Sem “papas na língua” começo uma série de artigos nos quais falarei sempre e cada vez mais de nossa Porto Alegre. Por enquanto “nossa”; amanhã, não sei…
Aqui quem escreve é um “não eleito”. Vão dizer que é choro de “derrotado”. Nada disso: aos 71, não tenho mais idade para chorar sobre o “leite derramado”. A verdade é que um terço dos porto-alegrenses negou o processo eleitoral em 2024. Não importam as razões do absenteísmo, de todo modo foi rejeição à política.
Fiquei decepcionado com a votação que fiz, 2406 votos. Outrora, fiz quase 9 mil. Com menos amplitude de campanha. Os tempos eram outros. Neste momento não há espaço para “políticos intelectualizados, com visão abrangente de mundo, dotados daquele humanismo universal que Marx via como a essência superior dos seres”, escreve um amigo meu, que não é do PT. Aqueles tempos acabaram.
Com orgulho me considero um dos resistentes ao “domínio do particular, à visão fragmentada das coisas, da pequenez dos interesses de grupos”, usando os ditos do amigo. Recebi dezenas de recados e uma frase foi recorrente: “perdeu a cidade”. Há anos me preparo para a revisão do Plano Diretor. Estive novato na melhor de suas formulações em 1999, como estive em 2009. Queria estar agora. Não estarei. Lastimo por isso, não só pelo meu preparo, pois em minha volta há os melhores quadros do urbanismo local.
O que será da revisão? Pela força da direita mais radical, pelos amigos do Estado mínimo, pelos adoradores do Capital e das privatizações, salve-se quem puder, o que sobrará de nosso capital? Meu compromisso sempre foi com a verdade e com o livre debate. Agora, sem as amarras do parlamento, sem condições de concorrer mais uma vez, vou tentar trazer à baila todos os temas cruciais da cidade, como pensador.
Vou desagradar os segmentos majoritários da atualidade no parlamento, reflexo da sociedade. E sem “papas na língua” começo uma série de artigos nos quais falarei sempre e cada vez mais de nossa Porto Alegre. Por enquanto “nossa”; amanhã, não sei…
Autor: Adeli Sell, professor, escritor e bacharel em Direito. Também escreveu e publicou no site crônica “Os gaúchos”: www.neipies.com/os-gauchos/
Naura Bordignon, 45 anos, é uma das poucas mulheres prefeitas eleitas neste pleito eleitoral de 2024. Apenas 39 dos 492 eleitos no primeiro turno do RS são mulheres. Número corresponde a 7,93% do total. Gênero feminino predomina população no estado.
Nesta entrevista exclusiva ao site, a prefeita eleita Naura Bordignon falará da sua experiência em gestão pública, da sua avaliação sobre o pleito eleitoral 2024 e sobre as suas propostas para administrar a pujante e próspera cidade de Marau, RS.
Conte-nos, brevemente, um pouco de tua trajetória pessoal e política junto à comunidade marauense.
Sou filha de agricultores e nasci no interior de Marau, onde aprendi, desde muito cedo, o valor do trabalho duro e da união comunitária. Minha formação em Direito me deu uma base sólida para atuar na administração pública, e nos últimos oito anos, tive a oportunidade de ser chefe de gabinete do Prefeito Iura Kurtz. Esse período foi fundamental para o meu crescimento profissional e pessoal, pois pude estar diretamente envolvida em grandes conquistas para a cidade, especialmente no que se refere ao desenvolvimento do interior, à educação e à saúde. Ao longo desse tempo, estive sempre próxima das comunidades, ouvindo suas necessidades e buscando soluções práticas e justas.
O que representa estar entre tão poucas mulheres eleitas prefeitas no primeiro turno, nas eleições de 2024, no RS?
