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Como o aumento da violência nas escolas afeta o professor?

Educadores relatam falta de apoio e orientação para lidar com a agressividade dos alunos, que aumentou no pós-pandemia, e, junto com especialistas, apontam caminhos. (matéria produzida por jornalista Carla Melo, setembro 2022)

No mesmo dia em que foi entrevistado pela NOVA ESCOLA para esta reportagem, Carlos Alexandre, diretor da EM Cônego Heitor Vieira Cavalcante, em Maranguape (CE), presenciou duas cenas de violência na instituição. Estudantes de diferentes séries se envolveram em brigas, e ambas terminaram em agressões físicas. Infelizmente, o ocorrido não é um fato isolado, e essa tem sido a realidade de muitos professores no Brasil. 

Educador há mais de 20 anos, Carlos sofreu a primeira violência dentro da sala de aula em 2007. Na ocasião, ele ficou com um hematoma nas costas após um aluno atirar contra ele uma borracha enquanto passava uma atividade no quadro. Depois desse caso, o professor não sofreu mais agressões físicas, mas continuou sendo vítima de violência verbal.

Hoje, como diretor, ele continua presenciando a violência no ambiente escolar, assim como grande parte dos professores. “Alunos brigando e chegando nas vias de fato. Estudantes que chegam armados à sala de aula. Eu descobri um desses casos após o professor contar e tive de intervir de imediato”, lembra. 

De acordo com uma pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que envolveu mais de 100 mil professores em todo o mundo, o Brasil lidera o ranking de agressões contra docentes. O levantamento considerou dados de 2013, quando ao menos 12,5% dos 22.840 professores entrevistados relataram ter sido vítimas de agressões verbais ou de intimidação de alunos pelo menos uma vez por semana.

Em julho deste ano, uma pesquisa quantitativa sobre violência, realizada pela NOVA ESCOLA com mais de 5 mil educadores, mostrou que sete em cada dez professores relataram casos de violência nas instituições onde trabalham. 

Apesar de menos frequentes, os casos em que os docentes foram agredidos também assustam. São 2.957 profissionais da Educação que afirmam ter sido vítimas de violência. Os estudantes são os principais agressores (50,5%), seguidos de familiares de alunos (25,7%), gestores escolares e colegas de trabalho (11,4%) e outros professores (9,4%).

Entre os principais motivos que ajudam a entender o porquê de tanta violência, a doutora em Educação Flávia Vivaldi aponta o aumento da violência no cenário global. “Quando vemos uma guerra acontecendo, quando vemos discursos de ódio sendo alimentados, inclusive pela liderança nacional, a violência vai sendo naturalizada. Então, é como se os sujeitos que têm atitudes assim na escola estivessem reproduzindo aquilo que está solto na sociedade. Há um incentivo latente para isso, e não há nenhuma ação de repúdio à violência e ao desrespeito. Muito pelo contrário, há um estímulo”, diz a especialista. Ela também é integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (GEPEM), da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Alunos mais agressivos no pós-pandemia

Com a retomada das atividades presenciais nas escolas, os casos de violência contra profissionais de Educação aumentaram. Na pesquisa realizada pela NOVA ESCOLA, 68,8% dos professores entrevistados tiveram essa percepção.

Ainda segundo o levantamento, a maioria dos docentes (57,4%) acredita que esse crescimento pode estar relacionado à maior incidência de questões psicológicas devido ao período de isolamento social durante a pandemia. A falta de socialização dos alunos foi o fator apontado por 45% dos profissionais de Educação como uma das explicações para a violência praticada nas instituições de ensino.

Antes da pandemia, a professora TCH [que preferiu não ter seu nome informado] nunca havia sofrido violência física na escola em que trabalha há 11 anos, na rede pública de São Paulo (SP). “Até então, a quantidade de casos de violência era pouca. Era um ou outro relato, um aluno ou outro. Mas, com a volta às aulas cem por cento presenciais, muitos estudantes da minha turma, com idade entre oito e nove anos, chegaram muito agressivos. Eles não sabiam dialogar – era tudo na base do grito e xingamentos. As crianças voltaram afetadas, agressivas, violentas.”

TCH lembra do primeiro caso de violência que sofreu de um aluno. À época, o estudante passava por uma complicada situação familiar: o alcoolismo do pai havia se agravado devido ao desemprego durante a pandemia. A mãe não trabalhava, e o irmão mais velho sempre o agredia verbalmente. “Às vezes o pai dormia na rua e deixava faltar alimento dentro de casa. O humor do menino variava muito, e ele chegava muito carente dizendo que me amava e me abraçava. Mas, no decorrer do dia, no contato com a classe e com aquela agitação, ele ia se mostrando agressivo”, relata a professora.

Ela conta que, no dia em que sofreu a agressão, no horário de saída dos estudantes, o aluno agressor estava jogando uma bola na parede, o que não era permitido naquele horário. “Eu disse para ele parar, mas ele continuou. Chamei a atenção dele mais uma vez, sem sucesso. No momento em que retirei a bola, ele veio me batendo, dando socos e chutes. Ele estava muito agressivo e gritava muito. Eu nunca tinha visto uma reação como essa em meus anos de magistério. Tive de segurá-lo. Ele caiu no chão e gritava pedindo socorro. Dizia que eu estava matando ele. Isso assustou a todos”, detalha a educadora.

