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A tragédia ambiental nossa de cada dia

 (27 de julho de 2023, quinta-feira)

Recado do secretário-geral das Nações Unidas, depois de o serviço meteorológico europeu ter registrado, nas três primeiras semanas de julho, as temperaturas mais quentes da história

do Velho Mundo: “As mudanças climáticas estão aqui. É aterrorizante. E é apenas o começo”. O planeta entrou na era da “fervura global”.

Nesse momento de mudança climática, num mundo cada vez mais quente e cheio de riscos, dada a carga pesada que impomos ao planeta, consta no Relatório da Plataforma Intergovernamental Sobre a Biodiversidade e os Serviços Ecossistêmicos, IPBES, que “os ecossistemas, as espécies, a população selvagem, as variedades locais e as raças de plantas e animais domésticos estão se reduzindo, deteriorando ou desaparecendo. A essencial e interconectada rede de vida na Terra se retrai e está cada vez mais desgastada”.1

Ponto delicado, “os ecossistemas do mundo enfrentam ameaças sem precedentes”, sentenciou Antonio Gutierrez, secretário-Geral da ONU, em mensagem datada de maio de 2019. Decerto, as consequências são de longo alcance, prejudicando, entre outros, e de forma severa, a segurança alimentar. Não por acaso, a mudança climática das últimas décadas já causou uma queda de 4% a 5% na produção mundial de trigo e milho em relação a 1980.2

Seja como for, na base de significativo declínio da natureza, uma série de impasses (da crescente emissão de dióxido de carbono à mais avassaladora produção de plásticos; da invasão de habitats selvagens à constante poluição do ar, da água, do solo; da mortalidade ininterrupta de árvores ao aumento do nível do mar) atravessa nossa realidade cotidiana, e traz a certeza de que a nossa espécie, de um jeito ou de outro, e pouco importa o jeito, se especializou em gerar saldo ecológico negativo.

Sob esse sentimento, exploração do globo – fruto dos danos do industrialismo -, consolidando o modo capitalista de produção, talvez seja, à primeira vista, o nome mais adequado para isso. Pelo sim, pelo não, somente a degradação da terra, cabe reparar, afeta 40% da população mundial.

No entanto, a coisa toda é bem mais séria. De acordo com o Relatório de Riscos Globais 20233, tudo leva a crer que todos (vale aqui o grifo) os riscos planetários mais importantes são ambientais, e muitas das mudanças climáticas, nessa mesma sequência, são irreversíveis. Ainda assim, a crítica é pertinente: por conta de nossos excessos, chegamos até aqui afetando a biodiversidade (nosso suporte vital), a preservação dos biomas, os habitats e o ciclo de nutrientes.

Não obstante a isso, cada vez mais, pelo modo de vida ocidental, fazemos o planeta arder. Conceito amplo, “não estamos indo ao encontro do aquecimento global e da mudança de regime climático. Já estamos dentro”,4 assinala Leonardo Boff.  De forma semelhante, Alberto Acosta, economista equatoriano, chama-nos a atenção ao dizer que “não é mudança climática, é colapso climático”.5

Em palavras realistas, enquanto os tecnocratas debatem se o crescimento verde (fisicamente impossível) nos legará um mundo ecologicamente sustentável, e se com mais tecnologia é possível acelerar a produção e levantar uma economia sem limites, os homens e suas ações, longe de qualquer sinal de pausa e voltados a justificar a concepção moderna de mundo desenvolvido, seguem dando provas contundentes de como afrontar os ciclos ecológicos do planeta – o ciclo da água, do carbono, do oxigênio, do nitrogênio.

De resto, no ponto ecologicamente insustentável de agora, próximos dos limites planetários, aumentam os perigos que a natureza enfrenta devido as mudanças do clima, seja pelo nosso comportamento antropocêntrico dominador, pelas crescentes práticas de produção ou mesmo, e isso está longe de ser assunto comum, por conta das 36,6 bilhões de toneladas de CO² (GtCO²) que mandamos para a atmosfera.

Dolorosa consciência, não há mais como esconder: somos agora mesmo ameaçados pelas consequências globais do agir humano sem compromisso com a causa ambiental.

Mais concretamente, pensando o modelo de modernidade conhecido, isto é, o atual “capitalismo de desastre” (expressão empregada pelo filósofo francês Mark Alizart), pesa-nos reconhecer que, enquanto respiramos a cultura de crescimento econômico (baseado no extrativismo de recursos e na expansão dos mercados, vale dizer, na maneira como temos medido a civilização), nenhuma área conhecida está a salvo das consequências de nossas ações produtoras de complexos problemas de degradação do planeta.

Ora, degradação do planeta, insistindo com o assunto, é a expressão mais forte de nossa negligência com a Natureza, eixo da vida, matriz de tudo. A partir dessa perspectiva, falamos aqui de ações que, sobretudo, geram distúrbios no meio ambiente. Ou impactos ecológicos (sempre numa escala global) decorrente da política de abundância material (cuja destruição dos recursos naturais, cada um sabe, faz parte dessa lógica) em tempos de modernidade industrial.

E no caso ainda de refinar-se a análise, tudo indica que não há mais como contestar a guerra do homem contra a natureza, expressa sobretudo na destruição ininterrupta dos ecossistemas do globo, empurrada, é claro, pela dinâmica capitalista.

Nesse mesmo tom, não é a primeira vez que os teóricos da ecologia afirmam com clareza suficiente que, na era dos humanos (na nossa condição!), há anos queimando carvão e petróleo e fazendo a economia girar com mais velocidade, seguimos marcando conflituoso relacionamento com o planeta vivo, a ponto de afetar os suportes à vida (solos, chuvas, aquíferos, rios, lagos, oceanos, polinizadores, perda do gelo marinho, diversidade biológica). Assim sendo, fica bem claro que o que estamos fazendo com – e contra – o planeta, nos condena.

De toda forma, sustentado pela ideologia neoliberal, não é de hoje que nosso poder de perturbar à biosfera se mescla à nossa irresponsabilidade ambiental. Que o digam os mais variados elementos de descompasso ambiental e climático.

Nessa direção, longe de esgotar o assunto, temperaturas em partes do Ártico estão até 20ºC mais altas que a média, como mostra o Arctic Resilience Report, relatório conduzido peloInstituto de Pesquisas Ambientais de Estocolmo. Já os oceanos, que desempenham papel crucial na regulação do clima, continuam com muito mais ácidos (redução de seu pH), alterando o equilíbrio nos mares e ameaçando os ecossistemas de recifes e a biodiversidade marinha. No sentido tradicional, para fechar aqui esse conteúdo, somos lembrados pelo conhecimento científico que 18 dos 31 ´sinais vitais´ do planeta, incluindo as emissões de gás com efeito estufa, a espessura das geleiras e o desmatamento, já alcançaram níveis recordes preocupantes.

Na origem dos fatos, importa muito notar com redobrada atenção, o Antropocentrismo dominador compromete de imediato duas realidades: o sistema- vida e o sistema-mundo.

De forma resumida, nessa tragédia ambiental nossa de cada dia, o que está em jogo, de fato, é o futuro da nossa própria existência e do nosso planeta. É esse o ponto mais delicado diante de nós.

A crise ambiental global é, antes de tudo, uma crise de valores que afeta sobremaneira a forma de pensar, agir e sentir da humanidade. Qualquer um com um mínimo de inteligência precisa perceber isso. Leia mais: https://www.neipies.com/terra-adoecida-humanidade-a-deriva/

Autor: Marcus Eduardo de Oliveira

Edição: A.R.

Notas:

1. https://www.ipbes.net/global-assessment

2. LOBELL, D. B. et al. Climate trends and global crop production since 1980 [Tendências climáticas e produção agrícola global desde 1980]. Science, n. 333, p. 616-620, 2011.

