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A Educação de volta para a Democracia

O fim do Programa de escolas cívico-militares é a retomada da legalidade, do respeito às diretrizes nacionais da educação como política pública de estado, discutida e planejada para além de governos, com a sociedade brasileira.

Assim determina a Constituição Federal no art. 214: ”lei estabelecerá o Plano Nacional de Educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam à erradicação do analfabetismo; universalização do atendimento escolar; melhoria da qualidade do ensino; formação para o trabalho; promoção humanística, científica e tecnológica do País e estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto.”

A Lei 13.005/2014 estabeleceu o Plano Nacional de Educação para a década 2014-2024, a partir de duas grandes conferências nacionais de educação onde a sociedade brasileira participou intensamente, discutida e aprovada pelo Congresso Nacional. Em nenhuma de suas 20 metas e inúmeras estratégias está prevista ou projetada a dita “escola cívico-militar”. A partir dela, foram, igualmente,  estabelecidas Leis estaduais e municipais.

Miguel Arroyo, professor emérito da UFMG, sintetizou o problema em entrevista recente: “as escolas militares têm bons resultados para formar militares, mas não são os melhores exemplos para formar cidadãos com valores de democracia e de igualdade.” Leia mais: https://www.neipies.com/escola-nao-e-caserna-modelo-civico-militar-criminaliza-educadores-e-custa-caro/

Esse era, portanto, um programa vinculado a um governo e campo ideológico que se impôs, a despeito do planejamento legal da educação brasileira, primeiro por Medida Provisória, depois com legislações que estão em debate nas esferas judiciais exatamente pela inexistência de previsão legal nacional.

A Lei 9.394/1996, Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, de outra parte, explicita os princípios e bases da educação brasileira, sendo a  liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber, o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, o respeito à liberdade e apreço à tolerância, preceitos fundamentais – opondo-se frontalmente à exigência de comportamentos padronizados, uma das práticas das escolas cívico-militar. Esse é um dos fundamentos do Ministério Público Federal para ajuizar ação para garantir que estudantes do Acre não tenham que submeter-se a padrões estéticos e comportamentos baseados na cultura militar.

Diante do argumento que a atuação dos agentes de segurança na escola ser apenas na gestão, espaços e disciplina, a Lei Máxima da Educação define claramente quem deve exercer: “a formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional. (Art. 64)”.

Aqui no Rio Grande do Sul, a Lei Estadual 10576/1995, assegura a gestão democrática da escola a ser exercida pelos/as profissionais da escola, em colegiado representativo dos quatro segmentos: professores, estudantes, funcionários, mães e pais. Não só como forma de democratizar a política pública de educação, suas regras, critérios de avaliação e escolha dos conteúdos, mas também para a aprendizagem do exercício da cidadania na democracia.

Valores, disciplina e relações respeitosas devem sim ser desenvolvidos no curso da formação dos meninos e meninas, dos jovens e das jovens brasileiras, de maneira que essas sejam posturas assumidas a partir da vivência democrática, multicultural, reflexiva e protagonista, transversalizadas pelas diferentes áreas do conhecimento humano. Tornar-se-ão regras internas e não dependentes de comandos e sanções.

Sonhamos com um povo livre e democrático para realizarmos a República Democrática, sem retrocessos a totalitarismos e ditaduras, assim deve ser a educação.

Autora: Sofia Cavedon – Deputada Estadual PT RS e Presidenta da Comissão de Educação e Cultura da AL/RS

Foto Paulo Garcia/ALRS

Desafio do momento

A reflexão proposta neste texto tem por objetivo alertar o educador, pai, mãe, professor, adulto em geral, sobre como devemos agir na educação das nossas crianças e jovens, tanto no lar, na escola, ou no convívio social em relação à busca de suas identidades e integração consigo mesmas, com os outros e com a divindade.

O esforço da experiência por buscar a própria identidade nos conduz ao autodescobrimento, à percepção do que realmente somos e representamos para a vida. Vamos nos dando conta da finalidade da nossa existência, mas, também, das nossas fragilidades, do excesso de preocupações que estávamos tendo em relação ao que é imediato, que traz triunfo e sucesso aparente, que provoca a ansiedade, o medo, a solidão íntima, esquecendo a importância da paz interna.

Por muito tempo perseguimos metas exteriores, disfarçamos nossas emoções e corremos atrás de falsa realização pessoal sem darmo-nos conta de que estas conquistas, meramente materiais, têm pouca significação em relação ao verdadeiro sentido da vida.

Gradativamente, nos embates da nossa vida, acabamos por deixar aflorar, desabrochar, depois de grandes desafios, admiráveis recursos interiores que estavam aguardando o momento de vir à tona… é o desafio que o filosofo grego Sócrates (470Ac – 399Ac) encontrou no oráculo de Delfos: CONHECE-TE A TI MESMO. Que coisa que eu sou? Quem sou eu?

Vamos nos dando conta da nossa origem divina, que somos parte integrante de todo mundo vivo, criado por Deus, que somos, também, na nossa maneira de ser, único, excepcional. O auto encontro inicial vai nos saturando de sentimentos de equilíbrio e bem-estar, da percepção de novo e profundo sentido para nossa vida. Entretanto, é um processo longo, doloroso, exige esforço consciente e perseverante, sem perder o interesse pela luta de crescimento moral, emocional e espiritual. Esta experiência consciente desenvolve o respeito por nós mesmos, o auto amor, amplia nossa visão sobre os outros e o meio social onde atuamos. Naturalmente nos tornaremos mais compreensíveis, amorosos e solidários pois teremos rompido com as ilusões do ego, na busca de nossa plenitude integral.

Que estratégias podemos nos utilizar para estimular nosso processo de crescimento?

Primeiro, identificar nossos defeitos e as boas qualidades que temos, sem autojulgamento, sem auto culpa. Ir lá no íntimo e buscar eliminar os problemas que nos causam conflitos, sofrimentos. Reconhecer nossas qualidades, desenvolver novos valores morais que nos harmonizem, nos renovar sempre para o melhor. É uma ação consciente.