Para Flávia Vivaldi, além da privação do convívio devido ao isolamento social, que separou os estudantes do ambiente escolar e da convivência com os pares, o crescimento da violência doméstica durante o período pandêmico tornou-se parte da rotina de muitas crianças e jovens de todo o Brasil.

“Quando uma criança ou adolescente passa por um período muito longo de incerteza e convívio com a violência, isso gera um trauma quase que crônico. Quando eles retornam para escola é como se tivessem vivendo toda aquela insegurança. Essas experiências traumáticas trazem a sensação de continuidade desse processo de sofrimento emocional, de angústias”, explica a especialista.

Uma das consequências desse processo, segundo ela, é a sensação de hipervigilância, que se torna um escudo para o estudante. “Eles agem como se estivessem em constante perigo, e aí acontece a agitação e a agressividade. É como se o mundo estivesse contra eles”, ressalta. “E, quando eu estou vigilante para essas questões, também não tenho uma resposta positiva em relação ao trabalho com o conhecimento”, completa. 

Lidando com os desafios

Nesse contexto, além do conhecimento e da didática, os professores precisam levar também uma coisa muito importante para a sala de aula: a preparação psicológica. Por estar inserido em uma comunidade periférica, essa é uma das preocupações recorrentes do diretor Carlos Alexandre. “Temos uma clientela bem complicada, acho que por conta dos fatores sociais, como a violência, a fome e a miséria, que influenciam bastante. Muitas crianças são órfãs de mãe e pai.”

Uma questão que aflige TCH é a ausência de orientações referentes aos casos de violência para os professores. Ela conta que não saberia o que fazer caso algo mais grave do que a agressão que sofreu aconteça em sala de aula. “Eu tenho me preparado psicologicamente. Já saio de casa falando: ‘Se acontecer tal coisa, como vou agir?’. Penso a quem eu devo recorrer nesses casos. Para a direção, a coordenação, a Secretaria de Educação? Está faltando isso [orientação] para a gente [os professores] também.”

Essa falta de mecanismo e alternativa para a redução e a erradicação da violência forçou os profissionais de Educação, mesmo sem as ferramentas e os conhecimentos específicos para lidar com a questão, a tomar iniciativas próprias e/ou coletivas. A solução encontrada pela professora TCH, junto com outros dois educadores, foi trabalhar diretamente com a “dor que deveria ser curada”.

“Por conta própria, nós começamos a trabalhar com as habilidades socioemocionais dos alunos, tentando incluir isso na nossa rotina. Cerca de 30 minutos antes de começar os conteúdos, nós vamos sentar [e conversar]: ‘E aí, galera, como foi o dia de ontem? Aconteceu algo de que vocês não gostaram?’”, exemplifica. “É preciso fazer isso porque tudo mudou, os alunos mudaram, os problemas das crianças mudaram. Se a gente não adaptar a nossa rotina a essas habilidades socioemocionais, não vai dar certo.”

Na escola onde Carlos Alexandre trabalha também foram incluídos projetos e ações para tentar contornar a violência. Um deles é o Pacto pela Aprendizagem, que oferece aos estudantes, até o mês de dezembro, atividades no contraturno para auxiliar nas dificuldades de aprendizagem. A escola também garante a alimentação durante esse período. Segundo o educador, isso possibilita que o estudante não fique ocioso nas ruas. 

“Concluímos este ano o projeto Educação em Família, no qual desenvolvemos atividades e palestras com psicólogos para os alunos e familiares, além de [promover] momentos de lazer. Esses projetos, que vêm tanto do governo do estado quanto do governo federal, podem ajudar a controlar a violência que assola não só as escolas, mas a comunidade em si. No entanto, isso ainda é pouco. Precisamos ter mais políticas públicas voltadas à Educação e à não violência”, avalia o diretor.

Professores e estudantes emocionalmente mais fragilizados

A falta de suporte e de apoio psicológico nos casos de violência na escola somada à excessiva carga de trabalho no momento pós-pandemia têm levado alguns professores a refletir se estariam dispostos a seguir lecionando. “Eu tive uma conversa séria com a direção [da escola] há uns meses. Falei que, antes da pandemia, eu ia trabalhar muito satisfeita. Eu entendia a minha profissão como uma missão. Mas, depois da pandemia, parece que as minhas frustrações e os meus medos não são os mesmos da gestão. Eu sinto que os professores foram abandonados”, desabafa a professora TCH. “Vou ser bem realista: se surgir outra oportunidade, eu deixo a sala de aula.”

Para Flávia Vivaldi, esse “combo” estressante da rotina no pós-pandemia afeta diretamente o profissional, que não recebe apoio para reconstruir o que passou no período pandêmico.

“O professor retorna com um nível de estresse ainda não refeito. As pausas durante a pandemia não foram suficientes para renovar tudo pelo que eles passaram, não só como profissionais que tiveram de fazer malabarismo para poder minimamente ter contato com os seus estudantes, mas com os problemas particulares que cada um vivenciou –de perdas, de doença”, analisa. “Então junta-se um sofrimento que é do âmbito privado com os desafios que ele tem como docente. Eles retornam já bastante fragilizados e se deparam com um quadro que não era o que eles esperavam.”

