“O Juca era da categoria das chamadas pessoas sensíveis, dessas que tudo lhes toca e tange. Se a gente lhe perguntasse: “Como vais, Juca?”, ao que qualquer pessoa normal responderia “Bem, Obrigado!” – com o Juca a coisa não era assim tão simples.” (Mario Quintana, Caderno H, p. 73)
Eu não sei você, caro leitor, mas eu sou um tipo explícito de Juca, eu nem ao menos tento esconder, na verdade, eu nem mesmo consigo. E perguntar se está tudo bem, pra mim, é como abrir um portal.
A primeira parada, para o meu interior. Assustador, incomoda-me o fato de me incomodar ao ter receio de olhar para dentro e correr o risco de me deparar com emoções incômodas. Mas, não é só isso, a segunda parada é para fora. Incomoda-me mais ainda aquela sensação de não poder expressar as minhas emoções, ou pior ter que menti-las!
Eu sempre engasgo com essas perguntas. Na verdade, achei até uma forma mais confortável e autentica de responder: Oi, tudo bem? Bem, na medida do possível. Seria um modo mais popular de adaptar a frase “dentro das minhas condições de possibilidade” (para ser mais Kantiana). Percebam, é genuíno!
No entanto, aqui entra aquela história do copo meio cheio ou meio vazio.
Para algumas pessoas, essa resposta pode parecer pessimista, além de estranha aos ouvidos. Algumas pessoas, realmente preocupadas comigo, por vezes, até perguntam: o que houve? E isso me assusta. Assusta porque involuntariamente e diariamente somos forçados a encaixar a vida em uma métrica ilusória de felicidade: está tudo bem!
Sendo um pouco mais otimista, soletrar esse mantra pode até mesmo esconder uma tentativa de aceitar que as coisas não estão bem, mas elas vão ficar caso você pensar positivo. Não há nenhum problema em ver as coisas dessa forma, desde que você faça alguma coisa para melhorar. Sejamos sinceros, não é o caso, se tratando de emoções, principalmente as negativas. E ouso dizer que a maioria de nós nunca parou nem ao menos para refletir sobre isso…
Segundo Brackeet (2021), a mensagem clara é que devemos esconder os sentimentos negativos – não apenas escondê-los, mas usar uma máscara para dizer ao mundo o oposto da verdade. Está tudo bem!
“Por mais estranho que isso pareça, há algo profundamente comovente nesse sentimento. Ficamos comovidos com a ideia de mascarar emoções negativas por trás de uma manifestação de alegria. Em algum nível achamos estranhamente enobrecedor quando alguém esconde sua infelicidade. (…) Mas, por quê? Para encobrir as emoções que associamos com vulnerabilidade e perda e mostrar ao mundo que não somos afetados pelo menos na superfície.” (Brackeet, p.141, 2021).
Bem, isso explica um pouco do meu engasgo ao não querer acessá-las. Isso explica também como a gente implode, um pouquinho por vez, todos os dias.
Eu sei, talvez seja um preciosismo meu ou até um exagero atucanado com as palavras.
Talvez, isso tudo não passe de uma mera convenção social que não deveria ser levada tão a sério. Eu compreendo que dizer que está tudo bem não é o mesmo que dizer que está TUDO bem (alguém me responde porque é que a gente faz isso, por favor?!). Até porque isso é impossível, sejamos francos, alguma coisa está bem outra nem tanto (a não ser que você esteja embriagado por altas doses de positividade tóxica ou álcool mesmo). Mas, tudo, tudo mesmo seria possível?
Analisando a fundo, é uma forma de quebrar o gelo ao iniciar a conversa, criando uma conexão de forma gentil, ao demonstrar que você se importa (por mais que muita gente não tenha a mínima noção disso e esteja pouco se lixando para você). O resto é teatro.
Ninguém diz o que realmente sente, e nem ao menos podemos levar essa pergunta a sério, pois tiraria todo o foco do que vem na sequência (a não ser que você esteja em terapia ou desabafando, é claro).
Já imaginou?! Chegando no trabalho…oi, tudo bem? Não, sinto-me triste, meu gato foi atropelado, comi um ovo estragado e você vai sentir isso antes mesmo que essa frase chegue aos seus ouvidos. Dois segundos depois que você estilhaçou o clima, ela com certeza esqueceu o que realmente gostaria de perguntar (sorte a sua se fosse para fazer algo que você não queira, azar se fosse para oferecer um café).