É uma honra e uma grande responsabilidade estar entre as poucas mulheres eleitas como prefeitas no Rio Grande do Sul. Sabemos que as mulheres são a maioria da população, mas ainda ocupamos um espaço pequeno na política, o que torna essa conquista ainda mais significativa. Representar a força feminina na gestão pública é também um compromisso de inspirar outras mulheres a acreditar que podem ocupar qualquer espaço de decisão. O protagonismo feminino é essencial para a construção de uma sociedade mais igualitária e inclusiva.
Conte-nos como vinha se preparando para chegar a tão importante cargo no município de Marau, RS?
Minha preparação foi feita ao longo de toda a minha trajetória na administração pública, especialmente nos oito anos como chefe de gabinete do Prefeito Iura. Nesse período, participei ativamente de decisões estratégicas para Marau, sempre com o foco em melhorar a vida das pessoas e desenvolver o município de forma sustentável. Além disso, sempre busquei me capacitar, estudar e estar em constante diálogo com as comunidades, entendendo suas necessidades e expectativas. Isso me deu a base e a experiência necessárias para assumir esse novo desafio com segurança e responsabilidade.
Como avalia a eleição municipal que transcorreu no último domingo, dia 06 de outubro de 2024?
A eleição de 2024 foi marcada por um processo democrático intenso, mas muito respeitoso. Pude sentir o apoio da população marauense durante toda a campanha, e isso refletiu nas urnas. Ao mesmo tempo, acredito que o pleito demonstrou que a população de Marau quer continuidade no trabalho que já vem sendo feito, mas também espera inovações e melhorias. Essa confiança depositada em mim e na minha equipe nos motiva a seguir firmes no propósito de fazer Marau continuar crescendo e sendo uma cidade melhor para todos.
Quais são, na sua visão, os desafios de suceder uma administração bem avaliada como a de Iura Kurtz (prefeito eleito por duas gestões e do seu partido MDB)?
Sucedê-lo é, sem dúvida, um grande desafio, já que ele teve uma gestão muito bem avaliada pela população e realizou transformações importantes para o município. No entanto, também é uma oportunidade de dar continuidade a projetos estruturantes que já estão em andamento e, ao mesmo tempo, imprimir meu próprio estilo de gestão, focado na proximidade com as pessoas e na inovação. O principal desafio é manter o ritmo de crescimento e atender às novas demandas que surgem conforme a cidade evolui.
Quais são suas propostas para administrar a cidade de Marau, RS, de 2025-2028?
Nossa gestão será focada em continuar o desenvolvimento sustentável de Marau, projetando nosso município para os próximos anos e décadas, com projetos que promovam a melhoria da qualidade de vida da população. Entre as prioridades, destacam-se a ampliação dos serviços de saúde, com a construção de um novo posto de saúde na região norte, a continuidade das melhorias no trânsito e na infraestrutura urbana, além de investimentos em educação e no fortalecimento da economia local. Também daremos uma atenção especial ao desenvolvimento do interior, buscando sempre valorizar e apoiar nossas comunidades rurais.
Por que a política é a mais autêntica e eficiente forma de resolver os problemas sociais e estruturantes das comunidades, a partir dos municípios (sejam eles pequenos, de médio ou grande porte)?
A política é a ferramenta mais eficaz porque é através dela que podemos promover as transformações necessárias para o bem-estar da população. No nível municipal, temos a vantagem de estar mais próximos das pessoas, entendendo diretamente suas necessidades e expectativas. Isso nos permite agir de forma rápida e assertiva, criando políticas públicas que realmente impactam o dia a dia das comunidades. Quando feita com seriedade e compromisso, a política é, sem dúvida, o meio mais eficiente para resolver os problemas sociais e estruturais que afetam nossos municípios.
Outras considerações que desejarias fazer.
Gostaria de agradecer a cada um que depositou sua confiança em mim e na nossa equipe. Sei que os desafios são grandes, mas estou pronta para enfrentá-los com dedicação e seriedade, sempre priorizando o diálogo e a participação da comunidade nas decisões que tomaremos ao longo dos próximos anos. Marau tem um futuro promissor pela frente, e com o apoio de todos, tenho certeza de que continuaremos avançando rumo ao desenvolvimento e à qualidade de vida que todos merecem.