Além disso, a cobrança por um desempenho positivo nas avaliações externas também atinge os docentes, já que as consequências das condições pandêmicas fizeram com que os resultados sofressem retrocesso. “O professor se sente absolutamente impotente diante dessas questões. Tem muitas variáveis que estão aí agindo e impactando diretamente na qualidade da docência. São, às vezes, pressões das instâncias superiores em relação a relatórios, avaliações diagnósticas, recomposição de planos. É muita coisa para um ser humano que também está de alguma forma fragilizado”, acrescenta.

Para a especialista, a falta de uma estratégia nacional para reconstituir afetivamente e emocionalmente os profissionais tende a forçar um modelo de ensino tradicional e conservador, baseado em aulas de até 50 minutos, tarefas, notas e avaliações. Segundo ela, a causa da agressividade de estudantes contra professores pode ser explicada também pela cobrança por resultados imediatos por parte de instâncias educacionais superiores, que pressionam os educadores. Estes, por sua vez, acabam “perdendo a mão” e cobrando os alunos com a mesma intensidade.

“Quando a gente tem um cenário como esse, a tendência é que muitos educadores voltem a fazer aquilo que já não dava certo, que é aquela forma mais conservadora de o professor dar aula, com o aluno sentado e fazendo as tarefas. Ou seja, mais do mesmo, só que com um aluno com comprometimento emocional acima do esperado. Quanto mais conservador for o ambiente no que diz respeito ao trabalho com o conhecimento, mais coercitivo ele se torna.”

Caminhos para conter a violência em sala de aula

Assim como TCH e Carlos Alexandre, alguns professores têm adotado ações para trabalhar o aspecto socioemocional dos alunos em sala de aula. Na pesquisa realizada pela NOVA ESCOLA, 62,3% dos profissionais de Educação declararam acreditar que o desenvolvimento dessas competências é necessário para evitar a violência nas escolas.

Conforme os especialistas ouvidos pela NOVA ESCOLA, é fundamental também que a equipe educacional domine algumas informações básicas que ajudam a identificar problemas psicológicos. O objetivo não é habilitar o professor a fazer diagnósticos, mas capacitar os funcionários da escola. Eles devem conseguir identificar indícios de que algo pode não estar indo bem com o aluno e saber qual é a medida mais adequada a ser tomada. 

Flávia Vivaldi afirma que não há outra forma de controlar e combater os casos de violência nas escolas sem que a instituição de ensino elabore um plano de convivência – a medida também foi citada por 65,2% dos professores entrevistados na pesquisa realizada pela NOVA ESCOLA.

Mas ele deve ter regras e ações criadas coletivamente e ser algo permanente, para que o diálogo e a escuta sejam constantes. “No plano de convivência, você olha para essa dimensão das relações humanas com a intenção de planejar ações que incidam sobre a prevenção da violência e sobre o que fazer [quando ela acontece]. É uma atuação consistente, construtiva e formativa. Precisa haver um movimento inclusive de política pública nacional, porque nesse planejamento você alinha a sua comunidade escolar com ações efetivas nessas direções”, explica.

De acordo com ela, o sistema de apoio entre iguais e as diversas formas de protagonismo estudantil atuando na promoção de uma convivência mais saudável também devem fazer parte do plano de convivência. “Não tem outra forma senão esse caminho de olhar para a convivência como um valor real”, continua Flávia.

A especialista reforça a importância de ficar longe do “mais do mesmo” e passar a ouvir os estudantes, perguntando, por exemplo: “Como é que a gente pode retornar a este mundo do conhecimento e ao mesmo tempo ajudar vocês a recuperar esse equilíbrio emocional?”. “Eles vão trazer mil e uma soluções e propostas de como gostariam de dar continuidade ao processo de ensino e aprendizagem. A gente vê nos meninos, quando eles têm a oportunidade de fazer uma roda de conversa, o alívio em relação a isso, só de saber que alguém está escutando o que eles têm a dizer.”

*Matéria produzida por Carla Melo, Repórter Freelancer

 Fonte: https://novaescola.org.br/conteudo/21354/como-o-aumento-da-violencia-nas-escolas-afeta-o-professor

 

 

Em defesa da Escola

Os recentes tempos de pandemia e de isolamento social se tornaram oportunos para discutirmos sobre o sentido da escola e seu papel no atual cenário civilizacional.

Há um consenso entre os intelectuais que estudam sobre o desenvolvimento sustentável que não se pode falar em modernidade ou em sociedades desenvolvidas sem associá-las ao processo educacional e ao nível de escolarização. De fato, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede o nível de desenvolvimento humano dos países, utiliza como um dos mais importantes critérios o indicador da educação (alfabetização e taxa de matrícula), ao lado da longevidade (esperança de vida ao nascer) e de renda (PIB per capita). Isso significa que não teremos uma sociedade humanamente desenvolvida sem a forte presença de uma escola de qualidade.

Em seu instigante ensaio Em defesa da escola: uma questão pública, os pesquisadores belgas Jan Masschelein e Maarten Simons (2017) acertadamente ressaltam que “embora a escola tenha sempre permanecido como um símbolo de progresso e de um futuro melhor, suas origens não são sem máculas”. 

