escolar, mas de todo o contexto comunitário/local. É uma troca, escolas fortes, precisam de comunidades fortes, e vice-versa. Ambas em funcionamento, são a garantia da vida no campo e a manutenção dos jovens no campo.

Há também, a compreensão que os gestores da escola e o máximo possível de educadores(as), devam participar ativamente das instâncias organizativas da comunidade. Como: sendo sócios ativos, assumindo tarefas internas, participando/organizando eventos festivos, esportivos e culturais. Estes, enxergando-se enquanto pertencentes à comunidade, propiciam à escola o sentido de identidade, de pertencimento; que é a concepção principal da Educação do Campo. Campo este, escrito com “C”, maiúsculo, justamente para deixar claro, sua identidade e pertença aquele território.

Nesse ideário, a participação da comunidade na escola é extremamente intensa: nas reuniões, nas falas individuais sobre particularidades de estudantes, na resolução de problemas, na doação de alimentos, na manutenção das estruturas físicas, no apoio a organização de eventos festivos e culturais. É uma participação de mão dupla, cotidiana e permanente.

Que metodologia torna estas crianças e adolescentes tão atuantes e partícipes de sua aprendizagem e com tanta desenvoltura para as diferentes práticas sociais, como se pode facilmente observar?

A Escola 29 de Outubro, como uma Escola do Campo (com identidade e pertencimento), e não rural (no sentido, apenas geográfico, de lugar), adota em seu trabalho metodológico, como não poderia ser diferente, concepções inerentes à Educação do Campo. Em síntese, pode-se definir o trabalho da escola, em cinco princípios filosóficos e treze princípios pedagógicos, que são a base dos processos de ensino/aprendizagem, do currículo desenvolvido, e da formação dos sujeitos envolvidos no processo (tanto estudantes, quanto educadores/as).

Quanto aos princípios filosóficos: 1- Educação para a transformação social; 2- Educação para o trabalho e a cooperação; 3- Educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana; 4- Educação com/para valores humanistas; 5- Educação como um processo permanente de formação e transformação humana.

E os princípios pedagógicos: 1- Relação entre prática e teoria; 2- Combinação metodológica entre processos de ensino e de capacitação; 3- A realidade como base da produção do conhecimento; 4- Conteúdos formativos socialmente úteis; 5- Educação para o trabalho e pelo trabalho; 6- Vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos; 7- Vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos; 8- Vínculo orgânico entre educação e cultura; 9- Gestão democrática; 10- Auto-organização dos/das estudantes; 11- Criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores/das educadoras; 12- Atitudes e habilidades de pesquisa; 13- Combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais.

A partir disto, as intencionalidades formativas/educativas se constituem em: promover a formação de sujeitos críticos e autônomos; com ideários de pertencimento ao contexto social em que vivem, ou seja, cidadãos do campo (com um olhar do local para o global). Assentados em um tripé de intencionalidades: permanência dos jovens no campo, com possibilidades reais de trabalho e renda, e principalmente, estudando/qualificando-se profissionalmente. Numa relação próxima entre teoria e prática.

Qual é a concepção de escola do campo e de escola em tempo integral?

Como já mencionado anteriormente, a Educação do Campo, na sua grafia, se expressa com “C” maiúsculo. Com o intuito de deixar transparecer claramente, o sentido de pertencimento, de identidade de seus sujeitos aos territórios. Possuindo estreita relação com formação e emancipação humana.

A Educação do Campo surge como um contraponto à educação rural. Compreendida esta (a educação rural), como uma extensão da escola urbana. Tanto a escola rural, quanto a urbana, situadas no interior das conexões sociais de produção capitalista, de acordo com autores como Arroyo, Caldart e Molina (2004), Ribeiro (2012), tem seus objetivos, programas, conjunto de conceitos e procedimentos estabelecidos pelo setor industrial; e pelas exigências de formação para o trabalho nesta esfera, além das linguagens e costumes inerentes a esse setor.

A escola nesse contexto, não incorpora princípios vinculados ao trabalho produtivo, porque, por um lado, o trabalho agrícola é suprimido de suas preocupações, em razão de que sua natureza não é formar com a finalidade de um trabalho concreto. E por outro lado, a desvalorização da agricultura, visto que, o camponês é concebido como um produtor arcaico e desprovido de conhecimentos. A educação rural no Brasil, nessa perspectiva, apresenta um ponto de vista preconceituoso com o camponês, desconsiderando os saberes inerentes ao trabalho dos mesmos.

Neste sentido, se induz também, a concepção de que a escola do meio urbano é melhor que a da zona rural. Tal pensamento, novamente, situa o determinismo geográfico, como mecanismo regulador da qualidade da educação, sendo este, um critério falseado para a efetivação da política de investimentos. Trata-se de uma ideia errônea. A questão que se coloca, é que, um projeto de escola, tenha singularidades vinculadas à histórica luta de persistência e tenacidade camponesa, indígena e negra. E não a desqualificação do campo, como ambiente que desmerece prioridades para políticas públicas.

Em enfrentamento a educação rural negada, a Educação do Campo, oriunda dos movimentos populares camponeses de luta pela terra, se posta contrária a modelos externos, insere-se em um projeto popular de sociedade, pautado na solidariedade e dignidade dos camponeses.

A Educação do Campo, como prática social, inclusa em um processo de construção histórica, conforme ressalta Caldart (2012), possui algumas características que destacam-se, em resumo, a identificação de sua expressão: concebe-se como luta social pelo acesso dos trabalhadores do campo à uma educação constituída por eles próprios, e não em nome deles; posiciona-se como mecanismo de pressão coletiva em políticas públicas, na esfera educacional; compatibiliza a luta pela educação com a luta pela terra, pela Reforma Agrária, ao direito ao trabalho, à cultura, à soberania alimentar; faz a defesa das especificidades dessa luta e de suas práticas, entretanto, não em caráter unicamente particular, mas no conjunto amplo das contradições da sociedade; suas práticas identificam e buscam ocupar-se da riqueza social e humana da heterogeneidade de seus sujeitos; suas práticas e lutas contra hegemônicos, exigem teoria, numa perspectiva de concepção emancipatória; a escola é objeto fundamental das lutas e reflexões pedagógicas; busca conciliar a luta ao acesso à educação pública, e a oposição, à subordinação política e pedagógica do Estado; os educadores são sujeitos imprescindíveis, da concepção pedagógica e das transformações da escola.

O turno integral, por sua vez, adotado desde 2013, possui o entendimento na Escola 29 de Outubro, de que, a função da educação integral nas escolas, passa necessariamente, pela compreensão conceitual da própria terminologia – educação integral. Essa compreensão é fundamental, no sentido de que, direcionará todas as ações políticas pedagógicas da gestão escolar, e também, especificamente, a postura do(a) professor(a) quanto as metodologias de aulas e os conteúdos abordados.

Pode-se dizer, de modo simplista e reduzido, que as escolas de tempo integral, são vistas como espaços, onde as famílias deixam seus filhos para poderem trabalhar, uma espécie de “depósito”. Espaço este, em que as crianças veem seu tempo ocupado, justamente, nessa ideia de preenchimento de ações escolares; enquanto outras ações, do mundo do trabalho adulto acontecem.

Por sua vez, as escolas em tempo integral (que é o caso da Escola 29 de Outubro), possuem outra lógica de funcionalidade. Parte-se do pressuposto da educação omnilateral. A ideia de acompanhamento pedagógico, de formação do ser humano em todas as dimensões, espaço de aprendizagens organizados, de vivências culturais/esportivas/recreativas planejadas – permeiam todo o ambiente escolar. Ocorre uma aproximação entre a prática e o projeto político pedagógico. A escola em tempo integral, é o espaço educativo por excelência.