A meta seguinte, nesta caminhada, é buscar o verdadeiro significado de estarmos vivos, aqui e agora. Este procedimento de autoconsciência lógica nos mostra o que devemos fazer e como fazer, abrindo campo para a criatividade, espontaneidade e imaginação, conduzindo nossa atenção para dentro de nós mesmos e sentir a nossa força íntima. Desta forma, refletindo sobre nossas emoções e sentimentos, vamos enfrentar os desafios naturais da vida com mais disposição e equilíbrio, sem nos desestruturarmos.

A meditação é uma atitude que oferece ótimo recurso para uma incursão profunda dentro de nós e independe de compromisso religioso. A busca do silêncio, quando procuramos descontrair, num recanto isolado, entre quatro paredes ou junto à natureza, nos enche de paz. A observação solitária do céu, das nuvens, do nascer ou pôr do sol, da lua, dos astros, do voo das aves, das plantas, o sentir a brisa no rosto, o respirar fundo e expirar, caminhar conosco mesmo, de pés descalços na grama, na areia da praia, chutar as ondas à beira mar, extasia nossa mente, ajuda-nos a nos perceber como parte integrante da criação divina. Nestes momentos mágicos, sem contatos virtuais, mas naturais, nos conectamos conosco mesmo. Ao elevar nosso pensamento numa prece sincera de gratidão ao Criador por tudo que temos, chegamos à nossa essência.

A introspecção oferece clima de segurança emocional, calma, amadurecimento psicológico, e ajuda a no auto identificar com a nossa humanidade através de uma consciência ética, de lucidez intelecto-moral que emerge da rotina e encontra a si mesmo. Neste contexto, o pensamento é a força viva, ativa, que precisa ser direcionado pela nossa vontade para ser educado.

Pensar de maneira salutar é compromisso valioso para gerar otimismo e paz, iniciando programa de ações corretas… Tudo quanto se tenha que fazer, pensar antes, delineando um programa cuidadoso, no qual o improviso não tenha lugar, nem tampouco o arrependimento tardio”. (Livro – Autodescobrimento – Divaldo P. Franco, pág. 79, Ed. Leal)

A reflexão proposta neste texto tem por objetivo alertar o educador, pai, mãe, professor, adulto em geral, sobre como devemos agir na educação das nossas crianças e jovens, tanto no lar, na escola, ou no convívio social em relação à busca de suas identidades e integração consigo mesmas, com os outros e com a divindade.

Temos que levar em conta que precisamos, primeiro, fazer o retrospecto de nós mesmos, trilharmos este caminho do autodescobrimento, assim nos tornando aptos a encaminhá-los nesta direção. O discernimento sobre os objetivos e significado da vida vai proporcionar-lhes a harmonia íntima e a natural integração de si com os outros a sua volta, e o meio natural onde estão inseridos. Não podemos esquecer que nós, seres humanos, temos em nossas vidas um psicotropismo que nos impele a crescer e nos direcionarmos para Deus.

Procure sempre refletir contigo: por que agi desta maneira? Ou o “o que aconteceria se eu tivesse agido de outra forma? Busca o sentido mais profundo da vida. Não fique na superficialidade, relute sempre em causar danos aos outros e a ti, tenha sempre como modelo de ação os grandes luminares da Humanidade, como Jesus, Buda, Gandhi, Moisés, Maomé, Allan Kardec, etc. Leia mais: https://www.neipies.com/carta-aos-jovens/

Autora: Gladis Pedersen de Oliveira

Não desista Rubes

Na trama da vida e na complexidade do nosso tempo, perder ou ganhar, são valores vazios e desprovidos de seu significado essencial.

Estava pensando em você Rubes, quando ouvi a expressão que falava assim: ‘um sino não é um sino sem você tocá-lo’.  Então pensei: um amigo não é um amigo sem se mostrar amigo.  Escrever é sempre o melhor caminho para se expor o que se pensa e pensar com os amigos.

O seu Nadir sempre fala de você, com aquele carinho típico. No entanto, quando apresentei o projeto das caixas sustentáveis, lembra, percebi ali o desânimo, dúvidas, e uma postura de incredulidade frente ao convite. Não que não estivesse agradecido, sem dúvidas.

Olha Rubes, não se preocupe, porque era apenas uma oportunidade.  E elas surgem todos os dias e nem sempre são as melhores para nós.  Às vezes, são convites menores e, ao invés de aceitarmos, recusamos, para em seguida, vermos nelas um livramento. Quantas vezes!

Você não é obrigado a viver como que se perguntando quais as oportunidades em que agarrou e quais as que perdeu.  E nem deve se culpar pelas que sumiram, e que talvez fossem boas, talvez não.  Nossa carreira não é muito longa e, quando acordamos, estamos em um estágio em que parece não haver retorno possível.

Mas isso é só meia verdade.  Sempre há um retorno! Nossos recomeços podem ser ilimitados, nosso tempo nunca acaba, não enquanto estivermos respirando.  Acaba, um dia, quando nós mesmos o damos por encerrado.  Podemos recomeçar, reaver o que nós achamos que perdemos, a todo instante.  Se é que perdemos alguma coisa. 

Dizem que bens, dinheiro, pessoas, se partiram e nos deixaram, é porque não nos pertenciam e nunca deveriam ter permanecido conosco. O mesmo vale para derrotas, que podem ser apenas o resultado de falsas batalhas.

Nós somente perdemos o que não nos importou, mesmo que distraídos.  Deixamos fugir o que em nossa escala de valores, mais tarde, sequer lembramos.  E somente se compararmos com o que não temos! Não podemos falar em perdas, que, em essência, nunca foram nossas e nem deveriam ficar ao nosso lado.

Ficamos muito tempo com os olhos no passado e não fazemos a conta exata do quanto nos resta.  Porque a nossa idade real é aquela em que ainda temos para viver e não a que já se consumiu.