De fato, não faltaram críticos à escola que a denunciaram como culpada de más ações, de ser um lugar de alienação, de não preparar os alunos para a “vida real”, de não preparar para “o mercado de trabalho”, de não “proporcionar aos jovens uma ampla educação geral”, de não se abrir suficientemente para as demandas sociais ou de não fazer uma conexão real com o mundo.

Alguns críticos chegam a acusá-la de ser culpada por várias formas de corrupção, por abusar de seu poder, por promover “mecanismos sutis que reproduzem a desigualdade social”, por estar a serviço do capital econômico e por ter sido cooptada por aqueles que só tem a ganhar como o status quo da sociedade desigual. Há ainda os que criticam a escola por ser desmotivadora da juventude, porque ela está repleta de “professores chatos” que aborrecem os jovens ou de professores populares “que não ensinam nada aos alunos”.

Não podemos deixar de mencionar os representantes do “tribunal econômico” que acusam a escola por ser ineficaz no que tange a empregabilidade de seus alunos, por não ter “senso de negócios e espírito empreendedor”.

Todas estas acusações à escola sintomaticamente tem encontrado cada vez mais ressonância nos espaços da grande imprensa, nas redes sociais, nos discursos empresariais, na retórica de alguns políticos e tem sido absorvidas pelo grande público.

Assim, tacitamente está se constituindo uma opinião coletiva que a escola de fato está ultrapassada e necessita ser reformada para servir a estrutura social, ao sistema econômico e a formação/treinamento de futuros trabalhadores/consumidores para que sejam “produtivos” e “eficientes”.

A pandemia e o isolamento social, em que da noite pro dia todas as escolas foram fechadas, puseram em pauta a centralidade da escola e sobre a importância do seu funcionamento. Acompanhei muitos relatos de pais desesperados por não saber como lidar com os filhos que agora não estão mais formalmente na escola. Alguns perderam sua creche gratuita para depositar os filhos e assim ficarem “despreocupados para trabalhar” ou para “curtirem a vida”.

As aulas remotas e o uso das plataformas digitais foram um paliativo frágil para substituir temporariamente esse período de isolamento. Mas seria desesperador imaginar que devem durar para sempre. Me arisco a dizer que as tecnologias são incapazes de substituir a dimensão presencial da formação escolar, pois existe uma dinâmica de socialização, de interatividade, de desenvolvimento de valores que nenhuma tecnologia é capaz de substituir ou compensar.

Se enganam aqueles que acreditam e defendem que educação é somente passar conteúdos, treinar habilidades e ser bem avaliado em testes de larga escola. Educar é uma atividade complexa da ação humana que implica um conjunto de valores, de conhecimentos, de capacidades, de compromissos que nem sempre o dinheiro é capaz de comprar.

Se tivéssemos lucidez suficiente sobre o valor de educar, certamente colocaríamos a educação dos filhos como prioridade central das nossas atenções afetivas, políticas, sociais e econômicas.

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

O digital, o social e o virtual

Quando o digital se distancia do social e se transforma em uma criação da inteligência, seja artificial ou humana, somos jogados para a realidade virtual.

A velocidade, o empobrecimento da linguagem e o reducionismo conceitual da realidade digital confundem, distorcem e empobrecem a vida social e a inteligência humana. 

A pobreza conceitual atingiu um nível no qual a realidade digital social são usados como sinônimos. No entanto, o digital é uma representação do social, por isto é psicologicamente desorientador atribuir o mesmo nome para realidades diferentes.  No momento que o digital    se distancia do social e se transforma em uma criação da inteligência, seja artificial ou humana, somos jogados para a realidade virtual.

A pobreza em curso é, também, uma pobreza conceitual, advinda do reducionismo epistemológico, que se tornou patológico, contribuindo para uma desorientação generalizada, na qual a sociedade se mobiliza em busca da liberdade defendendo a ditadura e a tortura.

A desorientação é tão grave que, em 2018, a sociedade brasileira elegeu presidente do Brasil um indivíduo que se declarou defensor da ditadura e da tortura.

O mais grave está no comportamento de 2022 e 2023, no qual milhões de pessoas demonstraram estarem inconscientes e desorientadas ao confundir virtual e social, acreditando em mentiras.

Nosso contexto de vida absorve muito tempo em contatos virtuais, e estes afetam o inconsciente e desumanizam os comportamentos. Os fatos sociais e os conceitos em uso devem ser reconstruídos para que o digital e o material possam ser distinguidos e relacionados. São exercícios necessários para assegurar a capacidade humana de distinguir e relacionar, buscando um bom entendimento dos comportamentos, aparentemente incompreensíveis.

Exercícios básicos e permanentes de reflexão, são um caminho para que a inteligência humana se reconheça diante da inteligência virtual/artificial, possibilitando aperfeiçoamentos nas relações, dos seres humanos entre si, com a natureza e com o totalidade.

Os fatos sociais culminados no acontecimento vergonhoso dos ataques aos três poderes, no dia 08-01-2023 em Brasília, são um exemplo, cujo histórico sinaliza desorientação grave, no qual a realidade digital, virtual e o social não foram distinguidas. 

