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Construindo contos e romances: personagem, conflito e espaço

Em geral os iniciantes dizem que “eu escrevo para mim, como eu gosto, como eu quero e pronto”, e não há nada de errado nisso, desde que o objetivo desse autor seja guardar sua história apenas para si. Agora, um autor que pretende ver seu livro publicado precisa pensar no leitor.

Todos temos a capacidade de sermos escritores, pois já possuímos, natas, as ferramentas do contar. Antes mesmo de poder falar ou escrever, nós já contamos histórias. Nós podemos imaginar um homem das cavernas que, se saía para caçar e enfrentava algum perigo, alertava seu grupo através de gestos e pinturas nas paredes, sem auxílio de um vocabulário complexo, apenas evocando suas memórias, observações e, quem sabe, até mesmo sua imaginação.

Pedro Gonzaga e Jane Tutikian descrevem em seu livro “Escreva! Guia de escrita criativa” que essas são, de fato, as 3 ferramentas básicas que todos nós temos e que são imprescindíveis para a escrita.

1. A memória: seja mental ou física, a memória diz respeito às sensações, como a memória de caminhar, de sentir um cheiro ou gosto. Como são muito pessoais, a memória é uma ferramenta capaz de particularizar e transformar um texto abstrato em um texto concreto, cheio de sensações que são percebidas e envolvem o leitor.

2. A observação: de gestos, de imagens, de ações e expressões. Para contar uma história e acessar as nossas memórias de forma sensível a ponto de tocar as sensações do leitor, nós precisamos nos atentar às pequenas expressões dos acontecimentos. Pedro Gonzaga e Jane Tutikian apresentam, para isso, um bom exercício: tentar observar as coisas, as pessoas ou as situações como se víssemos aquilo pela primeira vez. Observar mais de perto ou mais de longe, observar por mais tempo, até aquilo gerar um estranhamento e consigamos fugir dos olhos do senso comum. E, a partir daí, tentar perceber o quão carregada de conflito e significado é aquela coisa, pessoa ou situação aparentemente comum. Fazer anotações durante o dia sobre coisas que vemos, percebemos ou simplesmente achamos interessante também é um bom exercício e que contribui, inclusive, para aumentar a nossa produtividade, agilidade e fluência na escrita.

3. A imaginação: apenas a memória e a observação já são úteis para a comunicação, mas a imaginação é imprescindível para a criação de um texto ficcional. O autor precisa ter a capacidade de criar e até de pensar no absurdo a partir daquilo que foi memorizado e observado. E é importante aqui diferenciar a imaginação daquela inspiração que bate sem querer num dia qualquer, oferece-nos uma história quase pronta e muito ânimo para sentar e escrever. Essa inspiração miraculosa até acontece, mas é rara, enquanto que a imaginação todos nós temos todos os dias. É muito mais seguro, então, confiar na imaginação para escrever do que nessa inspiração errática.

O que o autor iniciante, principalmente, precisa entender, é que a imaginação e a criatividade também são trabalhos que advém da concentração, da tentativa e de exercícios. Um bom exercício é tentar pensar em um novo final para uma história simples e bem conhecida, e ir voltando na narrativa e imaginando o que precisa acontecer ao longo desse texto para que seja possível chegar ao novo final proposto.

Utilizar essas 3 ferramentas é ter subsídio para que o leitor se conecte com o texto, já que as sensações evocadas pelo autor e transmitidas na narrativa vão se conectar com as sensações do leitor, que busca exatamente isso: que suas sensações sejam evocadas durante a leitura.

Eu sei que muitos autores, em geral os iniciantes, dizem que “eu escrevo para mim, como eu gosto, como eu quero e pronto”, e não há nada de errado nisso, desde que o objetivo desse autor seja guardar sua história apenas para si. Agora, um autor que pretende ver seu livro publicado precisa pensar no leitor. Quem vai querer ler esse livro e por quê? O que você, como autor, pode fazer para atrair esse leitor e, principalmente, mantê-lo engajado na história até o fim?

Conhecendo a sua história e o seu leitor, o autor pode adequar a linguagem do seu livro, os elementos que ali aparecem, as sensações que ele quer evocar, criando condições para uma melhor reação do público. Portanto, deve existir uma consciência clara do autor quanto ao desenvolvimento da sua narrativa.

Como o poeta Ezra Pound disse uma vez: “A literatura é uma linguagem carregada de significado em seu mais alto grau”. Ou seja, as coisas não apenas acontecem porque sim em uma narrativa. Pelo contrário, os elementos evocados pelo autor têm razão de ser e aparecer em um momento ou outro da história. Para entender isso melhor, precisamos pensar na narrativa e como ela ocorre.

O autor Jéferson Assumção, no curso de escrita criativa da plataforma Quadro Amarelo, explica que a narrativa costuma ser construída através de mudanças de valores (de positivo para negativo ou vice-versa), isso desde as pequenas tramas até o arco maior dessa narrativa. Assim, a narratividade, esse processo de narrar, exige que eventos ocorram. Por exemplo: um homem colhe laranjas da laranjeira do seu quintal para levar ao seu amigo. Quando caminhava na rua com a sacola de laranjas, uma delas escapa da sacola e sai rolando pela rua (inversão de positivo para negativo). A partir daqui, o que acontece? A laranja rolando assusta alguém que estava distraído e essa pessoa é atropelada, ou essa pessoa é um outro amigo antigo do nosso personagem, que ele não via há muito tempo, havendo ali um reencontro? Uma sequência de eventos e transformações ocorrem para que a narratividade seja construída, até que se chegue a uma finalidade.

No seu livro “A poética”, Aristóteles já dizia que a história não tem um fim, mas uma finalidade. Isso quer dizer que, ao fim da nossa história, ela não só acaba, mas deve existir uma finalidade para a qual ela foi contada e porquê ela foi contada do jeito que foi.

Todos os elementos da narrativa, toda a causalidade precisa funcionar para que a história seja levada não apenas ao fim, mas à sua finalidade. Nesse sentido, Luiz Antonio de Assis Brasil diz que a narrativa precisa ser orgânica, comparada mesmo a um organismo que não tem início nem fim, mas onde tudo se encaixa e tem razão de ser para poder funcionar como uma unidade.

Na narrativa, os episódios também precisam fechar como uma unidade e, para isso, os autores precisam estar atentos às relações de causa e efeito entre esses episódios, e também atentos no sentido de não incluir nesse organismo elementos que não fazem parte dele, elementos de fora que possam ficar mal encaixados ou mal resolvidos na narrativa, porque o leitor percebe quando algo fica em aberto e isso pode frustrá-lo em relação ao seu livro.

Luiz Antonio de Assis Brasil ainda diz que, quando nós iniciamos o romance ou o conto, nós prometemos algo ao leitor e, no fim, precisamos ter cumprido essa promessa. Nós cumprimos nossa promessa com uma boa personagem, um enredo que desenvolve sua “questão essencial” mediante um conflito que aparece quando essa questão se choca com os fatos da vida. A personagem, portanto, é um elemento que deve ser criado com bastante cuidado.

Para o autor é muito fácil imaginar a personagem, ela já existe para ele. Mas para que ela exista da mesma forma para o leitor, essa personagem precisa ser humana.

Quando falamos sobre textos de ficção, não necessariamente a personagem precisa ser um ser humano, outros elementos também podem ser personagem, mas esses elementos precisam agir ou gerar reações, ou mesmo se “comportar” como seres humanos. É isso que o leitor espera, que sensações humanas estejam envolvidas ali. Durante a construção da personagem, então, ela precisa ganhar profundidade ao ponto de o leitor acreditar nela, já que ele compartilha a sua humanidade com a da personagem.