Mas essa conceituação de ou em tempo integral acarreta posicionamentos ao professor(a), de cunho ético, moral e pedagógico. Na educação em tempo integral, o professor(a) deve ser mais que um(a) professor(a), o ambiente lhe exige que seja um(a) educador(a). Mas nada impede, e cremos ser aceitável (mas não unanime entre os profissionais da educação), que se possa ser professor(a) e educador(a) simultaneamente.

A concepção de ser educador(a), situa-se no âmbito de que, devemos avançar para além do domínio das áreas de conhecimentos específicas ou conteúdos formais (que é a base da autoridade intelectual do professor(a)); mas também preocuparmos com questões políticas, sociais, econômicas e culturais, que englobam o contexto de vida dos estudantes. Questões estas, que estão imbricadas no processo formativo.

Quais são os principais projetos desenvolvidos na escola?

A proposta política pedagógica da escola, vem sempre acompanhada de projetos. Estes dinamizam o trabalho pedagógico e colocam a escola em movimento. Aliás a filosofia principal da escola é – Da terra brota uma escola em movimento – perspectiva esta, justamente, de fazer do movimento, e do movimentar-se, uma ferramenta pedagógica. Nesta perspectiva, os projetos/ações desenvolvidos estão em constante aplicação e avaliação, alguns de caráter permanente, como marca da escola; outros em caráter experimentais e esporádicos, conforme definições coletivas internas.

Pode-se listar: Núcleos de pesquisa – que resulta em Seminário anual da escola; Núcleos de trabalho – vinculado à manutenção e limpeza dos espaços da escola; Robótica Educacional; Ciranda literária; Autor presente; Jogos das escolas do Campo (a nível regional); Jergs (nível municipal, regional e estadual); Campanha nacional de plantio de árvores (distribuição e plantio de mudas e sementes); Parcerias em trabalhos específicos sobre agricultura familiar (Emater, Secretaria Municipal de Agricultura, Universidades, agricultores familiares); Participação em Coletivo Estadual de Educação do Campo; Recepção à visitantes: universidades, acadêmicos, professores/pesquisadores, escolas, entidades sindicais; Viagens de estudos e formações; Caminhadas/trilhas ecológicas/práticas corporais de aventura na natureza; Almoço colonial – com produtos da agricultura familiar; Horta e estufa – produção interna de alimentos; entre outros.

Qual a importância da escola participar de eventos com apresentação de trabalhos em nível regional e estadual?

Uma das preocupações principais da Escola 29 de Outubro, durante seus processos educativos, é que seus estudantes possam conhecer o seu entorno local, sua realidade; e se reconhecer nesse ambiente. Ou seja, aprender com a realidade – com o local, com o território, e serem sujeitos deste processo de aprendizagem. Mas ao mesmo tempo, entende-se da necessidade, deste conhecimento local, ser maximizado, ampliado. Partindo, intencionalmente de uma visão do local para o global. Estabelecendo no processo educativo/formativo a concepção do sujeito/estudante do Campo como um cidadão do mundo.

Em razão do exposto, apresentações de trabalho em nível regional e estadual, tanto como viagens de estudos, sinalizam essa intencionalidade – de romper cercas e muros. Infelizmente, ainda há, ideários ultrapassados, de preconceito com os sujeitos do Campo. Muitos ainda vem o campo como local de atraso, de “jecas-tatus”; e difundir/divulgar o trabalho da escola, nada mais é, do que, demonstrar que o campo é espaço de produção e elaboração de conhecimento. E este Campo (com identidade), possui educação de qualidade.

Como a escola pensa qualidade da educação?

Quando trata-se sobre avaliação, a Escola possui um processo avaliativo interno consolidado. Assentado essencialmente nas ideias de Paulo Freire, de que outra educação fosse possível, desde 2007, adota-se como instrumento principal de avaliação dos educandos, a memória reflexiva – avaliação emancipatória.

A memória reflexiva, é um diário pessoal, em que os educandos, descrevem após cada período de aula a sua aprendizagem, de maneira conceitual. A avaliação (e a auto avalição) são constantes, permitindo reflexões sobre as temáticas abordadas. A avaliação torna-se assim, mais um elemento no processo de ensino-aprendizagem. Não um fim em si mesma, não buscando resultados classificatórios. As reflexões dos educandos sobre os conteúdos abordados, são posteriormente transformadas em pareceres e notas, construídos/elaborados coletivamente/individualmente pelos professores(as). A avalição mediante memória reflexiva serve como contraponto aos ideários da avaliação punitiva e alheia à realidade sociocultural dos educandos.

A partir de 2019, em virtude das exigências legais atribuídas pela Secretaria Estadual de Educação (que exigiu notas), a memória reflexiva é transformada/traduzida em notas. Tal “transformação/tradução”, é no sentido de não se afastar da concepção emancipatória de avaliação.

Esse contexto expressa que a qualidade da educação, para a escola, leva em consideração o saber conceitual – sobre as coisas, sobre o mundo e suas (re)leituras. Sobre a capacidade de – saber fazer – ter capacidade/competência. E sobre saber ser – referente a formação e vivências subjetivas/coletivas em sociedade.

Porém, devido à influência das ideias do capital financeiro na educação, ou seja, a educação compreendida como – mercadoria –  algo que pode ser comprado, vendido, medido, visto numa relação custo/benefício; as avaliações externas avançam no contexto escolar. Avaliações estas, alvos de fortes críticas tanto nas escolas, quanto nas universidades.

Uma das preocupações do momento da escola, é justamente compreender, nos seus processos internos de formação (dos professores(as)), o que são essas avaliações externas e suas intencionalidades, e a que interesses servem (pois estão embasadas em habilidades e competências). E ao mesmo, que a escola possa atender essa demanda momentânea, do atual governo estadual, de apresentar resultados estatísticos satisfatórios; há a inquietação de não deixar que as avaliações externas “atrapalhem” o trabalho da escola. Isto significa, que atualmente, a escola possui claramente a seguinte percepção: atender as avaliações externas, mas sem perder a sua essência enquanto Escola do Campo. E até o presente momento, a Escola está conseguindo dar conta das duas demandas. Com boas notas nas avaliações externas, e consolidado nas suas premissas filosóficas e pedagógicas.

Sobre isto há uma mescla de sentimentos. A Escola apresenta uma educação de qualidade – uma Educação do Campo de qualidade; com respaldo da comunidade escolar e dos munícipes em geral; como referência regional, estadual e nacional na Educação do Campo; e requerendo atender satisfatoriamente demandas externas de avaliação. E neste meio termo, estão contidos os processos de ensino e aprendizagem, que são as centralidades de qualquer proposição educativa. Tais exigências requerem do corpo docente, planejamento, ações coletivas e formação (tanto profissional, quanto subjetiva).

Mensagem que comunidade escolar 29 de Outubro gostaria de deixar aos professores e professoras, gestores e gestoras que atuam na educação básica?

Duas palavras estão em destaque, neste momento, na Educação do Campo, e também, na educação em geral – resistência e esperança. Ambas fazem parte do cotidiano das escolas de educação básica. Resistir, no sentido de continuar teimando pedagogicamente, de não permitir que interesses alheios à educação, interfiram no fazer pedagógico diário. Que os projetos das escolas não sucumbam a mercantilização e ao gerencialismo do mercado empresarial. Não se pode deixar que o deus-mercado, transforme os processos de ensino e aprendizagem, em meros dados estatísticos, desprovidos de humanidade. Por isso é preciso resistir.

E ter esperança, no sentido de visualizar novas formas de pensar a educação, de novos caminhos, de novas proposições. Mas este visualizar, não de modo passivo, esperando algo de fora, mas de dentro, de cada realidade escolar. Esperança, no sentido de estar em movimento, de criar fatos, iniciativas, propósitos, de lutar por uma escola pública e de qualidade. Esperança, de esperançar, de Paulo Freire, de fazer diferente, junto a outros e outras.