3. https://www.zurich.com.br/pt-br/blog/articles/2023/01/global-risks-report-2023

4. https://www.brasildefato.com.br/2023/02/23/o-novo-normal-ameacador

5.https://www.ihu.unisinos.br/categorias/613515-nao-e-mudanca-climatica-e-colapso-climatico-entrevista-com-alberto-acosta

1824 – 2024 – duzentos anos da imigração alemã no Brasil

É preciso dizer que a imigração alemã trouxe muito progresso, com a sua arte, cultura e saberes técnicos, para os locais em que os alemães se fixaram. Eles são os fundadores de várias cidades importantes, nos estados do sul do Brasil.

Dias desses participei de uma discussão, em um site chamado “Blumenau Mil Grau”, sobre uma enquete feita no “Reddit”, cujo tema era: o que os alemães pensam sobre os descendentes sul-americanos? Para quem já teve a oportunidade de conhecer e vivenciar a Alemanha e a sua cultura na atualidade, nada de novo. Mas para quem vive no Brasil, se achando alemão, pelo fato de ter um sobrenome germânico, a discussão poderá propiciar uma interessante reflexão.

Inicialmente, para quebrar aquele paradigma dos “imigrantes agricultores”, que emigravam aos milhões da Europa fugindo das guerras ou da fome, para cultivar terras no Brasil. Comprovei em pesquisas feitas por mim, e por outros autores, que muitos alemães não eram agricultores. Alguns eram ferreiros, sapateiros, marceneiros, construtores, padeiros, alfaiates, tipógrafos, ou de outras diversas profissões da época.

Família Franken: histórias em dois continentes: As curiosidades do autor, transformaram-se em pesquisa e depois em um livro. Com o intuito de pesquisar sobre o sobrenome alemão Franken, a imigração alemã no Brasil e a vinda de sua família da Alemanha para o Brasil, levou o autor a pesquisar no Brasil e na Alemanha em diversas fontes. Leia mais: https://www.neipies.com/passo-fundense-divulga-dois-importantes-livros/

Meu bisavô Heinrich Franken, por exemplo, veio para o Brasil, a pedido do II Império, como mestre fundidor, (Stahlgusmeister). E tivemos até imigrantes alemães que se tornaram soldados mercenários e ajudaram a defender as divisas do Brasil, dos frequentes ataques espanhóis. Não sei por que se desenvolveu a ideia de que os imigrantes alemães, eram todos agricultores. E, também, por que os brasileiros acreditam que aquelas bandinhas da Baviera (Blasmusik) e seus trajes típicos, representam as músicas e vestimentas alemãs? Ledo engano!

A imigração alemã foi um projeto em larga escala e de longo prazo, patrocinado pelo governo brasileiro para povoação das terras. Em 1824, chegaram os primeiros 39 colonos alemães. Em 1850, com a proibição do tráfico de escravos, os programas para atrair imigrantes floresceram. Além do que, a vinda de imigrantes europeus brancos corroborava com a ideia racista da elite dominante, de que era preciso “clarear” a população brasileira, formada em parte por índios e negros. Nessa mistura de vontades, interesses, disposições e necessidades, de dois povos distintos e distantes, muitas coisas aconteceram e uniram brasileiros e alemães.

É preciso dizer que a imigração alemã trouxe muito progresso, com a sua arte, cultura e saberes técnicos, para os locais em que os alemães se fixaram. Eles são os fundadores de várias cidades importantes, nos estados do sul do Brasil.

Vários de seus descendentes transformaram-se em políticos, cientistas, industriais, comerciantes e intelectuais de renome. Eles também fundaram por aqui inúmeras associações, educandários, clubes sociais, esportivos e recreativos, empresas e jornais. É inegável a influência positiva da imigração alemã na formação do povo brasileiro.

Porém, acho instigante voltar aos dias atuais, para nos olharmos como descendentes de alemães e perguntar: o que sabemos dos alemães e da Alemanha atual? Então voltarei a enquete que participei, sobre as respostas dos alemães no “Reddit”. A pergunta era se os alemães sabiam da existência de uma cultura alemã no Brasil.

Muitos alemães que já visitaram o Brasil se manifestaram dizendo que sim. Blumenau foi a cidade mais citada por eles, mencionando-a positivamente pela “Oktoberfest” e pela sua arquitetura. Entretanto, todos os alemães participantes que tiveram contato com a cultura alemã no Brasil, afirmam que existem muitos estereótipos, variando entre “isso é muito engraçado” e “isso é bem racista”.

Eles acreditam que alguns descendentes mantiveram aspectos negativos da cultura alemã como, por exemplo, achar que apenas pessoas loiras são alemãs. Faz tempo que comentários desse tipo são altamente reprováveis por lá. Ficam indignados ao ver brasileiros com ascendência alemã, sentindo-se superiores aos das outras etnias. E acreditam que essas pessoas estão culturalmente distantes do que a Alemanha realmente representa atualmente. Devido à desconexão com a Alemanha atual, não enxergam os brasileiros de origem alemã, como parte do povo germânico.

Em conclusão, os alemães acreditam que esses brasileiros possuem uma concepção da Alemanha e do seu povo, baseada em línguas e estereótipos antigos. Pois eles têm orgulho de sua cultura atual, com aspectos muito diferentes daqueles do passado e gostariam de compartilhá-la com os brasileiros.

Em cem, duzentos anos, dá muito tempo para construir e desconstruir ideias, costumes, tradições e até mesmo a língua, que se transforma, junto aos avanços tecnológicos. Para além do “Jus Sanguinis”, ficou um legado importante da vinda dos imigrantes alemães: a amizade, a cooperação e a fraternidade, que de longa data os dois países e seus povos cultivam. E assim, comemoraremos os 200 anos da imigração alemã. Pois, a riqueza do nosso povo é ter recebido a influência de tantas culturas, para nos tornarmos um povo singular e multifacetado, que ainda hoje forja a sua própria identidade.

Meu bisavô: Heinrich Franken, nascido em 1841, em Düsseldorf/Alemanha.

 Minha neta: Isadora Loss Franken, nascida em 2013, em Passo Fundo.

Autor: Rubens Mário dos Santos Franken

Edição: A.R.

A terra não é plana e está em movimento

Essa mentalidade obscurantista é perversa e doentia, pois quanto mais as pessoas desacreditarem na ciência e na organização racional da vida em sociedade, mais estarão propensas a se tornarem subservientes ao poder autoritário e às formas cruéis de dominação que geram medo e desespero na coletividade.

Em tempos de Fake News, de certos bípedes que se autoproclamam “cidadãos de bem”, que defendem o indefensável, que elegem como mito um personagem patético genocida, que destilam ódio pelas redes sociais e que atacam perversamente quem pensa diferente, torna-se sensato pensar defender a ciência e sua importância para evitar a barbárie e salvaguardar a civilidade. Digo isso porque estes mesmos bípedes que durante a pandemia foram contra a vacina e as evidências científicas, se colocaram contra os avanços da ciência e chegaram a proclamar o absurdo do terraplanismo.

Na minha avaliação tais manifestações, além de serem absurdas e criminosas, são espelhamento de uma mentalidade obscurantista que enganou e continua enganando os ingênuos, confunde os indecisos e instaura o caos da irracionalidade que só beneficia os poderosos, os donos do poder, os truculentos, os oportunistas e detentores do capital.

Essa mentalidade obscurantista é perversa e doentia, pois quanto mais as pessoas desacreditarem na ciência e na organização racional da vida em sociedade, mais estarão propensas a se tornarem subservientes ao poder autoritário e às formas cruéis de dominação que geram medo e desespero na coletividade.