Para dar essa profundidade à personagem, o autor precisa conhecê-la, e uma das maneiras mais comuns e eficazes de se fazer isso é construindo um mapa de personagem, um conjunto de informações ou uma série de perguntas que devem ser respondidas sobre ela.

Nem todas as informações que você coloca ali vão ser abordadas diretamente na narrativa, mas quanto mais o autor conhece sobre essa personagem e consegue responder sobre ela, mais subsídio ele tem para desenvolvê-la de forma coerente no texto.

O mapa do personagem pode incluir as características sociais dessa personagem (o nome, estado civil, onde mora, terra natal, trabalho, estilo de vida…), as características físicas (idade aparente e idade real, etnia, altura, peso, cor dos cabelos e dos olhos, características marcantes do rosto e do corpo…), a família (quem são os pais, o cônjuge, os filhos…), como foi sua infância e juventude, quem foram/são seus amigos e inimigos, suas crenças, visão política, qualidades e defeitos, locais, esportes, filmes estilo musical favoritos, o que o faz feliz ou triste, o que ele mais ama ou odeia, sua maior conquista e maior fracasso, do que mais se envergonha, seu segredo mais sombrio e seu maior desejo.

Conhecendo tudo isso, quando necessário que essa personagem responda a algum estímulo na história, o autor consegue descrever uma resposta coerente com o que vem sendo descrito sobre ela até então, coerente com a pessoa que ela é. Porque a nossa proposta é que aquela personagem seja um ser humano e se comporte de acordo com a sua própria personalidade, profunda e cheia de questões íntimas como todos nós temos. E são justamente essas questões íntimas que a aproximam da humanidade que o autor busca dar a ela.

Se formos pensar no porquê de alguns personagens agradarem tanto na literatura, a resposta vai ser a presença de uma questão íntima forte, que acaba determinando as ações ou não-ações dessa personagem.

Jean Valjean, de Os Miseráveis, por exemplo: a questão essencial desse personagem é a dignidade, o que ele mais queria era ser digno. E ele até consegue, chega um momento da história onde ele é muito querido pela sua comunidade, ele se reconstrói e se torna prefeito. Mas isso é abalado (e aí surge o conflito) quando o policial Javert chega na cidade onde Jean Valjean está e acaba o reconhecendo como um certo criminoso. Temos aí, então, esse conflito entre os personagens, mas mais do que isso, temos uma questão própria do Jean Valjean que prende o leitor mais do que apenas o embate com Javert.

Podemos perceber que é essa questão essencial que cria o conflito da história quando se choca com os fatos da vida, e a narrativa segue para demonstrar como isso vai ser resolvido ou não. O conflito, então, não é exatamente um embate entre uma personagem a outra, mas mais do que isso.

Luiz Antonio de Assis Brasil explica que ele pode até decorrer de ações cruzadas das personagens, mas antes de tudo, ele é expresso por uma fórmula universal e abstrata: honra e desonra, bem e mal, vício e virtude, por exemplo. Geralmente, o conflito vai ser expresso por uma oposição de valores, mas uma oposição entre situações que são universais, e não apenas entre personagens.

O conflito da narrativa, portanto, é uma expressão genérica das tensões do ser humano. Por isso que, quanto mais universal o conflito, mais leitores ele vai abranger e convencer, porque o leitor também vive esses conflitos dentro de si, eles representam situações da vida real por mais ficcional que a história seja. Por outro lado, se pensarmos no conflito apenas como um embate entre uma personagem e outra, a história não se aprofunda e logo acaba. Por isso que, construindo a narrativa, o autor precisa estar ciente de qual questão essencial ele quer tratar e, para identificar isso, ele precisa aguçar a sua visão humana e profunda dos conflitos do dia a dia, das pessoas e das situações, e particularizar essa questão a partir das suas memórias e da sua imaginação.

Outro elemento que muitas vezes é negligenciado, mas que pode auxiliar o autor a desenvolver o conflito e a personagem, e ainda ajudar a envolver o leitor na narrativa, é o espaço.

Como leitora, eu me frustro bastante quando o espaço me é apresentado como uma fotografia estática, quase alheia à história, sendo que ele poderia interagir com o que está sendo contado. É muito mais envolvente quando o espaço se relaciona com o conflito e a personagem de forma mais subjetiva e indireta. Por exemplo: “Camila chegou no bar e observou aquela sala escura, de janelas fechadas e cheia mesas com toalhas quadriculadas”. Por que não desenvolver a personagem Camila em relação ao seu conflito e ao local onde ela está? Digamos que Camila está em um dia péssimo, então o autor pode dizer que Camila chegou no bar e imediatamente se arrependeu, porque a escuridão deixada pelas janelas fechadas a agoniava. Da mesma forma, as cores vivas das toalhas de mesa claramente recém lavadas, já que cheiravam a amaciante de lavanda, eram quase uma zombaria à sua tristeza.

O autor pode desenvolver o espaço e incluir a personagem e sua questão nele, para isso utilizando daquelas 3 ferramentas: memória, observação e imaginação.

Assim, o espaço pode também evocar as sensações humanas que o leitor busca durante a leitura: não só a visão, mas também o olfato, a audição, o gosto, o tato das coisas onde essa personagem está. Esses elementos todos podem também determinar o comportamento da personagem, inclusive influenciar suas atitudes e emoções.

Um bom exercício para isso é tentar descrever um espaço que inclua alguma pessoa que possamos observar e um conflito imaginário. E então, tentar responder: como é esse espaço? Como essa pessoa que estamos observando está se envolvendo com o espaço? Que emoções ela transmite? Essas emoções se relacionam de que forma com esse espaço? Propor questões como essas é sempre uma boa forma de desenvolver nossas ferramentas de escrita, já que as respostas para elas têm potencial de se tornar um romance ou conto bem constituído.

Este texto foi apresentado na noite do dia 15 de junho de 2023, em atividade do Projeto Moinhos – Literatura em movimento.

Autora: Letícia Copatti Dogenski

O assassinato do pensador

Sócrates, dizem, morreu por suas ideias. Cometeu uma espécie de “suicídio” por não condescender com as acusações que lhe foram imputadas e não aceitar penas alternativas. Afinal, a morte, para um filósofo como Sócrates, não era um mal em si mesmo, uma vez que via a filosofia como aprendizagem e preparação para a morte.

Uma mulher sentada e segurando o filho menor nos braços. Ao seu lado o marido, um prisioneiro recém-liberado das correntes, aguarda pelo cumprimento da sentença de pena capital. Eis que entra no recinto um grupo de homens, majoritariamente jovens, e ela diz: “Vê, Fulano, esta é a última vez que conversam contigo os teus amigos, e tu com eles!” E o marido faz o quê? Lança um olhar especial a uma pessoa do grupo e decreta: “Ciclano, faze com que a conduzam para a casa!” A mulher é levada contrariada, debatendo-se e amaldiçoando o marido e os amigos com coisas que só as mulheres estão propensas a dizer em uma ocasião como essa.

Que tal a cena descrita? Não aparenta insensibilidade do marido para com a mulher e o filho? Esse comportamento, ainda que para falar de coisas supostamente mais elevadas com os amigos, seria justificável para alguém que está prestes a morrer? Não nos apressamos em tirar conclusões.