O mais contraditório ainda é perceber que se você não iniciar uma conversa perguntando se está tudo bem, a pessoa pode até mesmo lhe considerar um insensível mal-educado. Mesmo sabendo que você nunca falaria a verdade – mesmo sabendo que, às vezes, nem ela se importa com o que realmente está sentindo.
O maior problema mesmo é que com esse costume, acabamos por banalizar o sentido de uma pergunta importante. Muito perigoso principalmente quando a pergunta se reporta aos nossos sentimentos. Perceba, dia após dia somos ensinados a atropelá-los com um rolo compactador.
Funcionaria, se as emoções não fossem “descartadas” em uma panela de pressão.
Mas, nem só de reclamações vive este texto, pois, além de cair em crise existencial com a pergunta, eu também me ocupo encontrando formas mais sensíveis de não deturpar a nossa sensibilidade.
E a primeira regra é: não banalize o sentido das palavras. Ou seja, não pergunte se está tudo bem, quando você não deseja saber, não tem intimidade ou não possui tempo para escutar genuinamente aquela pessoa. Ok, mas, o que fazer para não parecer um mal-educado?
A primeira resposta é minimalista. Diga “bom dia”, e em seguida coloque a questão de foco. É simples e generoso, pois demonstra que você deseja que o dia daquela pessoa seja bom. Mas, eu tenho um problema com o bom dia, principalmente, quando eu digo ele de tarde e sempre existe aquele infeliz ser humano que vai me corrigir: não almoçou hoje? Boa tarde?!
Como disse, a questão é minimalista e bom dia deveria servir para o dia – que tem 24h. Caso você for Cartesiano e desejar fragmentá-lo, sejamos mais coerentes, passemos a utilizar boa manhã, boa tarde e boa noite.
Se a estratégia minimalista lhe pareceu seca demais, você pode dizer: Bom dia, desejo que você esteja bem! Eu considero uma maneira objetiva e genuína de desejar o bem para aquela pessoa, sem ser inadequado e teatral. É o mesmo que dizer, este não é o momento de falar de emoções, mas, seja lá pelo que você estiver passando eu desejo fique bem. Fica tudo nas entrelinhas, mas, a gente entende.
Por mais que às vezes eu sinta que algumas pessoas realmente acham que, ao dizer “desejo que você esteja bem”, eu pense ou saiba que aconteceu algo de errado com elas. Isso acontece principalmente em cidade pequena, em que todo mundo sabe da vida de todo mundo, sabe?! Muitas inclusive respondem sem eu perguntar: estou bem e você?! Quase que como um descargo de consciência que diz, não há nada de errado comigo (não?!).
E existe aquela que para mim é implacável, mas eu confesso que se as pessoas não entenderem o significado, elas vão debochar da sua cara e é por essas que eu não uso muita ele aqui no Brasil (como se eu já tivesse saído do país). Que seria o Namastê! Aquele gesto das mãozinhas unidas, como em oração, que expressa um grande sentimento de respeito pelo outro, algo que em si faz invocar o interesse em ouvir, porque nem se quer a gente fala!
E por fim, possuímos também a versão reflexiva, ou seja, aquela que faz as pessoas pensarem no que eventualmente significa tudo: Oi, tudo bem? Não está tudo bem, mas, nem por isso quer dizer que está tudo mal. Eu gosto dessa, pois parece aceitar a vida como ela é, e assim, como diria alguns Estoicos, fica mais fácil de se preparar para as adversidades.
Antes de finalizar, gostaria de deixar algumas coisas claras. Eu realmente compreendo a riqueza da linguagem e que a mesma palavra pode ter sentidos completamente diferentes. Nesse caso, um tudo bem também pode indicar concordância e aceitação (está tudo bem não estar tudo bem). Pode até mesmo ser um código que te libera a continuar a conversa e apenas isso, sem drama!
Mas, desafiei-me a escrever este texto com o intuito de demonstrar como algumas palavras ingênuas podem surtir efeitos, principalmente, em pessoas altamente sensíveis, e óbvio, também foi uma busca pessoal para tentar resolver esse incômodo.
Palavras diferentes, sentidos diferentes para a mesma palavra, “tudo” serve desde que pensemos a respeito. E esse é um ponto importante, refletir, principalmente naquele modo corriqueiro e automático de lidarmos com as nossas emoções, tudo bem?!
Bem pessoal, chegamos ao final de mais um texto reflexivo! Espero que essa reflexão possa ter contribuído, de algum modo, com a sua vida.
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Autora: Ana P. Scheffer