Historicamente, um dos grandes pensadores que lutou contra essa mentalidade obscurantista foi o italiano Galileu Galilei (1564-1642). Seu nome certamente é lembrado quando se fala em Ciência Moderna: tornou-se o criador da física moderna, quando anunciou as leis fundamentais do movimento; foi considerado um dos maiores astrônomos de todos os tempos, pelas observações que fez com o telescópio que ele mesmo criou; e tornou-se um dos mais importantes inventores do método científico moderno pela forma como passou a abordar os fenômenos da natureza. Por tudo o que representou em termos de ciência e de filosofia, de forma justa, Galileu Galilei é considerado um dos pais da Ciência Moderna.

Galileu Galilei nasceu na cidade de Pisa/Itália, num período de profundas e importantes transformações. Depois de fazer seus estudos iniciais, frequentou durante um tempo um monastério como noviço. Depois de sair do monastério, dedicou-se por um tempo aos estudos de medicina, mas logo foi atraído pela matemática, a partir dos estudos de Euclides e Arquimedes, dedicando-se principalmente ao estudo de problemas de balística, hidráulica e mecânica. Seu zelo pela investigação e suas descobertas no campo das matemáticas possibilitaram que em 1592 fosse nomeado catedrático de Matemática na Universidade de Pádua, onde continuou seus estudos em física, desenvolvendo suas concepções sobre geometrização desta área de investigação.

O zelo pelo método científico fez com Galileu estabelecesse alguns princípios que continuam válidos até hoje.

O primeiro princípio do método é a observação dos fenômenos, tais como eles ocorrem, sem que o cientista se deixe perturbar por preconceitos extra-científicos, de natureza religiosa ou filosófica.

O segundo princípio consiste na experimentação, ou seja, nenhuma afirmação sobre fenômenos naturais pode ser aceita sem que haja uma verificação de sua legitimidade através da produção do fenômeno em determinadas circunstâncias.

O terceiro princípio estabelece que o correto conhecimento da natureza exige que se descubra sua regularidade matemática e com isso é possível prever certos fenômenos que ocorrem na natureza. Com tais princípios, Galileu possibilitou uma nova visão da natureza e dos fenômenos naturais, pois para ele “o livro da natureza está escrito em caracteres matemáticos” e sem o conhecimento de tais caracteres, “os homens não poderão compreendê-lo”.

Galileu foi um defensor da teoria de Copérnico de que a terra está em movimento e gira ao redor do sol. Tal teoria havia levado Nicolau Copérnico a fogueira. Galileu também foi denunciado, julgado e condenado por defender tal teoria. Para não ser queimado na fogueira, em junho de 1633, aos 70 anos, foi obrigado a ajoelhar-se diante do Tribunal da Inquisição, em Roma, e a abjurar a teoria copernicana.

Em 1992, passados 360 anos do julgamento de Galileu, com profunda humildade o Papa João Paulo II revogou oficialmente sua condenação, dizendo que era necessário “remover as barreiras, ainda incitadas em muitas mentes pelo episódio Galileu, que possam obstruir uma relação frutífera entre ciência e fé”.

O gesto do Papa sobre o caso Galileu certamente deveria servir de inspiração para que possamos pensar e olhar para os acontecimentos do presente com menos preconceitos, ódio, rancor e cegueira moral. É a capacidade de pensar que nos possibilita uma convivência mais amigável e produtiva com o conhecimento científico e que este nos ajude a sermos seres humanos melhores, livres de notícias falsas (Fake News) que circulam irresponsavelmente pelas redes sociais e que ameaçam o surgimento de um novo obscurantismo em pleno século XXI.

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

Edição: A.R.

Educador: uma vocação em extinção?

Se nós professores e professoras não tomarmos nas mãos nossa profissão, não nos ocuparmos dela, não lutarmos por ela estaremos fadados à eucaliptos. Bonitos, enfileirados e prontos para o corte.

Hoje poderia ser um dia como qualquer outro, mas não é. Hoje foi um daqueles dias que mexe com a gente. As notícias de ataque da autoridade à carreira profissional e os sinais de desvalorização aos professores trazem tristeza, frustração e indignação.

Ao mesmo tempo, recebo no corredor um desenho de um aluno-educando. Aluno-educando pois está em virtuoso processo de “o sem luz” para o processo do “educere” trazer a luz. Ele me fez refletir o quanto faz um professor, a responsabilidade que nos cabe e a vastidão do que operamos.

Pisar e frequentar o chão da sala de aula de uma escola pública de educação básica é para poucos. Um reino a parte. Neste micro espaço de metros quadrados vive gente, vivem sonhos, vive o futuro.

Minha mente fervilhava entre uma aula e outra, uma explicação e outra, uma avaliação para encaminhar, uma turma e outra… e eu pensava no ser professor.

Rubens Alves tem um texto curto mas muito significativo. Fala do professor-eucalipto e do educador-jequitibá. Eucalipto e Jequitibá não é tudo árvore? Tem diferença?

Assista ao vídeo: https://youtu.be/_lDogg4j5qU?t=6

Professor-eucalipto aquele das cifras, enfileirados em posição de sentido, padronizados. Preparados para o corte. São entidades descartáveis, sai um já cresce depressa o outro. Substitui. Se analisa o custo. Educador envolve vocação, envolve dedicação amorosa (não estou falando que amor paga conta) envolve grande esperança.

O educador-jequitibá tem personalidade, tem alma, que sente o que ninguém sentiu. É artesanal, é unico, tem paixões, visões, tem liberdade. O que aconteceu com ele? Existirá o nicho ecológico que torna possível sua existência? Será que alguém lhe concede a palavra?

Estão lentamente derrubando a floresta, derrubando árvores e, em seu lugar, querem eucaliptos.

Pois no final da manhã me vem o Pedro com essa chave do céu e me trouxe um alento. Ele me entrega um desenho e me faz perceber que é preciso vir de dentro.

Se nós professores não tomarmos nas mãos nossa profissão, não nos ocuparmos dela, não lutarmos por ela estaremos fadados à eucaliptos. Bonitos, enfileirados e prontos para o corte.

O VIII Congresso dos Professores Municipais de Passo Fundo ocorrerá no dia 30 de agosto, no Centro de Eventos do Campus I da Universidade de Passo Fundo (UPF). O tema desta edição será “Magistério: uma carreira em extinção?”.

No turno da manhã, o horário será das 8h às 11h30min e terá como palestrantes a Vereadora Professora Regina Costa dos Santos e o psicanalista Dr. Francisco dos Santos Filho. ⏰ No turno da tarde, o horário será das 13h15min às 17h30min e terá como palestrantes um representante do Sindicato dos Professores Municipais de Santa Maria e o professor Dr. Altair Alberto Fávero. Ambos os turnos contarão com a mediação do professor Nei Alberto Pies.

Pré-Congresso 2023!

“Magistério: uma carreira em extinção?”. O tema do VIII Congresso dos Professores Municipais foi debatido na noite desta quarta-feira (16) durante o Pré-Congresso, ocorrido na sede do CMP Sindicato, que contou com a participação do advogado da entidade, Dr. Henrique Cullmann.

No encontro, os professores puderam discutir questões de valorização dos educadores, como a Lei do Piso Nacional do Magistério, além de refletir sobre as causas da desvalorização, ocasionada pelos constantes ataques sofridos pela educação.

Um dos principais assuntos debatidos foi a atual reforma administrativa proposta pela administração municipal ao legislativo, que impacta negativamente os docentes no seu plano de carreira, como no caso das progressões dos futuros professores. O Sindicato prontamente posiciona-se contrário ao projeto e informa que tomará ações de defesa dos direitos dos nossos educadores.

Autora: Márcia Carbonari, professora da educação básica, formada em história.

Edição: A.R.

Um pátio para o resto de nossas vidas

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Que ao pátio de nossos primeiros anos possamos retornar, não importando agora por quais hinos cantar. Pensando no IE (Instituto Educacional de Passo Fundo), salvando todos, salvei a mim mesmo.