O que de fato perdemos?  Vamos à Bíblia:  Deus ‘perdeu’ seu filho para salvar a humanidade.  Na verdade, não o perdeu, antes, ganhou milhares de pessoas que o amam até a morte.  Daí que há salvação para todos. E João lembrou que quem ama sua vida vai perdê-la e quem a perde, ganhará. Então perdemos o quê mesmo?

Família, amigos, pais, irmãos, mais amigos, isso sim, são perdas irreparáveis.  Até na saúde precária podemos viver e sorver a vida, em sua magnífica beleza.

O nosso acúmulo de coisas ao longo de nossa jornada vai se tornando pesado e, na medida em que avançamos, aumenta. Arrastamos nossos troféus para que os outros nos contemplem. Mas o olhar indiferente do vizinho e a poeira, é o que neles restará.

As pessoas acumulam muitas coisas, bens, ativos, dinheiro.  A corrida é grande e uma luta para conquistá-los. Em sua partida, porém, haverá limites à sua bagagem. Esquecem que ao final da pista, poucos quilos caberão em sua mala. Nenhum, talvez.  E então a sua vida passa, em tormentas diárias, de trabalho e ansiedade sem limites. Vencedores, nós os chamamos.

O conceito de perder e ganhar, em nossa sociedade foi banalizado.  Em meus lançamentos recentes, pude certificar.  Ao convidar uma professora para apreciar um livro, justamente sobre aceitação, vimos ali uma heroína, que tem em sua carreira uma vida de doação.  Entretanto, outras pessoas, que sequer apareceram, quem sabe por estarem desligadas do verdadeiro sentido do que seja vitória. Pois é na falta da tolerância, da convivência, da empatia e do respeito mútuos, que ali mesmo nasce a derrota.

Vencedores nesta sociedade, são os que conseguem mostrar em sua aparência, o que têm, o que é mensurável, o que vale para mostrar?  Isso para o olhar do outro e sua admiração e, em seguida, para sua inveja.

Muitos bens e pouco bem.  E o que não vemos, quanto vale? Qual o valor de uma casa vistosa, de um carro de luxo, de uma vida de consumo frente a rotina de uma mulher, que levanta todas as manhãs para cuidar de uma casa de repouso, que acolhe pessoas abandonadas!  Cuida de gente sem valor algum, que não produz mais nada e que nada pode consumir. O que vale mais?

Na trama da vida e na complexidade do nosso tempo, perder ou ganhar, são valores vazios e desprovidos de seu significado essencial.

A questão é que nós já os incorporamos, acreditamos nestas conquistas e, quando as conquistamos, ou mesmo, quando as perdemos, será sobre estes padrões que nos julgamos. E sofremos com isso.

Uma pessoa passa a vida dedicada ao bem, por exemplo, a crescer e ensinar às pessoas ao seu redor, mas muito pouco juntou, sendo depois julgada pelo que conseguiu.  Um homem arrogante e tolo, por outro lado, egocêntrico e incrédulo, é admirado e louvado pelos bens que mostra à sociedade.  Não estamos todos perdidos, sob este ponto de vista?

Somos prisioneiros de valores pelos quais não nascemos para lutar e passamos a vida inteira no seu encalço, para depois reconhecer, que o bem maior é a nossa coleção de amigos e não as ações na bolsa que empilhamos.  Mas aí pode ser tarde demais!

Temos de abandonar nossas perdas, porque em sua maioria trata-se de bens e não da essência para o que viemos aqui. Elas têm de partir, uma vez que não nos pertenciam. Temos de segurar o que nos envolve, o agora, porque o que resta de tempo é o único e verdadeiro tesouro a guardar. E assim sempre aprender.

Desistir? Somente quando a tampa for baixada.  Antes disso, há que se reavaliar, ressignificar, recomeçar, refazer, reconquistar, reencontrar…

Ao Universo e a Deus não há dias ou anos. Há hoje. Nós é que tentamos enganá-los, fatiando o tempo ao nosso interesse, como que negociando dias em troca de anos.  Não dá certo! Vivemos tudo ao mesmo tempo.

A cada manhã em que nos levantamos, não há diferença alguma entre a noite que se foi e o dia que começa.  Tudo é presente.  E o mal que passou não vale mais, a dor de ontem não nos faz mais sentir. Daí que mágoas devem ser abandonadas, esquecidas, derrotas devem ser minimizadas, e um novo foco em valores reais deve ser reestabelecido. É retomar a vida que nos foi emprestada.

Voltando ao sino, Rubes, pense em cada vez que ouví-lo, assim que dobrar, uma perda tem de ser esquecida.

Viva seu recomeço!

Autor: Nelceu Alberto Zanatta, autor do livro “A planta, suas folhas e um sino”. https://www.neipies.com/uma-potente-pegada-por-empatia-em-livro/

Apenas dou aulas

Dar aula é inútil. Só dar aula, então… Hoje em dia espera-se que um professor faça de tudo. Só dar aula não dá lucro. Logo, não agrega valor.

Sou professor. Licenciado em Filosofia. Plenamente. Também sou acadêmico do curso de Letras. Estudei anos e anos para dar aula.

Infelizmente, é o que sei fazer…

Peço perdão por não saber fazer outra coisa. Sei que, ao ensinar sobre Platão, Aristóteles, Nietzsche e Schopenhauer, sou pior que um terrorista. Se eu falar sobre Karl Marx e sua crítica ao capitalismo, então, sou pior que Mao Tsé-Tung e Pinochet…

Dou aulas.

Não sei pregar um prego à parede. Não apenas porque não me preparei para isso, mas também porque não desejo pregar um prego à parede. No fundo, deve haver algo muito errado comigo.

Acontece que, quando jovem, disseram-me que ser professor era uma profissão importante. Tão importante quanto ser um mecânico ou um advogado. Jovem e tolo, eu acreditei.