Nunca foi tão necessário investir na formação de professores(as). Mas professores(as) educadores(as), comprometidos com a causa da escola, e da comunidade local. Muitas destas formações devem ser internas, organizadas pela escola, pensadas pelos próprios gestores e gestoras, pelo coletivo da escola; não esperar algo dado (externo), é preciso se antecipar, ter visão estratégica, de futuro. É preciso romper com a ideia da escola como espaço de emprego, de esperar paulatinamente a aposentadoria, de apenas receber salário, chama-se a isso, de – prostituição pedagógica.

E somado a isso, se requer um cuidado muito especial com o currículo da escola. E aqui currículo, se entende por tudo o que acontece na escola, com o mundo real, em especial, o currículo oculto, aquilo está para além dos conteúdos, e apresenta relação direta com as relações humanas, e as emoções destes.

Foto com Coordenadora Regional de Educação, Carina Imperator Weber, diretora da Escola Adriana Piovesan, Coordenador Pedagógico Munir Lauer e Nei Alberto Pies.

Fotos: Divulgação Escola 29 de Outubro/ arquivo pessoal Munir Lauer

Edição: A. R.

Sociedade do cansaço: reflexões sobre as mídias digitais

Arrastamo-nos atrás da mídia digital, que, aquém da decisão consciente, transforma decisivamente nosso comportamento, nossa percepção, nossa sensação, nosso pensamento, nossa vida em conjunto. Embriagamo-nos hoje em dia da mídia digital, sem que possamos avaliar inteiramente as consequências dessa embriaguez. Essa cegueira e a estupidez simultânea a ela constituem a crise atual. (HAN, 2018, p. 10)

Byung-Chul Han nasceu em Seul, Correia do Sul, em 1959. Migrou para a Alemanha em 1985 onde graduou-se em Filosofia, em Literatura Alemã e em Teologia. Posteriormente, doutorou-se em Filosofia e, atualmente, atua como professor de Filosofia e Estudos Culturais na Universidade de Berlin. É autor de várias obras, mas, para a presente reflexão serão utilizadas três: Sociedade do Cansaço (2017a); Sociedade da transparência (2017b); No enxame: perspectivas do digital (2018). A epigrafe do livro No enxame pauta o problema de fundo que é objeto das reflexões de Han nessas três obras: os impactos das tecnologias nas subjetividades e nas interações sociais.

Na obra No enxame (2018) ele diagnostica um dos problemas gerados pelas mídias (tecnologias) de comunicação digitais que é o excesso de informação. Consequentemente, desaparece o respeito que pressupõe um olhar distanciado. Han contrapõe o respeito, derivado de spectare, que implica em distância epistêmica, ao espetáculo derivado de respectare que é um ver sem distância. “A comunicação digital desconstrói a distância de modo generalizado” (2018, p. 12). Daí decorrem problemas como a mistura entre o espaço público e o privado e a ruptura com hierarquias entre remetente e destinatário: “todos são simultaneamente remetentes e destinatários, consumidores e produtores” (2018, p. 16). Ele vai discutir essas ideias mais detalhadamente na obra Sociedade da transparência (2017a). Uma das consequências da transparência excessiva é a eliminação da ambivalência. “O tempo transparente é um tempo sem destino e sem evento” (2017a, p. 10). Tudo isso gera uma sociedade cansada (2017b).

Han observa que vivemos numa sociedade com um excesso de positividade. Qual o fundamento dessa crítica?

Ele parte do princípio e do papel da negatividade na dialética hegeliana de que nos movemos pela negatividade, ou seja, é a negação que nos faz avançar. A negação, numa perspectiva dialética, é fundamental porque é ela que nos move a sair do lugar, da mesmice. Em palavras mais simples, a positividade acomoda porque traz respostas e não indaga e nem estranha, condições que nos fazem sair do lugar e pensar em utopias, ou seja, em outras possibilidades.

Como observa Han, “transparência e verdade não são idênticas. A verdade é uma negatividade na medida em que se põe e impõe, declarando tudo o mais com falso”. Nessa perspectiva, não é o acúmulo de informação em si que produz verdade. “A hiperinformação e a hipercomunicação gera precisamente a falta de verdade, sim, a falta de ser. Mais informação e mais comunicação não afastam a fundamental falta de precisão do todo, pelo contrário, intensifica-a ainda mais” (2017a, p. 24-25. Grifos do autor).

O excesso de exposição e de positividade paralisa a capacidade humana de criar. Tudo isso tem implicações profundas na vida das pessoas e nas novas formas de sociabilidade.

Em Sociedade do Cansaço Han diagnostica um problema crucial no século XXI: “visto a partir da perspectiva patológica, o começo do século XXI não é definido como bacteriológico nem viral, mas neuronal” (2017b, p. 7). Isso quer dizer que estamos diante de situações novas, distintas daquelas dos séculos precedentes quando as doenças provocadas por bactérias ou vírus que, por serem negativas, exigiam reações dos corpos humanos quando atacados.[1] No contexto atual, ao contrário, “não são infecções, mas enfartos, provocados não pela negatividade de algo imunologicamente diverso, mas pelo excesso de positividade” (2017b, p. 8. Grifos do autor). O autor não está negando a ação de vírus ou bactérias, mas focando no que há de novo: doenças de outras naturezas que são mais complexas na medida em que não provocam o sujeito a reagir. Ao contrário, ele aponta para duas consequências que são características do século XXI: ansiedade e depressão.

As reflexões de Han ajudam a compreender o paradoxo que vivemos: de um lado, a fartura de possibilidades de acesso às informações, muito além de qualquer capacidade humana individualmente, e, de outro, a angústia crescente pelas dificuldades de assumirmos a condição de sujeitos criativos frente a tudo o que é disponibilizado. Não apenas há um excesso de possibilidades, mas elas apassivam as pessoas devido ao excesso de positividade, ou seja, da ausência de reflexividade.

Em síntese, para o autor as mídias atuais produzem muito barulho, mas poucas mobilizações que de fato tenham consistência. Daí sua avaliação de que o enxame digital consiste em indivíduos atomizados. “Uma alma de massa ou um espírito de massa falta inteiramente ao enxame digital. Os indivíduos que se juntam em um enxame não desenvolvem nenhum Nós” (2018, p. 27).

Frente a esse diagnóstico quais as perspectivas possíveis? É fundamental, diz Han (2017b, p. 74), transformar o cansaço do esgotamento em um cansaço translúcido que “permite acesso a uma atenção totalmente distinta, acesso àquelas formas longas e lentas que escapam à hiper atenção curta e rápida” (2017b, p. 74).

A superação do cansaço depende de experiências formativas, de reflexões, autorreflexões e reelaborações. Daí a necessidade dos processos educativos e comunicativos dialógicos pautarem novos pressupostos que afrontem a economia da eficiência e da aceleração, geradores do cansaço do esgotamento. Daí o desafio de trazer de volta “ao mundo a admiração” (2017b, p. 74).

Han (2017b) opõe o cansaço-eu ao cansaço-nós. O cansaço-eu é fruto do esgotamento de excesso e saturação da sociedade ativa e do desempenho. É um cansaço que atua individualizando e isolando. Provoca a incapacidade de ver (contemplação sensível e reflexiva) e mudez (capacidade de expressar, contrapor e comunicar). Interrompe o diálogo porque é incapaz tanto de ouvir/ver, como de se expressar. A hiperatividade dos fluxos, da recepção e do consumo de informação e suas restrições de participação limitam a ação livre. A violência do cansaço-eu reside, segundo Han (2017b, p. 71), na capacidade de destruir a ideia de comunidade, o elemento comum, a proximidade e a própria linguagem e o político como espaço público.

Referências

HAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis: Vozes, 2017a.

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 2017b.

HAN, Byung-Chul. No enxame: perspectiva do digital. Petrópolis: Vozes, 2018.

Autor: Telmo Marcon, Doutor em História Social pela PUC de São Paulo, pós-doutorado em Educação intercultural pela Universidade de Santa Catarina. Professor na graduação e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Educação (mestrado e doutorado) do Instituto de Humanidades, ciências, Educação e Criatividade (IHCEC).