Este fato, somado aos episódios violentos e desumanos, que se repetem e se acentuam cotidianamente, demonstram a necessidade de nos atentarmos para o básico, incluindo o afeto, as orientações educacionais, os vínculos e a convivência social.

Nesse contexto contemporâneo, onde necessidades materiais básicas não são atendidas como alimentação e habitação, com a presença de atitudes e comportamentos desumanos, os esclarecimentos elementares básicos são indispensáveis, incluindo a capacidade de distinguir e relacionar, digital, virtual e social.

Assista: “Nos Barracos da Cidade – Gilberto Gil – Racismo Ambiental”. https://youtu.be/j0OCVXZ9a7A?t=145

Autor: Israel Kujawa

Lixo no chão

O simples exemplo de jogar ou não o lixo no chão me faz refletir, inclusive, sobre a importância de uma boa educação.

Uma vez eu aprendi na escola que a ética pode ser compreendida como aquilo que você faz quando ninguém está vendo, lá se encontra o seu verdadeiro eu. Há muita gente mal-intencionada por trás das máscaras e há pessoas que não usam máscaras, mas, são mal-intencionadas também.

Não, eu não prefiro nenhuma das duas, por mais que a última pelo menos não minta para você, e isso pode machucar menos, além de deixar um aviso claro que diz: quem sabe seja melhor você se afastar!

É o que penso toda a vez que me deparo com um infeliz ser humano jogando lixo no chão, assim, na cara dura e despreocupada, na minha frente. Eles são das mais variadas idades, gênero e personalidade. Há também aqueles que se auto enganam acreditando que o toco de cigarro que eles estão prestes a jogar no chão é uma folha orgânica, o mesmo vale para o chiclé.

Eu ainda não apanhei, mas, acredito ser uma questão de tempo. Isso porque a minha cara de desprezo por esses atos é incontrolável, aliás, todas as minhas expressões são (e eu nem deveria estar dizendo isso por aqui). A verdade é que depois de perceber que eu olhava torto, eu resolvi passar a fazer isso de modo proposital.

Antes, é claro, eu avalio o porte físico da pessoa, e se eu calcular que consigo correr, então, eu olho torto, com um simples objetivo de identificar se aquela pessoa tem o mínimo de compreensão que na sociedade em que ela está inserida, aquilo não é uma boa ação.

Em outras palavras, eu quero fazê-la refletir que aquilo não está certo sem palavra alguma, apenas olhando feio (pensando bem, acho que isso eu herdei de meu pai, ele nem me chamava quando eu estava saindo da linha, bastava um olhar).

E ao fazer isso, eu também pretendo fazer com que aquela pessoa se sinta envergonhada, pois, assim eu realmente acredito que ela não vai esquecer tão cedo (por mais que exista algumas pessoas que nem com isso se importem, mas, vale a tentativa!). Ah! Eu também já pensei em chamar a pessoa, pegar o lixo e dizer: olha, você deixou cair, é seu neh?!. Isso seria engraçado, mas, meu medo de apanhar cresce substancialmente, então, acho melhor não. Eu também já pensei em chamar a pessoa de porca, assim, no ato. Mas, talvez ela se ofenda com a verdade (quem nunca neh?!). E além do mais, eu considero que os porcos não são tão porcos, então, talvez, antes de fazer isso eu deveria encontrar um adjetivo mais adequado e também, aumentar os meus treinos de corrida…

O simples exemplo de jogar ou não o lixo no chão me faz refletir, inclusive, sobre a importância de uma boa educação.

Não me refiro àquela modalidade que educa por meio da punição, a qual estamos acostumados, diga-se de passagem. Que estipula regras que se não cumpridas, você será punido. Isso realmente funciona, e tem sua importância em um amplo contexto social, mas, não chega nem perto de onde deveria chegar.

Essa forma de “educar” inclusive subestima e bloqueia a inteligência e curiosidade das pessoas. Diga a um ser humano que ele não pode jogar lixo no chão, apenas. Diga a um ser humano que ele não pode jogar lixo no chão, caso contrário ele será multado.

Explique a um ser humano a importância de deixar uma cidade limpa. Argumente que uma estética agradável comprovadamente deixa a gente mais feliz, uma cidade mais limpa também deixa a gente mais saudável, pela menor probabilidade de proliferação de vetores de doenças, diga a ele que isso beneficiará a ele e também a quem ele ama.

Qual dessas opções você acredita que vai fazer com que uma pessoa compreenda a importância de não jogar o lixo no chão? E não jogue?

O problema da educação acontece quando a gente ensina com palavras vazias, ou seja, sem saber o porquê ensina. Ouso dizer que muitos educadores não sabem responder o porquê exatamente não é certo jogar o lixo no chão, porque foram educados desse modo, a obedecer a regras com medo das punições e inclusive, ameaçados quando questionavam o porquê, desde crianças.

Sabe, a ética Kantiana nos faz refletir justamente sobre isso. Ela nos incentiva a pensar no problema que causaríamos caso replicássemos as nossas ações não tão adequadas. Aplicando na prática seria o mesmo que pensar o que aconteceria, se todo mundo resolvesse jogar um papel de bala na rua toda vez que saísse de casa. Bom, se isso causaria um problema para todos nós, então, não é correto fazê-lo.