Desistir, nunca! Levantar e avançar sempre. E, nesse caminho, vamos desatando nós, criando laços e entrelaços.
Somos tesouros. Nossa riqueza? A palavra.
Somos exemplo, somos mãos, somos bençãos!
Nosso segredo? Estudo, planejamento, reflexão, ação, gratidão. Não sabemos, mas o que fica é a história, a memória, o legado, a formação.
E ao final do dia, desejamos nos permitir, nos acolher, nos abraçar, viver, semear e colher. Aprender, tentar e errar. Sofrer, chorar, protestar. Sentir, sorrir, conquistar, nos emocionar, porque nossa vida vale ouro e isso é ser professor.
Autora: Profª Adriana Severo dos Santos, EMEF Zeferino Demétrio Costi, Coordenação Anos Finais, 25/09/2024. Também escreveu e publicou no site poesia “Nossas mãos”: www.neipies.com/nossas-maos/
Poema originalmente publicado na obra “Sol das Águas de Maio” (2024, p. 220-221) a qual constitui o resultado de ações solidárias entre escritores independentes, idealizada e coordenada por Nurimar Bianchi (Soledade/RS), com o objetivo de levar livros e recursos às populações atingidas pelas enchentes de maio no estado. O lançamento do livro em Passo Fundo será no próximo dia 05 de maio, no Auditório da Academia Passo-Fundense de Letras (APL).
Seu amor contagia. Suas palavras ateiam fogo nos corações ávidos de vida. Sua postura subversiva ante as demandas da vida desafiam seus pares a que deixem o ostracismo e voltem a acreditar num amor que valha a pena. Sinceramente, espero ser contado entre esses.
Todos sonhamos viver um grande amor. Do tipo que nos deixe sem fôlego, sem sono, sem chão. Uma paixão arrebatadora, digna de um roteiro de cinema.
Poucos, porém, realizam tal sonho. Daí vem a frustração, o desapontamento com o roteiro que a vida nos impõe. Somos vencidos pela rotina. A monotonia sabota nossos sonhos. Não há dragões a serem vencidos pelo mocinho valente, nem mocinha a ser salva. Não há príncipe para despertar a princesa de seu sono profundo. O sapo segue sendo sapo, mesmo depois do beijo.
As cores da vida vão se desbotando aos poucos. Temos aquela amarga impressão de termos sido enganados. Tudo não passou de um conto… não de fadas, mas do vigário. É esse súbito desapontamento com a vida o responsável por parir o que chamamos de maturidade.
Seguimos em nossa jornada, cativos do cronograma existencial. Acordar, escovar os dentes, tomar café, sair para o trabalho, voltar para casa, jantar, voltar a dormir. Dia após dia, os mesmos cenários, o mesmo script, a mesma dor, o mesmo sorriso amarelo, o mesmo tudo. Já decoramos nosso papel. Já sabemos o que dizer e como proceder em cada situação ‘inusitada’. Infelizmente, de inusitada só tem o nome. Tudo é absolutamente previsível.
De repente, 30. E mais um pouco, 40. E quando menos esperamos, 50, 60, 70, tchau.
Tomando emprestada a frase de um célebre humorista brasileiro já falecido, não tenho medo de morrer, tenho é pena. Pena por não ter vivido tudo o que havia para se viver.
Os maiores arrependimentos não são por aquilo que fizemos, mas pelo que deixamos de fazer.
Parafraseando Lennon, a vida vai passando, escapando-nos pelos dedos, enquanto estamos ocupados com outras coisas.
Mas há os que conseguem escapar da tirania das trivialidades. Há os que se recusam a ser simples engrenagens de um sistema fadado a entrar em colapso. Estes, embora tenham crescido, lá no fundo ainda são crianças. Abaixo da crosta, das camadas geológicas da alma, ainda há um magma buscando passagem, pronto para entrar em erupção.