[1] Essa obra de Han foi publicada na Alemanha em 2010, antes da pandemia quando o vírus voltou a atacar e foi necessário que os corpos humanos, com ajuda das vacinas, reagissem ao vírus. Hoje, 2023, o vírus da Covid-19 está relativamente sob controle, mas isso deve-se, em parte, a reação dos corpos à negatividade do vírus. O mesmo não ocorre com os problemas neurológicos.

Edição: A. R.

(Pseudo)Humanismo e educação: das históricas centelhas humanistas à ressignificação das práticas cotidianas contemporâneas

A educação pode reconquistar seu propósito e ser mobilizada na formação de um ser humano comprometido não com sua lucratividade futura (poder), mas com o sentido lato de sua existência. E, como Klein (2020) invoca, precisa-se começar agora, com a formação de professores sendo talvez a principal frente para essa (re)construção, oportunidade vigorosa de mobilização para a humanização.

Discursos humanistas são rotineiramente proferidos nos diferentes espaços da vida em sociedade, com agremiações (tanto laborais, quanto recreativas) sendo recorrentemente mencionadas como famílias. As redes sociais disseminam mensagens de apoio à saúde mental, evocando autocuidado e empatia. Nos ambientes corporativos, colaboração e parceria naturalizaram-se no léxico daqueles que, agora, não são mais citados como funcionários, mas como colaboradores. Coaches se tornam referência para a formação em serviço com suas mensagens de apoio e de motivação.

Em contrapartida, episódios envolvendo agressões físicas e psicológicas diariamente são publicizados, incongruentes ao vocabulário humanista empregado. Discordâncias em redes sociais levam a intermináveis debates que não agregam novas percepções sobre um tema, mas distribuem ofensas e inverdades. Disputas por posições no trabalho e atitudes entrelaçadas com autoritarismo resultam em trapaças e intrigas, que contrariam a lógica familiar e colaborativa tão apregoada. As mensagens motivadoras, ao invés de incentivarem o trabalho coletivo, apenas intensificam a preocupação individualizada sobre si.

Em escolas e universidades, rankings sintetizam a educação que se almeja alcançar, colocando a concorrência como prerrogativa para as relações e para as práticas pedagógicas; pais, alunos e professores se envolvem em embates corriqueiros; e projetos educativos são avaliados a partir compreensões reduzidas e, ainda, se estivem ligadas a uma lucratividade futura.

No cotidiano das escolas e universidades, a defesa de relações horizontais e harmoniosas está presente na documentação pedagógica, no entanto perpetuam-se as condutas de violência emocional. Mantidas por estruturas hierárquicas e que tendem a valorizar formas específicas de saber, bem como linhas e perspectivas epistemológicas rígidas, em muitos contextos naturalizam-se cenários opressivos (herança da educação tradicional, ancorada na metafísica medieval). O diálogo e a cooperação costumam se restringir aos Projetos Político-Pedagógicos arquivados, sem alcançar a esfera do cotidiano.

Tais contradições esboçam apenas um recorte de um contexto em que a humanização denota um viés transmutado, se não fake – em alusão à perspectiva na qual tem se pautado a disseminação de boa parte das informações hodiernamente.

Aproximando esse tema do campo educativo, questionamos: a que formação os espaços escolares e acadêmicos têm se dedicado? Quais propósitos têm sido constituídos na/pela escolarização? Quais teorias do conhecimento dominam e amparam as práticas? Como o rigor científico e intelectual perpetuou, em muitos contextos, vínculos impessoais, destituídos de afeto e empatia, e que não vinculam as experiências cognitivas a sensações de contentamento, solidariedade e coletividade?

Conjecturando acerca de explicações que possam vir a colaborar com o entendimento acerca das questões que inspiram esta escrita, recorremos a Charlot (2019), que indica estarmos vivendo uma crise antropológica. Para além do progresso civilizatório e da incorporação de direitos humanos ao longo das últimas décadas, o autor argumenta que há um espectro de barbárie que permanece nas relações sociais e irrompe a partir do nazismo, do fascismo e da intolerância, por exemplo. Ao mesmo tempo, o pesquisador argumenta que animais e robôs são humanizados, o que configura um cenário de indeterminação do humano, que reverbera em um silêncio da teoria educacional quanto à pedagogia contemporânea a ser construída.

No recente período de pandemia de Covid-19, a humanização parecia, em certos momentos ao menos, ser invocada e praticada socialmente, seja com a sensibilização a partir das mais de cinco milhões1 de vítimas em todo o mundo ou a partir da intensificação da precariedade laboral, que aprofundou a miséria e amplificou as distâncias entre os mais ricos e os mais pobres. Esse espaço-tempo singular conformou uma crise civilizatória, como argumenta Klein (2020), já que à crise sanitária somou-se a social, a econômica e também a ambiental, forjadas através de séculos de dominação branca, cristã e masculina amparada em uma concepção de progresso violenta e excludente. A autora canadense, frente ao exposto, defendeu que, mobilizados pela fratura que demonstrou como o mundo estava quebrado deveria ocorrer a imediata reparação.

Nesse sentido, seria necessário ressignificar a vida e pensar em uma forma na qual todos pudessem vivê-la bem, reformulando a ideia de progresso que, até hoje, somente destruiu e segregou, e que, com o aumento da utilização de meios tecnológicos nas indústrias, torna seres humanos inúteis, já que não são exigidos como mão de obra e, assim, também não usufruem de bens de consumo.

Para Klein (2020), se algo não for feito (ou refeito), chegaremos mais rápido para a extinção. Aproveitar-se da sensibilização constituída durante a pandemia seria o modo de iniciar o processo de reconstrução civilizatória, antes que algo pior acontecesse. E, de fato ocorreu: todos nós acompanhamos estarrecidos as guerras! O que será da humanidade?

Embora nosso percurso esteja nebuloso, insistimos na frágil possibilidade de cultivo da centelha humanista, herança da Antiguidade, na cultura grega, por Sócrates (469-399 a.C.), filósofo e educador, considerado o representante de maior notoriedade nesse período. Seu método formativo pretendia que o discípulo alcançasse a verdade, o conhecimento e o governo de si, estando apto, a partir de então, a bem governar o outro e a pólis (Goergen apud Dalbosco; Flickinger; Muhl, 2019).

Ainda na Antiguidade, os romanos também pensaram elementos constitutivos para a educação humanista e pretendiam sua universalização. O modelo de formação denominado Humanitas foi alicerçado pela sociedade romana. Nessa perspectiva, segundo Bombassaro, “o ser humano possui uma força criativa autônoma que o torna capaz de formar livremente a si e de atingir o mais alto nível de excelência” (2009, p. 199). Dentre os seus representantes, destacou-se Sêneca (por volta de 4 a.C. – 65), que prosseguiu com a ideia de educação para a vida, na qual o objetivo do homem seria aprender a viver de acordo com a palavra, dizendo o que sente e sentindo o que diz (Sêneca, 2018).

Mesmo que na Idade Média, outras vertentes tenham se destacado, prococando quase que o apagamento das centelhas da educação humanista, ela ainda assim resistiu, por isso acreditamos que ainda resistirá. Destacamos alguns representantes que trouxeram ampla contribuição e, por essa razão, devem ser nosso suporte atualmente: Comenius (1592-1670), Locke (1632-1740), Rousseau (1712-1778), Kant (1724-1804), Pestalozzi (1746-1827), Herbart (1776-1841), Humboldt (1767-1835), Froebel (1782-1852), Dewey (1859-1952), Carl Ransom Rogers (1902-1987). Todos, de alguma forma se tornaram referência por terem lançado ideias e teorias educacionais ancoradas no pensamento humanista, contrariando o modelo de educação vigente. Procuraram, construir um olhar diferenciado à educação, com a percepção refinada sobre o fato de o aprendiz ser ativo e capaz, com direitos de participação na própria formação. As ideias inovadoras desenvolvidas por estes autores romperam com os dogmas da educação conservadora, que recusava a existência de capacidades do ser.