A cena apesentada, creio que para os minimamente familiarizados com o Fédon, o mais popular e, possivelmente, o mais lido dos diálogos de Platão, pode ser identificada como a histórica passagem que relata a última conversa de Sócrates com alguns dos seus discípulos na prisão e no dia que seria executada a sentença da sua condenação à morte. A mulher é Xantipa, a esposa de Sócrates, cognominada de megera, e Fédon é o jovem que narra os trágicos e derradeiros momentos da vida do mestre.

Sócrates, dizem, morreu por suas ideias. Cometeu uma espécie de “suicídio” por não condescender com as acusações que lhe foram imputadas e não aceitar penas alternativas. Afinal, a morte, para um filósofo como Sócrates, não era um mal em si mesmo, uma vez que via a filosofia como aprendizagem e preparação para a morte.

A morte seria um início e não um fim. Assim, na cena do Fédon, Sócrates esbanja serenidade mais do que os outros personagens, mesmo diante da morte iminente.

E quanto ao fato de ele ter mandado a mulher e o filho embora e preferido ficar com amigos? Há estudiosos dos clássicos, como Olof Gigon, que argumentam que Xantipa e o filho representam o mundo da humanidade simples e não dedicada à filosofia e que, apesar do respeito merecido, deveriam arredar um passo quando a filosofia entra em cena.

Entenda-se que, na época, “arredar um passo” significava que a gente comum, sem sutileza filosófica, não tinha qualquer relevância quando um filósofo, ainda que, no caso, sendo o marido dela, abria a boca. Explica mas, nos tempos atuais, somos cientes, não justifica.

Sócrates gozava de popularidade, vivia cercado de jovens e, ao mesmo tempo, angariava inimigos com a sua ironia refinada. Acabaria, no ano 399 a.C., acusado de corromper a juventude e desdenhar o culto aos deuses que davam sustentação à democracia grega.

Uma coisa era indagar sobre o cosmos e outra bem diferente era especular sobre convenções e práticas do discurso oficial que relacionavam divindades à estabilidade cotidiana do Estado. Seus comentários em defesa da aristocracia (como um governo dos melhores) e de ironia à democracia, como sendo a instituição pela qual um macaco podia se tornar um cavalo, bastando que um número suficiente de pessoas votasse nesse sentido, custaram-lhe a submissão aos tribunais.

Há quem sustente que Sócrates não receberia a pena capital.

Havia alternativas para o seu caso. O processo fora montado para forçar o pensador a retratar-se. Mas ele se mostrou inflexível e irritou os juízes quando, na tradicional pergunta sobre qual a pena o réu considerava justa para si próprio, teria respondido que, uma vez tendo prestado tantos serviços à cidade, achava justo receber uma pensão vitalícia do Estado. Também declarou que não aceitaria o degredo. Foi o suficiente para ser condenado à morte. E tampouco aceitou as oportunidades de fuga que lhe foram facultadas.

Assim, no raiar de um dia (não precisado) do ano 399 a.C., o homem que, ao ser apontado pelo oráculo de Delfos como o mais sábio de todos, saiu-se com o “Só sei que nada sei” e nos legou a maiêutica e o lema “Conhece-te a ti mesmo”, seria executado ao beber um extrato de folhas de plantas da espécie Conium maculatum, a popular cicuta.

(Do livro Ah! Essa estranha instituição chamada ciência, 2021.)

Autor: Gilberto Cunha

Sobre a Potência da Docência

Sentimos necessidade de fazer um grande elogio à docência, uma ode à professora e ao professor, ajudando a superar argumentos inibidores em relação à profissão docente.

O que é preciso para melhorar a qualidade da educação escolar? Certamente, esta pergunta já foi feita milhares de vezes, e não pretendemos ter uma resposta definitiva, até porque esta resposta não existe, em função do movimento, do fluxo do real. É sempre uma aproximação.

Antes de tudo, cabe indagar: de que qualidade estamos falando? Entendemos que Educação de Qualidade Social/Democrática é aquela que, pautada num Projeto Humanizador, é visceralmente comprometida com o direito à Aprendizagem Efetiva, ao Desenvolvimento Humano Pleno, na perspectiva do Bem Comum, e à Alegria Crítica (Docta Gaudium), por parte de cada um e de todos os educandos, através da apropriação Crítica, Criativa, Significativa e Duradoura dos Saberes Necessários (conceituais, procedimentais e atitudinais-Proposta Curricular) visando a potencialização da Consciência, do Caráter, da Cidadania e da Formação para o Trabalho, pautada na Solidariedade, na Autonomia Crítica, na Justiça Social, na Paz e na Responsabilidade (por Si, pelo Outro e pelo Planeta).

Comumente, quando perguntamos sobre o que é preciso para melhorar a qualidade da educação escolar, três elementos são destacados.

1.Condições de Trabalho do Professor (salário, plano de carreira, concurso, número de alunos em sala, trabalho coletivo constante, gestão democrática, instalações e equipamentos adequados, quadro funcional completo, material didático, interação com a comunidade, inclusão, Projeto Político-Pedagógico, superar a rotatividade do grupo, a neurose da avaliação externa, o excesso de burocracia, etc.)

2.Formação do Professor, inicial e continuada (Saberes da Realidade; Saberes Éticos, Políticos, Estéticos, Filosóficos, Afetivos; Saberes da Atividade Humana; Saberes da Área de Conhecimento; Saberes da Profissão Docente; Saberes Pedagógicos, trabalhados de forma integrada e interativa, articulada à realidade – Práxis)

3.Prática Pedagógica (basicamente, superar o currículo disciplinar instrucionista e a avaliação classificatória e excludente)

Essas exigências, com toda certeza, são absolutamente fundamentais! Todavia, temos sentido falta de uma outra exigência, a nosso ver tão ou, em alguns casos, até mais relevante que estas.

Potência da Docência

Trazemos aqui uma categoria que não tem estado presente nas análises que circulam nos meios educacionais, tanto no âmbito da escola, como da academia. Trata-se de uma quarta exigência para a melhoria da qualidade da educação escolar que estamos denominando Potência da Docência. Na mesma franja de significação, podemos citar: boniteza da docência, dignidade da docência, sentido da docência, valor da professora e do professor, valor da docência, subjetividade da docência, grandes alegrias da docência, importância, relevância, magnitude, grandiosidade, imprescindibilidade, papel, potencialidade, poder da docência

Perguntamos: que sentido tem a mudança das condições de trabalho, da formação e da prática pedagógica para alguém que não quer ser Professor? Pode haver uma preocupação geral em relação ao futuro da nação, da formação das crianças, etc., mas nada que seja de cunho mais profundo, um apelo pessoal, existencial.

A valorização da atividade docente por parte da Sociedade é muito importante, até para que, no limite, as três exigências apontadas acima sejam cumpridas. No entanto, não adianta a Sociedade valorizar a docência se o próprio professor, ou aquele que está se preparando para ser professor, também não valorizar, não ver sentido, enfim não querer ser professor. Esse é um elemento decisivo, uma exigência absolutamente fundamental.

Por exemplo, mudar a metodologia de trabalho de pouco adiantará se o professor não estiver comprometido (ou seja, se não tiver amor) com a efetiva aprendizagem de cada um e de todos os alunos! De que adianta oferecer uma sofisticada formação para quem não quer ser professor? De que adianta ter um bom salário, poucos alunos em sala de aula, para alguém que não vê sentido na docência? Pode se manter no emprego, em função das boas condições, mas, digamos assim, “não entrega a alma”, não se compromete profundamente com a aprendizagem efetiva, o desenvolvimento humano pleno e a alegria crítica/docta gaudium de cada um e de todos!

