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A guerra chegou aqui

Pela paz. Fim das guerras. Trata-se de sermos solidários com os povos em geral, vivendo em território israelense, vivendo na Faixa de Gaza ou nos países vizinhos atingidos, com mortes que se contam às milhares.

Já na Guerra da Rússia e Ucrânia sofremos respingos por aqui. Quando se exigia coro uníssono pela PAZ, abriu-se uma disputa política e ideológica para saber quem tinha mais ou menos razão. Nas guerras ninguém tem razão. 

Neste momento, a Guerra já existia, quando os ataques do Hamas aconteceram. Condenamos cada ato deste grupo, pois não representa uma saída. A saída é a paz. Seria a sábia e justa convivência entre um Estado de Israel e outro Palestino –  o caminho que se aguarda há 75 anos.

A guerra chegou aqui. Na véspera do dia de Nossa Senhora Aparecida, a Câmara Municipal de Porto Alegre não aprovou uma simples moção de “solidariedade às vítimas do conflito instalado na Faixa de Gaza, em defesa da paz”. Fosse uma alegação de “problemas de redação” da mesma, poder-se-ia ter feito uma emenda. Não. O dia foi de “guerra” de palavras, de versões, de narrativas, de uso de vídeos e fotos de outros tristes episódios, todos eles repudiáveis. Era uma moção “da esquerda”. A maioria tinha que derrotar a minoria.

Esquecem-se dos apelos do Presidente Lula pela libertação de crianças, dos seus reiterados apelos pela Paz. No momento em que o Brasil está com papel proeminente na ONU, a Câmara local nega uma Moção.

Nos milhões de textos, vídeos que aparecem, sobram não só o horror da guerra, das mortes de inocentes, como sobre a desinformação e a má-fé.

Por isso, em se tratando de questões de conflitos religiosos, na verdade não se trata essencialmente disso, me socorro do teólogo luterano, conhecedor do Antigo Testamento, Sílvio Meincke.

Diz ele numa mensagem a mim descrita:

“Penso que se deva fazer uma clara distinção: o Estado de Israel que está em guerra, não é idêntico ao Povo Judeu Bíblico. Ser um judeu significa professar a religião judaica, baseada no Antigo Testamento. Esses judeus encontram-se em todo mundo e não precisam estar morando no Estado de Israel. Ser judeu não significa pertencer a determinada etnia, a determinado grupo racial, porque há judeus árabes, alemães, brasileiros, espanhóis, etíopes, russos, holandeses e por aí vai, assim como existem cristãos de todas as etnias. RESUMINDO: O povo judeu é um grupo religioso espalhado pelo mundo”

Já os ISRAELI, os cidadãos e as cidadãs do atual Estado de Israel, que está em guerra, são pessoas de inúmeras origens e etnias, que decidiram morar naquela região. Há muitos brasileiros entre eles e muitíssimos alemães, ao lado de holandeses, russos, africanos, americanos, ibéricos, britânicos e outros. Muitos deles não professam a religião judaica bíblica, mas tem outra religião ou nenhuma, são agnósticos, ateus. RESUMINDO: o povo que mora no atual Estado de Israel são os ISRAELI e não os JUDEUS.”

Esclarecido, portanto, o tema da “religião”, distinguindo-se do que é uma “etnia”. Estas coisas estão sendo confundidas por desinformação, por ignorância mesmo do tema, quando noutros casos é má-fé mesmo.

Porém, temos que atentar para os temas como a economia da região. Não se trata de um “deserto”. Vejam o que me diz ainda Sílvio Meincke:

Sobre o atual chanceler Netanyahu pesam muitas acusações de corrupção. Temendo processos e uma provável condenação, ele se refugiou na imunidade parlamentar. A única possibilidade de ser eleito e ter imunidade foi seu partido LIKUD fazer alianças com os partidos ultra ortodoxos, que representam os religiosos da extrema direita, que fazem uma leitura bíblica literal e fundamentalista. Eles querem restaurar o antigo Estado Judeu Bíblico, que foi destruído no ano 70, pelo Império de Roma, quando o povo judeu se revoltou contra a opressão. Hoje, o Povo Palestino se revolta contra a opressão que sofre há 75 anos do Estado de Israel. O Estado de Israel atual foi criado pela ONU, em 1948, depois da Segunda Guerra Mundial.”

Disto tudo acima descrito, concluo que não se trata de orar por Israel como pedem algumas correntes. Israel é um Estado, tem governo, tem parlamento, apesar dos ataques de Netanyahu ao Judiciário, ainda tem um Judiciário; trata-se de rezar pelos mortos dos dois lados.

Trata-se de sermos solidários com os povos em geral, vivendo em território israelense, vivendo na Faixa de Gaza ou nos países vizinhos atingidos, com mortes que se contam às milhares.

Nos somamos ao governo brasileiro em sua luta pela paz na Ucrânia e no Oriente Médio. Estamos com Lula quando condena as mortes, quando busca acordos através da ONU, maior autoridade mundial para solução de conflitos.

O debate que a Direita trava é insano, como vimos aqui com quatro anos de um governo genocida, fascista. Como vimos com a tentativa fascista de golpe em 8 de janeiro.

A Esquerda não pode entrar nas provocações que jogam a cada segundo na Internet. Devemos responder de outra forma, esclarecendo, sem entrar num confronto com adversários desqualificados, pois eles necessitam de interlocutores. Não podemos ser interlocutores de fascistas ou gente ignóbil que se faz de pacifista.