São autores clássicos, como os mensionados, que nos ajudarão na tão urgente e necessária reestruturação de processos educacionais, para se tornem menos excludentes; para que nos indiquem uma forma de se repensar a sociabilidade e de se buscar a constituição de modos de vida mais igualitários, democráticos e sustentáveis, salvando-nos.

A educação, nessa perspectiva, pode reconquistar seu propósito e ser mobilizada na formação de um ser humano comprometido não com sua lucratividade futura (poder), mas com o sentido lato de sua existência. E, como Klein (2020) invoca, precisa-se começar agora, com a formação de professores sendo talvez a principal frente para essa (re)construção, oportunidade vigorosa de mobilização para a humanização.

Endereço do texto completo (para quem quiser conferir)

https://periodicos.uepa.br/index.php/cocar/article/view/7248

1 Este número, contudo, pode chegar a quinze milhões, como disponibilizado em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61332581. Acesso em: 29 mai. 2023.

Autoras:

Ana Lúcia Vieira

Doutoranda em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF).  Professora da rede municipal de ensino de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil. Integrante do Grupo de Estudos Formação Humana (UPF), do Núcleo de Pesquisas em Filosofia e Educação (NUPEFE-UPF) e do Grupo de Pesquisa em Educação, Filosofia e Sociedade (Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS).

Renata Cecilia Estormovski

Doutoranda em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Rio Grande do Sul, Brasil. Professora da rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul, Brasil. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Currículo, Ensino Médio e Juventudes (GEPCEM Unisinos/CNPq)

Edição: A. R.

Por quem os sabiás cantam?

Nos prenúncios da primavera, mesmo no centro de Passo Fundo, pouco antes do amanhecer, é possível ouvir o cantar dos sabiás. Afinal, por quem os sabiás cantam?

Na falta de uma resposta melhor, eu diria que, representando todos os pássaros do mundo, eles cantam em memória de Rachel Carson, a escritora e bióloga americana que, em 1962, com o lançamento do livro Silent Spring (Primavera Silenciosa), desencadeou toda uma discussão sobre o uso indiscriminado de pesticidas no mundo. Essas breves notas são sobre Rachel Carson e o contexto das discussões que sobrevieram à publicação de Silent Spring.

Rachel Louise Carson nasceu em Springdale, Pensilvânia, no dia 27 de maio de 1907. Foi uma criança tímida, relativamente solitária, que adorava ler e demonstrava talento para a escrita. Aprendeu, com a mãe, desde cedo, a respeitar a natureza, nutrindo especial admiração por pássaros e pela vida marinha.

Após o ensino médio (high-school), com o desejo de seguir a carreira de escritora, entrou para o Pennsylvania College for Women, onde começou estudando letras e acabaria, em 1929, se formando em biologia. Pela Johns Hopkins University obteve o grau de Mestre em Zoologia, em 1932. Em tempos de poucas oportunidades de emprego, valendo-se do seu talento de escritora, passou a produzir artigos para jornais e revistas sobre história natural. Em 1936 ingressou nos quadros do U.S Bureau of Fisheries, que seria sucedido pelo U.S. Fish and Wildlife Service em 1939. Neste órgão, assumiu o posto de editora-chefe, sendo responsável pelas publicações institucionais sobre o papel da ciência e da tecnologia na natureza.

Rachel Carson alcançou fama como escritora a partir de artigos publicados em jornais e três livros de sucesso: Under the Sea-Wind (1941), The Sea Around Us (1951) e The Edge of the Sea (1955). Com o êxito do livro The Sea Around Us, ela, em 1952, pediu demissão do cargo que ocupava no Fish and Wildlife Service, passando a dedicar-se exclusivamente à literatura.

Primavera Silenciosa foi publicado, inicialmente, na forma de artigos no jornal The New York Times, em junho de 1962. O livro saiu em setembro daquele ano, transformando-se imediatamente em sucesso de vendas. O grande mérito foi abrir o debate público sobre o uso indiscriminado de pesticidas químicos, a responsabilidade da ciência e os limites do progresso tecnológico, dando início à formação da consciência ambientalista no mundo.

Rachel Carson recusou-se a uma cruzada emocional em defesa do ambiente. A sua posição sempre foi de questionar o uso indiscriminado de pesticidas (inseticidas, particularmente) e não de proibição de uso.

Defendia a tese de que fazemos parte do mundo natural e envenenando a natureza, em essência, estamos envenenando a nós mesmos. Afirmou que os venenos da época (destinado a matar insetos) não deveriam ser chamados de inseticidas e sim de biocidas. Defendeu o direito das pessoas se sentirem seguras e não sofrerem as consequências (desconhecidas) de venenos aplicados por terceiros. Numa das partes mais controvertidas do livro, Carson apresentou evidências que alguns tipos de câncer em humanos seriam causados pela exposição aos venenos químicos.

Desnecessário lembrar que Silent Spring angariou inimigos fervorosos, tanto nos meios acadêmicos quanto na indústria química. O DDT, de grande aliado da agricultura na luta contra os insetos pragas, passou a ser visto como vilão. Rachel Carson foi atacada de diferentes formas, na tentava de desacreditar o seu trabalho. Houve quem a acusasse de alarmista, que seu livro não tinha base científica, que ela não integrava nenhuma instituição acadêmica, que não possuía um título de Ph.D.; em resumo, que não tinha credenciais científicas para merecer credibilidade.

Não satisfeitos, alguns passaram a atacar a sua vida pessoal. Diziam que era uma mulher histérica, uma solteirona que criava gatos e amava pássaros, inclusive, rotularam-na de lésbica, em função da sua amizade com Dorothy Freeman, e, sendo relativamente bonita e solteira, só podia ser comunista (uma acusação forte em tempos de Guerra Fria).

Enquanto se debatia com os seus detratores, RacheL lutava contra um câncer no seio esquerdo, descoberto próximo do lançamento de Silent Spring, que viria causar a sua morte, aos 56 anos de idade, no dia 14 de abril de 1964. Não obstante o silêncio daquele dia de primavera de 1964, ela viveu tempo suficiente para ver iniciadas as discussões que baniriam o DDT e resultariam, alguns anos depois, na criação da Agência de Proteção Ambiental (EPA) nos USA.

Em tempo, a Ernest Hemingway o pedido de escusas pela (quase) indevida apropriação do título “Por quem os sinos dobram” (For Whom the Bell Tolls).

Tem gente preparada para inventar nomes, sobrenomes e propagandas sofisticadas, capazes de iludir gente humilde de nossa terra que planta. E tem gente que usa sofisticados meios para convencer quem compra os produtos que resultam desta engenhosa produção (de alimentos e de valores agregados). (Autor Nei Alberto Pies) Leia mais: https://www.neipies.com/remedio-para-as-daninhas/

(Do livro A ciência como ela é…, 2011.)

Autor: Gilberto Cunha

Edição: A. R.

Encontrei a resposta

Se o pão for repartido, se a solidariedade for multiplicada, se as guerras forem subtraídas e se a justiça social for somada com a paz e o respeito entre todos, estaremos construindo as melhores respostas para as perguntas mais cruciais!

O fato se deu na fila da padaria do supermercado. Enquanto fazia meu pedido, lancei uma pergunta despretensiosa, daquelas que nos vem espontaneamente e que a gente emite, muitas vezes, sem pensar no seu teor e na sua amplitude. A tal pergunta foi: tudo bem? Com um sorriso largo, enquanto ia providenciando a encomenda, a atendente respondeu de forma inusitada: “Acho que sim”. Minha reação foi de um certo espanto. Como alguém pode não saber se está bem! Olhamo-nos e rimos juntos. Eu lhe disse: nossa, que resposta inteligente!