Não queremos, de forma alguma, estabelecer uma dicotomia entre a Potência da Docência e as demais categorias de análise. Neste sentido, poderíamos interrogar: de que adianta o muito querer ser professor se as condições materiais, a formação e a possibilidade fazer um trabalho diferenciado lhes são negadas? Insistimos: não se trata de uma coisa ou de outra, mas de uma coisa e outra, em movimento dialético de superação por incorporação, avançando mais, na nova direção, onde for possível, sem perder a perspectiva de conjunto. Como dizia Hegel, a verdade é o todo!

O que desejamos propor é que esta quarta exigência, a Potência da Docência, seja incorporada quando pensamos no processo de melhoria da qualidade da educação escolar, isto é, que seja levada em conta, junto com as demais exigências, como fator decisivo para a melhoria da qualidade!

Utilizamos propositalmente o termo Potência, em princípio um tanto provocativo, para chamar a atenção a um grande problema, a um grande vazio nas análises e a uma grande necessidade de o professor desenvolver ou resgatar sua autoestima, de tomar consciência de sua relevância histórica e cultural. Vale lembrar que a Potência implica tanto a capacidade de realizar suas potencialidades, de transformar-se, quanto a de exercer o poder, sua capacidade de agir, influenciar, interferir, transformar.

Nos dias correntes, temos notícias de muitas situações de professores e professoras que estão em processo de desistência, além de muitos outros que já desistiram, mudando de profissão ou dando “graças a Deus” por terem se aposentado (fazendo questão de divulgar nas redes sociais). A falta de interesse dos jovens pela profissão docente é outro indicador extremamente preocupante. Nos induziram a desacreditar de nós mesmos, do nosso valor, de nossa importância, do nosso poder, de nossa capacidade de provocar mudança.

Sentimos necessidade de fazer um grande elogio à docência, uma ode à professora e ao professor, ajudando a superar argumentos inibidores em relação à profissão docente.

Há um certo costume de se afirmar uma pretensa tautologia de que a “a realidade é a realidade”, especialmente por alguns setores conservadores, que não desejam a mudança. Certamente, existem elementos bastante objetivos da base material da existência.

Por outro lado, sabemos que não temos acesso, digamos assim, à absoluta essência da realidade, que a visão que cada um tem é sempre uma construção, que pode/deve se aperfeiçoar no confronto com a dos demais. O que percebemos é a representação mental que muitos professores têm está muito marcada pela desvalia. Esta representação tem, certamente, um fundamento na vivência, já de um bom tempo, de tantos professores de um cotidiano escolar com muitas marcas de degradação e desrespeito. O sentimento de muitos é mesmo o de impotência, insignificância e desejo de desistência.

Ora, a constituição desta representação, além de elementos objetivos da realidade, tem também uma carga subjetiva marcada por ideias que acabam se tornando argumentos inibidores: conhecimento atualmente se tem em qualquer lugar (reforçado recentemente pelos avanços da Inteligência Artificial); que quem aprende é o aluno, donde se deduziria que o professor é dispensável; que o aluno fica apenas 4 ou 5 horas na escola, e que o que lá é feito é logo desfeito pela família ou sociedade; que a escola não tem os recursos tecnológicos capazes de encantar as novas gerações, etc. Estes argumentos, marcados por visões parciais, por meias verdades, uma vez assumidos pelos professores, minam sua potência!

Como qualquer atividade humana, a docência também é marcada por limites, falhas, contradições. Mas isto tem sido bastante dito e divulgado tanto pelos canais de WhatsApp dos familiares, pelas redes sociais, por uma certa mídia safada que só mostra os problemas das escolas (especialmente as públicas), ou mesmo a perseguição aos professores por governos neofascistas. Queremos aqui, justamente, fazer um contraponto!

Deixamos claro que a ênfase que estamos dando à Potência da Docência não é para um eventual reforço da imagem do professor como o grande demiurgo, o destinatário final da prática educativa escolar.

O fortalecimento da potência do professor é para que possa exercer, de fato, seu papel de mediador, fazer a articulação entre alunos, conhecimentos e realidades, qual seja, a centralidade não está nele (instrucionismo), nem nos alunos (escolanovismo), e sim nas relações que estabelecem em vista de um projeto, da construção de algo melhor, para os alunos e para o mundo (e para ele também, certamente, tanto no imediato – prazer, alegria, realização, sentido – , quanto no longo prazo, enquanto parte da Humanidade).

Focamos no professor inicialmente, de forma estratégica, não para ficar nele, mas para que possa abrir; ajudar a desbravar, colocar em movimento, de forma substancial o processo de ensino-aprendizagem, o cuidado com o aluno de maneira que possa alcançar, pessoal e coletivamente, a aprendizagem efetiva, o desenvolvimento humano pleno e a alegria crítica (docta gaudium).

Afinal, que sentido teria a docência se sistematicamente os alunos não aprendessem? Ao contrário, quando realiza isto, o professor consolida uma base extremamente sólida para sua Potência!

O Querer Ser Professor é uma Construção

Ao nos referirmos à relevância do Querer Ser Professor, cabem duas observações:

O Querer Ser Professor admite gradação e não “nasce pronto”; pelo contrário, será um desafio ao longo de toda a trajetória docente. Vemos situações de professores que nunca desenvolveram um autêntico querer pela docência; outros que desenvolveram e que, ao longo do tempo, por uma série de causas, foram perdendo o entusiasmo; assim como há aqueles que, apesar das dificuldades, conseguem manter um nível de mobilização para com a docência. Desde os tempos dos bancos escolares, ou antes, ao fim do exercício profissional, ou depois, o querer ser professor está em (re)construção!

– O Querer Ser Professor é uma construção que se dá no sujeito, porém numa base histórico-cultural, qual seja, muitas vezes o sujeito não quer ser professor em função daquilo que vivenciou ou tem notícia em termos de condições de trabalho, formação e práticas pedagógicas dos professores em atividade. Ao mesmo tempo, sabemos que esta constituição do Querer Ser Professor não é um reflexo mecânico das condições materiais da existência.

A relação é dialética, isto é, uma dimensão pede a outra, uma nega a outra, e neste processo vão se superando, avançando por aproximações sucessivas, e por superação por incorporação, preservando elementos válidos da dimensão negada (e não simples negação). Sempre há uma Zona de Autonomia Relativa. Basta ver que há pessoas, no atual momento, muitas vezes bastante degradado, que querem ser professores (querem vir a ser ou querem continuar sendo professores)!

O Amor Importa

Ao incluir a Potência da Docência como uma categoria a ser levada em conta no processo de melhoria da qualidade da educação escolar, o que visamos também é apontar para a necessária tomada de consciência de algo que está tão presente na realidade em geral e na educação escolar: os afetos, as emoções, os vínculos, os desejos, as necessidades, a mobilização, a curiosidade, enfim, tudo aquilo que o Amor abarca, e fazem parte, que são elementos indissociáveis da tecitura do real.

O Amor importa! Desta forma, é preciso refletir sobre este elemento central que é o Querer Ser Professor, o Amor à Profissão: querer ensinar, querer que o aluno aprenda, porque acredita, tem um amor pelo saber, pelo conhecimento, pelo conteúdo, vê a importância daquilo que está ensinando, tendo em vista um horizonte melhor tanto para a vida singular de cada um e de todos os estudantes, quanto para a transformação da Sociedade, na perspectiva da Emancipação Humana.