Esses ainda cortejam a ingenuidade, o idealismo. Não importa o quão desgastados estejam seus corpos, suas mentes seguem intactas, ou nas palavras de Paulo, o apóstolo, seu ‘homem interior’ se renova dia a dia. São os que descobriram que há vida após a adolescência.
Estes não se contentam em ser plateia, figurantes ou coadjuvantes, antes, decidiram protagonizar a história escrita pelo Supremo Roteirista.
Apesar de crescidinhos, ainda acreditam que o mundo possa ser um lugar melhor. Ainda acalentam sonhos. O cinismo não logrou capturá-los.
Por isso, vivem e deixam viver quem quer que aposte no amor.
Seu amor contagia. Suas palavras ateiam fogo nos corações ávidos de vida. Sua postura subversiva ante as demandas da vida desafiam seus pares a que deixem o ostracismo e voltem a acreditar num amor que valha a pena.
O tempo avança, inventamos a roda e ficamos muito mais rápidos, mas ouso aqui afirmar: a escada é uma invenção ainda mais sábia pois nos leva “ao céu ” um passo de cada vez. É preciso ensinar a subir escadas!
Em meus mais inspirados dias destes 25 anos de atuação pedagógica, aprimorei técnicas psicomotoras de desenvolvimento infantil na primeira infância que auxiliaram várias gerações a alcançarem uma passagem tranquila para alunos e professoras pela fase desafiadora do Fundamental I.
Modéstia à parte, a criatividade sempre foi fundamento de atividade e mesmo no desafiador período de tempos pandêmicos as aulas de educação física e psicomotricidade transformavam qualquer ambiente e objetos em ferramentas essenciais para o desenvolvimento neurofuncional.
Sim, as crianças aprendem a ler, a escrever, a calcular, a organizar, a distribuir e a pensar sobre as ações desenvolvidas lá mesmo, no pátio, na educação física.
Entre as ferramentas permanentes das minhas aulas, a escada sempre foi utensílio básico para o desenvolvimento cognitivo global de um grupo de crianças. O ato que parece simplista, desnecessário e até de risco para alguns, faz com que a criança estabeleça metas, objetivos, escalas de mudança, vença o medo, compreenda seus próprios limites, ganhe força, equilíbrio, estabilidade, espaço temporal, agilidade, utilize-se de membros superiores e inferiores, estimule a curvatura normal da coluna e na pior das visões pedagógicas e com licença poética, “Alcance o céu”.
Pois bem, o tempo passou, já não atuo mais na educação formal e o que vejo hoje é que parece não termos absorvido o impacto de precisarmos nos manter vivos diante da tecnologia, não aprendemos mais a subir escadas.
Recordo-me da minha professora de primeira série que parou uma aula inteira, por várias vezes, as atividades para me ensinar a colocar o pé um em cada degrau. Pois assim aprendi com minha mãe, deficiente física, e isso me atrasava e aos colegas. Lembrei de escolas privadas que não colocam crianças a subir escadas em razão de um possível “risco” e lembrei também das escolas públicas que enjaulam as crianças em sala, muitas vezes por falta de espaço ou em prol de uma disciplina que criança, família e escola não tem ou ainda para digitalizar as experiências pensando apenas na rede social da vez.
Pois bem, o tempo avança, inventamos a roda e ficamos muito mais rápidos, mas ouso aqui afirmar: a escada é uma invenção ainda mais sábia pois nos leva “ao céu ” um passo de cada vez. É preciso ensinar a subir escadas!
Autor: Alexandre da Rosa Vieira, Acadêmico Academia Passofundense de Letras, cadeira 26. Também já escreveu e publicou no site a crônica “Educação: um buraco de minhoca”: https://www.neipies.com/educacao-um-buraco-de-minhoca/
Estamos próximos das eleições municipais brasileiras e em nossa querida Passo Fundo esperamos viver uma festa democrática. Buscando evoluir como sociedade, o mínimo que se espera é respeito a quem tem ponto de vista diferente, desde que a explanação da sua ideia não seja feita de maneira ofensiva e discriminatória.