Agora estou aí, dando aulas…

Como sou formado em Filosofia, uma disciplina inútil por si só, não me dou muito bem com trabalhos manuais em geral.

Posso, por exemplo, apresentar as principais concepções surgidas ao longo da história sobre o que é FELICIDADE. Sabia que existe uma linha, na Filosofia, que estuda isso? Chama-se EUDAIMONIA. Pois é…

A felicidade, porém, também é inútil. Útil, mesmo, é saber pregar um prego.

Dar aula é inútil. Só dar aula, então… Hoje em dia espera-se que um professor faça de tudo. Só dar aula não dá lucro. Logo, não agrega valor.

É por isso que, na educação atual, os governos enchem professores como eu com tarefas burocráticas, com muitos períodos e muitas crianças para atender por sala — porque somos inúteis. É preciso mesmo que inventem algo para fazermos, para justificar o imposto gasto com nossos salários.

A prioridade do trabalho dos professores e professoras deve ser o pedagógico, deve ser a relação com os estudantes, deve ser a exploração dos seus potenciais criativos, o uso de novas tecnologias e ferramentas educacionais e a mediação da construção dos conhecimentos. As quinquilharias da excessiva burocracia na educação só enchem tabelas de relatórios e os olhos dos burocratas que pouco entendem de educação. (Nei Alberto Pies) Leia mais: https://www.neipies.com/estao-matando-a-essencia-da-educacao/

Além de professor, sou escritor. Quer ver ficar pior? Sou poeta. Meu Deus, um professor-filósofo-escritor-poeta!

Não sou apenas inútil. Sou O inútil entre os inúteis…

Melhor eu ir ali, fazer um cursinho técnico, virar coach, aprender algo útil, antes que eu morra de fome. Preciso mesmo criar vergonha na cara.

Afinal, só sei dar aula…

Sou só professor.

E um escritor medíocre.

Autor: Aleixo da Rosa, autor da crônica “O curioso caso dos alunos que preferiram os livros”: https://www.neipies.com/o-curioso-caso-dos-alunos-que-preferiram-os-livros/

Os limites da suportabilidade

Até onde vai nossa capacidade de suportabilidade para tanta dor e violência?

O fotógrafo Kevin Carter, ganhador do Pulitzer de 94 pela fotografia do bebê sudanês famélico no mesmo plano de um abutre, que esperava pela morte do menino para finalmente devorá-lo, acabou se suicidando por não suportar as críticas pela atitude sofrível e desumana: ter optado pelo melhor plano (arte) e não pela vida. 

A relação, neste caso acima citado, parece, foi estabelecida na direção dos limites éticos de um trabalho artístico. Se podemos achar algo belo mesmo que em jogo esteja a representação de um gesto de violência, da fome, da dor. Talvez melhor, se a arte pode prescindir da ética, ou ainda, se o profissionalismo pode prescindir, em determinadas circunstâncias, insinuando-se por dentro de outros marcadores.

Kong Nyong, o bebê sudanês, sobreviveu. Carter pode ter cometido suicídio não apenas pela foto premiada. O próprio Sebastião Salgado, um dos grandes nomes da fotografia mundial, recebe críticas pela repercussão de imagens em que a denúncia não deixa de ser também violência.

Longe de apresentar uma consideração exaurida de fontes e discussões, tenho acompanhado nossa pressa, minha, inclusive, de nos livrarmos das responsabilidades cotidianas. Enquanto escrevo este pequeno artigo, uma ou duas horas de produção, mais de oito pessoas morreram vítimas de violência no país, algo em torno de 110 por dia; 19 adolescentes são assassinados/as a cada 24 horas, outros 123 estupradas/os. Praticamente 33 milhões de pessoas morrem e ou vivem em situação de insegurança alimentar. Brevíssimo histórico das nossas desmemórias.

Até onde vai nossa capacidade de suportabilidade para tanta dor e violência? Sim, é claro que seria impossível uma vida lançada ininterruptamente no abismo da existência, pois precisamos ancorar nossas dores e culpas em repositórios capazes de tornar menos sofrível a gratuidade da vida. Precisamos continuar, apesar de. Contudo, temo que a exposição continuada e contínua aos abusos da desumanidade nos torne insensíveis aos apelos dos que não têm salvaguarda no mundo.

Por quem choramos?  Quais são os cenários cotidianos que são suportados e figuram nas nossas vidas sem que nos provoquem qualquer repulsa ou empatia?

Estudo de Viezzer e Grondin (2018) mostra que a invasão/colonização europeia nas Américas provocou mais de 70 milhões de vítimas entre os povos originários (1500/1900). Nossa história foi construída sobre o sangue de milhões, sem menosprezar a igualmente perversa escravidão a que foram submetidos milhões de negros. O que nos é permitido esquecer? O que devemos lembrar?

Penso, muitas vezes, que a grandeza de um país não se mede pela sua cultura, mas pela história dos seus esquecimentos. E só de lembrar dos nossos esquecimentos cotidianos, um calafrio ganha meu corpo, pois já não sei se posso escrever sobre o que sempre fora insuportável.

Levei anos para entender que a melhor parte de mim é aquela que não se sabe, pois é com ela que posso me propor ao devaneio criativo. O que em mim cria está em aberto, pois é justamente a sinuosidade de uma mesmidade que não está dada que permite que nos lancemos na direção de nós e do mundo, podendo revisitar nosso próprio modo e as implicações da agência criativa. Leia mais: https://www.neipies.com/a-potencia-do-inacabado/

Autora: Marli Silveira 

Da Igreja ao sindicalismo: uma trajetória de escolhas

Revelamos e promovemos, com alegria e muita satisfação, histórias de vida que estão imbricadas com a humanização, seja através da religião ou da educação. O entrevistado desta matéria é professor e sindicalista Altair Follador, da rede municipal de Passo Fundo, RS.