Perguntar se tudo está bem é uma forma cordial de tratar as pessoas. Porém, embora pareça simples, a questão é muito abrangente e pode ser bastante complexa. O que significa mesmo estar bem? E como saber, de fato, se tudo está bem? E mais: como garantir que tudo e todos estejam bem? Estar bem pode não significar exatamente viver bem consigo mesmo e com os outros.

Além do bem estar é importante perguntar-se pelo bem viver, como fazem os povos indígenas andinos. Estar bem pode representar apenas uma sensação ou situação momentânea e individual, ao passo que bem viver implica uma condição coletiva e duradoura. Envolve questões de diversas ordens e de âmbito individual, familiar, comunitário e societário.

Como dizer que tudo está bem quando há várias guerras em pleno andamento ao redor do mundo? Guerras de grande e de pequeno porte, aquelas barulhentas e outras tantas silenciosas, porém todas destrutivas. É forçoso dizer que tudo vai bem e que tudo está certo quando os extremos climáticos produzem tantas tragédias sociais, ambientais e econômicas. De que maneira afirmar que tudo corre normalmente quando há tantas pessoas desempregadas, subempregadas, com fome, morando mal, conflituadas, violentadas, excluídas, deprimidas e adoecidas?

Muitas vezes é difícil saber se nós mesmos estamos bem. Ocorre que há aspectos mais íntimos a nós do que nossa consciência ou capacidade de identificar e tratar alcança. É por isso que perguntamos ao psicólogo: como eu estou? Outras vezes indagamos do médico: como estou eu? Ou ao conselheiro espiritual: pode me ajudar a organizar as desordens que me povoam? E muito desejamos que as respostas dadas por esses e outros profissionais da saúde física, psíquica e espiritual nos sejam boas. Que tudo esteja bem é, sim, nosso desejo mais radical.

O que fazer para ficar bem ou para melhorar das situações e realidades que nos afligem, aterrorizam, aprisionam e destroem enquanto seres humanos e seres sociais?

Em tudo, vale lutar de forma decisiva para mudar o que é possível fazê-lo ou, de outra parte, buscar maneiras de administrar o que é ou se torna impossível de modificar. A sabedoria consiste precisamente em distinguir uma coisa da outra.

No meio das dúvidas, dos conflitos e das turbulências, sempre encontramos respostas. Umas são satisfatórias, outras nem tanto. Quando obtemos respostas como essa dada pela mulher da padaria do supermercado, podemos concluir que somos ilustres desconhecidos de nós mesmos. Há respostas que vêm recobertas de outras dúvidas ou de novas perguntas. Muitas vezes, quando encontramos as respostas, mudam as perguntas. Assim, somos eternos buscadores de respostas para perguntas infinitas, seres sempre incompletos e em permanente processo de construção. Darmo-nos conta disso já é uma grande conclusão.

Há perguntas feitas por multidões na fila da padaria e do supermercado. Elas emergem da exigência vital de satisfazer as necessidades básicas e essenciais de todos os dias. Mas, nem sempre as melhores respostas são aquelas dadas pelo modo capitalista de ser, em que o dinheiro se torna a condição obrigatória e exclusiva para ter o direito de comer e de viver bem.

Para que tudo possa estar bem, há um longo caminho a percorrer. Mas, se o pão for repartido, se a solidariedade for multiplicada, se as guerras forem subtraídas e se a justiça social for somada com a paz e o respeito entre todos, estaremos construindo as melhores respostas para as perguntas mais cruciais!

Viver para pensar ou pensar para viver? Apenas viver por viver ou tão somente pensar por pensar? Se pensar, refletir e imaginar é bom, viver bem é ainda mais importante. Mas, se conseguirmos pensar para viver melhor, será bem mais interessante. Leia mais: https://www.neipies.com/o-bem-viver-depende-do-bem-pensar/

Autor: Dirceu Benincá

Edição: A. R.

Saci-Pererê & Halloween: contrapontos e consensos

As lendas do Saci-Pererê e do Halloween constituem, respectivamente, parte do folclore
brasileiro e, de outra do folclore irlandês e norte-americano. Ultimamente a festa do
Halloween é celebrada mundo afora, especialmente nos EUA, bem como no Brasil.

As lendas compõem partes fundamentais do folclore linguístico e literário dos povos.
Comemorá-las e estudá-las em suas múltiplas significações é fundamental ao
entendimento da História e da identidade das nações. Por coincidência ou não, a data
das duas lendas é comemorada no mesmo dia e mês, isto é, 31 de outubro.

Estudiosos sugerem que uma constitui contrapontos e o consensos de outra. O mais
certo é que os mitos têm dimensão universal e a lenda regional. Sob essa ótica, ambas
são lendas (legendas) e mitos (mentiras bem contadas). Dizem que a mentira é a
verdade disfarçada, espraiando-se mais rápida da frágil verdade. As Fake News estão aí
como provas contundentes.

O escritor Monteiro Lobato, em 1917 fez uma consulta popular através de cartas,
solicitando aos leitores do jornal O Estado de São Paulo, relatos e experiências
relativas ao simpático, travesso e moleque menino de uma só perna. Assim, diante
da riqueza das informações recebidas, publicou a obra O Saci-Pererê: Resultado de
um Inquérito.

Pronto! Lá consta o registro escrito do que circulava oralmente nos quadrantes do rico
folclore brasileiro. Há que se observar que a história do Saci remonta ao tempo da
escravidão negra havida no Brasil em seus primórdios.

Fisicamente, o menino Saci é um genuíno tipo que reúne as características dos
afrodescendentes, europeus e de brasileiros típicos. Vê-se nele que só tem uma perna,
uma carapuça vermelha, um cachimbo na boca e um furo na mão. Psicologicamente,
percebe-se que é um ente livre que vive fazendo artes: azeda o leite, quebra a ponta das
agulhas, embaraça os carretéis de linhas, esconde as tesouras, gora os ovos, coloca
sujeirinhas na comida, atropela as galinhas, vira os pregos para cima, espanta os cavalos
e tantas outras peraltices de menino travesso. Segundo o que testemunha o Tio Barnabé:
“O Saci não faz maldade grande, mas não há maldade que não faça”

O menino Saci, agora livre da escravidão, para chamar atenção, apronta, como todo
garoto, as artes dos guris. É especial, pois resultado da maldade escravagista, perdeu
uma perna, mostrando que a escravidão foi terrível também com as crianças. Seu
cachimbo incorpora dos povos originários do Brasil, lembrando que os caciques
selavam acordos de guerra ao fumarem o cachimbo da paz. Usa a carapuça vermelha,
revelando que assimilou a cultura europeia. Enfim, carrega o gorro adotado pelos
camponeses ibéricos e republicanos após a Revolução Francesa em 1789. Saci tem um
furo na mão para fazer mágicas com as brasinhas acesas, que servem também para acender o cachimbo da paz. Originário de três povos, Saci-Pererê representa muito bem
a folclórica e controvertida História do Brasil.
Por outro lado, há a lenda da Halloween. Cada vez mais adotada pelos diferentes povos
ocidentais, crianças e jovens celebram o Dia das Bruxas, vestindo máscaras espantosas e
roupas extravagantes, ao que se pode designar como carnavalização, pois de forma
lúdica, fazem alegorias ao feio mais bonito e interessante, ao mundo das sombras, dos
espíritos, da morte e das almas.

O festival da lenda Halloween é originário da Irlanda, tendo inicialmente o nome
Samhain. Surgida no Século VIII, comemorava as colheitas, o fim do verão e o
início do novo ano celta.

A celebração do Dia das Bruxas (Halloween) é observada no dia 31 de outubro, isto é,
na noite anterior (véspera) do Dia de Todos os Santos. Nela estão presentes bruxas,
fogueiras, caveiras, túmulos, dráculas, vampiros…Enfim, tudo ligado à escuridão e à
morte. No fundo, uma leve fusão das tradições pagãs com as tradições católicas, ou
vice-versa.