Temos que ter mote próprio, por isso me vali dos ensinamentos do Sílvio Meincke para poder esclarecer do que estamos falando, do que de fato está acontecendo.

Pela paz.

Fim das guerras.

Autor: Adeli Sell, professor, escritor e bacharel em Direito. Autor da crônica: Os gaúchos: https://www.neipies.com/os-gauchos/

Edição: A. R.

O sentimento moral como virtude

Para filósofo Hume, cultivar bons sentimentos de simpatia, amizade, honestidade, benevolência, misericórdia, tolerância, humildade, compaixão e principalmente amor, nos possibilita uma aproximação do bem e de uma vida moral correta. Sentimentos opostos como antipatia, inimizade, desonestidade, avareza, preguiça, intolerância, prepotência e principalmente ódio nos aproximam do mal e de uma vida moral incorreta e destrutiva.

Conviver com os outros, principalmente com quem possui outros costumes e experiências, professa outra religião, possui outra cultura, cultiva outras crenças, compartilha outra ideologia tornou-se um dos maiores desafios da atualidade. Aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros constitui um dos quatro pilares do famoso relatório da Unesco para a educação do século XXI.

Quando acompanhamos os acontecimentos da terrível guerra entre Ucrânia e Rússia, ou mais recentemente o conflito entre israelenses e palestinos, para além das motivações econômicas, religiosas ou políticas está o terrível problema da intolerância e da dificuldade de conviver com o diferente.

Talvez nos falte o sentimento moral que seja capaz de nos tornar mais humanos e menos desumanos. Um dos pensadores que se debruçou sobre a teoria dos sentimentos morais foi o filósofo David Hume (1711-1776). Reconhecido por muitos como um dos maiores filósofos britânicos do século XVIII, um dos mais radicais empiristas e um dos grandes expoentes do iluminismo moderno.

Embora tenha se tornado célebre por sua filosofia, Hume foi também historiador e economista, deixando para estas áreas escritos importantes, dentre eles História da Inglaterra, considerado um clássico sobre o assunto. Também escreveu sobre política e religião, tendo oferecido inúmeras contribuições relevantes à compreensão desse tema.

No que diz respeito ao conhecimento, o ponto de partida de Hume, seguindo a tradição empirista, é a tese segundo a qual nossas ideias sobre o real se originam de nossa experiência sensível. A percepção é considerada como critério que dá validade, que dá origem a nossas ideias e quanto mais próximas estiverem da percepção que as originou, serão mais nítidas e fortes, ao passo que quanto mais abstratas e remotas, serão menos nítidas e se tornarão mais pálidas perdendo sua força.

Para Hume, as ideias são sempre de natureza particular, pois a origem das ideias simples vem da nossa experiência perceptiva. Quando associamos as ideias simples entre si por meio de palavras (linguagem), passamos a generalizar as coisas a partir de suas semelhanças, criando dessa forma ideias complexas. Dessa forma, Hume explica o processo do conhecimento e porque a imaginação humana é capaz de criar ideias que não existem no mundo real. É pela associação de ideias simples, pelo exercício da reflexão e da imaginação que são criadas na mente humana ideias complexas.

O ponto central da filosofia de Hume é compreender a natureza humana, tanto é que uma das suas mais importantes obras tem por título Tratado da Natureza Humana.

Nesta obra Hume declara que “o único meio de obter de nossas investigações filosóficas o êxito que delas esperamos é abandonar o tedioso e extenuante método seguido até hoje e, ao invés de nos apossarmos, de quando em vez, de um castelo ou um povoado de fronteira, rumamos diretamente para a capital, para o centro dessas ciências, ou seja para a própria natureza humana: senhores desse centro, podemos esperar alcançar uma fácil vitória por toda parte”.

Saber sobre a natureza humana significa perguntar sobre quem é o ser humano, como ele pensa, como se dá o conhecimento, como realiza os juízos morais e estéticos, de que forma é possível cultivar a virtude e evitar os vícios. Em síntese, qual a origem e constituição do humano?

Para responder a essa questão, Hume analisa duas esferas fundamentais que definem a condição do homem: o entendimento e a sensibilidade. Estas duas esferas fundamentais possibilitam ao ser humano tanto a possibilidade do conhecimento quanto a capacidade de julgar moralmente e esteticamente.

Uma parte importante da obra de Hume dedica-se a Investigação sobre os princípios da moral. Para ele, as distinções morais não tratam do verdadeiro e do falso, mas do bem e do mal. Com isso ele defende que o fundamento da moralidade não pode se basear em um princípio da razão, pois “a moralidade é mais propriamente sentida que julgada”. Sendo assim, a percepção que temos das ações morais, sejam as nossas ou de outrem, decorre do nosso sentimento de aprovação ou reprovação.

O sentimento moral, portanto, nasce em nós de uma impressão original própria da natureza humana que é “a possibilidade de sentir prazer ou dor”. Dessa forma, o senso de virtude constitui-se pela capacidade de sentir satisfação de um determinado tipo pela contemplação do caráter.

Para nosso filósofo, cultivar bons sentimentos de simpatia, amizade, honestidade, benevolência, misericórdia, tolerância, humildade, compaixão e principalmente amor, nos possibilita uma aproximação do bem e de uma vida moral correta. Sentimentos opostos como antipatia, inimizade, desonestidade, avareza, preguiça, intolerância, prepotência e principalmente ódio nos aproximam do mal e de uma vida moral incorreta e destrutiva.

Algum indicativo importante para os dias de hoje?

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

Edição: A. R.