Tornar-se professor da educação pública pressupõe anos de estudos, dedicação e ser aprovado em concurso seletivo. Normalmente essa conquista é motivo de orgulho, de satisfação pessoal e profissional, embora a crescente desvalorização do magistério. No caso de um professor de Filosofia, Geografia, História ou Ensino Religioso a carga de leitura costuma ser densa e exigente, com destaque para a reflexão sobre a vida humana em sociedade.
O título do artigo se refere a uma brincadeira entre amigos que já presenciei. Pergunta: “qual a diferença entre um professor de Humanas e um soco?” Resposta: o golpe pode ser de direita; ou então: qual a diferença entre um empresário e um soco? O golpe pode ser de esquerda.
Não se trata de dado científico, comprovado, porém se percebe que boa parte dos profissionais das ciências humanas tendem a defender ideias mais alinhadas com a esquerda política, entendendo essa como uma busca por maior igualdade de oportunidades e redução de privilégios das classes mais endinheiradas.
Por outro lado, geralmente as categorias da sociedade economicamente mais favorecidas tendem a desenvolver um gosto maior pela chamada “direita” política, entendendo que as diferenças sociais são inevitáveis, simpatizando com conceitos mais conservadores. Claro que essa divisão é permeada de contradições, por exemplo, temas polêmicos como aborto ou maioridade penal costumam ter muitas divergências entre pessoas de um mesmo lado político.
A origem dos termos esquerda e direita remontam à Revolução Francesa, do final do século XVIII, na qual quem estava mais à esquerda no Parlamento defendia mudanças mais radicais.
Hoje, qualquer menção a defender um “lado” ou um partido político parece ser uma agressão a quem pensa diferente. Algumas redes sociais, por exemplo, tornam-se terreno fértil para disseminação de discursos de ódio e preconceito, pois o agressor muitas vezes se esconde em perfis falsos e dificilmente recebe uma punição adequada.
A história não se repete, mas pode haver muitas semelhanças entre contextos com certa distância temporal. Hoje, parece que voltamos aos tempos da Guerra Fria, onde praticamente só havia o Capitalismo dos Estados Unidos (EUA) e o Comunismo da União Soviética (URSS). Quem não se alinhar a um dos lados pode ser classificado com “em cima do muro”.
Estamos próximos das eleições municipais brasileiras e em nossa querida Passo Fundo esperamos viver uma festa democrática. Buscando evoluir como sociedade, o mínimo que se espera é respeito a quem tem ponto de vista diferente, desde que a explanação da sua ideia não seja feita de maneira ofensiva e discriminatória.
Em tempos de campanha eleitoral, promessas mirabolantes costumam surgir como solução para os nossos problemas cotidianos. Estaria na hora de trocar de representantes políticos? Seguir com aqueles que nos corresponderam?
Ser classificado como de direita ou de esquerda, nesse caso, não é o mais importante, mas que nossos vereadores e o prefeito mereçam a grande oportunidade que lhes será dada novamente. Por uma cidade de todos. Você acredita?
Autor: Fabiano Barcellos Teixeira, professor de História da rede municipal de Passo Fundo.
Se hoje temos crianças e jovens que desdenham a escola, que julgam desnecessário se apropriar dos fundamentos culturais que constituíram nossa civilização, isso se deve, em grande parte, a terem sido contaminados com a cultura do tédio e da violência da positividade que tomou conta, inclusive, do ambiente escolar.
O enfrentamento da cultura do tédio não ocorre como um ato isolado, desconectado de um conjunto de ações que devem acontecer organicamente no processo formativo dos que compartilham o espaço escolar. Seria ingenuidade pensar que a simples introdução de atividades isoladas no cotidiano escolar seria suficiente para superar a cultura do tédio, neutralizar a “violência da positividade” e instaurar a cultura do sentido. No entanto, a identificação da violência da positividade e a reflexão sobre a cultura do tédio inserida como exercício pedagógico permanente, com professores altamente capacitados e comprometidos em promover e implantar a “cultura do sentido”, poderá se tornar um importante veículo para enfrentar os dilemas educacionais da contemporaneidade.