Kant ainda vai classificar as ações humanas, dividindo-as em três principais categorias, a saber:

As ações contrárias ao dever: que basicamente seria jogar o lixo no chão, visto que agora compreendemos a importância de não fazer isso para todos nós.

As ações conforme o dever: que basicamente seria aquele ser humano que não joga lixo no chão pois sente vergonha do que os outros iriam pensar (mas, isso não garante que ele não vai jogar quando ninguém estiver olhando). Ou quando a gente coloca o sinto de segurança apenas para passar na polícia rodoviária (achando que tá arrasando engambelando os policiais), sem entender que aquele apetrecho serve para salvar a própria vida.

E as ações por dever: que basicamente é o ato de não jogar o lixo no chão por compreender a importância que isso possui na vida de todos nós. Independente se alguém está olhando ou não.

Se todos nós compreendêssemos a importância de agir por dever, as detenções estariam com poucas vagas preenchidas. E tudo começa com um lixo no chão, ou melhor tudo começa com a educação.

Assista: Por que não jogar lixo no chão?#Ticolicos|EP11

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P.S: Casualmente, um dia após eu concluir este texto, estava caminhando, quando passei ao lado de uma pequena menina e sua mãe. No mesmo momento que passava por elas, ela parou no meio da calçada e disse: Olha, mãe! Um lixo no chão, isso não pode acontecer, neh! E sua mãe respondeu encantada, é verdade filha! Mais encantada fiquei eu de encontrar tamanha indignação em um toquinho de gente. Amigos, ainda há esperança! E mesmo sem conhecer aquela garotinha, deixo aqui a minha admiração por ela.

Autora: Ana P. Scheffer

O caso do travesseiro

Uma das piores solidões é a da madrugada e a da madrugada passada no hospital como era o caso da senhora que se queixava do travesseiro.

– Professor, no plantão eu não gosto quando sou chamado para ouvir bobagens – queixa-se um bom aluno do internato de medicina.

– Conte-me alguma das bobagens que você escuta?

– Noite passada fui chamado para atender uma senhora que não conseguia dormir. Não se adaptara ao travesseiro do hospital. E passou a me falar sobre travesseiros de pena de ganso! O senhor já escutou alguém descrevendo um travesseiro de pena de ganso às três da madrugada?

Insisti que por trás de uma aparente bobagem – e travesseiro nunca é bobagem -, há algo importante. E se a pessoa está doente, pode ser algo que dói.

Na aula seguinte, esse bom aluno me disse:

– Professor, descobri: a paciente sofre de uma solidão de dar dó. A solidão de uma mulher que está bem casada, tem bons filhos, mas ninguém a escuta. Pouco a visitam no hospital e, quando a visitam, não a escutam. Já senti algo parecido. Quando me mudei para cá, ao iniciar a faculdade, nos primeiros tempos as relações eram superficiais. Tipo: ‘bom dia’, ‘vai chover de novo’. Não havia quem quisesse realmente me ouvir.

A propósito, uma meta-analise muito citada hoje em dia demonstra que a solidão aumenta o risco de morte prematura em uma ordem de magnitude comparável aos fatores de risco bem reconhecidos como tabagismo e obesidade em grau elevado (Holt-Lunstad J, Smith TB, Baker M, Harris T, Stephenson D. Loneliness and social isolation as risk factors for mortality: a meta-analytic review. Perspect Psychol Sci. 2015; 10 (2): 227–237).

Mas voltando ao aluno: juntos refletimos sobre a solidão e elencamos maneiras de aliviar esse doloroso sentimento incluindo a simples escuta. Escuta atenta, interessada, íntima… Mesmo que seja por minutos já ajuda e muito.

Reconhecemos que uma das piores solidões é a da madrugada e a da madrugada passada no hospital como era o caso da senhora que se queixava do travesseiro.

Esse antigo aluno, já médico faz um bom tempo, sabe como ninguém tirar da solidão seus pacientes. Também seus familiares, seus amigos, seus colegas…

É por isso, também por isso, que eu sou seu paciente.

Autor: Jorge Alberto Salton

CARTA ABERTA À COMUNIDADE SOBRE A SITUAÇÃO DOS PROFESSORES MUNICIPAIS DE PASSO FUNDO

Precisamos da ajuda da comunidade escolar nessa luta, pois a sala de aula é nosso lugar e, se em algum momento nos ausentamos para participar de atos ou assembleias é porque o executivo tem nos levado a esse desgaste da profissão.

Sabemos da importância do professor na sociedade, profissional que educa desde os pequenos até os adultos. A profissão que forma todas as outras sempre é homenageada no Dia do Professor, mas o que acontece no restante do ano?

No município de Passo Fundo, o magistério já foi a profissão dos sonhos de muitas pessoas mas, nos últimos anos, sofreu enorme desvalorização. Hoje, professores são chamados em concurso municipal e não assumem a vaga ou, quando assumem, acabam se exonerando pouco tempo depois. Da mesma forma, os cursos de licenciatura nas universidades não abrem turma.

Qual o motivo desse esvaziamento de cursos e falta de professores?

A resposta é que o magistério municipal está sobrecarregado, trabalhando no limite da exaustão. São inúmeras as queixas: falta de professores e auxiliares nas escolas, o que sobrecarrega os docentes; falta de monitores para atender os alunos incluídos, um problema que fere os direitos de todos os envolvidos, principalmente da criança com deficiência.