Carta aos professores e professoras

Um livro, uma caneta, uma criança e um professor podem mudar o mundo. (Malala Yousafzai)

Pessoas como você merecem olhar de atenção e demonstração de carinho todos os dias do ano. A importância da sua profissão precisa ser celebrada sempre. Lembrar quem somos, o que escolhemos e reconhecer o valor social do nosso fazer nos motiva a seguir em frente remando contra a maré de um sistema político que vilipendia nossos direitos.

Sabemos dos limites que se colocam a sua frente e dos desafios impostos pelos estudantes, suas famílias e a sociedade que pouco reconhece a grandiosidade do seu trabalho. No entanto, a qualidade do seu fazer tem o poder de transformar a vida das pessoas e influenciar na configuração da sociedade.

Os estudantes que agora são atendidos por você tomam decisões, constroem suas vidas imbuídos de conhecimentos, valores, competências e habilidades que podem fazer grande diferença na vida profissional de cada um, visto que, como diz a composição de Max Haetinger:

“A base de toda conquista é o professor

A fonte de sabedoria, um bom professor

Em cada descoberta, cada invenção

Todo bom começo tem um bom professor”

Enquanto tento escrever essa carta, reconheço que faltam palavras para agradecer seu compromisso, companheirismo e parceria de todos os dias. Na falta de palavras, a memória auxilia, lembro que tive professores importantes na minha caminhada, pessoas que apontaram minhas qualidades e lapidaram minha personalidade.

Foi na escola que aprendi alguns conteúdos importantes para o vestibular e para o mercado de trabalho, mas de forma muito especial foi nessa instituição que compreendi ética, atitudes de responsabilidade, respeito, democracia e humanidade, lições de vida para a vida toda:

“Uma lição de vida, uma lição de amor

Na nota de uma partitura, no projeto de arquitetura

Em toda teoria, tudo que se inicia

Todo bom começo tem um bom professor”.

Verdade que nossos estudantes são frutos de uma sociedade que pouco valoriza a cultura e sofre com o excesso de inteligência artificial, porém não existe ferramenta no mundo capaz de substituir o seu trabalho. A inteligência artificial não tem respostas para muitas das perguntas essenciais da vida, nós também não temos, porém possuímos habilidade de refletir, de despertar naqueles que atendemos essa capacidade que embora nata, vem sendo intencionalmente esquecida por muitos.

Ao celebrar essa data especial, expressamos nosso descontentamento com as políticas que pouco valorizam os profissionais da educação, reivindicamos remuneração digna da função que realizamos e das implicâncias sociais da mesma. 

Mas também queremos convidar todos e cada um a renovarem o compromisso com a educação. Não é por amor que renovamos a esperança, mas é com amor por si mesmo e pelos outros que convidamos você a reviver com gratidão os sentidos de sua opção. Sinta-se especialmente amado/a hoje e todos os dias!

Você é importante demais para ceder ao esgotamento e ao estresse de cada dia!  O trabalho que realizas não pode ser avaliado com precisão nas turbulências do agora, mas poderá ser visualizado na qualidade do amanhã, nos ex alunos que você encontrar vida a fora. Certamente muitos irão demonstrar saudades, e muita gratidão! Todo afeto de agora gera frutos que se estendem no tempo!

Sinta –se afetado pela nossa gratidão, estima, carinho e reconhecimento!  

Autor: Marciano Pereira, autor do texto “A planta, suas folhas e um sino: atividades em sala”.https://www.neipies.com/a-planta-as-folhas-e-um-sino-atividades-em-sala-de-aula

Edição: A. R.

O resgate da educação como prática humana: desdobramentos das relações de “uberização no trabalho”

Erguer a cabeça acima do rebanho é um risco que alguns insolentes correm. Mais fácil e costumeiro seria olhar para as gramíneas como a habitudinária manada. Mas alguns erguem a cabeça olham em torno e percebem de onde vem o lobo. O rebanho depende de um olhar”. (Afonso Romano de Sant’anna)

Este texto, formulado em virtude de minha participação no VIII Congresso dos Professores Municipais de Passo Fundo, organizado pelo CMP Sindicato de Passo Fundo, com a temática propositiva MAGISTÉRIO: uma carreira em extinção?, ocorrido em agosto de 2023, tem o propósito de apresentar uma reflexão prospectiva da educação como prática humana: desdobramentos das relações de uberização[1] no trabalho.

Parto das palavras principais trazidas pelo palestrante de um dos momentos do congresso, Psicanalista Dr. Francisco dos Santos Filho, cuja fala me impactou, permitindo escrever este texto.

Reconheço a complexidade desse tema: a densa (contra) argumentação, os inúmeros desdobramentos configuram ideias cujas consequências ainda não conseguimos mensurar com exatidão. Se assumi o risco de abordar esse assunto complexo, é porque considero peça fundamental para que possamos ampliar horizontes ainda não refletidos.

Pensar sobre como o sistema de desmonte educacional está sendo pensado, implica vislumbrar o futuro da carreira do magistério. “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é projeto” (RIBEIRO, 2017)[2]. Menciono, Ribeiro, (2017) para ajudar na reflexão do que quero dizer.

Abordar esse aspecto – que refiro como entendimento de esfacelamento humanitário da educação. – não é uma novidade para nós que, constantemente, estamos sofrendo ataques intensamente no ofício de ser professor. No entanto, para muitos menos atentos à amplitude e gravidade de que este projeto atinge, ainda é visto apenas como “inovações necessárias” para a “evolução” da educação.