Como foi difícil deixar o IE.* Não havia mais nada para fazer ali. No entanto, queria morar em suas salas, levar minhas coisas para viver em seus corredores, poder escolher uma sala como dormitório. Um corredor para cada dia, uma classe para cada noite. Mas não era mais possível, as aulas terminaram, os degraus do Curso Ginasial se encerravam e o que me restava… talvez fugir. Embora fugindo, arrastei os atores, todos comigo.

Meus passos em direção à praça em logo frente foram trôpegos, sem vontade, desde que recebi meu boletim de aprovação. Fui aprovado com ressalvas e vários conselhos. A matemática teimava em me enganar. A química, em me trair. Saí contrariado porque o motivo de minha vida em seus 19 anos estava por se extinguir na escola, pelo menos naquela hora. Um banco de praça me serviu de companhia, enquanto eu olhava para trás e via as últimas janelas do IE sendo fechadas. O prédio se trancando e eu prisioneiro em uma praça.

Em seu pátio estávamos todos em fila, a fila diária, por ordem de altura e que nos ensinou, pelo resto de nossas vidas, o tamanho do nosso próximo mais próximo e que na vida haveria espera para quase tudo.

E então… entrávamos para as salas de aulas pelos fundos. Do enorme átrio em que se edificavam a ordem das coisas em nosso mundo, subíamos para as salas, andar por andar, passando pelos rígidos olhares dos professores, pelas escadas de degraus curtos, entre risos miúdos e pequenas censuras.

Salve Instituto, sempre impoluto… já havíamos cantado. Parte do Evangelho já havíamos lido, então, estávamos prontos para nosso recomeço diário.

Assim era o universo para nossas mentes, em uma Passo Fundo de muitas casas, e de 6 prédios apenas, de calçadas enormes, de uma Escola imponente que se opunha nossas alturas, nós adolescentes em profusão, espantados com a obra colossal do IE, das construções em sua volta e da arte expressa em suas colunas.

Este mundo era grandioso demais para que deixássemos de frequentar, somente porque os anos do ginásio sumiam de nossa frente. O último dia, no prédio, foi assim mesmo. Um misto de desespero pela página que se virava, um pouco de alívio pela pressão por liberdade, um sossego mental em não ter de entoar orações e hinos, agora não mais todos os dias. E sem saber, claro, que depois sentiríamos sua falta por anos e anos…

E o banco da praça da avenida me acolheu, quando olhei pela última vez a escadaria, uma entrada proibida, onde raramente se tinha acesso. Talvez por se tratar de degraus de professores, direção, autoridades, que poderiam até se confundir com alguns pais reclamando por seus filhos reprovados, saindo dali lendo seus boletins recheados de insuficiências, mesmo com promessas para um próximo ano melhor, a repetir, que seja.

Sim, a entrada era proibida, apenas alguns degraus, era a entrada triunfal. Mas quem sentia falta? Os fundos da escola foram exatamente o rascunho de uma vida de independência que estava se avizinhando, sem os mesmos colegas, pena, os pilares de nossa infância, sem os professores amarrados aos seus credos, sem a ordem litúrgica, diária, cruel e tão indispensável para aqueles dias.

Ficaram para trás os tambores da banda organizada, impecável. Que sempre nos remetia a uma cidade americana, sim, nós, que até nos uniformes nos espelhávamos um pouco no país dos fundadores. As fotos dos alunos dispersos pela sua secretaria e um pátio onde o centro do mundo ecoava, a família de fato, nos olhares e intenções, nos amigos e nos pequenos desafetos, nosso começo de caminhada, nossos primeiros valores.

O IE foi tudo para uma geração, mais. Foi a formação de todos os valores que trouxemos pela vida, para o bem ou para menos que isso. As filas aquarteladas nos lembravam que a vida fora de seu pátio nos exigiria paciência, respeito. A educação, com seu rigor e sua ética como que se nos falava em tempos menos nobres pela frente. O horror de um boletim manchado muito nos dizia sobre os méritos a enfrentar, sobre a vontade contínua em aprender, ou então, as nuvens da reprovação. Não teríamos sempre, afinal, notas ou céus azuis pela frente.

De nossas amizades, aprendemos que os fundamentos de nossa existência estavam nos primeiros anos neste Ginásio. Foi ali que o concreto em nossas construções foi derramado e sobre ele é que desenhamos a forma de nossas carreiras, conquistas e demais ilusões, agora na distância dos que partiram ou na rotina dos que ficaram. A riqueza ou a escassez de cada um, pode ter sido lançada nestes dias e, mesmo aos mais céticos, nestes anos ingênuos e de descobertas impressionantes, ali mesmo foi onde encontramos o sentido para toda a vida.

Quanto mais seguimos adiante, parece que mais nos aproximamos do pátio de nossa adolescência. Nossas vidas têm poucas escolhas quando se trata de memórias cristalizadas, que jamais nos deixarão. Mesmo contra nossa vontade, será para o pátio de nossa escola que apoiaremos nossos melhores dias, sem percebermos, em dias e anos, nessa edificação que não paramos de construir e a que chamamos de tempo.

No banco solitário da praça em frente, perguntava às pedras que serviam de álibis, como viver agora, sem a sisudez do Prof. Arno, o rigor do ‘Casquinha’, sem a sinceridade do Norton, sem a ajuda cartesiana do professor Renato, sem as travessuras do Fausto…sem tantos, tantos e tantos a citar.

Preciso voltar nem que seja para dizer bom dia, a quem estiver por perto. Para assistir ao menos a uma nova aula, enfadonha e essencial, para expiar pelas janelas do IE e descobrir como andavam as pessoas pela praça, estas mesmas que pertenciam ao outro lado do mundo. Sem os sinos, que não sei de onde anunciavam o meio-dia. E preciso de mais. Das manhãs de geada, das salas frias do ‘redondão’, das aulas intermináveis no laboratório, do curioso e inquieto Jacob.

Ver os amigos em uma partida de vôlei, a paciência da Prof. Ana Maria, o Prof. Osvaldo Reis, a querida Bere, o rigor do início de carreira do Gilles, a inteligência da Prof. Lourdes. E o bumbo da banda sendo tocado e trocado pelo Kiko Paiva? Preciso rever as milhares de partículas de lembranças deixadas para trás. O Foguinho, o Cláudio Nelson, meu Deus, quantos!

E o que lembrar da Walkíria, inesquecível, como esquecer, impossível! Um anjo que se disfarçou de aluna para não impressionar com sua beleza, arrebatando em vida os que a cercavam. Ela mesma que esquecia suas asas em casa para não nos machucar.

E o que falar das tardes frias nas escadas do IE, vitimados por um vento implacável que soprava pelo Boqueirão, do salão aos fundos do pátio em que se ensaiava o teatro e as gincanas das turmas, suas cadeiras em madeira, como se ali fosse um cinema local.

E o que dizer sobre os desfiles de 7 de setembro, as fileiras impecáveis de uniformes pela Av. Brasil… os nervos expostos nos dias que antecediam as provas, os primeiros amigos…os primeiros namoros… as primeiras perdas.

E o que mais lembrar do prédio no antigo internato. Ali mesmo, o Daniel e eu, os dois últimos internados, desta vez por opção.

Recentemente, quando a Vila Elisabeth veio abaixo, a casa dos Reitores, algumas fissuras sob o nosso chão, onde pisávamos sobre os primeiros sonhos, ficaram expostas. O barulho infernal das máquinas destruindo o que foi o nosso palco, operavam como que arrancassem um pedaço de nossas memórias. Quantos reitores que ali moraram e partiram não juraram vingança!