Em que aspectos a reflexão sobre a cultura do tédio e a identificação da violência da positividade poderão contribuir para instaurar a cultura do sentido? Indicaremos alguns elementos que poderão ser explorados nessa direção:
Fornecer ferramentas intelectuais para examinar a vida: é do conhecimento de todos nós o famoso pronunciamento de Sócrates em sua defesa, diante do tribunal hostil de Atenas, ao dizer aos seus acusadores, “[…] que vida sem exame não é vida digna de um ser humano.” (Sócrates, 1985, p. 22). Nada mais apropriado para pensar a presença da cultura do sentido como algo indispensável no processo formativo.
O apelo de Sócrates feito há mais de 25 séculos se reatualiza num cenário marcado pela não reflexão, pelo excesso de consumo, pela “vida pequena” que tomou conta da sociedade atual. Ausência de reflexão se traduz em violência da positividade que toma conta da vida. A promoção da Cultura do Sentido pode se tornar potencialmente produtiva para fornecer ferramentas intelectuais que sejam capazes de enfrentar a cultura do tédio. Como diz La Taille (2009, p. 101), “[…] de nada adianta ser capaz de raciocinar bem, mas não possuir conhecimentos que alimentam a reflexão. Mas tampouco adianta possuí-los sem ser capaz de organizá-los de forma a chegar a diversas conclusões.”
Dito de outro modo, pensar uma cultura do sentido nos processos formativos que tenha por objetivo superar a cultura do tédio implica articular competentemente conteúdo e método. No capítulo 3 do livro Educar o educador, Fávero e Tonieto (2010, p. 49-54) analisam como se realiza a relação entre conteúdo e método na formação de professores e avaliam como tal relação influencia de forma direta o trabalho desenvolvido pelos professores no exercício profissional da docência. Eles defendem a tese de que o modo como se compreende a relação entre conteúdo e método determina o modo como são pensados os cursos de formação de professores e o modo como o professor organiza sua prática pedagógica.
Criar espaços para a prática de virtudes que possibilitem a construção de significações para a vida: La Taille (2009, p. 106) indica que algumas virtudes são essenciais e devem ser cultivadas para que ocorra a construção de significações para a vida. A boa-fé, por exemplo, é uma virtude moral, pois corresponde, no dizer do filósofo francês André Comte-Sponville (1995, p. 259), a “[…] amar a verdade mais que a si mesmo.” Uma pessoa de boa-fé é aquela que não mente e se sente desconfortável se aquilo que está dizendo não está de acordo com a verdade. É por isso que, para La Taille (2009, p. 107), “[…] a boa-fé é virtude incontornável para a construção de uma ‘cultura do sentido’.”
Como já dizia Aristóteles, as virtudes não são talentos inatos ou traços que herdamos geneticamente. No dizer de La Taille (2009, p. 101, grifo do autor), “[…] virtudes são qualidades de caráter decorrentes de um trabalho de autoaperfeiçoamento […]” e estão “[…] ao alcance de cada um, contanto que os esforços necessários sejam envidados.”
Acreditamos que a prática da Cultura do Sentido possibilita que o processo formativo seja um espaço de experiência da boa-fé, e a escola, um lugar para a prática da virtude e para o enfrentamento da violência da positividade.
O tempo como fluxo de direção e sentido à vida: com frequência escutamos a famosa máxima “tempo é dinheiro”, que marcou não só a sociedade moderna do capitalismo industrial, mas também nosso estilo de vida. Vivemos o tempo cronometrado, o tempo calculado em dinheiro, o tempo escasso, o tempo negociado, a vida sem tempo. É essa “vida sem tempo” que hoje está em crise. Em seu livro A crise do século XX, Gilberto de Mello Kujawski (1988) diz que a crise que vivemos hoje não é algo distante e abstrato, identificável apenas com herméticas especulações filosóficas, mas se manifesta nas situações de desconforto que ocupam o mais prosaico cotidiano. Nas palavras de Han (2016, p. 112), trata-se da microfísica da violência que “[…] destrói toda a possibilidade de ação e atividade. Suas vítimas são jogadas em uma passividade radical. A destrutividade da violência microfísica, tem sua origem no excesso de atividade que se manifesta como hiperatividade.” O excesso de tudo gera a crise de sentido e a violência da positividade.