Follador é destes profissionais da educação empenhados e envolvidos com muita intensidade, interesse e responsabilidade, seja pela qualidade da educação escolar, seja pela valorização profissional dos seus colegas professores e professoras, através do CMP Sindicato. Conviver com ele, conhecer sua história e reconhecer o seu trabalho é uma missão e uma tarefa que apreciamos muito neste site.

Esta matéria foi produzida por João Lucas da Silva, estudante de jornalismo da UPF (Universidade de Passo Fundo), gentilmente cedida para publicação neste site.

“Apesar das mudanças, a vocação para ensinar sempre esteve presente. Eram meados da década de 70. Sentado no topo de uma coxilha, o jovem de 13 anos, filho de pequenos agricultores, imaginava como seria o seu futuro. Altair Follador sabia que se continuasse ali não teria outra perspectiva senão casar-se com uma moça da região, “provavelmente polaca”, e seguir a profissão de seu pai.

Cerca de 50 anos depois, um professor, ex-sacerdote e sindicalista. As mãos que diariamente abotoam as tradicionais camisas já encarregaram-se de tudo um pouco. Capinadas de enxada, gesticulações nas homilias de domingo, quadros cheios de conteúdo em sala de aula, além, é claro, do punho cerrado em meio à manifestações.

O terceiro filho de uma família de oito irmãos sabia que estudar até o 5º ano do ensino fundamental não o levaria longe, mas o pai era relutante. “Filho meu não vai pra casa de estranhos (para estudar)”. Entretanto, Altair discordava. “Eu não me conformava com aquilo, eu sempre me imaginei estudando pra além do 5º ano. Não sei por que razão, eu nunca achei que 5º ano era o limite.”

Do interior de Alpestre, município mais setentrional do Rio Grande do Sul, o jovem só pensou em um meio de sair mundo afora. Ir para o seminário. “A família era um bocado religiosa e inclusive gostou da ideia, incentivou e encaminhou os meios pra ir”. A partir daí o itinerário seguiu por Frederico Westphalen, Viamão e Passo Fundo. Mesmo com questionamentos próprios à sua vocação, Altair foi ordenado padre seis meses antes de concluir a formação, por ocasião do jubileu da diocese que fazia parte. “Eu, que estava meio em dúvida, ainda me apressaram. Parecia que tava tudo conspirando”. Ele trabalhou por anos em capelas e paróquias na região de sua terra natal.

Quem vê o professor nas escolas de Passo Fundo nem imagina sua trajetória.

Altair teve a oportunidade de morar em Roma por dois anos e meio, onde trabalhou e fez mestrado. O curso intensivo de italiano e a vida na capital europeia o levaram a aprender a nova língua rapidamente, nada impossível para um descendente de italianos que cresceu ouvindo o dialeto vêneto em casa. Seu percurso diário, na época feito de bicicleta, pode ser considerado invejável por muitos. “Eu fazia um trajeto que passava do lado do Vaticano, depois do lado do Coliseu. O pessoal paga uma fortuna pra vir aqui ver essa construção, eu passo de bicicleta todo dia [ele ri]”.

Na Europa, Altair pôde viajar pelo continente, visitando diversos países e a cidade originária de seus ascendentes. Na comuna de Borso del Grappa ele chegou a conhecer a casa em que seu bisavô havia nascido.

De volta ao Brasil, em 1994, o padre tornou-se professor do instituto que havia cursado teologia. No período, a situação na Igreja era delicada, pois a Teologia da Libertação era contestada pela ala mais conservadora. Altair tinha sido formado no contexto do movimento e concordava com o pensamento de tal. Foi nesta circunstância que sua vida mudou de rumo. O professor reencontrou Andréia, uma moça que havia conhecido durante a graduação, mas que perdeu contato e ficou mais de dez anos sem conversar.

Neste meio tempo, apesar da incerteza paulatina, seguiu sua profissão de fé, mas quando retomou a comunicação com a antiga paixão, não houve dúvidas. Em 2000 ele deixou a Igreja, mudou de emprego e dedicou-se à companheira, com a qual possui três filhos. “Se lá na roça do meu pai eu imaginei o que seria o meu futuro se eu ficava lá, eu voltei a me questionar, o que vai ser da minha maturidade e da minha velhice se eu continuar nessa função.”

O atual sindicalista foi trabalhar como representante comercial e bancário, mas no final das contas retornou para a sala de aula.

Desde 2012 na rede municipal de educação, Altair leciona filosofia e ensino religioso e já passou por diversas escolas, fazendo parte, inclusive, do sindicato de professores.

Participa do Conselho de Representantes praticamente desde o início e em 2018 ingressou na diretoria, sendo, hoje em dia, um dos principais nomes dentro da entidade. Após todos estes anos de trabalho, ele pretende-se aposentar em 2023 com a consciência tranquila. “Mais de uma vez eu encarei uma decisão de dar uma guinada na vida. Pelo menos não me arrependi de nenhuma delas. Eu acho que todas me deram oportunidades que eu não teria.”

Autor: João Lucas da Silva

Fotos: divulgação/redes sociais CMP Sindicato

Pensando com Giordano Bruno

Os condenados de hoje, no entanto, não vão mais para a fogueira, mas se tornam vítimas de outras formas de extermínio tão perversas como as que levaram o pensador italiano a morte.

Conforme atesta meu grande amigo Luiz Carlos Bombassaro (professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e um dos grandes estudiosos do assunto), o pensador italiano Giordano Bruno (1548-1600), foi certamente um dos maiores filósofos da Renascença. Sua biografia e sua obra o qualificam como uma das mentes mais originais e um dos mais importantes criadores de uma nova visão de mundo radicalmente distinta daquela difundida em sua época.

Conhecido como aquele que rompeu com as cadeias que prendiam o ser humano ao mundo fechado, Bruno foi um intelectual muito além de seu tempo, pois em seus escritos foi capaz de fundir filosofia, ciência e literatura e constituiu, dessa forma, uma nova forma de compreender a unidade nas múltiplas manifestações do universo.