Feita essa contextualização, que situa o recorte da reflexão trazida pelo psicanalista, referenciado no início, passemos, então, a ponderação que nos ajuda entender a conjuntura da carreira do magistério. Reitero que essas linhas, que agora escrevo, dizem respeito a leitura que fiz, mediante a fala do Psicanalista Dr. Francisco no Congresso. Esclareço que, metodologicamente, optei por explorar algumas das ideias que me impactaram.

A educação como prática humanizadora

Se analisarmos a estrutura educacional atual, ela esbarra em dois níveis críticos: o limite da “uberização” das relações de trabalho imposta pelo modelo Neoliberal, que vende a ideia enganosa de que “sem patrão”, sem limite de horário, efetiva-se a liberdade.

Essa perversão passa a ser adotada pelos poderes que gestam a educação, como um modelo que melhorará os índices educacionais. Assim, se sobrecarrega o professor dando a ele a culpa por não dar conta de tamanha exigência perversa que, na verdade não se chega a lugar nenhum e precariza a educação, causando o sofrimento do profissional da educação. Frente a isso, a “solução” não vem porque neste sistema busca-se uma visão simplista da educação.

Segundo nível, segundo a fala do psicanalista, não há um adoecimento do professor, mas um sofrimento por ser ele que observa uma contradição entre a essência do ser professor e o que reflete a prática atual. Os pais exigem os limites que não dão em casa aos filhos e a as mantenedoras exigem trabalhos além da carga horária, num mundo burocrático que não ajuda em nada no chão da escola, com tudo isso, vem o sofrimento.

A “patologização” da vida vem com o embate travado pelos hábitos cultivados em casa frente o que a escola tenta resgatar. Por que esse embate é travado?  Em casa, a criança assiste TV até a hora que quer, come a hora que quer. Quando a criança vai à escola, o embate está travado porque escola é lugar, sim, de se se aprender o respeito coletivo e a professora não pode fazer as vontades deste ser. Assim, a escola destrói uma sequência do chamado “reizinho mandão”.

Acha-se que se pode resolver tudo com a medicalização. A ideia de que tudo na vida se pode resolver com medicamento é falsa. O limite se ensina a criança com um não e não com medicamento. A educação está no caminho oposto desta ideia é aí que começa o sofrimento social do psíquico.

Diante do exposto nos parágrafos anteriores, percebe-se que há uma perda da força simbólica do professor na sociedade. Há uma tendência, por parte dos governantes, de precarização e acúmulo de trabalho para impor um culpa de que a educação não dá resultado esperado por culpa de quem está à frente da escola. Pelo contrário do que se pensa, aquele que ensina indica o caminho no tesouro do conhecimento acumulado pela humanidade e, por isso, uma simples conta de matemática é um tesouro, porque um dia esse conhecimento não existi.

Do mesmo modo, o papel da educação é imprescindível para que tenhamos uma sociedade mais humanizada e não existe tecnologia capaz de substituir este processo, por mais que se criou uma falsa ideia de que o tesouro está ali e basta abrir o computador ou um telefone e o aluno aprende. Quem pensa assim, permeia a ignorância e abdica a relação humana no processo educacional.

O professor não entrega a informação, ele dá o significado. E essa dívida não se pode pagar com dinheiro, somente com honra, respeito e promoção de dignidade da profissão docente.

O Professor Francisco (2023) sugere alguns princípios a serem resgatados para que o professor mereça a digna valorização para que a carreira não seja extinta. O professor tem uma representação simbólica na sociedade e, isso, deve ser considerado.

Ele divide em três passos primordiais: a) – recuperar a dignidade do professor na formação humana como condição de trabalho. b) – restituir valor simbólico que cabe ao professor como política pública, não de governante (o papel do professor está na humanização, além do conteúdo); isso, não é da noite para o dia. c)  – restaurar o valor da escola – a educação está sendo invadida pelo Neoliberalismo (encarada como gasto e não investimento humano) – a educação é tida, como se com a tecnologia na educação é a salvação de tudo, tamanho engano.

A visão tem de mudar para que o professor assume um lugar simbólico; essa ideia de que o professor é animador de plateia precisa ser banida e combatida, pois contradiz a essência da educação e a finalidade da profissão docente.

Considerações finais

Ao ponto de partida “A educação como prática humana: desdobramentos das relações de uberização no trabalho”, almejei abordar sinais de que se tratarmos a educação desvinculada da humanização corremos o risco de “uberizar”. 

O pequeno percurso interpretativo aqui empreendido foi para demostrar que o valor simbólico do professor está associado às evidências de que a humanização e a socialização estão em primeiro lugar na escola. Muito mais do que minar tecnologia, é preciso dar a honra a figura simbólica do professor e não denegrir sua imagem com falácias e notícias falsas para, assim, justificar os ataques da sua moralidade e inclusive de sua digna carreira.

A educação tem como essência a prática humana e não é uma questão mercadológica. O Professor Dr. Francisco ajudou a entender isso.

REFERÊNCIAS:

  1. https://www.neipies.com/escola-pandemia-e-capacidade-de-pensar/
  2. https://www.neipies.com/magisterio-uma-carreira-em-extincao/

Fotos: CMP SINDICATO – João Lucas da Silva

Autor: Laércio Fernandes dos Santos

Edição: A. R.


[1] Termo trazido durante o congresso para denominar as relações de trabalho na contemporaneidade, pelo Psicanalista Dr. Francisco dos Santos Filho

[2] Leia mais em https://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-crise-da-educacao-no-brasil-nao-e-uma-crise-e-projeto/ RIBEIRO, Darcy, por cartacapital | 05.09.2017 14h53

Lar – Doce Lar?