A tão necessária “atratividade da profissão docente” não pode ficar restrita aos aspectos objetivos da prática. Se o professor não encontrar um Sentido maior para sua Atividade, não há condições objetivas (salário, número de alunos em sala, cursos, ou metodologia inovadora, etc.) que possam realizá-lo!

Brevíssima Nota sobre o Amor

O Amor é uma das palavras mais faladas, mas também uma das mais distorcidas, banalizadas. Há zonas nebulosas em todas as partes, desde a questão conceitual (afinal, o que é o Amor?), até questões atitudinais (discurso negado pelas ações concretas), e mesmo éticas (sendo usado como estratégia de manipulação) e política (como forma de “adocicar” a realidade, levando ao apassivamento e comodismo, à alienação).

Não estamos falando do amor romântico, nem religioso, nem da autoajuda, nem de “receituário pedagógico”, nem do amor associado à frouxidão, à falta de limites, ao “passar a mão na cabeça do aluno”, e muito menos à associação com “sacerdócio” do professor (lembrando que “amor não paga as contas”…)!

Nossa abordagem do Amor se pretende antropológica, ontológica, filosófica, ética, política, psíquica e pedagógica.

Diferentes pensadores, de diferentes épocas, nos ajudam com suas formulações sobre o Amor: Eros, Philia e Ágape; Affectus; Energética da Ação; Amor Mundi; Aceitação do Outro como Legítimo Outro; Amorosidade, Amor como Revolução, Reconhecimento, Ressonância, Alteridade, Relação Ético-Política, etc. O conceito de Amor que temos assumido como referência maior é: “O Amor é a afinidade do ser com o ser”, justamente por seu caráter genérico, universal, cósmico (já que não é exclusivo do ser humano), admitindo uma gradação de enorme espectro que vai da força física (no caso das partículas subatômicas, por exemplo) ao amor incondicional pelo outro!

Retomando…

O que é mesmo essencial para melhorar a Educação Escolar?

Entendemos que quatro grandes exigências devem ser, em alguma medida, satisfeitas:

1.Garantir as Condições de Trabalho do Professor (e dos Trabalhadores da Educação em geral)

2.Rever a Formação do Professor

3.Rever a Prática Pedagógica

4.Resgatar a Potência da Docência

Lembrando que toda esquematização é uma simplificação da complexa realidade, com fins didáticos de a compreender. Não deve ser absolutizada; deve/pode ser usada e depois deixada de lado, analisando se de fato está ajudando a entender a realidade com vistas a nela intervir para transformar!

Autor: Celso dos S. Vasconcellos

Bibliografia de Referência

VASCONCELLOS, Celso dos S. Currículo: a Atividade Humana como Princípio Educativo, 4ª ed. São Paulo: Libertad, 2017.

__________ Avaliação da Aprendizagem: Práticas de Mudança – por uma práxis transformadora, 12a ed. São Paulo: Libertad, 2017.

__________ Avaliação: Concepção Dialética-Libertadora do Processo de Avaliação Escolar, 20ª ed. São Paulo: Libertad, 2015.

__________ Construção do Conhecimento em Sala de Aula, 18a ed. São Paulo: Libertad, 2017.

__________ Coordenação do Trabalho Pedagógico: do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula, 16a ed. São Paulo: Cortez, 2020

__________ Indisciplina e Disciplina Escolar: fundamentos para o trabalho docente, 4ª reimpressão. São Paulo: Cortez, 2017.

__________ Para onde vai o Professor? Resgate do Professor como Sujeito de Transformação, 14a ed. São Paulo: Libertad, 2018.

__________ Planejamento: Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico, 26ª ed. São Paulo: Libertad, 2018.

Trabalho Infantil

Explorar o trabalho infantil é impedir a emancipação do gênero humano em sua totalidade.

O trabalho infantil fere a dignidade humana e exige uma atitude ética de respeito. É comum encontrar em páginas dos jornais e em noticiários da TV e da internet estatísticas escandalosas sobre a exploração da mão-de-obra infantil. Isso denota que o sistema econômico vigente é o capitalismo selvagem que põe o lucro acima do valor da pessoa humana.

Explorar o trabalho infantil é impedir a legitimidade da cidadania, é macular a emancipação humana.

Afinal, ser criança é, acima de tudo, um direito garantido e reconhecido universalmente em qualquer estado democrático de direito. Então, explorar o trabalho infantil é um crime que exige reparo do Estado de direito.

A legitimidade política de uma sociedade passa pela maneira de como ela investe e cuida de suas crianças.

O desenvolvimento econômico, para ser correto, do ponto de vista ético e político, tem que primeiro garantir a qualidade de vida das pessoas, começando pelas crianças. Isso significa que a principal prioridade do Estado, em sua ação política, deve ser a infra-estrutura básica. Essa infra-estrutura é a mediação para que cada pessoa adquira o acúmulo material de sua existência no mundo. Esse acúmulo significa: moradia, trabalho digno, salário justo, saúde, educação, lazer. Neste sentido, a ética não precisa consultar a política para garantir sua legitimidade racional, mas a política para ser correta precisa da legitimidade ética.

A exploração da mão-de-obra infantil é um escândalo moral que entrava a cidadania e macula a dignidade do ser humano.

Explorar o trabalho infantil é impedir a emancipação do gênero humano em sua totalidade.

Uma sociedade que se pensa emancipada não pode matar o sentido horizonte de uma criança. Isso seria antecipar o seu futuro precocemente, impedindo seu direito de ser criança, através do trabalho. É um imperativo ético consagrado que o direito da criança é crescer brincado. Daí, com certeza, nascerá o cidadão (ã) condutor das liberdades públicas e privadas.

Eliminar o trabalho infantil é, acima de tudo, uma exigência ética e uma postura política correta de respeito aos direitos humanos fundamentais. Outrossim, não se faz desenvolvimento sustentável e responsável, impedindo as crianças de viverem sua dimensão lúdica infantil.

Pôr fim ao trabalho infantil é postular uma outra lógica de desenvolvimento que não seja a lógica do lucro pelo lucro, mas a lógica do desenvolvimento solidário, que garanta o direito infantil das crianças.

As crianças precisam ser estimuladas a brincar, jogar, praticar o lúdico.  Etimologicamente, brincar significa criar vínculos, socializar-se, conviver com o outro de forma prazerosa, de trocas e formação de regras que surgem naturalmente e que ajudam a consolidar a personalidade a em formação de maneira positiva. (Autora Rosangela Trajano) Leia mais: https://www.neipies.com/as-criancas-precisam-voltar-a-brincar-e-aprender-a-descontrair/

Autor: José André da Costa

O que mais José Maria poderia fazer pelo sucesso das pessoas que amava?

Quantas rezas deve ter feito ali naquela capela pela vida do menino que falecera de câncer ósseo? Bem sabemos que as práticas religiosas consistem em tentativas de se obter sucesso quando já se esgotaram todos os recursos que existem para tanto.

Certa vez, levei uma equipe infantojuvenil do S.C. Gaúcho a participar de um campeonato de futebol em La Rioja, Norte da Argentina.

No Estádio Rioja Júnior, numa manhã fria, o argentino José Maria contou-me do garoto que sentira dor no joelho após um jogo de futebol infantil e, meses depois, consciente de tudo, morrera com câncer ósseo. Homem inteligente e afetivo, as feições de José Maria, meu amigo recente, se pintadas ou fotografadas, dariam a imagem exata da eterna indagação: “Há sentido na vida?”