Mas, enfim, fiz um acordo de saída, na praça mesmo. Não volto não. Ninguém estará lá. Falava-se que novos tempos viriam, um novo segundo grau… então acabou.

Se não é mais possível caminhar em seu entorno, resolvi levar todos comigo, para sempre, pelos anos, até o fim. Os que me enfeitiçaram pela educação e ainda os alquimistas de 18 anos que, comigo, achavam que poderiam salvar o mundo. Pensando no IE, salvando todos, salvei a mim mesmo.

Que ao pátio de nossos primeiros anos possamos retornar, não importando agora por quais hinos cantar. Na memória de seu espaço, aprendemos ali, na razão daqueles dias, a vida em seu despertar, sendo todos nós filhos das manhãs longas e frias de Passo Fundo, que aos poucos diminuíam aos nossos olhos, agora crescidos e tão melancólicos.

* Instituto Educacional de Passo Fundo, Escola Metodista centenária, que formou centenas e centenas de alunos na cidade e região.

Fotos: fachada e corredor interno: Diogo Zanatta.

Autor: Nelceu Alberto Zanatta

Edição: A.R.

O trabalho com a escrita no sistema prisional: (uma experiência de voo)

Vamos sendo conduzidos pelo vento das descobertas e das confirmações, como gaiolas abertas, que nos permitem cair no vazio das incertezas, que só a leitura e a escritura proporcionam, e voar para longe, num voo desconcertante e belo, de imensa liberdade, mesmo na rigidez das cores de chumbo e do cheiro acre da prisão.

Considerando que o papel da educação no sistema prisional seja o de exclusivamente ajudar a pessoa privada de liberdade a desenvolver habilidades e capacidades para estar em melhores condições de conquistar as oportunidades socialmente criadas ao ser inserida novamente na sociedade, iniciamos, há algum tempo, numa unidade prisional de Canoas, no RS, uma prática que denominamos oficinas de criação textual. Tais práticas ensejam, através um recorte de habilidade e ousadia – a Escrita, a construção de instrumentos para que as condições anteriormente citadas sejam otimizadas.

Sob outra perspectiva, no entanto, para além desse objetivo (constitutivo inclusive de leis e portarias), nosso olhar repousa sobre a pessoa e não sobre um número ou uma categoria, como muitas vezes o/a privadao/a de liberdade é referido/a.

Se, de um lado, o homem ou a mulher privados e privadas de liberdade tendem a ser sumariamente obscurecidos e obscurecidas por instâncias sociais as quais geralmente só tem olhos para os fatos imediatamente compatibilizados com seus interesses e para experiências adjacentes, de outro, podemos dizer que, de nossa experiência dialógica com os privados de liberdade, em que “promover, defender, amar e servir a vida” (Pastoral Carcerária da Igreja Católica – Missão) se concretiza como objetivo primeiro,  surge a inquietação proveniente de nosso comprometimento com tais pessoas. Tal comprometimento não se limita à “visita”, uma vez que nosso compromisso também se alinha com as questões que envolvem as causas e as consequências das realidades prisionais.

Dessa forma, buscaram-se estratégias para desenvolver as Oficinas que levassem os participantes a construírem-se ou (re)construírem-se por meio, primeiramente, do desejo de se tornarem visíveis para a sociedade. Buscamos com que propostas emancipadoras para práticas de leitura e escritura se constituíssem em criadoras de horizontes, que intencionassem o mundo, o interrogassem e levassem a construir percepções e concepções de novas realidades possíveis para eles próprios.

Neste sentido, nosso eixo calcou-se nos princípios da Educação Popular, os quais se materializam, dentre outras trilhas, como resistência ao imediatamente visível, pela busca do que está “por trás”, lá onde se podem politizar as relações sociais (Brandão, 1984), moldando respeito pelo individual e pelo coletivo, podendo, inclusive, a partir daí, protagonizarem-se, os privados de liberdade, numa transformação de si e (por que não?) do circundante. 

Assim, se considerarmos que o confinamento propende à anulação e à invisibilidade da pessoa, uma proposta de desenvolvimento para práticas de leitura e escritura só nos pode levar a pensamentos como:

  1. é necessária a busca de resgate da identidade da pessoa confinada;
  2. a identidade da pessoa remete à sedimentação de sua dignidade que cremos muitas vezes perdida no confinamento;
  3. a dignidade humana é direito de todas as pessoas, garantida constitucionalmente;
  4. segundo especialistas, a escrita, com suas narrativas, (não necessariamente a escrita “certa”, pois não se trata de aulas!) auxilia no processo emancipatório do ser humano em que ele constroi redes de esperança para si, em primeiro lugar para, depois, ajudar a construir para outros;
  5. a necessidade de promover a inclusão da pessoa não-alfabetizado e dos idosos e idosas.

Assim, podemos dizer que, longe de ser uma proposta articulada e acabada, estamos sempre, a cada encontro, permitindo que visões de mundo e intuições sejam nossas “ferramentas de oficina”. E vamos sendo conduzidos pelo vento das descobertas e das confirmações, como gaiolas abertas, que nos permitem cair no vazio das incertezas, que só a leitura e a escritura proporcionam, e voar para longe, num voo desconcertante e belo, de imensa liberdade, mesmo na rigidez das cores de chumbo e do cheiro acre da prisão.

Sugestão de leitura: Obra Cartas de liberdades, autora Marli Silveira. Conheça mais aqui: https://www.neipies.com/cartas-de-liberdades-obra-que-reflete-existencia-e-encarceramento/

Autora: Ir. Marta Maria Godoy

Edição: A.R.

Unesco alerta sobre uso excessivo das tecnologias educacionais

O digital pode ser útil para manter os laços, mas as tecnologias nunca substituirão o encontro humano que permeia a escola, os educadores e os estudantes. Precisamos usar a tecnologia como meio para nossos fins e não sermos usados e manipulados pelas tecnologias e pelas redes sociais.

A Unesco publicou no dia 26 de julho o Relatório Global de Monitoramento da Educação 2023 abordando o tema da Tecnologia na Educação: Uma ferramenta a serviço de quem?

Trata-se de um alerta, principalmente, sobre o uso excessivo, intensivo e como as ferramentas tecnológicas estão fazendo parte do cotidiano da sala de aula. O relatório reconhece a importância das tecnologias, porém aponta algumas ressalvas.

Destaca que as evidências sólidas e imparciais do impacto da tecnologia educacional são escassas e que existem poucas evidências robustas do valor agregado da tecnologia digital na educação.

Alerta que boa parte das evidências são produzidas pelos que estão tentando vendê-las e que a tecnologia pode ser uma salvação para a educação de milhões, mas exclui muito mais pessoas.

Ainda segundo o documento, a tecnologia acessível e o design universal criaram oportunidades para estudantes com deficiências. Evidencia que o ensino on-line evitou o colapso da educação durante o fechamento das escolas na pandemia da covid-19 e o direito à educação, cada vez mais, é sinônimo de direito à conectividade adequada.

No entanto, há desigualdade no acesso, e a tecnologia digital aumentou de forma dramática o acesso a recursos de ensino e aprendizagem, no entanto, a tecnologia deveria se concentrar em resultados de aprendizagem, e não em contribuições digitais, ressalta.

Os especialistas chamam a atenção, também, para situações identificadas, apontando que o ritmo acelerado das mudanças na tecnologia tem pressionado os sistemas de ensino a se adaptarem seguidamente.

Muitos estudantes, aponta a Unesco, não têm as oportunidades para usar tecnologias digitais em práticas escolares e os professores, muitas vezes, se sentem despreparados e pouco seguros para dar aulas usando tecnologia e conteúdo digital é produzido por grupos dominantes, o que afeta quem o acessa.