Nessa oficina laboriosa e desafiante chamada família, vamos aprendendo o valor da solicitude, o respeito às diferenças, a obediência à autoridade dos pais. Onde há afeto e solidariedade a vida fica mais harmoniosa.

É no espaço do lar que a família se abriga. A palavra família tem origem latina e significa lar. No sânscrito, “dhaman” significa moradia. O lar representa, para cada um de nós, um lugar único onde voltamos ao final de cada dia, espaço que nos acolhe e onde somos nós mesmos, autênticos, sem as máscaras sociais que usamos lá fora, elas ficam penduradas atrás da porta de entrada.

A família é o grupo social primeiro, inicialmente formado pelo casal onde a criança, quando nasce, vai aprender gradativamente por imitação dos pais, a engatinhar, caminhar, balbuciar, falar, se expressar e a conviver com os familiares. Inicialmente ela é totalmente dependente de suporte para sobreviver. Os pais são responsáveis pela harmonia, manutenção física, emocional e a segurança do grupo familiar.

Urge refletirmos, no momento atual, sobre nós e o grupo familiar que pertencemos e qual o papel social que desempenhamos no mesmo:  pai, mãe, filho, filha, irmão, irmã. Como estou me desempenhando como participante deste grupo primordial?

Temos que reconhecer que a família é célula divina e expressivo laboratório de emoções e sentimentos com convite incessante ao nosso burilamento   pessoal, com exercícios constantes de compreensão afetiva que nos ensinam a perceber o quanto temos para doar, para ser útil e cooperativo, prestando ajuda mútua.

Nessa oficina laboriosa e desafiante, vamos aprendendo o valor da solicitude, o respeito às diferenças, a obediência à autoridade dos pais. Onde há afeto e solidariedade a vida fica mais harmoniosa.

O lar é a primeira sala de aula da criança e os pais, os primeiros mestres. A paternidade e a maternidade são magistérios sublimes e esta abençoada escola precisa ter um programa moral a ser ensinado e cumprido.  As trocas afetivas nos relacionamentos familiares ensinam sobre o verdadeiro sentido da vida.

Cabe aos pais educar os filhos, corrigir amorosamente seus equívocos quando ocorrem, não esperar que lancem raízes para serem arrancadas depois em processo doloroso, ensinar e ser o exemplo da melhor conduta.

O bem, vivenciado no lar, é alimento para a alma, promove equilíbrio emocional para os componentes da família. Estimular a criança a observar a natureza, a expressão da vida natural, descobrir as belas manifestações das plantas, do céu, das águas, dos bosques, dos animais e toda a riqueza que nos rodeia para que ela possa sentir-se parte integrante da vida estuante em que ela está inserida.

O relacionamento familiar possibilita a vivência da fraternidade, da   gentileza, do acolhimento, todos se conhecem e se podem desculpar com mais facilidade, tendo em vista o bem geral e individual.  Ser filho representa oportunidade de aprendizagem para se tornar futuro genitor.  O exemplo da união, respeito e fidelidade entre os cônjuges dará equilíbrio e segurança para os filhos e os irmãos entre si.

No lar, os filhos devem encontrar os recursos preciosos de educação para a formação equilibrada do caráter e da personalidade. Felizes dos pais que podem ver os filhos adultos, bem encaminhados na vida, apesar de todo o sacrifício e abnegação que tiveram. 

Reconhecer seus filhos como pessoas equilibradas, harmonizadas com o bem, úteis para si e para com a sociedade, construindo uma vida que   valha a pena ser vivida e lhes traga felicidade é grande recompensa para os pais e sinal, que apesar de todos os desafios, o lar de onde eles vieram foi um doce lar.

Como desejarmos a paz no mundo entre as nações, que são compostas nas suas bases pela reunião dos lares naquele espaço geopolítico, se na maioria das famílias, de três, quatro ou mais pessoas, entre quatro paredes, não vivem em paz, em harmonia? 

Precisamos focar nossa atenção na nossa família que não é só representada pelo sobrenome, pela edificação material da casa, do espaço onde residimos e que nos recebe ao final de cada dia e onde repousamos nos finais de semana.

O lar deve ser uma edificação também espiritual, um templo de luz, de sentimentos nobres, onde reine o amor, a fé, a gratidão a Deus, a gentileza, o acolhimento, o diálogo, o respeito e consideração pelos que compõem a família.

Da mesma forma que tratamos as visitas que chegam à nossa casa devemos tratar os nossos familiares diariamente. Como está ocorrendo, atualmente, a comunicação entre os componentes do lar? Estamos abrindo espaço para sentarmos juntos, conversar, olho no olho, sorrir, chorar, nos abraçar, construir momentos de felicidade genuína?  De que forma as redes sociais virtuais estão ocupando os espaços de nosso lar e interferindo nos nossos relacionamentos familiares?

Reflexão com proposta de atividades

A nossa proposta de reflexão sobre o lar, nem sempre doce lar, não é nova. 

Este tema fazia parte de nosso programa nas aulas do Ensino Religioso dos anos finais do Ensino Fundamental e primeiro ano do Ensino Médio. Para estimular o debate sobre o assunto, apresentávamos cartaz com as notícias mais destacadas da mídia, como sempre, as tragédias sociais da violência, falta de paz, violação dos direitos humanos tanto em nosso país como no mundo. 