José Maria levou nossa delegação a passar um dia no Lago del Dique (foto acima). A água da cidade vem desse reservatório situado no alto, por entre as montanhas, e alimentado por riachos dos degelos andinos.

La Rioja situa-se no final de um grande deserto e há sete meses não recebia um pingo de chuva. Para chegarmos lá, rodamos seis horas por uma imensa planície de areia, cactos, pontes sobre o leito de rios secos, sem povoação e nada ao longo da rodovia. Um deserto “deserto”. Encontramos uma cidade de pouco mais de cem mil habitantes com raros edifícios devido à possibilidade de terremotos, situada no final desse deserto e no início das montanhas pré-Andinas.

Guiados pelo amigo argentino, subimos em uma elevação em que havia uma pequena capela, local para socorro e consolação.

O curioso é que lá do alto quando se olhava o deserto sem fim ele mais parecia um oceano.

José Maria, católico de família – havia me dito que, para ele, Evita Perón fora uma santa -, ajoelhou-se em frente à capela e rezou pelos filhos que, naquela mesma noite, tentavam a sorte em um programa de calouros na TV em Buenos Aires como cantores juvenis.

Quantas rezas deve ter feito ali naquela capela pela vida do menino que falecera de câncer ósseo? Bem sabemos que as práticas religiosas consistem em tentativas de se obter sucesso quando já se esgotaram todos os recursos que existem para tanto.

José Maria, ajoelhado, continuava a rezar.

O que mais ele poderia fazer pelo sucesso das pessoas que amava?

Autor: Jorge Alberto Salton

Sobre o Amor

Amar é derramar a alma em sua exuberância. É por isso que o amor é uma celebração que acontece além de determinações. É força vital.

O amor não precisa de um dia especial. Ele é celebrado na vida, enquanto ela acontecer. Amar é conferir sentido ao mundo que compreendemos e construímos. É por isso que o amor traz à tona significados ainda não presentes.

Na experiência do amor, não há lugar para preconceitos. As atitudes discriminatórias funcionam com uma espécie de caixas em que as pessoas são colocadas, ou como um coador em que são retidos os elementos que não interessam aos preconceituosos.

Há momentos em que se faz necessário exercitar a rebeldia, para afirmar o lugar do amor e descontinuar entendimentos corrosivos entre os humanos. O amor busca como meta a felicidade que se associa à liberdade, na afirmação da experiência amorosa.

Nem sempre em nossas contingências conseguimos o tempo suficiente para nos entendermos como seres do amor. Até porque o amor não é tangível, não é tátil, não é uma coisa a ser adquirida. Ele é experienciado no mundo dos afetos, como um sentimento que nos toca na interioridade mais profunda. Este é o sentido de transformação que o amor produz na vida das pessoas.

E, sobretudo pela sua gratuidade, a celebração do amor requer quase uma liturgia própria, uma ritualização compreensiva de sonhos, desejos, projetos, cuidados, saberes e acolhida. Amar é cuidar de modo singular. É por isso que amamos com muita intensidade e generosidade.

Somos sujeitos que temos capacidade de amar, porque construímos significados na vivência do amor. Não amamos por recursos à retórica, ou por dedução lógica, nem por ritos programados, mas porque somos inclinados a captar a essência do amor como um ato humano de dignidade e de liberdade.

Conseguimos, portanto, dimensionar a amplitude do amor, que não se reduz simplesmente a uma troca de emoções entusiasmadas, mas porque reconhecemos no conforto que o amor produz entre os humanos, a solenidade de uma proteção efetiva, uma proteção de alma, tal como a pele protege os ossos.

Essa proteção é experimentada pelos que aceitam viver a experiência de acolhida e de cuidado, em que o amor realiza sua celebração de forma ímpar. Amar é derramar a alma em sua exuberância. É por isso que o amor é uma celebração que acontece além de determinações. É força vital.

Assista e ouça: canção Amar, Roupa Nova. https://youtu.be/8A67cyyJAkk?t=127

Autora: Cecilia Pires

Quando o homem se torna lobo do próprio homem

A possibilidade do “homem ser lobo do próprio homem” é um perigo que espreita quando não há instituições suficientes para evitar esta possibilidade. Nesse sentido, a instituição escolar fortalecida, que promove a formação de seres humanos conscientes da importância do bem comum, é essencial para a natureza egoísta selvagem dos gananciosos não se sobreponha ao coletivo.

O filósofo britânico Thomas Hobbes (1588-1679), embora não possa ser considerado um pensador liberal, teve uma importante influência na fundamentação do individualismo moderno.

A obra de Hobbes composta por diversos livros dentre os quais destacam-se Do cidadão (publicado em 1642), Elementos do direito natural e político (1650) e o Leviatã (1651), este último considerado um clássico da teoria política moderna, que chegou a ser censurado pelo Parlamento inglês, teve uma influência marcante no desenvolvimento da discussão sobre as relações entre indivíduo e Estado em todo o período moderno. Suas ideias ainda hoje são estudadas no campo do direito, filosofia, sociologia, antropologia e filosofia política. Mesmo sendo um pensador que escreveu no século XVII, suas ideias continuam sendo instigantes para entender o tempo presente.

Hobbes tem uma concepção negativa e pessimista da natureza humana, pois considera o homem um ser naturalmente agressivo e propenso a violência. O “estado de natureza ou natural” em que o homem se encontraria fora da sociedade organizada e sem a presença de um governo, seria um “estado de guerra de todos contra todos”.

O homem, diz Hobbes, é “o lobo do próprio homem”, pois é movido por paixões e desejos que o levam a matar e destruir seu semelhante quando se sente ameaçado. O estado de natureza na análise de Hobbes não descreve o homem primitivo, ou o homem anteriormente a qualquer organização social, mas sim como o homem se comportaria, dada a natureza humana, caso não houvesse a obrigação de cumprir as leis e contratos impostos pela sociedade. Sem leis e contratos viveríamos uma luta incessante entre os indivíduos, um tentando destruir o outro.

Na interpretação de Hobbes, os homens são essencialmente iguais e as diferenças entre os indivíduos são consideradas irrelevantes, pois mesmo o mais fraco tem o poder de matar o mais forte. Por isso, para o pensador inglês, é fundamental a criação do Estado ou do Poder Soberano. O poder soberano existe para impedir o estado de natureza e permitir a coexistência entre os homens, já que nesse estado os indivíduos tenderiam a se exterminarem uns aos outros.

A criação da sociedade, com suas leis e contratos, pressupõem que os indivíduos cedam uma parte dos seus direitos e os transfiram para um soberano. Essa concessão e transferência de direitos e poderes consiste em um contrato social, por meio do qual se institui a sociedade civil organizada e se evita “a guerra de todos contra todos”. Com isso Hobbes justifica a existência do Estado em suas distintas formas de organização.

Hobbes pode ser considerado um “contratualista”, pois sua teorização sobre o poder ressalta que a sociedade civil organizada resulta de um pacto entre os indivíduos. No entanto, historicamente ele foi acusado de absolutista, por defender que o poder absoluto deve ser considerado legítimo enquanto assegura a paz civil.

A complexidade social que vivemos hoje certamente é muito diferente daquela teorizada por Hobbes. No entanto, a legitimidade de um poder só se justifica quando suas ações congregam, de alguma forma, os interesses de todos. Para que a paz civil seja possível, é necessário que os indivíduos acreditam nas instituições que os representam. Quando isso é arruinado, temos a convulsão social, o rompimento do pacto e a instabilidade social.