Além disso, a imensa lista de exigências pedagógicas e burocráticas da Secretaria de Educação está levando os professores ao cansaço extremo. Os professores estão adoecendo com tamanha sobrecarga de atividades e condições de trabalho precárias. Estamos presenciando cada vez mais casos de professores afastados com crises de ansiedade e estafa mental, sem falar nos problemas decorrentes do esforço de repetição.

Ao mesmo tempo, os professores estão, há anos, com uma grande defasagem salarial decorrente do não pagamento do piso do magistério. Nosso plano de carreira está sofrendo um sério ataque, pois as vantagens conquistadas ao longo dos anos de trabalho estão sendo usadas para pagar o piso. Essa manobra já levou à extinção do nível I e, muito em breve, fará com que professores graduados passem a receber por completivo, que é uma verba que complementa o salário, sem aumento real, e que não é considerada na aposentadoria.

Em Passo Fundo, um professor graduado ganha muito menos que qualquer outro servidor com graduação e, mesmo assim, estão desmantelando nosso plano de carreira. Vamos lembrar que o professor municipal, como qualquer servidor público, não tem Fundo de Garantia (FGTS) ou outros proventos para dar alguma segurança na hora da aposentadoria. Só o que temos é nosso plano de carreira, por isso não podemos e não vamos abrir mão dele!

O descaso com que a administração municipal trata os professores, tanto com a sobrecarga de trabalho e adoecimento dos docentes, quanto o desrespeito à lei que ampara a nossa carreira, são os motivos que levaram os professores à indignação e ao sentimento de desvalorização que estamos vendo hoje.

Precisamos da ajuda da comunidade escolar nessa luta, pois a sala de aula é nosso lugar e, se em algum momento nos ausentamos para participar de atos ou assembleias é porque o executivo tem nos levado a esse desgaste. Queremos que a comunidade perceba que precisamos melhorar as escolas que já existem antes de criar novas, investir no quadro de pessoal para atender nas escolas (professores, funcionários, monitores, entre outros) para que realmente possamos dizer que estamos investindo em educação. Aparelhos em geral não fazem a educação, quem faz a educação são as pessoas.

Nossa luta não é apenas pelo índice de reajuste, é muito mais que isso.

Nossa bandeira é a educação: queremos condições dignas de trabalho, queremos trabalhar sem adoecer pelas condições a que somos expostos, queremos os profissionais necessários para atuar nas escolas e fazer a educação ser realmente de qualidade, queremos autonomia para que as escolas possam desenvolver o bom trabalho que sempre mostraram na comunidade, queremos o nosso plano de carreira, queremos RESPEITO!

Autor: CMP SINDICATO

Edição: Aria

Reforma do ensino médio e fascismo

Luís Fernando Vitagliano, cientista político e professor universitário faz neste seu artigo uma análise necessária e crítica como a implantação do Novo Ensino Médio foi feita no Brasil e sobre a necessidade de revisar esta reforma. Uma leitura imprescindível para quem acredita na educação verdadeiramente democrática e que contemple a riqueza e a diversidade cultural brasileira.

Foram necessários quarenta e seis dias de governo para que o atual Ministro da Educação de Lula, o ex-governador do Ceará, Camilo Santana, abrisse sua agenda para conversar com a diretoria do CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores de Educação), principal entidade que representa educadores do ensino básico brasileiro. Apenas em 15 de fevereiro o ministro abril conversou com os trabalhadores da educação e ouviu suas demandas.

Entre elas, críticas à reforma do ensino médio iniciada no governo de Michel Temer. Mesmo com esse gesto, depois de algumas cotoveladas para atender aos sindicatos, o MEC parece pouco sensível a qualquer mudança de rumos em relação a Reforma do Ensino Médio implementada pelo governo Temer e que foi validada pelos petistas na equipe de transição ainda antes do início do governo.

Sinais claros na equipe de transição de 2022 já demonstravam que a educação do governo de frente ampla de Lula entraria na cota dos neoliberais.

A política para o ensino básico foi parar em Sobral, terra da produtividade do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e do modelo para a educação brasileira neoliberal pautada em medida de indicadores de produtividade. As consultorias e as ONGs ligadas aos magnatas das finanças tomaram de assalto a equipe de transição e colocaram os seus. A partir daí, o acesso dos trabalhadores e dos formuladores de educação mais qualificados do país ao MEC do governo Lula é diferente da prioridade dada ao neoliberalismo. Melhor dizendo: o tempo dos trabalhadores é pautado pelos neoliberais já desde o ensino básico.

Em um primeiro momento, dadas as escolhas de Lula III (2023-2026) parece conceder ao neoliberalismo a cota de participação no seu governo a educação como serviço social. O resultado é que a educação no Brasil – tradicional espaço de construção de cidadania com nomes de peso como Mário Pedrosa, Anísio Teixeira, Paulo Freire e Darcy Ribeiro e tantos que hoje tem plenas condições de formulação privilegiada – tem cedido aos consultores do Banco Mundial a prioridade de formulação da política educacional.