Identificou-se que quase 90% do conteúdo disponível em repositórios de educação superior com coleções de recursos de educação aberta foram criados na Europa e na América do Norte e 92% do conteúdo da biblioteca global OER Commons está em inglês. Há uma hegemonia das ferramentas, conteúdos e da epistemologia do Norte sobre a do Sul.

Educação superior

A educação superior é o setor que está adotando tecnologias digitais mais rápido e o que mais está sendo transformado por ela.

Havia mais de 220 milhões de estudantes frequentando cursos abertos on-line e massivos em 2021.

Mas as plataformas digitais ameaçam o papel das universidades e representam desafios regulatórios e éticos, por exemplo, com relação a promoções exclusivas de assinaturas, além de dados de estudantes e funcionários.

A expansão do Ensino Superior (ES) no Brasil no período de 1991 até 2021 foi 475%, sendo 619% no ensino superior privado e, 245% no ensino público.

Atualmente, a expansão no ES somente se mantém impulsionada pela EaD, que cresce no segmento privado, cujos ingressantes superam as matriculados nos cursos presenciais.

Licenciaturas

Os cursos relacionados à formação docente em Educação a Distância (EaD), como Pedagogia e Licenciaturas, apresentaram um crescimento de 109,4% de concluintes na rede privada, no período de 2010 e 2020.

No mesmo período, diminuíram os concluintes na modalidade presencial, em ambas redes (pública e privada), sendo a queda na rede privada é bem maior.

Nas licenciaturas, especialmente Pedagogia, 61,1% dos formandos são em EaD, enquanto nos demais cursos são 24,6%.

Deste cenário emerge uma questão central: qual é a qualidade desta formação de nossos docentes responsáveis pela alfabetização das crianças brasileiras?

“A revolução digital possui um potencial imensurável, mas, assim como foram feitas advertências sobre como ela deve ser regulamentada na sociedade, atenção semelhante deve ser dada à maneira como ela é usada na educação”, destaca Audrey Azoulay, diretor Geral da Unesco.

“Seu uso deve ser para experiências aprimoradas de aprendizado e para o bem-estar de alunos e professores, não em seu detrimento. As conexões on-line não substituem a interação humana.”

A problemática da excessiva burocracia na educação, sobretudo a partir dos tempos da pandemia, vem sendo discutido por este site faz um bom tempo. Mas uma postagem, em rede social, do professor e educador brasileiro Celso Vasconcellos, reproduzindo texto de nossa autoria, nos faz aprofundar mais o tema, pois chamou atenção para a seguinte questão: a burocracia é um fim em si mesma ou um meio de registrar a atividade docente? Leia mais: https://www.neipies.com/estao-matando-a-essencia-da-educacao/

Tecnologia na educação

O relatório termina destacando que o papel da tecnologia na educação vem provocando um intenso debate há muito tempo.

Este debate foi ampliado pelo fechamento de escolas durante a covid-19 e pelo surgimento da inteligência artificial generativa, mas questiona: a tecnologia democratiza o conhecimento ou ameaça a democracia ao permitir que alguns poucos selecionados controlem as informações?

Ela oferece oportunidades ilimitadas ou leva a um futuro sem retorno e dependente da tecnologia? Ela promove a igualdade ou agrava a desigualdade? Ela deve ser usada no ensino de crianças pequenas ou representa um risco para o seu desenvolvimento?

Estudos e pesquisas no campo da educação já apontam riscos e excessos do grande “mercada global da educação” em continuar expandindo esta lógica de educação por meio de plataformas digitais.

Os professores António Nóvoa e Yara Cristina Alvim apresentam uma forte crítica a três ilusões perigosas empoderadas a partir da educação virtual na pandemia:

  1. a ilusão de que a educação está em todos os lugares e em todos os tempos, e que acontece “naturalmente” num conjunto de ambientes, sobretudo familiares e virtuais;
  2. a ilusão de que a escola, como ambiente físico, acabou e, a partir de agora, a educação terá lugar sobretudo “a distância”, com recurso a diferentes “orientadores” ou “facilitadores” das aprendizagens;
  3. a ilusão de que a pedagogia, como conhecimento especializado dos professores, será substituída pelas tecnologias, “dopadas pela inteligência artificial”.

Em alternativa às pressões do mercado da educação e a essas “ilusões”, salientam que a educação implica sempre uma intencionalidade, obriga a um esforço de construção, de criação e de composição das condições, dos ambientes e dos processos propícios ao estudo e ao trabalho dos alunos.

É esse esforço que define o papel dos professores na construção de um espaço público comum da educação e na criação de novos ambientes escolares, promovendo uma pedagogia do encontro entre estudantes e educadores.

A técnica, em geral, não é boa nem má, nem neutra, nem necessária, nem invencível. É uma dimensão, recortada da mente humana, de um devir coletivo heterogêneo e complexo na “cidade do mundo”.

O que determina seu sentido e benefício é o uso e o fim que nós, seres humanos, lhe atribuirmos. Quanto mais reconhecermos isto, mais nos aproximaremos do advento de uma tecnodemocracia.

Transformação do mundo

Pierre Lévy, filósofo e sociólogo francês, alerta e questiona que na era do planeta unificado, dos conflitos mundializados, do tempo acelerado, da informação desdobrada, das mídias triunfantes e da tecnologia multiforme e onipresente, quem não sente que é preciso repensar os objetivos e os meios da ação política?

A integração plena das escolhas técnicas no processo social, educacional e democrático é um elemento chave da necessária mutação política.

Lévy afirma que nos tempos atuais a técnica é uma das dimensões fundamentais onde está em jogo a transformação do mundo humano por ele mesmo.

A incidência cada vez mais impregnante das realidades tecnoeconômicas sobre todos os aspectos da vida social, inclusive da educação, e também os deslocamentos menos visíveis que ocorrem na esfera intelectual, obrigam-nos a reconhecer a técnica como um dos mais importantes temas filosóficos e políticos de nosso tempo.

Na escala da vida humana, estes agenciamentos sociotécnicos constituem um fundo sobre o qual se sucedem os acontecimentos políticos, militares e científicos mais importantes.

Essência da técnica

Outro filósofo, o alemão Martin Heidegger, também tratou do tema no texto A questão da Técnica, em 1959.

Já naquela época afirmava que a técnica não é a mesma coisa que a essência da técnica, pois a essência da técnica também não é de modo algum algo técnico. Alertava que, por todos os lados, permaneceremos sem liberdade, atados a ela.

Mas de modo mais triste estamos entregues à técnica quando a consideramos como algo neutro, pois essa representação, à qual hoje em dia se adora prestar homenagem, nos torna complemente cegos perante a essência da técnica.

Dizia Heidegger que a essência da liberdade, originariamente, não está ordenada segundo a vontade ou apenas segundo a causalidade do querer humano.

A liberdade está num parentesco mais próximo e mais íntimo com o acontecimento do desabrigar, isto é, do conhecimento da verdade.

A ameaça dos humanos não vem primeiramente das máquinas e aparelhos da técnica, cujo efeito pode causar a morte. A autêntica ameaça já atacou o homem na sua essência, sentencia Heidegger.

Retornando a relação da educação com as técnicas, é preciso dizer que as tecnologias, por si só, não educam ninguém. No entanto, as questões tecnológicas não são apenas tecnológicas, são pedagógicas e são políticas.

Nesta perspectiva, cabe renovar o questionamento que fez Gert Biesta: “chegou a hora de desistir da escola moderna, e das suas promessas, entregando-a nas mãos da Pearson, da Google e de outros capitalistas educacionais, ou devemos tentar uma vez mais e, nesse caso, o que devemos fazer?”.

As ilusões da “casa” (ensino domiciliar) e das “tecnologias” alimentam-se mutuamente e transportam uma terceira ilusão: com recurso ao digital e graças a um acompanhamento por parte dos pais, ou de algum “tutor”, as aprendizagens aconteceriam de modo natural ou espontâneo. É uma ilusão perigosa e errada.