Em seu livro Giordano Bruno e a filosofia da renascença, Bombassaro ressalta que para o pensador italiano uma das mais importantes questões filosóficas consistiu em explicar de que forma se realiza a atividade intelectual, como o intelecto humano se move em direção à contemplação da causa, o que move o mundo, como tudo se estabelece. Para ele, o princípio que tudo move é o amor, pois é este sentimento que tudo vincula. Há dois tipos de amor: amor humano e o amor divino. Enquanto o amor humano é vulgar e pode se constituir em uma tirania quando sufoca o outro, o amor divino é o vínculo dos vínculos, a causa do que existe no universo, pois está presente na multiplicidade das coisas, que ao mesmo tempo anseia pelo divino. O amor divino se infunde na alma e no corpo dos seres humanos e é este amor que possibilita a beleza que se traduz em harmonia, consonância e proporcionalidade entre as partes.

Contrariando o pensamento de sua época, Giordano Bruno compreende o universo como um sistema em permanente transformação, no qual todas as coisas são e não são ao mesmo tempo: o frio se torna calor, a água se torna vapor, o dia se torna noite. Tudo está em constante modificação. O universo, portanto, não é uma estrutura hierarquizada na qual o movimento é governado por uma ideia estática que tudo determina. Ao contrário, o Universo seria um todo no qual nada é imóvel, nem mesmo a Terra, como afirmava a antiga religião dos egípcios e o heliocentrismo de Nicolau Copérnico (astrônomo contemporâneo que também foi condenado a fogueira).

Para Giordano Bruno, o movimento de todas as coisa não seria de ordem mecânica, como se o mundo fosse um jogo de partículas móveis, cujo deslocamento dependeria de um movimento inicial possibilitado por um ser superior. Para o pensador italiano, o movimento é resultante da natureza dos seres vivos, pois todas as coisas possuiriam um princípio anímico, que faz transformarem-se permanentemente.

As ideias de Giordano Bruno contrariavam o sistema teológico-filosófico da época. Este tinha como uma de suas peças básicas a astronomia de Ptolomeu a qual afirmava que a Terra era um ponto imóvel privilegiado (o centro do universo), onde todos os corpos celestes giram ao seu redor. A essa astronomia ptolomaica juntava-se a concepção de que todos os movimentos são imperfeições e constituem transgressões da ordem divina. Por se colocar contra o pensamento dominante, Bruno foi preso, julgado e condenado a morte na fogueira pelo Tribunal da Inquisição. Sua execução aconteceu no dia 17 de fevereiro de 1.600.

Mais de quatrocentos anos nos separam dos acontecimentos preconceituosos que levaram Giordano Bruno a morte na fogueira. Certamente suas ideias foram revolucionárias para o desenvolvimento ciência moderna e amplamente reconhecidas pela humanidade.

No entanto, em pleno século XXI ainda persistem certos preconceitos obscuros que impedem de ver o mundo de forma diferente. Tais preconceitos negam os conhecimentos confirmados pela ciência estão produzindo os tempos sombrios, tão bem denunciados pela pensadora Hannah Arendt.

Os condenados de hoje, no entanto, não vão mais para a fogueira, mas se tornam vítimas de outras formas de extermínio tão perversas como as que levaram o pensador italiano a morte.

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

O curioso caso dos alunos que preferiram os livros

Quando se fala em educação, o nosso tesouro — onde está?

A todo instante coisas incríveis acontecem. Para percebê-las, porém, é preciso olhar de viés. Quando enxergamos assim, percebemos no movimento das pernas de uma formiga o inevitável mistério das coisas, belo e assustador. Vislumbramos a verdade escondida pelo verniz, às vezes até bonito, mas frágil e insustentável.

O breve caso que contarei ocorreu há poucos dias, em uma escola na qual dou aula.

Nesse colégio, não faz muito, foi instalada uma daquelas salas com impressora 3D, cortadora a laser e o escambau.

— Tecnologia de ponta, coisa do futuro — disseram os políticos.

De tempos em tempos, surge uma nova mania na educação. Uma febre sazonal. Toda vez promete-se muito e cumpre-se pouco. E dá-lhe estripulias para render matérias na imprensa, sites e redes sociais. Afinal, uma bela foto no Instagram seguida de centenas de curtidas basta para comemorarmos nossa chegada ao futuro.

As salas makers, suspeito, são a moda da vez. Assim mesmo, em inglês, para dar pompa às circunstâncias, à espetacularização do momento.

Comenta-se muito, agora, sobre tecnologia e inclusão digital. Enquanto isso, na realidade, a maioria dos estudantes amarga desempenhos ruins em disciplinas básicas, como Português e Matemática.

O objetivo é modernizar a qualquer custo! Isso me lembra, aliás, o governo de Juscelino Kubitschek e seu conhecido slogan (e uso slogan porque, hoje em dia, usar palavras em inglês é cult e cool): 50 anos em 5! A história se repete, é cíclica. No Brasil, então, isso acontece em várias e várias camadas, vários e vários ciclos.

Nessa escola que mencionei foi montada a dita sala maker. Como o cômodo era grande, no mesmo ambiente foram colocados os livros da biblioteca. Livros impressos, tradicionais, em papel, por incrível que pareça. Com lombadas, cheiros e folhas amareladas.

Muitos dos livros possuíam, realmente, folhas amareladas, já que, em comparação com os equipamentos novíssimos da era digital, a biblioteca, coitada, era pobre, pobre… Para cuidar dos equipamentos, havia funcionários. Já para organizar a biblioteca… Ela que se vire!

Livros impressos, pois, coisas velhas! Nem um pouco cool. Muitos, ainda, eram de literatura brasileira, não inglesa e, muito menos, americana. Quem leria aquilo?

A biblioteca tinha poucos móveis. Os livros estavam empilhados em pequenas prateleiras e em uma grande mesa no centro da sala.

Ao olhar para as obras, lembrei-me do texto bíblico de Mateus:

Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam:

Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam. (Mt 6, 19-20)

Um dia todos aqueles livros virariam pó!