Portanto, a lenda do Saci-Pererê, representa o espírito de liberdade, paz, respeito à
natureza e espontaneidade do povo brasileiro. A personagem simboliza a fantasia e o
bom espírito da criançada brasileira. Por outro lado, Halloween celebra a eterna
dualidade contraditória da alma humana: alma & corpo; vida & morte; dia & noite;
bonito & feio; o sagrado & profano; tradições cristãs & tradições pagãs, dentro outras
antíteses.

Parafraseando Machado de Assis, pode-se deduzir que nem tudo têm os cristãos e nem
tudo têm os pagãos. Com os haveres de uns e de outros há de se estabelecer mais
consensos do que contrapontos.


Autor: Eládio Vilmar Weschenfelder

Edição: A. R.

Um contrato social em defesa do bem comum

Vivemos um tempo em que soa estranho defender um contrato social que prime pelo bem comum. Nosso cenário é marcado pelo individualismo, pela competitividade, pela ganância, pelo desejo insaciável de poder e de dinheiro que caracteriza o modo de vida da grande maioria das pessoas.

Sabemos que não é possível a vida individual sem o contato com os outros, mas esquecemos que viver com os outros implica em reciprocidade, escuta, respeito, honestidade, compaixão e tantas outras virtudes que frequentemente são invocadas, mas pouquíssimas vezes são vividas e praticadas. Nossas relações com os outros, consciente ou inconscientemente, frequentemente são mercantilizadas, e quando isso acontece, tratamos os outros como objetos e não como sujeitos que precisam ser reconhecidos pelas suas singularidades. Talvez por isso seja tão estranho defender um pacto social que defenda o bem comum.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), foi um dos filósofos que se debruçou sobre estas questão. Nascido em Genebra, foi um dos mais influentes e importantes pensadores franceses do Século XVIII no campo da política, da filosofia moral e da educação. Suas ideias foram centrais para o desenvolvimento do pensamento iluminista e para a Revolução Francesa que introduziu mudanças radicais na sociedade da época e cujas repercussões chegam até os dias atuais na forma como é compreendido o poder, as relações sociais, a infância, a desigualdade e a própria natureza humana. Rousseau foi um leitor de Locke, e como este desenvolveu uma teoria sobre a origem da sociedade a partir da ideia do contrato social.

Escreveu diversas obras dentre as quais destacam-se Discurso sobre a desigualdade entre os homens, Emílio ou da Educação, Contrato social e Confissões.  Também colaborou, elaborando o verbete “Economia Política”, com a Enciclopédia, um famoso compêndio editado em 1755 por Diderot que marcou o pensamento iluminista em diversos aspectos. Se correspondeu por diversos anos com importantes pensadores da época tais como Voltaire, D’Alembert, David Hume dentre outros. Compôs peças musicais e, quase no final da vida, dedicou-se aos estudos de botânica.

Devido as críticas que fazia à sociedade da época, foi perseguido e teve de viver por longo tempo no exílio onde pode conhecer outras culturas e difundir seu pensamento.

Ao contrário de Hobbes, que dizia que o homem por natureza é mau (“o homem é lobo do próprio homem”), o ponto de partida da filosofia de Rousseau é de que “o homem nasce bom, a sociedade o corrompe”. Inicia seu livro Contrato Social com o seguinte dizer: “o homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se acorrentado. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles”. É essa escravidão que impede o ser humano de desenvolver suas potencialidades e viver uma vida digna.

A grande questão para Rousseau consiste em saber como preservar a liberdade natural do homem e ao mesmo tempo garantir as segurança e o bem-estar que a vida em sociedade pode lhe dar. Sua resposta se encontra justamente no Contrato Social.

Podemos dizer que temos em Rousseau os fundamentos das democracias modernas, pois na sua teoria do contrato social, a soberania política pertence ao conjunto dos membros da sociedade, tendo seu fundamento na vontade geral que não resulta apenas na soma da vontade de cada um.

A vontade particular e individual de cada um diz respeito a seus interesses específicos, porém, enquanto membro cidadão e membro e de uma comunidade, o indivíduo deve possuir também uma vontade que se caracteriza pela defesa do interesse coletivo, do bem comum. A educação, por sua vez, possui o papel insubstituível de constituir a formação dessa vontade geral, transformando assim o indivíduo em cidadão, membro de uma comunidade.

A valorização da experiência individual, o culto à natureza, a importância dos sentimentos e das emoções, a relação entre arte e a filosofia, a necessidade de cuidar da infância, o desafio de formar cidadãos educados para compor uma sociedade justa, a luta para superar a escravidão e a corrupção dos costumes, os pressupostos para construir um contrato social que viabilize uma sociedade decente são temáticas que compõe a extensa obra de Rousseau.

Mais de 250 anos nos separam da época em que ele viveu. Muitas transformações ocorreram na forma como se organizou a sociedade e suas distintas instituições. Ideias que eram consideradas impossíveis em sua época se tornaram realidade na sociedade contemporânea. No entanto, ainda estamos longe de construir uma sociedade, bem como estamos ainda distantes de um processo educativo compatível com os ideais propostos por Rousseau de formar um cidadão comprometido com o bem comum e a vontade geral.

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

Edição: A. R.

Vamos convidar nossos adolescentes a trocar empatia? Somos exemplos?

Vamos falar sobre rejeição, empatia e superação com nossos adolescentes?  Ainda haverá tempo para ajudá-los?

A empatia é o sentimento e a ação que devem ocupar todos os vazios na escola, originadas em dias de incompreensão, discriminação e desrespeito, a uma multidão de alunos.

O bullying e as demais agressões que assistimos são o gatilho comportamental de relacionamentos desajustados e intolerantes, muitas vezes vivenciados em famílias disfuncionais, nos pátios escolares ou até nas salas de aula.  E que são alimentados pelos anos, em mágoas e frustrações, manifestando-se no ritual de preparação para a vingança.

Na base desta violência, encontramos os seus motivos prováveis, as rejeições e hostilizações silenciosas, sofridas em corredores e afins, e que, em alguma manhã, farão retornar ao colégio o aluno, agora o próprio algoz, para extravasar seu ódio incontido.

Junto às famílias, o alcance sempre será limitado mas, através escolas, poderemos prevenir?

Ainda haverá tempo para semear empatia?

Todos os caminhos da infância e da pré-adolescência conduzem para o fim de um mundo de imaginação e fantasia. Ao terminar esta passagem, enfrentam, finalmente, os contos e as histórias reais de seus adultos.

Os adultos somos nós que, normalmente submersos e comprometidos em todas as nossas realidades, não percebemos que os jovens precisam muito pouco, mas do que nos é mais caro nestes dias de carga emocional intensa:  nosso tempo.

Alguns adolescentes demoram para despertar em sua caminhada, à maturidade, à responsabilidade e as contradições da vida adulta. E acontece em uma velocidade tal que a eles não é permitido o tempo necessário, para lhes explicar que a vida que os chama, de fato, pode ser uma jornada de mais cores e menos dores.

Há um desamparo que os aguarda, contudo. Um vazio que deve ser discutido com seus presentes, ou, ausentes. 

Estes jovens, que vivem a transformação de seus sonhos pelas primeiras experiências, têm que ser ouvidos.  Não será apenas um moletom a abraçá-los, mas que todos em seu entorno os ouçam, vejam-nos e os acolham. Em seus delírios aparentes e em suas soluções descabidas, há planos, desejos e inconformidades. 

Dos dias de juventude, com a sua impetuosidade e sua percepção aguçada, de quem tem de mudar este mundo de incompreensões, pode lhes restar somente a fantasia, de que nada nessa vida, até agora, fez sentido. Isso se não os ouvirmos e se a eles não forem estendidas algumas frações de horas, pelo menos as que dispomos ao final do dia, cansados, para ouvir suas primeiras batalhas.