Um olhar cuidadoso sobre as teorizações de Hobbes nos permitem perceber o quanto estão enganados aqueles que acreditam que é necessário enfraquecer o Estado (estado mínimo como gostam de dizer os neoliberais). Sem o Estado estaríamos entregues a própria a sorte e a força cruel dos abastados economicamente que na ânsia de terem cada vez mais seriam capazes de utilizar as estratégias mais sórdidas para dominar a maioria. Sem o Estado e suas instituições teríamos de volta a escravidão e a lei do mais forte.

A possibilidade do “homem ser lobo do próprio homem” é um perigo que espreita quando não há instituições suficientes para evitar esta possibilidade. Nesse sentido, a instituição escolar fortalecida, que promove a formação de seres humanos conscientes da importância do bem comum, é essencial para a natureza egoísta selvagem dos gananciosos não se sobreponha ao coletivo.

A solidariedade comunitária, própria de uma sociedade democrática, se torna um princípio educativo fundamental para constituir um modo decente de se viver.

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

Fundeb: a usurpação dos recursos continua

Por conter as provas de um jogo injusto é que o orçamento
é tão complicado, técnico, oculto, disfarçado, arredio.
Herbert de Souza, sociólogo mineiro.

A educação brasileira, da educação infantil até a pós-graduação, possui desafios gigantescos – desigualdades educacionais, tecnológicas, regionais, raciais, de gênero, de classe e destruição da carreira docência, escancarados e agravados pela pandemia da covid-19.

Corre-se sério risco ainda de ter redução de recursos financeiros imprescindíveis do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) devido uma emenda do relator no novo ‘arcabouço fiscal” em discussão no Congresso Nacional.

A tentativa de utilizar e/ou acessar tal fundo público não é nova.

As brechas da lei, o jabuti e os recursos do Fundeb

Na aprovação da PEC do Novo Fundeb, em 2020, a disputa pelos recursos foi muito intensa e a lei que o regulamentou posteriormente, em 2021, abria brechas para repasse de seus recursos para entidades e grupos empresariais, conforme já abordado no artigo A usurpação dos recursos do Fundeb.

O relator e deputado Cláudio Cajado (PP-BA) introduziu uma emenda no texto do “Arcabouço fiscal”, enviado pelo executivo, incluindo o Fundeb nas novas regras fiscais considerando que as complementações à educação passam a constituir-se em despesas obrigatórias da União – tais como saúde, pessoal, previdência, assistência e outras – englobando, consequentemente, o Fundeb nos limites de gastos do novo arcabouço.

A Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados aponta que a medida, se aprovada pelo Senado, obrigará a redução de outras despesas, “inclusive em programas educacionais, como os da merenda e do transporte escolar, além do livro didático”.

Mesmo que a iniciativa de incluir estes gastos no arcabouço não tenha partido do governo atual, este apresenta uma postura ambígua.

Técnicos do Tesouro Nacional e, mesmo o Ministro da Educação, Camilo Santana, afirmam que ““Por todos os cálculos que nós fizemos, os cálculos que a Fazenda fez, isso não terá impacto no orçamento geral do Ministério”.

Técnicos da Consultoria da Câmara afirmam que o Fundeb não constar no teto de gastos que permitiu mais de R$ 39 bilhões para a educação, que na nova regra não seriam possíveis.

Reação das entidades e instituições educacionais

O “jabuti” inserido pelo relator teve reação imediata de entidades e instituições educacionais, como A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), que divulgou uma moção de repúdio, chamando de ‘precipitada’ a forma como a matéria foi pautada e votada na Câmara dos Deputados e solicitando sua reversão no Senado.

Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), adoram, posição igualmente contrárias à proposta.

A Fineduca se pronunciou contrária à proposta contida no Projeto de Lei n° 1049/2023 por considerar que a vinculação de recursos oriundos da receita de impostos a serem aplicados em despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE).

A entidade lembra que a matéria foi definida pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 212, foi uma conquista dos movimentos e entidades que atuam na defesa da educação pública e percorreu um longo caminho de avanços e retrocessos, até chegar à definição que se tem atualmente.

A desigualdade social precisa ser combatida sem retirar recursos do ensino brasileiro: os programas de assistência social devem ser financiados com recursos suplementares à MDE.

O Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), que reúne 45 entidades representativas do campo educacional, emitiu nota pela preservação das despesas com investimentos públicos em educação pública, afirmando que as entidades defenderão, em todo país e junto ao Congresso Nacional, que não deve haver qualquer constrangimento ao financiamento da educação pública em nosso país. Desta forma, é central que as despesas com investimentos públicos em educação pública não devem ser penalizadas no diploma legal a ser aprovado.

As entidades supra citadas e o FNPE requerem que o relator do PLP nº 93/2023, bem como o conjunto dos/as parlamentares, que mantenham as exceções de despesas no arcabouço fiscal, tal como consta no projeto original do Poder Executivo, uma vez que representam salvaguardas mínimas a setores vulneráveis da sociedade.

Já a análise do economista David Deccache, assessor econômico na Câmara dos Deputados, é a de que a melhora da Educação – e da Saúde, também incluída nas novas regras fiscais –, são incompatíveis com o novo arcabouço, pois, conforme a Constituição, Educação e Saúde crescem com base em 100% da receita, e o teto geral limita todas as despesas a 70%. Neste sentido, algumas entidades e especialistas consideram esta iniciativa do relator inconstitucional.

Esta iniciativa da Câmara dos Deputados reafirma que a disputa pelos fundos públicos inviabiliza avanços na educação básica como tem sido historicamente no Brasil.

Modelo de financiamento e recursos

A maioria das Metas do PNE (2014-2024) foram inviabilizadas por esta razão e, principalmente, pelo descumprimento total da Meta 20 que previa ampliar os recursos para a educação, passando de 5% para 10% do PIB.

Na sequência, a PEC 95/2016 e opção política dos governos Temer e Bolsonaro de reduzir os gastos e investimentos com as políticas sociais e educacionais evidenciam o ataque ao ensino público.

Em 2021, novamente, forças comprometidas com os interesses mercado financista, derrotados na aprovação do Novo Fundeb em dezembro de 2020, voltaram a carga na discussão do da regulamentação do Fundeb flexibilizando recursos públicos para entidades privadas e mesmo o Sistema S.

Como demonstra ampla literatura, uma ampliação da oferta de educação com qualidade implica, imediatamente, a revisão, pela sociedade e pelo Estado brasileiro, de sua posição e relação com o financiamento da educação.

Temos um modelo de financiamento que é a expressão da estrutura social e econômica do país, injusto, desigual e, predominantemente, privado.

Historicamente, desde quando o Estado financiou a formação das elites, fê-lo com recursos públicos e, quando o povo começou a acessar a escola, o mesmo Estado incentivou a expansão da escola e de instituições de Ensino Superior (IES) privadas.

Portanto, como aponta Tadeu Silva, pesquisador em educação da Ufrgs, a educação pública não se encontra no presente e deplorável estado principalmente por causa de uma má gestão […], mas sim, sobretudo porque há um conflito na presente crise fiscal entre propósitos imediatos de acumulação e propósitos de legitimação (os governos estaduais não remuneram mal seus professores porque os governadores são maus, ou pouco iluminados, mas porque isto compete com os objetivos do financiamento – necessários ao processo de acumulação – mais imediatos).