A impressora 3D, pomposa, de certo, olhava para os exemplares e sentia pena. Caso pudesse falar, talvez dissesse:

— Ora, mas que belas velharias!

Ao levar alunos ao local, entretanto, surpreendi-me. Eles não dispensaram muita atenção aos novíssimos e caríssimos equipamentos tecnológicos.

Curiosamente e sem convite eles foram aos livros… Quando dei por mim, estavam folheando aquelas antiguidades, dadas às traças. Tocaram, olharam, sentiram na pele e através do olfato, e perguntaram se podiam levar livros para casa.

Não sei se há bibliotecárias na rede municipal de ensino. Ali, pelo menos, não há. Os professores, no entanto, dão um jeito. Pegam um caderno. Anotam o nome do aluno e do livro retirado. Assim, de improviso, na boa vontade e sem pompa e tudo em português.

Então, com meu olhar de viés, entendi.

É verdade que os livros fazem parte deste mundo, onde a traça e a ferrugem tudo consomem. Porém, quando lemos um livro, o levamos para o coração, onde nem a traça nem a ferrugem consomem. Ganhamos, assim, um tesouro imperecível, para toda a vida. Talvez até mesmo para outra vida. 

E, citando mais uma vez o bom e velho Cristo, onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração.

Quando se fala em educação, o nosso tesouro — onde está?

E a portentosa sala maker e sua impressora 3D: levam-nos para onde?

A aplicação prática do conhecimento é o final de um processo iniciado muito antes. A utilidade é quando o rio encontra o mar, mas, para haver um rio, é preciso haver uma fonte. Essa fonte existe na atmosfera da inutilidade, onde a água não tem outro objetivo senão o de, simplesmente, jorrar. Leia mais: https://www.neipies.com/escravos-da-utilidade/

Autor: Aleixo da Rosa

A potência do inacabado

Ler, incluiria o escrever, são práticas ou exercícios que permitem ao indivíduo humano transitar sobre si-mesmo e no deslocamento sobre si, poder imaginar-se em outras paragens poéticas e humanas.

Creio que todas as pessoas concordam, mesmo as opiniões não transitadas por dentro das academias, que a leitura tem um papel importantíssimo não apenas na/para a formação humana, quanto na formatividade inerente ao processo psicológico que nos mobiliza na direção de.

Há um pressuposto na matriz epistemológica que orienta a comunidade intelectual, que é o fato do indivíduo humano poder se formar e se autoformar. Sem entrar em maiores discussões se toda a leitura é ou não capaz de contribuir no processo formativo e, por optar momentaneamente pelo presente modo de acesso à discussão, embora reconhecendo as implicações das tamanhas desigualdades que pautam a vida da população brasileira, recorro ao papel da literatura no que concerne ao desenvolvimento integral do ser humano.

Apresento por ora, a condição muito própria da literatura, que é a de lançar o indivíduo no aberto da existência. Aristóteles já havia nos dito que a “literatura ( no caso, a tragédia) é mais filosófica do que a história”, porque enquanto esta aborda o que aconteceu, aquela se desdobra na direção do possível. Neste sentido, açambarca a todos dentro de uma generalidade circunscrita pelas bases nas quais somos tocados pela proximidade existencial.

Ler, incluiria o escrever, são práticas ou exercícios que permitem ao indivíduo humano transitar sobre si-mesmo e no deslocamento sobre si, poder imaginar-se em outras paragens poéticas e humanas.

A experiência literária (ler, escrever, ouvir) implica um dos modos de “se segurar” o tempo, retesando um tipo de fruição que pode garantir a liberdade para se começar, suspendendo o passado e as determinações. Considero enormemente a liberdade trazida pela envergadura teórica de Beauvoir e a dificuldade de separá-la da igualdade (e das condições materiais), confesso, contudo, que há uma performance genuína colocada em jogo nas experiências da literatura, aderentes à pendularidade ontológica humana.

Também, mobiliza outro aspecto muito importante, que é a possibilidade de se poder imaginar e ou se colocar nas proximidades dos outros. E é justamente o fato de sermos implicados por uma transitoriedade que nos permite repactuar nossa própria vida com a vida dos outros, sem ela, viveríamos uma linearidade sem espessura existencial.

Sempre achei que Clarice Lispector tinha razão quando dizia que sabia muito pouco, mas tinha a seu favor tudo o que não sabia. No caso, ausentam-se os preconceitos quando se ingressa em campos pouco ou nada conhecidos. É como estar liberado da carga de determinações, medidas e sentidos ditados pelas incursões partilháveis cotidianamente.

Levei anos para entender que a melhor parte de mim é aquela que não se sabe, pois é com ela que posso me propor ao devaneio criativo. O que em mim cria está em aberto, pois é justamente a sinuosidade de uma mesmidade que não está dada que permite que nos lancemos na direção de nós e do mundo, podendo revisitar nosso próprio modo e as implicações da agência criativa.

Há, portanto, uma relação muito estreita entre a literatura e a potência do inacabado, um sem-lugar que nos devolve sempre constrangidos de não continuar tentando completar-se, pois há um desejo de querer-se por inteiro, mesmo que saibamos que tal completude será experimentada como antecipação de uma chegada malograda.

Concordo com Bachelard, para quem “os poetas nos convencem que todos os nossos devaneios de criança merecem ser recomeçados”, pois inscrevo a pronúncia da literatura em uma região advertida da palavra final, endereçada aos inacabamentos que arrancam outros modos possíveis de apresentação, ali mesmo onde parecia haver apenas destroços, rearticulam-se sentidos em lide agônica com Cronos.

Literatura é mobilizadora de mundos, de sentidos e possibilidades. Reconheço que há limites, que há diferenças radicais inscritas nas distintas culturas, como e fundamentalmente, modos de acesso diferenciados e que implicam a experiência social. Contudo, por força da humanidade que cultivo, preciso acreditar que podemos tentar e construir caminhos mais solidários também por obra da poesia e da Literatura. Leia mais: https://www.neipies.com/uma-mulher-poeta-na-academia-rio-grandense-de-letras/


Autora: Marli Silveira

Acadêmica, Academia Rio-Grandense de Letras.