Na roda de conversa formada em sala de aula, para análise das notícias que revelavam comportamento tão equivocado da nossa humanidade, fazíamos uma provocação:  qual seria a causa ou causas de comportamento tão equivocado de nós humanos?   O debate sobre as origens da violência, da falta de paz e harmonia na convivência nos levava ao objetivo da aula: refletir sobre a vivência em família. Seria o lar, doce lar?

Os alunos participavam ativamente das discussões para buscar encontrar as causas possíveis do comportamento humano negativo que se reflete na sociedade, até chegarmos no grupo social primário, a família. Eles traziam suas experiências pessoais, seus conflitos, muitas vezes expressavam a dor da criança ferida lá na primeira infância, por falta de amor, de aconchego, de gentileza dentro do lar, que deveria ser o espaço social onde se aprende a conviver com o outro, aceitar as diferenças, orar juntos, ter fé e confiança em Deus, compartilhar o afeto e os bens materiais, sentir gratidão pela vida. Alguns traziam suas vivências saudáveis. 

Para conclusão da aula propúnhamos a divisão em pequenos grupos para a elaboração de cartazes com as notícias da mídia, no futuro, quando a maioria dos lares humanos forem realmente LARES, DOCES LARES, como deveriam ser os lares que cada um dos meus alunos iria buscar construir.

Após a apresentação dos cartazes com notícias alvissareiras da mídia, ao grande grupo, encerrávamos a aula, guardando sempre a esperança nesses dias melhores que virão.

Autora Gladis Pedersen de Oliveira, autora da crônica: “Em busca da paz”: https://www.neipies.com/em-busca-da-paz/

Edição: A. R.

O pensar da criança

A group of primary schoolers lying on the ground and smiling

A criança constrói signos que se tornam o primeiro referencial compreensivo de sua subjetividade. Daí a necessidade de lhe ser oferecido compreensões de cuidado com seu corpo, como algo que a liga ao mundo e sensibilizá-la a cuidar dos demais seres da natureza.

Filosofar começa com questões. Importa mais as perguntas do que as respostas. Estas são provisórias. Em se tratando do pensar da criança, seu envolvimento com o pensamento lógico, interessa-nos referir o estímulo que o pensamento crítico pode realizar no imaginário infantil.

Configuramos nossa análise na importância do ato de pensar, como um ato humano, peculiar, identificador da espécie humana da qual a criança faz parte. O exercício de sua racionalidade tem etapas de maturação e desenvolvimento, mas está lá, em potência, desde seu início. Importante é criar condições para que suas potencialidades se desenvolvam. A filosofia pode abrir esse espaço, dada seu carisma reflexivo.

As crianças são capazes de pensar, de escolher, de perceber incoerências, de compreender argumentos, de buscar razões com seus porquês, de refletir sobre as verdades afirmadas pelos adultos. Porque a criança é livre, é aberta ao saber, é atenta ao novo. Não falamos de sistemas e programas escolares para as crianças. Falamos de crianças e saberes, de crianças e perguntas, de crianças e caminhos, de crianças e liberdade.

A primeira percepção da criança é o próprio corpo, a sua forma de estar no mundo como um corpo, que ocupa um lugar, que precisa ser cuidado, acolhido, respeitado pelos adultos.  Cabe-lhes mostrar à criança a necessidade de ela se entender como um corpo que fala, que sente, que toca objetos, que ocupa um espaço, que tem um movimento.

Ressaltamos o significado desses procedimentos imprescindíveis com as crianças, para que elas tenham uma vida de liberdade, segurança e afeto, experiências que elas conhecem e vivem, a partir do universo dos adultos com os quais convivem. A subjetividade infantil capta todas essas circunstâncias e a partir delas constrói sua percepção de vivências afirmativas ou negativas, que servirão de subsídios para seus caminhos futuros.

Tomamos a categoria corpo como uma das chaves conceituais para pensar com a criança e estimulá-la a identificar o mundo, tendo o corpo como um critério perceptivo. Esse corpo olha. O olhar é a dimensão do corpo que capta o sentido, que percebe o objeto, que introduz no campo perceptivo a vivência do mundo.

Há uma situação comum a todos: somos um corpo e esta condição nos torna próximos uns dos outros. Estabelecemos vértices de abertura do mundo. A nossa corporeidade cria aberturas para o mundo e o nosso corpo-consciência capta relações diversas, conforme se situa no mundo. Essa subjetividade corporal, própria de nossa humanidade está situada numa espacialidade e numa temporalidade histéricas.

Essas percepções são muito intensas no imaginário infantil. Eis uma razão fundamental para que a criança seja estimulada a pensar e sentir-se amada, pelas experiências de acolhida e cuidado.

A criança constrói signos que se tornam o primeiro referencial compreensivo de sua subjetividade.

Daí a necessidade de lhe ser oferecido compreensões de cuidado com seu corpo, como algo que a liga ao mundo e sensibilizá-la a cuidar dos demais seres da natureza. E ela tem direito de viver num ambiente de liberdade e tranquilidade, em que os adultos sejam responsáveis por sua dignidade, sem violações de qualquer espécie.

Cabe ressaltar que entender a criança como uma subjetividade que pensa, que fala, que escolhe, torna mais efetiva a identificação entre o pensar e o agir, com fundamento nos direitos que os humanos construíram para tornar o convívio possível.

Ao comemorarem o seu dia, que as crianças possam receber a gratuidade da nossa acolhida.

Autora: Cecilia Pires, autora da crônica “Sobre o amor”: https://www.neipies.com/sobre-o-amor/

Edição: A. R.

35ª FEIRA DO LIVRO DE PASSO FUNDO

A Feira do Livro, um oásis de letras em nossa cidade, está prestes a abrir suas portas. É um convite para todos aqueles que se alimentam das páginas impressas e devoram histórias com avidez.