As escolas privadas não são mais eficientes que as (…) públicas por causa de alguma qualidade inerente e transcendental da natureza da iniciativa privada (…), mas porque um grupo privilegiado (…) pode financiar, privadamente, uma forma privada de educação […]. As escolas públicas não estão no estado em que estão simplesmente porque gerenciam mal seus recursos ou porque seus métodos ou currículos são inadequados. Elas não têm os recursos que deveriam ter porque a população a que servem está colocada numa situação de subordinação (…) às relações dominantes de poder.

A título de exemplo recente, em 2022, os gastos do governo federal com o pagamento de juros e amortizações da dívida pública somaram R$ 1,879 trilhão, o que representou 46,3% do Orçamento Federal Executado (pago), consumindo, portanto, a maior fatia de todos os recursos públicos federais, conforme relatório elaborado pela Auditoria Cidadã da Dívida (ACD).

Os gastos com educação no mesmo período foram de apenas 2,70%.

Qual é a prioridade nacional estratégica da nação brasileira no presente e no futuro?

De acordo com nossa Constituição, a educação é dever o Estado, das famílias e da sociedade. Portanto, esta mesma sociedade que elege um congresso tão diverso e conservador, majoritariamente elitista e comprometido com os interesses do capital e do mercado, tem o dever ético e político de exigir a preservação dos recursos para a educação e para as demais áreas sociais, exigindo que não sejam incorporadas no atual arcabouço fiscal.

Por fim, como adverte o professor e pesquisador Valdemar Sguissardi (UFSCar e Unimep), analisar as políticas públicas de educação pela ótica do financiamento contribui para compreender os estreitos caminhos de nosso (sub)desenvolvimento econômico e social e dos seus grandes e inarredáveis desafios presentes e futuros.

E o financiamento, como sinalizava também o educador Dias Sobrinho (Unicamp, falecido recentemente, é uma questão crucial no quadro de mudanças de relação entre o Estado e as instituições educacionais, especialmente as públicas.

Precisamos menos de um Estado Avaliador – submetendo estudantes trabalhadores e pobres a inúmeros testes de desempenho, e mais um Estado Financiador da educação, da ciência e da cultura, para todos estudantes, da educação infantil a pós-graduação.

FONTE: https://www.extraclasse.org.br/opiniao/2023/06/fundeb-a-usurpacao-dos-recursos-continua/

Autor: Gabriel Grabowski

Onde mora a felicidade?

E a sua felicidade onde mora? Saiba que você é livre para escolher e, então, correr atrás dela ou agir de tal forma que ela venha ao seu encontro.

Hei, você, que anda procurando a felicidade… Será que ela tem um endereço próprio? Será que existe uma categoria de pessoas que são felizes e outra das que consideram que só existem momentos felizes?  Mas afinal, o que significa felicidade? 

Encontrar conceitos para definir esta bela palavra até nem é difícil, mas senti-la em sua plenitude e ainda por cima saber onde ela mora, aí já é trabalho para Sêneca, o filósofo da felicidade.

Sêneca descreve que ser feliz é saber equilibrar a razão com a emoção. Para ele é isto que traz a serenidade, qualidade esta que ele considera como sinônimo de felicidade. Diz também que a felicidade não mora sempre no mesmo lugar. Assim, o primeiro preceito para esta busca seria procurá-la em caminhos diferentes das outras pessoas e dos seus próprios já traçados. Muitas vezes olhamos para a vida dos outros e buscamos compreender o porquê parecem ser tão felizes. Contudo, este mesmo filósofo alerta que, se quisermos olhar para as outras pessoas e compreender o porquê de sua felicidade, devemos procurar olhar primeiro para suas almas e não para suas aparências.

Mas, dentre tudo que este sábio romano nos deixou de legado, desde a o período clássico, o que mais me chama a atenção é o que ele refere sobre a importância de vivermos em comunhão com a natureza. Desde então, estamos nos distanciando, cada vez mais, da fonte da nossa vida e, como tal, da própria felicidade.

Nos dias de hoje, precisamos de mais e mais “coisas” para sermos felizes, o que tem tornado esta busca mais difícil. Nem bem sabemos que nossa felicidade depende muito mais do que fazemos com o que temos do que com o que, exatamente, nós temos. Temos deixado de lado o nosso potencial criativo e buscado tudo pronto.

Afinal, temos pressa! Não dá mais tempo de cultivarmos um hobby, de tocarmos um instrumento musical, de praticarmos um esporte coletivo, de brincarmos, especialmente junto à natureza. Não estamos tendo tempo de vivermos em grupo, o que poderia nos proporcionar a suave alegria do pertencimento e das trocas humanas.

Nossa felicidade também depende da possibilidade de ajudarmos os outros a serem mais felizes. Alguém que vive egoisticamente, muitas vezes às custas do sofrimento do outro, não deve conhecer a verdadeira sensação da felicidade. Da mesma forma, a pessoa que apenas cumpre com suas obrigações, deixando de lado sua espontaneidade, o que na filosofia do Taoísmo significa a essência da felicidade, vai continuar procurando-a por muito tempo e por muitos lugares e dificilmente a encontrará.

Em seu livro “Feliz por nada” Martha Medeiros defende, e eu assino embaixo, que felicidade não tem a ver com oba-oba, riso frouxo ou com vida ganha. Para ela, isso representa alegria, o que também é muito bom, mas não é suficiente para abarcar toda a essência da verdadeira felicidade, a qual também pode incluir momentos de tristeza e, eu diria ainda, de dúvidas e preocupações.

Esta já consagrada escritora gaúcha defende que precisamos evitar a sensação de amortecimento, buscando extrair das miudezas o mesmo feitiço que as grandezas proporcionam. Além disso, é pertinente que corramos atrás do que queremos, prestando homenagens a nossa própria biografia.

Complemento estas ideias com o entendimento de que a felicidade não vem por conta própria, já, as dificuldades, estas vão chegando sem pedir licença. Contudo, as pessoas felizes as percebem não como obstáculos mas, sim, como desafios, motivando-se para enfrentá-los. Elas vêem a dor como passageira e determinam seu grau de ambição de acordo com as possibilidades de realização.

Ah, felicidade… Mas afinal, onde mora você? Caetano Veloso entoa uma canção que diz que ela mora onde a falsidade não vigora, e isso faz muito sentido… Baseada nesta ideia e muitas das anteriores, decidi que a minha felicidade fará sempre morada na minha alma e, assim, onde quer que eu esteja ela estará sempre me acompanhando, mesmo nos momentos mais difíceis que todos nós enfrentamos ou, mais cedo ou mais tarde, enfrentaremos.

E a sua felicidade onde mora? Saiba que você é livre para escolher e, então, correr atrás dela ou agir de tal forma que ela venha ao seu encontro,… Mas não fique aí, parado, esperando, pois ela não vem por inércia.

Ser feliz dá um pouco de trabalho. E, ao procurá-la, não o faça em lugares muito distantes, pois tanto faz se você está em Paris ou em um pequeno sítio interiorano, em uma praça ou em um caloroso abraço. Procure-a com as lentes do amor e você vai encontrá-la. Porém, cuide para que na pressa não passe desapercebido por ela, entremeada que está nas coisas simples da vida.

Que lindo o trabalho que fazes! Acho tão legal o jeito e a forma com que valorizas os textos dos teus convidados. Leia também: https://www.neipies.com/revolucao-pela-educacao-urgencia-de-uma-nova-consciencia/

Autora: Marilise Brockstedt Lech

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