De acordo com Kujawski (1988, p. 54), “[…] a compreensão da crise do século XX tem que começar por onde nós vivemos, na deterioração do cotidiano […]” Podemos dizer que uma das crises do nosso cotidiano é a deterioração do fluxo do tempo. Em resumo, diz La Taille (2009, p. 115), “[…] cortamos o tempo em fatias, e nosso presente não se liga ao nosso passado e tampouco a nosso futuro.” Em outras palavras, “vivemos no eterno presente”, “estancamos simbolicamente o fluxo do tempo” e, com isso, “penamos em atribuir sentido à vida”. Pensar sobre o tempo, identificar os motivos da eternização do tempo, compreender a crise do tempo que produz a cultura do tédio pode se tornar objeto de investigação para um bom exercício da constituição da cultura do sentido.
Tornar o tempo de formação um espaço de apropriação dos valores culturais: não precisamos fazer grandes estudos para constatar que nosso modelo societário é essencialmente tecnocrata, esquecido, ou simplesmente desinteressado, de grande parte dos valores que foram decisivos na constituição de nossa civilização. Foram esses valores que constituíram a base dos conhecimentos necessários à ideia que se tinha então do que deveria ser a cultura. No entanto, apesar de tantas conquistas, inovações e invenções produzidas, vivemos hoje à deriva de “[…] um mundo saído dos seus eixos […]” (Hermenau, 2003, p. 84).
No Brasil, nunca tivemos tantas crianças e jovens na escola; no entanto, estamos dramaticamente mergulhados numa cultura do tédio, que produz evasão escolar, violência, reprovação, patologias, mal-estar docente, estresse, depressão, ansiedade, apatia e embrutecimento cultural.
Tornar o tempo escolar um espaço de apropriação dos valores culturais significa fazer da escola um lugar onde as crianças e os jovens possam compor sua bagagem intelectual, ou seja, apropriar-se daquilo que a humanidade produziu ao longo dos séculos. Trata-se de um processo de conhecimento dos grandes autores, das grandes obras, das grandes invenções e das grandes descobertas que possibilitam ver o processo evolutivo da sociedade. Não se trata de fazer uma veneração ingênua do passado, mas de auxiliar crianças e jovens a perceberem que há muito mais elementos positivos na história da cultura do que traços destrutivos. La Taille (2009, p. 121-127, grifo do autor) indica três razões que justificam a ideia de que os alunos devem na escola “[…] compor sua bagagem intelectual dando lugar de destaque àquilo de mais rico que a humanidade criou”: i) tornar a memória do passado uma referência importante para perceber o fluxo do tempo; ii) prestar uma homenagem à humanidade; e iii) explicitar a admiração, no sentido de espanto que gera curiosidade e superação. Penso que as três razões indicadas por La Taille estão plenamente relacionadas com o desafio de tornar o saber escolar algo importante e necessário para promover a cultura do sentido.
Se hoje temos crianças e jovens que desdenham a escola, que julgam desnecessário se apropriar dos fundamentos culturais que constituíram nossa civilização, isso se deve, em grande parte, a terem sido contaminados com a cultura do tédio e da violência da positividade que tomou conta, inclusive, do ambiente escolar.
O antídoto para combater esse vírus do tédio e a violência da positividade passa pela instauração do sentido, que é alimentado pela curiosidade e pelo espírito de superação. Penso que a formação de uma cultura do sentido pode ser promissora nessa direção, na medida em que desperta nos estudantes a dimensão problematizadora dos acontecimentos, promove o diálogo investigador e torna o processo de formação um exercício reflexivo sobre a própria vida e a cultura que nos constituiu.