Num dos grandes livros da pedagogia contemporânea, La Mystification Pédagogique, Bernard Charlot explica que “a educação não se pode fazer por simples imersão da criança no meio social”, pois é necessária “uma mediação entre a criança e os modelos sociais”.

É preciso repensar a escola enquanto um espaço público comum e professores construtores deste espaço. São eles que, em proximidade com as famílias, os poderes locais, as entidades públicas e privadas, podem construir as condições para uma capilaridade educativa baseada no comum e na convivialidade.

Aprender e estudar em comum é a melhor forma de promover uma vida em comum, uma sociedade convivial.

A educação precisa caminhar junto com a ciência e a tecnologia.

A pedagogia é sempre uma relação humana.

O digital pode ser útil para manter os laços, mas as tecnologias nunca substituirão o encontro humano que permeia a escola, os educadores e os estudantes. Precisamos usar a tecnologia como meio para nossos fins e não sermos usados e manipulados pelas tecnologias e pelas redes sociais.

FONTE: https://www.extraclasse.org.br/opiniao/2023/08/unesco-alerta-sobre-uso-excessivo-das-tecnologias-educacionais/

Autor: Gabriel Grabowski

Edição: A.R.

Se perdermos, sequer os mortos estarão a salvo

Os estúpidos poderão se encarregar de conduzir a humanidade ao caos, não sem antes levar consigo as memórias e a impotência dos que são/foram vencidos pelo embestamento ético e estético.

A força da frase de Walter Benjamin (acima) dispensaria qualquer comentário, pois já se insinua advertida de análises obsequiosas. Considero, por oportuno, que podemos e devemos atualizá-la. Tomarei por pena um dos modos possíveis de interpretação, alargada na direção das vidas desperdiçadas.

Vidas desperdiçadas: o que seriam vidas desperdiçadas? Sem a pretensão de criar uma categoria ou domesticar palavras com vistas a estabelecer uma definição teórica, apresento alguns contextos existenciais que seriam, a meu ver, de vidas desperdiçadas.

A primeira delas, as vidas que não são passíveis de luto. Poderíamos dizer, as vidas que não são choradas porque nem sequer sabidas como existentes. Ou mesmo somadas ao repertório da métrica, não fazem diferença. Quantas delas nós conhecemos? Seus rostos e sonhos, suas continuidades, para onde seguiram ou seguirão? Até ouvimos dizer, mas como um eco tardio do inevitável. Muitas delas ganham geografia na pós-vida, naquele lugar da calculabilidade; suas memórias retrucadas pelo esquecimento produzido ou reverberado pelos narradores opulentos.

A segunda (por didatismo apresento uma ordem) são as vidas desperdiçadas dos “diferentes”. Há um modelo reiteradamente apresentado como sendo o normal, o certo, o preferível. Quantas pessoas “jogamos” para dentro dessa categoria, impingindo toda sorte de maneiras de qualificá-las, enredando suas vidas no espasmo do destino? Quantas vezes nos pegamos sentindo pena, raiva ou ódio dos que não se enquadram nos padrões aceitáveis. Quem é este que aceita? Quem define os critérios de aceitação? Em que se sustentam os recortes epistemológicos e morais que classificam os diferentes modos de se ser?

E por mais paradoxal que possa parecer, penso que há uma terceira instância de vida desperdiçada, que são as vidas das pessoas logradas pelo destino. Não se trata de corroborar a tese de que não temos qualquer agência sobre nós e a realidade, mas de reconhecer a assombrosa ambiência a que são entregues algumas vidas, como se nascessem no lugar e na hora errada, como um estorvo do tempo. Claro que poderíamos dizer que a definição de hora certa ou errada se abre pelo interior de uma construção semântica e situada, infelizmente, muitos são cativos desse acaso que se atravessa e inabilita a possibilidade. Sofro por reconhecer a trágica condição humana: têm coisas que estão fora do nosso alcance e ou se distanciaram de forma irrecuperável.

A palavra final, no entanto, se estica como gesto de reconhecimento de que a absoluta maioria das vidas desperdiçadas depende de um projeto que foi se constituindo e tendo por base uma racionalidade predatória e escorchante. Lógica avessa ao outro, ao diverso, à vida. Os estúpidos poderão se encarregar de conduzir a humanidade ao caos, não sem antes levar consigo as memórias e a impotência dos que são/foram vencidos pelo embestamento ético e estético.

Até onde vai nossa capacidade de suportabilidade para tanta dor e violência? Descubra mais: https://www.neipies.com/os-limites-da-suportabilidade/

Autora: Marli Silveira

Edição: A.R.

A Valentina não vai fazer medicina!

Não, não importava o que a Valentina gostaria, não importava se ela tinha um propósito ou uma certa aptidão pela profissão. Para aquela avó, parecia ser muito simples: escolha o que lhe der mais dinheiro. O contrário, pela sua feição, seria inadmissível.

Eu estava tomando um café, enquanto ouvia a conversa da mesa alheia (desculpe-me, caro leitor) eu entendo a tamanha indiscrição, mas, eu juro! é o tipo de estímulo auditivo que eu simplesmente não consigo ignorar.

Haviam duas senhoras, conversando sobre a vida da Valentina. Uma delas, parecia ser a avó e insistia indignadamente:

– A Valentina deveria fazer medicina, deveria, mas ela não quer. Quer fazer psicologia! Mas, ela deveria fazer medicina, pensa bem, se ela se formar em psicologia, vai ter que fazer uma especialização, um mestrado, doutorado… daria o mesmo tempo que fazer uma residência. A diferença é que ela estaria ganhando muito mais! (assim como metade da família médica, pelo que eu compreendi).

Naquela altura do campeonato, a minha vontade era simplesmente levantar e fazer um sermão! Eu não sou padre, eu não fazia ideia de quem era Valentina, mas sua autenticidade deveria ser defendida. Eu levantei… acovardei-me e fui para a casa… a verdade é que eu sou péssima em improvisos e aquilo não daria certo… por mais que vontade não me faltou!

Depois que partimos, fiquei pensando em como aquela simples conversa retratava um pouco dos “ideais” da civilização contemporânea, que pode muito bem ser traduzido por dinheiro, money, bufunfa, grana ou dindin.

Não, não importava o que a Valentina gostaria, não importava se ela tinha um propósito ou uma certa aptidão pela profissão. Para aquela avó, parecia ser muito simples: escolha o que lhe der mais dinheiro. O contrário, pela sua feição, seria inadmissível.

Para compensar a minha covardia, lembrei da vez em que eu criei coragem e fui mesmo brigar com o meu ex-psiquiatra. Eu defendia a ideia de que seria possível viver sem antidepressivos, mesmo após uma depressão e alguns episódios de ansiedade generalizada, e que achava aquela estória da falta de neurotransmissores uma conversa para boi dormir e para a indústria farmacêutica acordar, né, (claro, eu fui bem mais educada e técnica, mas no final, foi isso mesmo que eu quis dizer).

Enquanto que, surpreendentemente, em alguma etapa da discussão, ele me respondeu que tomava um antidepressivo de manhã e outra à noite, confessou-me que chegou em um momento da vida dele em que ele estava ganhando bem, mas, não via mais sentido naquilo que ele fazia. A resposta que ele encontrou pra si mesmo foi aquela que possivelmente ele aprendeu na residência? É questão de química!

O problema era o seu, e o meu, cérebro que não produziam neurotransmissores de modo suficiente e isso estava muito bem embasado, graças as teorias da época e ao seu histórico familiar. Era genético. Dentro dessas limitações, não havia o que ser feito a não ser aceitar e tomar o seu remedinho.