Uma obra sobre poesias e guerra

Na noite da última quinta-feira, 15 de junho, no Instituto de Humanidades, Ciências, Educação e Criatividade da Universidade de Passo Fundo, aconteceu o lançamento da obra “O jogo ficcional entre o real e o imaginário: a guerra em A rosa do povo e Poesia liberdade”, do autor Tiago Miguel Stieven com Prefácio da Professora Doutora Ivânia Campigotto Aquino.

Tiago Miguel Stieven, além de Professor da Rede Municipal de Ensino, é pesquisador e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Letras da UPF na linha de pesquisa Produção e Recepção do Texto Literário.

Na oportunidade, a Coordenadora do PPGL/UPF, Professora Doutora Claudia Stumpf Toldo Oudeste, destacou a importância dessa produção, que é fruto de pesquisas realizadas durante o curso de mestrado no referido Programa de Pós-Graduação. Além disso, enfatizou que esses momentos fazem a diferença na formação dos pesquisadores, já que possibilitam a divulgação do que está sendo produzido, o compartilhamento de estudos e práticas na área de Letras.

O autor destacou que a importância da obra reside no fato de que ela traz à tona a relevância da literatura para compreender o acontecimento histórico da Segunda Guerra Mundial, eis que possibilita o fomento de reflexões por meio de diferentes perspectivas ao desvelar os universos poéticos dos poetas brasileiros Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes, quando estes abordam a temática da guerra em seus poemas. Assim, o autor, ao valer-se da teoria literária, realiza a análise de poemas desses autores que têm por temática a Segunda Guerra, demonstrando que a obra dos poetas se apresenta como um gesto de contraposição aos esquecimentos e que ambos oferecem, sempre, a poesia como meio de expressão.

Tiago, por meio da obra, possibilita uma visão reflexiva e profunda acerca da importância e do papel desempenhado pela poesia como um modo de resistência aos tempos sombrios da guerra, além de evidenciar que a literatura permite um exercício reflexivo que, certamente, os textos teóricos que abordam essa mesma temática não consigam desempenhar com a mesma intensidade que é característica do texto literário, especialmente, da poesia.

A literatura nos possibilita que nos tornemos sempre outros e, como, nos é afirmado no prefácio da obra “a poesia, forma nobre de palavra, é, mais do que outras manifestações de linguagem o são, a sensibilidade da vida humana”.

Lançamento da obra aos amigos e comunidade

Na data de 24 de junho de 2023, das 15h às 18h30min, ocorreu na Livraria Delta da Paissandu, na cidade de Passo Fundo, o lançamento presencial da obra. Na oportunidade, o autor recebeu inúmeros amigos, familiares, professores, amigos, autoridades, estudantes e a comunidade em geral, os quais puderam ter contato com a obra, além de adquiri seu exemplar. O pesquisador, nessa data, referindo-se à obra afirnou que “o desejo é o de que leitura da obra possa contribuir para um conhecimento mais humanizado. Sabe-se que as máquinas e todo o aparato tecnológico são importantes frente a sociedade da qual fazemos parte, porém, é somente o humano que pode conferir sentido, que pode atribuir significado”.

Para conhecimento dos leitores deste site, segue um trecho do prefácio da obra, escrito pela professora Doutora Ivânia Campigotto Aquino.

“A partir dos poemas, este livro nos provoca com uma pergunta sobre como essa poesia é pensada para representar a guerra, qual subjetividade molda a temática e que elementos definem a construção, ou seja, a forma das produções poéticas. Aqui, entendemos a resposta, encontrada por Tiago, ao exprimir as ideias dos dois poetas e a linguagem própria que é requerida a cada um para dizer a realidade.  Esse dizer se pronuncia nos poemas escolhidos para o estudo, os quais têm a força de uma época mundial que despertou o olhar da compaixão ao ser humano por parte da literatura.

Tiago dedica-se à nobre tarefa de explicar uma poesia dolorosa e angustiante na qual morte e vida latejam, com tema urgente. Invencionando imagens da Segunda Guerra Mundial, os dois poetas estudados empenham-se na entrega da poesia engajada, a qual se constitui como meio de reflexão sobre a experiência política da guerra e como elemento de transfiguração do real em busca da formação da consciência social. São poesias necessárias, são leituras incontornáveis a quem dá importância a uma reflexão sobre a sociedade. E a poesia nos revela a ideia sempre vigente de acreditar no ser humano.

A condição humana tratada nas poesias é, sem dúvida, o conteúdo maior das análises que o autor implementa em seu estudo. A essa condição ele confere a complexidade do viver, que, sim, integra a destruição e morte pela guerra, mas também a esperança de um mundo novo pela resistência e construção. Percebe tanto em Drummond quanto em Mendes as instâncias de moral, humanismo e ideologia que atribuem sentidos aos fatos decorrentes da barbárie, bem como a urgência de se sensibilizar com a dor dos outros. Isso não somente em relação à Segunda Guerra Mundial, mas também em âmbito nacional, uma vez que era preciso vencer nossas próprias guerras, num Estado Novo que submetia a população às agruras governamentais.

Comprometo-me com a recomendação de O jogo ficcional entre o real e o imaginário: a guerra em A rosa do povo e Poesia liberdade, de Tiago Miguel Stieven, com tranquilidade. Honra-me ser parte do livro por meio deste texto inicial que pretende apresentar o estudo que se desenha nas páginas que seguem. Tiago é um estudioso inquieto, um pesquisador insistente e dedicado que vem construindo uma sólida carreira no sistema do ensino superior. Que orgulho participar da sua formação!”

Assista também live produzida pela editora Dialética com o autor: https://youtu.be/FPFdksyS_ks?t=108

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