Fazer da educação um processo que dá sentido à vida:em seu belo livro Ética para meu filho, o filósofo e educador espanhol Fenando Savater (2002, p. 97), ao se dirigir ao próprio filho e, por extensão, a todos os jovens do mundo, afirma que a única obrigação que temos nesta vida é “não sermos imbecis”. O próprio Savater esclarece, etimologicamente, que a palavra imbecil significa “bastão”, “bengala”, ou seja, “o imbecil é aquele que precisa de bengala para caminhar.” Tanto a “bengala” quanto “o caminhar” estão sendo usados no sentido metafórico, ou seja, “[…] o imbecil não é manco dos pés, mas do pensamento.”
Savater (2002, p. 97-98) diz que há vários modelos de imbecis: a) “o que acredita que não quer nada” e que para ele “tudo dá na mesma”, por isso boceja frequentemente e vive eternamente cochilando, mesmo estando de “olhos bem abertos”; b) “o que acredita que quer tudo” o que aparece na sua frente e, por isso, agarra coisas opostas sem se dar conta de que existe diferença entre elas; c) “o que não sabe o que quer nem se dá o trabalho de averiguar”, por isso é “conformista sem reflexão” ou “rebelde sem causa”; d) o que sabe que quer e, mais ou menos, sabe porque o quer, mas quer frouxamente, com medo ou com pouca força; e) “o que quer com força e ferocidade, de maneira bárbara”, mas tem pouca sensibilidade em relação à realidade que vive e, por isso, confunde “vida boa com aquilo que o excita.”
Para Savater (2002, p. 99), todas as formas de imbecilidade terminam mal, no sentido de que os imbecis “[…] acabam prejudicando a si mesmos e nunca conseguem viver a vida boa.” Penso que a caracterização da imbecilidade feita por Savater é oportuna para diagnosticar os traços da cultura do tédio que tomou conta da vida do nosso tempo, inclusive no ambiente escolar. Combater a imbecilidade é, certamente, um bom caminho para promover a cultura do sentido. É nesse aspecto que um dos nossos grandes desafios como educadores é fazer da educação um processo que dá sentido à vida, a fim de impedir que a imbecilidade tome conta do mundo, inclusive da escola.
Os elementos indicativos para promover a formação da cultura do sentido não se encerram aqui. Haveria mais de uma centena de elementos que poderiam ser exaustivamente considerados. Elencamos apenas cinco com a finalidade de indicar ações pragmáticas no contexto escolar para o combate à cultura do tédio e promoção da cultura do sentido. Resta saber se, como educadores, temos coragem, persistência, formação e clareza para implementá-las nas nossas práticas pedagógicas.
Referências:
COMTE-SPONVILLE, A. Tratado das pequenas virtudes.São Paulo: Martins Fontes, 1995.
HERMENAU, F. No fundo, educamos desde sempre para um mundo saído de seus eixos: sobre a relação entre Política e educação em Immanuel Kant e Hannah Arendt. In: DALBOSCO, C. (Org.). Filosofia prática e pedagogia.Passo Fundo: Ed. UPF, 2003. p. 84-93.
KUJAWSKI, G. de M. A crise do século XX. São Paulo: Ática, 1988.
LA TAILLE, Y. de. Formação ética: do tédio ao respeito de si. Porto Alegre: Artmed, 2009.
SAVATER, F. Ética para meu filho.Tradução Monica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
SÓCRATES. Defesa de Sócrates.Tradução Jaime Bruna. São Paulo: Abril Cultural, 1985.
Construção no fundo, monstra duas das casas da “Calçada Alta”, hoje já quase inexistente, defronte à Academia de Letras. Sem data.
Rua Independência, na década de 1940. O prédio da esquina foi o Banco Nacional do Comércio e, logo ao lado, um casarão, que mais tarde abrigou o famoso “Tia Vina”. Referência: Página Fotos Antigas de Passo Fundo (Facebook).