Senão, forma-se o vazio do desamparo, porque no tempo lúdico e no hiato de quaisquer compromissos, seus pensamentos se inclinam a todas as promessas de um mundo utópico, mais justo, em sua opinião, este mundo fácil que os vendedores de sonhos têm a oferecer.

É o tempo de uma passagem rápida, onde passeiam na ponte da imaginação, entre os suportes e pesadelos dos adultos, que ora os aplaudem, ora os censuram.  No desconforto de sua família ou de professores exaustos, na convivência com as rejeições silenciosas, bullyings de todas as dimensões, forma-se o vácuo de desamparo, onde sempre se acha uma porta de saída, para o prazer e a vertigem que as drogas se prestam a prometer.

Livrar ou resgatar os jovens de promessas de uma vida surreal, depois de iniciados no caminho de morte da alienação, é muito mais difícil do que acolhê-los, enquanto há tempo.  Não é uma tarefa fácil, entretanto, a sua prevenção.

Por esse motivo, antes que um vendedor de utopias venha a adotar um jovem já cansado, de sonhar e sofrer, e a ele ofereça a viagem lúdica e enganosa, em uma trouxa de drogas qualquer, é preciso conversar, ouvir, pensar ou até chorar ao seu lado.

Porque o acolhimento de uma pessoa que não tem o seu interior consolidado e desenvolvido com as sementes da esperança, resta a desilusão de uma vida sem rumo e amarga, pois muitas vezes veem espelhadas em outros adultos, igualmente perdidos e sem auxílio a lhes oferecer.

Que tal falarmos sobre empatia com nossos jovens?  A atitude de colocar-se no lugar do outro, não somente lembrar, mas ver e sentir sua dor, enfim, ajudar.  Porque não há antídoto melhor para a aparente falta de sentido na vida e seu propósito, do que acolher o nosso igual, ou, desigual, colocando-se ao seu lado e participando no resgate de sua angústia.  Não há vazio que resista à nossa escolha, em salvar da aflição e da solidão, quem está crescendo em seu abandono.

Trocar cadernos e livros, borrachas e lápis, trocar horas de conversas e risos, segredos, compartilhar nossa caminhada com o colega mais próximo, fazer o bem, enfim, pode se constituir em uma barreira repelente a pensamentos tóxicos, individualistas, e que acham que a alegria ou a felicidade genuína, dependem de uma dose de qualquer promessa de alucinação, em uma viagem, sem destino e sem volta.

Descobrindo que mãos que se estendem e se doam à sua família, amigos e colegas, crescendo juntos, em alegria e cumplicidade, pode-se alcançar a felicidade possível, a plenitude do gosto pela vida mais cedo e dela nunca mais afastar-se.

Autor: Nelceu A. Zanatta

Edição: A. R.

Uma feira de livros sob o olhar e as lentes do fotógrafo

Os leitores e leitoras, os escritores e escritoras, os visitantes e a comunidade em geral tem diferentes percepções sobre um evento como uma Feira de Leitura, 35ª Feira de Livros de Passo Fundo, realizada no mês de outubro de 2023. Geralmente quem registra as atividades através de fotografias não é lembrado nem mencionado pelas repercussões dos eventos culturais que estão sob o crivo de suas lentes.

A Prefeitura Municipal de Passo Fundo juntamente com a APLetras, retomaram e promoveram a Feira do Livro de 12 a 22 de outubro no Espaço Roseli Doleski Preto, envolvendo os participantes e comunidade passofundense em atividades entre os prédios do Teatro Múcio de Castro, Academia de Letras, Instituto Histórico de Passo Fundo e Biblioteca Pública Municipal.

Entrevistamos Augusto Albuquerque, fotógrafo que registrou e documentou, através de suas lentes, os momentos mais importantes e peculiares da 35ª Feira do Livro de Passo Fundo.

Como foi receber o convite para ser o fotógrafo oficial da Feira do Livro de Passo Fundo?

O convite surgiu através da minha ex-professora e amiga que havia falado com a Secretária de Cultura e ficou sabendo que estavam precisando de um fotógrafo para a Feira do Livro. Como já havia fotografado outros eventos culturais, aceitei na hora. 

Quais foram seus maiores desafios e suas maiores realizações na cobertura deste importante evento cultural de nossa cidade?

Confesso que não foi fácil. A programação era bem grande e eu cobri toda a feira sozinho. Tinha que fazer os registros, descarregar os arquivos no computador e tratar as fotos. Isso tudo durante 8 dias, todas as manhãs, tardes e noites.

Foram mais de 1300 registros de toda a programação em que fotografei, creio eu, todos os artistas e escritores que participaram dessa edição da feira. Esses registros foram enviados para eles e ficarão armazenados em uma pasta que ficará à disposição da Secretaria de Cultura.

Não podia deixar de fora a questão do mau tempo. A chuva atrapalhou um pouco, mas felizmente, não comprometeu o resultado final.

Na sua visão, o que representa a retomada da Feira do Livro num lugar aberto, público, de tanta importância na história da cidade como é o Espaço Cultural Roseli Doleski Preto?

Creio que o espaço foi uma das melhores novidades da Feira. A estrutura, contando com o Teatro Múcio de Castro, Academia de Letras, Biblioteca Municipal e Instituto Histórico, possibilitou que todas as atividades da programação fossem realizadas sem comprometer o andamento da Feira, mesmo com a forte chuva que tivemos ao longo da semana.

Detalhe: auditório da APLetras, um dos locais utilizados para realização de atividades.

Como vês a fotografia? Como um registro ou como uma arte?

Uma coisa não isenta a outra. Pode-se fazer registros com um olhar mais artístico do ponto de vista da estética. Como sou Jornalista, minha preferência sempre será por fotografar os fatos e acontecimentos da nossa sociedade/cidade. Entretanto, não deixo de lado a parte que se deve pensar em como deixar a fotografia mais atrativa, acredito que isso vai muito da vivência e da carga cultural que cada um carrega.

Como é fotografar nesta era do photoshop, dos filtros, das redes sociais, do instantâneo, num tempo em que todos podemos registrar, produzir e reproduzir imagens?

Do ponto de vista técnico, o fotojornalismo exige uma agilidade maior para fazer os registros. Não é qualquer celular que vai dar conta de fotografar certos acontecimentos, pois na maioria das vezes os movimentos rápidos do que é fotografado e a principalmente a luz do ambiente não nos dão as melhores condições de fotografar. Logo, um bom equipamento faz bastante diferença e se faz extremamente necessário se você quiser ter um resultado acima da média. Por enquanto, quando o assunto é fotojornalismo, acredito que um celular ainda não tem a melhor capacidade técnica de substituir uma boa câmera fotográfica, mas vale salientar em certas situações, principalmente quando o objeto a ser fotografado está estático, os celulares de última geração podem quebrar um bom galho.

Qual foi a imagem da Feira do Livro que mais o marcou?

Acho que nessa Feira as imagens que mais me marcaram não foram aquelas em que havia uma estética melhor e bem pensada, e sim aquelas imagens que apresentaram os resultados de uma Feira do Livro que superou as expectativas devido às novas iniciativas. Como por exemplo, o novo espaço em que foi realizado, muito mais acessível para a comunidade. Outra iniciativa que achei interessante fotografar foram as crianças utilizando o passaporte literário, que foi uma iniciativa da Prefeitura Municipal para incentivá-las a lerem cada vez mais. Do ponto de vista artístico e simbólico é extremamente difícil escolher uma, pois foram muitas apresentações realizadas nesta feira e acredito que em cada uma deve ter tranquilamente umas 5 fotos que podem representar muito bem a 35ª Feira do Livro de Passo Fundo.

Uma frase sobre fotografia.

“Você deve exigir o melhor de si. Você deve procurar por imagens que ninguém mais possa fazer. Você deve aproveitar as ferramentas que tem de maneira cada vez mais profunda” (Willian Albert Allard)

Fotos: Augusto Albuquerque

Edição: A. R.

Veja também