Ao ler o Livro de Ouro da Mitologia me espanta a difusão de loucuras dos deuses. Por exemplo: o Deus Baldur, amado por todos os seres celestes, com exceção de Odin, que prepara um pequeno Deus cego para matar Baldur. Em tudo aí se revela o tamanho humano posto em seus limites. A mulher de Baldur morre ao ver seu amado falecido. Semelhante falta de caráter em Odin se revela na deusa Freia que trai seu marido ao dormir com anões em razão de querer um colar de ouro e pérolas. Odin a castiga fazendo devolver as pérolas. Ela é a mãe de Baldur. Em tudo se revela a grandeza e os limites do caráter humano. Também alguns deuses morrem e são levados para a eternidade, tendo-se também sofrimentos como os castigos dados a Odin, por suas diabolices.

Entre deuses e deusas, me preparo para conversar sobre a velhice com suas grandezas e limites na 35ª FEIRA DO LIVRO de Passo Fundo.

Olho de perto os livros das alunas do CREATI e vejo o esforço humano, em busca de poder, ao revelarem seus feitos e desafios vencidos. Esses escritos na velhice retratam desafios vencidos e, quase em todas as escritoras, se revela um lado alegre e de sofrimentos vencidos.

Todas buscam seu poder e envolvimento com a família. Buscam confessar seus feitos, sofrimentos e conquistas. Todas buscam suplantar as armadilhas dos males com lutas fortes e bravas diante do sofrimento humano e na alegria de vencer seus desafios. Sofrem, mas como deusas, buscam superar o limite humano.

Diferentes de Hemingway que perde seu grande peixe no livro O velho e o mar, elas se sentem protegidas em seus sentimentos de poder, amor e religiosidade e em seus grupos. Em tudo semelhante ao que observei, em sete anos de convivência direta com mulheres, foi a luta para superar os limites, seja em dança, ginástica, teatro, modelagem, origami, em histórias críticas e alegres. Em algumas, em submissão, eu vi dores na solidão.

Elas revelam a importância dos espaços de encontro seja na Universidade de Passo Fundo: CREATI, nos grupos da prefeitura, DAATI, no Crejuti do Juvenil, no SESC, ou no CAMTI do Caixeiral Campestre. São os lugares de reencontro da vida para muitas mulheres. Voltam a buscar o sentido da transcendência e, em muitas, eu vi traços de divindades femininas nestes grupos. Mais do que o deus Baldur, elas ressuscitam.

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“Num mundo onde as palavras são as estrelas do espetáculo da mente, convidamos você a mergulhar na mágica da literatura.

A Feira do Livro, um oásis de letras em nossa cidade, está prestes a abrir suas portas. É um convite para todos aqueles que se alimentam das páginas impressas e devoram histórias com avidez.

Neste encontro de mentes criativas, leitores se transformam em exploradores, escritores se tornam contadores de segredos e Academias de Letras celebram a majestade da palavra escrita.

É um lugar onde as histórias ganham vida e cada livro é uma porta aberta para um universo novo. A Feira do Livro é um portal para aventuras sem fim, para aprender, refletir e se encantar.

Agostinho Both será nosso Educador Emérito da 35ª Feira do Livro”.

(Mauro Gaglieti)

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A Prefeitura Municipal de Passo Fundo juntamente com a APLetras, objetivando promover a cultura de nossa cidade e região, promovem a Feira do Livro de 12 a 22 de outubro no Espaço Roseli Doleski Preto, envolvendo os participantes entre os prédios do Teatro Múcio de Castro, Academia de Letras, Instituto Histórico de Passo Fundo e Biblioteca Pública Municipal.

A 35ª Feira do Livro de nossa cidade foi lançada na terça-feira (26.9) na Academia Passo-Fundense de Letras com o auditório lotado de autoridades, professores, alunos e acadêmicos, evidenciando a expectativa positiva e a alegria de todos, com o retorno desse importante acontecimento cultural.

Edição: A. R.

As aparências enganam: breve reflexão para cristãos ou não

No primeiro domingo de outubro, o trecho do Evangelho lido para milhões de fiéis é um “manifesto” de Jesus contra a incoerência, a soberba e a falsidade (Mateus, 21, 28-32).

O Nazareno provoca os autoglorificados sacerdotes e anciãos do templo: vale mais falar ou fazer? Arrepender-se e seguir ou prometer e não cumprir?

Escolados na hipocrisia, esses poderosos mentirosos – algozes de João Batista, voz que clamava no deserto – não titubearam: “fazer, cumprir”.

Jesus, diante dos engalanados (e enganosos) “chefões”, é definitivo, revolucionário, contundente: “os publicanos (cobradores de impostos, considerados ladrões) e as prostitutas (alvo de toda sorte de discriminação) precederão vocês no Reino dos Céus!”.

Jesus desmascarou a elite mais poderosa de seu tempo, serviçais do Império Romano, ao afirmar que aquele(a)s tidos como os grandes “pecadores” da sociedade tinham muito mais valor que os que se julgavam maiorais, “doutores”, donos da verdade e da virtude.

Na prática, falsos “defensores da vida”, indiferentes aos sofrimentos e à humanidade aviltada dos semelhantes, que só viam como objeto de manipulação.

Jesus contraditava: o Deus do Amor abre suas veredas para os “improváveis”, os “imprestáveis”; o deus do poder só existe para os exibidos e cínicos que, com suas vestes douradas, fazem dele meio de submissão, negócio e mercado.