Eu lembro até hoje dele olhando para mim e dizendo: Ana, está vendo este óculos? Assim como eu o utilizo porque não enxergo direito, você também deve utilizar o antidepressivo, pois, não produz adequadamente a serotonina (um neurotransmissor). Na época eu preferi não discutir essa falácia, especificamente caracterizada como falsa analogia.

Eu compreendo que o intuito dele com aquilo era simplificar, o porém, é que é justamente esse o problema. Algumas “soluções” da medicina parecem simplificar o complexo jogo de nossas reações químicas, que derivam não só da genética, como da epigenética, conduzida pelos fatores ambientais, além de nossa estrutura cognitiva, comportamental e emocional.

É fácil resolver o problema enxergando desse modo, (aliás, enxergando mal e precisando de óculos) o problema é que… os antidepressivos resolvem mesmo o problema? Ou deveriam ajudar a resolver o problema?

Essa discussão ocorreu faz alguns anos… e aqui eu gostaria de fazer a minha primeira ressalva. Meu intuito com o texto não é fazer as pessoas fugirem dos psiquiatras. Pelo contrário, acredito que a psiquiatria tenha evoluído muito até o momento, e talvez até o meu ex-psquiatra, além disso, acredito também que novas abordagens estão sendo propostas. Deixo aqui minha total admiração aos profissionais que genuinamente buscam compreender a complexidade humana e restituir a sua saúde mental.

Feita a ressalva… como eu já confessei, eu não me dou bem em improvisos e na época eu estava com o meu sistema nervoso tão alterado que a única coisa que eu consegui pensar depois daquele desabafo foi: bom, se ele mesmo toma antidepressivo, ao menos quer dizer que pelo menos ele realmente acredita na teoria que ele aplica, isso é digno de nota e, no fundo ele é uma boa pessoa.

Eu segui a procura de respostas, não foi um caminho fácil, na busca por autoconhecimento, precisamos mexer dentro, e nos deparamos com muito sofrimento, medo e apreensão. Além da solidão, pois, quando contestamos uma teoria famosa, também nos sentimos sozinhos e sem apoio.

Perguntei-me várias vezes se estaria no caminho certo, encontrei respostas na meditação (leia de novo e devagar para não confundir com medicação), ou melhor, encontrei respostas em um exercício continuo de consciência sobre as minhas ações e só consegui superar as minhas crises quando eu genuinamente passei a conhecer a si mesma e com isso também reconhecer o meu propósito de vida, que, com essa história, não poderia ser algo diferente de Filosofia.

Hoje, sinto por aquele não ter sido o momento de dizer: com todo o respeito, considero que, talvez, o que lhe falte não são neurotransmissores, é um propósito. Sinto muito por você não conseguir perceber as consequências de não olhar criticamente para uma cultura fundamentada no lucro. Em que somos ludibriados e convencidos a escolher as nossas profissões prioritariamente por status e dinheiro. Até que depois de um tempo, começamos a perceber que isso não é suficiente para preencher o vazio que cresce dentro da gente a cada dia, alimentando-se da falta de sentido.

Talvez, ele estivesse na profissão certa, reconheço ser equivocado julgar sem conhecer. Não sei as motivações de sua escolha. O que eu sei, é que aquela teoria não parecia estar funcionando. E que se a tristeza batia em sua porta, com certeza ela teria um motivo de ser muito além dos seus neurotransmissores.

É por essas que a Valentina não vai fazer medicina! E seja lá onde você estiver, eu gostaria de dizer que eu torço muito por você!

. . .

P.S: É sempre complicado tratar de questões complicadas. Quadros de depressão e ansiedade são questões complicadas, sérias. Em função disso, acredito ser necessário algumas observações. Gostaria de dizer que não me oponho ao uso de medicamentos psiquiátricos, desde que sejam implementados com parcimônia, além de uma estratégia, clara e definida, e preferencialmente, visando um prazo determinado. Desde que eles não sejam a principal solução para os seus problemas, pois, acredite, eles não são!

Oponho-me a teorias reducionistas que limitam o ser humano a uma mera composição química. Oponho-me a uma sociedade acrítica, que não consegue enxergar o fato de que uma vida fundamentada no lucro, em que o dinheiro é fim e não meio, não só está nos deixando doentes, como também pode nos cegar a ponto de não conseguirmos enxergar os nossos principais motivos de ser e viver (e aí, você vai precisar de “óculos”!).

Oponho-me a tudo isso porque realmente acredito que perdemos muito do tanto que poderíamos ser e viver se compreendêssemos mais sobre nós mesmos, ao invés de procurar resolver os nossos problemas, apenas, tomando o nosso remedinho.

SUGESTÕES INTERESSANTES:

1.Se você tem interesse por um olhar mais crítico quanto ao uso dos medicamentos, recomendo o podcast “A Medicalização da Vida ”, do Ouse Saber, elaborado pelo curso de Filosofia da UPF, vale a pena conferir e refletir! https://open.spotify.com/episode/6I4LzvBFpYoHppfhLQRMSc

2.Se desejar refletir mais sobre o papel da dor, recomendo este vídeo que elaborei especialmente refletindo sobre isso: https://www.youtube.com/watch?v=C1SCyikywn0&list=PLxXkP7WbAeT_0jRaut5ULRNDWQIAq-7bN&index=7

Autora: Ana P. Scheffer

Edição: A.R.

Professores não sabem nada

“Governo de SP determina que diretores de escolas acompanhem professores nas salas e façam relatórios semanais”.

(Saiba mais: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/08/04/governo-de-sp-determina-que-diretores-de-escolas-acompanhem-professores-nas-salas-e-facam-relatorios-semanais.ghtml)

Todos sabem como melhorar a educação. Todos sabem como dar uma boa aula e quais assuntos deveriam ser ensinados.

Menos os professores.

Professores não sabem nada.

Por isso, quando se fala em educação, os últimos a serem consultados — quando são consultados! — são os professores.

Pergunte a um mecânico, a um médico ou a um bancário, mas jamais a um professor. Pergunte a um empreendedor. A um coach. Afinal, qualquer um sabe como ensinar à criança e ao jovem.

Pelo menos no Brasil é assim.

O mundo de hoje é a negação do princípio socrático.

Sócrates dizia:

— Só sei que nada sei.

Nós gritamos:

— Só eu sei!

Nestes tempos fragmentados, cada um sabe o que é melhor para si — e os outros que se danem! O resto, se não concorda comigo, só pode estar errado.

Sócrates era imbecil. Pouco sabia, de fato. Pudera: era professor…

Há, no entanto, uma classe específica, essa sim — sábia!

É a dos políticos.

Se um professor não sabe nada, um político sabe tudo.

Ao urdirem planos para a educação, políticos dispensam opiniões — principalmente a opinião dos professores.

O carro estragou? Procure um mecânico.

Está doente? Consulte um médico.

Mecânicos sabem.

Médicos sabem.

Professores, todavia, não sabem.

Por isso precisam ser vigiados. Vamos colocar câmeras para provar, de uma vez por todas, que esses sujeitinhos não sabem nada. Vamos treinar olheiros, exigir relatórios e aumentar a papelada. Garantir, enfim, um mínimo de eficiência.

Não fazemos isso com mecânicos, médicos, bancários, empresários e coachs — porque eles sabem.

Não precisamos fazer isso com políticos. Eles, melhor que todos, sabem. Seria um pecado vigiá-los.

Só os professores não sabem. Esses sem-vergonhas!

Além de professor, sou escritor. Quer ver ficar pior? Sou poeta. Meu Deus, um professor-filósofo-escritor-poeta! Não sou apenas inútil. Sou O inútil entre os inúteis… Leia mais: https://www.neipies.com/apenas-dou-aulas/

Autor: Aleixo da Rosa, autor da crônica “Apenas dou aulas”: https://www.neipies.com/apenas-dou-aulas/

Edição: A.R.

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