Jesus assinou sua condenação à morte, mas revelou a radicalidade de sua compreensão do mundo: o que vale é a autenticidade, a coerência, a dignidade, a simplicidade.

Os “perdidos” e desconsiderados serão salvos, voando livres; os arrogantes, oligarcas da religiosidade e do mando político, presos a seus ritos e ganâncias, não são nada do que aparentam…

“O homem que diz dou não dá/ porque quem dá mesmo não diz/ o homem que diz vou não vai/ porque quando foi já não quis” (Vinicius de Moraes e Baden Powell, “Canto de Ossanha”, 1966).

E você, está mais próximo de quem? Qual trilha você busca nessa vida?

Caminho aberto para os simples, porta estreita para os soberbos – Koinonia.

Autor: Chico Alencar

Edição: A. R.

O dizer poético

Cute girl studying geography, surrounded by literature generated by artificial intelligence

Dizer poeticamente é um jeito de pronunciar o mundo sem que aquilo que não foi agarrado pela palavra, seja invisibilizado, mas fique ali, reivindicando a possibilidade de ser dito.

Giorgio Agamben diz que somente a palavra coloca o ser humano em contato com as coisas mudas, eu diria que somente a palavra nos põe em contato com a língua das coisas do mundo. Acrescento, contudo, que escolher palavras para dizer também é uma maneira de esquecer outras, então, a reivindicação da visibilidade, o trazer para a fenomenalidade do olhado, exige-nos outras formas de dizer que não sejam repletas de violência e emudecimento. Exige-nos reconhecer a dificuldade própria dos limites dos discursos que nos informam, constituindo práticas de poder e domínios do saber (em operação).

Penso que permanece sendo uma questão fundamental a relação existente entre a linguagem e a realidade, quando ou de que modo o dizer toca a realidade, o que eu chamaria de eco ontológico da reverberação do que se mostra. Não foi por mera escolha estilística que Nietzsche concedeu à arte e não à filosofia sua relação mais estreita com o real/vital, mas por considerar que a arte sabe-se interpretação. Também Heidegger recorre à poesia no seu caminho para a mostração do ser, pois somente ela seria capaz de dizer, sem que ao dizer, estivesse obliterando nosso acesso aos modos originários de dação.

A realidade resvala, não se deixa dizer na sua totalidade, até porque estamos imersos na sua geografia, e todas as vezes que pretendemos engessar a expressão da realidade, corremos o risco de tomar uma perspectiva como se fosse a própria realidade. Disso não decorre a impossibilidade do dizer, mas a tarefa sempre reiterada de tentar dizer sem determinar, sem o prejuízo da palavra obsequiosa.

Considero enormemente que a verdade continua sendo o mote não só da filosofia, mas das mais variadas relações que cultivamos na direção do mundo. A questão é como entendemos a verdade, para mim, há um resto que independe da posição do indivíduo, contudo, falar (d)este resto, impõe um gesto radical: compreender que a verdade, que a realidade, não é fruto de uma relação essencial/metafísica, mas de uma relação radical em que não somos nós que constituímos o fenômeno para o qual nos direcionamos. Portanto, talvez nossa questão não seja com a verdade, mas como dizê-la sem que ao dizê-la estejamos (e com violência) assumindo um único jeito de expressar as coisas do mundo.

Retomando, a palavra nos coloca em contato com a língua das coisas do mundo, ouvir o eco disso que nos fala é a tarefa do dizer, talvez a única que seja capaz de nos libertar dos discursos que impõe verdades e maneiras específicas de julgar, sentir, agir e compreender o mundo.

Nunca é tarde para lembrar de um velho pensador, Aristóteles, quando reconhece na thaumazein a relação primordial com a emergência do mundo, o arrebatamento, o espanto com o acontecimento da vida, da realidade. Caminho que leva ao descortinar do mundo. Também, ao conferir aos sentidos o valor do que nos acontece, emprestando significado ao ofício da experiência do existir.

Dizer poeticamente é um jeito de pronunciar o mundo sem que aquilo que não foi agarrado pela palavra, seja invisibilizado, mas fique ali, reivindicando a possibilidade de ser dito.

Autora: Marli Silveira

Acadêmica Academia Rio-Grandense de Letras. Autora da crônica “A banalidade do mal”: https://www.neipies.com/a-banalidade-do-mal/

Edição: A. R.

SER POETA

A small wooden house near the lake in a rural area

Se eu pudesse

me mudava.

Me mudava

para a terra das palavras.

Lá onde elas são belas

como caravelas

singrando ao sol

do mar da imaginação.

Sem a pressa

– premente –

das coisas do mundo

dessas que só servem

pra tirar

nossa atenção

– delas.

Se eu pudesse

me mudava

do mundo

me mudava da vida

e reinventava

uma forma nova

de existir.

Existir entre as coisas

sem pressa

sem a fobia

do amor

a carestia

da vida

a sabedoria

da dor.

Se eu pudesse

eu mudava o mundo

e ia viver

desbragada

e impunemente

de ilusão.

E convidava

todo mundo

que quisesse

pra essa mansão.

Castelo de areia

palácio de cristal

que me importam

as pechas

que o mundo

a minha divagação.

O mundo que se aquiete.

Pago meu preço

mas não tenho apreço

por isso.

É o meu compromisso.

O que exigem

de mim.

Mais não podem

– enfim.

Autor: Júlio Perez, autor da poesia Meus filhos, os poemas: https://www.neipies.com/meus-filhos-os-poemas/

Edição: A. R.

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