Foi o Banco Mundial o autor intelectual e a instituição que financiou a reforma do ensino médio brasileiro de 2017.  Nela, dois pontos se destacam: primeiro, saiu de 4 para 5 horas diárias o mínimo de permanência do estudante nas escolas – com indicação para o ensino de tempo integral; e a segunda e, principal mudança, a apresentação de “itinerários formativos” com “metodologias ativas” para “temas transversais”, três neologismos para idiotas gostarem, todos com o mesmo conteúdo de “flexibilização”; termo caro apregoado pelo neoliberalismo na sua faceta econômica.

Não vamos entrar no mérito do tempo de aula, do aumento das horas. Tempo na escola não significa necessariamente melhora na educação.

No Brasil, de outro lado, as mazelas são tão gritantes que, ao alterar o tempo na escola, temos como consequências positivas resultados que não tem relação direta com a educação: são medidas sociais que melhoram a alimentação dos jovens, permitem retirar estudantes da violência das ruas e ter atividades monitoradas que pode incluir serviços sociais que acompanham a saúde e a cultura.

Já o segundo destaque da reforma é um ponto nevrálgico que está diretamente relacionado ao impacto da política neoliberal no Ensino Médio. Porque, mesmo com mais tempo nas escolas, a reforma tira tempo das principais disciplinas de formação cidadã. Ou seja, é uma reforma para ficar mais tempo na escola com menos compromisso com a educação.

Educação neoliberal

Mas para entender o argumento desta análise, cabe a pergunta: o que quer dizer uma educação neoliberal? Significa que a formação ganha um viés utilitarista voltada para a formação técnica e instrumental. Ou seja, a preocupação é quase que exclusivamente com o aprendizado que tem função na produtividade. Ler, escrever, fazer contas básicas. Responder automaticamente com um aprendizado que é funcional. Concentrar a educação nesses aspectos quer dizer que a produtividade para o trabalho é entendida como educação e não há lugar significativo para a reflexão e a crítica.

Na educação neoliberal, os índices de avaliação de desempenho norteiam as decisões e determinam a alocação de recursos. Essa política é acompanhada com uma série de avaliações quantitativas de desempenho. Os índices do SAEB (Sistema de Avaliação de Educação Básica) privilegiam o qualitativo, torna-se apenas norteador de distribuição de recursos no sentido econômico do termo.

Quem entrega um índice em português e matemática melhor é premiado com bonificações e recursos; quem não entrega bons indicadores, deixa de ganhar – parece um critério isento e justo, mas na pratica amplia as desigualdades e força as escolas a se concentrarem em um ensino conteudístico, que valorizam as provas de desempenho quantitativas, desvinculados dos problemas e questões locais e foca nas disciplinas de português e matemática. Na reforma neoliberal do Banco Mundial para a educação brasileira privilegia-se o conhecimento instrumental acrítico e se diz claramente que seu foco é matemática e português.

Educação emancipatória

Mas, o que seria então uma educação alternativa a isso? Voltada para a cidadania, progressista e crítica?

Em primeiro lugar, a valorização de conhecimentos analíticos e críticos que orientam o conteúdo instrumental. Áreas do conhecimento como história, geografia, biologia, química e física podem valorizar os saberes locais e vinculados a explicações da realidade dos estudantes para estimular a autonomia e a formação do sujeito circunscrito em uma realidade concreta. Uma coisa seria exigir que um aluno responda à pergunta: “quem descobriu o Brasil?”; de forma acrítica: Pedro Alvares Cabral. Outra coisa é apresentar ao estudante as nações indígenas e a diversidade que existia no território antes da chegada dos colonizadores e os efeitos que a chegada europeia provocou; aí então questioná-los e os provocar a refletir se isso foi uma invasão ou uma descoberta?

O ensino bancário torna o estudante um repositório de respostas prontas, o ensino emancipatório os torna cidadãos que questionam sua situação geral e os contextualiza como sujeitos históricos.

Ler, escrever e calcular e não sinônimo de boa educação. Embora seja condição mínima de formação educacional, não é condição plena de formação de cidadania. Calcular o indicador de 10% de juros compostos sobre R$ 1.000,00 em 24 meses é um conhecimento técnico necessário fundamental para o ensino médio. Considerar que uma instituição financeira cobra 9.99% ao mês de juros por um empréstimo bancário é um absurdo sem nenhuma justificativa ética e social plausível e a legalização da expropriação da usura que deveria caber na análise de qualquer estudante de ensino médio – que pode suscitar a capacidade de indignação cabível de denuncia a (ou da) autoridade monetária nacional.

Mas, nenhum educador que defende a reforma Temer do Ensino Médio vai reconhecer a proposta formulada pelo Banco Mundial para o ensino médio brasileiro vai à contramão do ensino emancipatório. Basta ler as lindas entrevistas de Maria Helena Guimarães de Castro – ex-secretária executiva do MEC de Paulo Renato de Souza nos tempos de FHC e que voltou ao MEC com Michel Temer e propôs esta reforma.

Os defensores do neoliberalismo justificam que o conteúdo analítico e critico pode ser discutido nos “itinerários formativos”. O que eles não nos dizem é que os chamados “itinerários formativos” são uma estratégia para usar métodos de educação pouco efetivas que empacotam as questões críticas na formação “técnica” (para o capital), tendo como resultado a diluição das disciplinas de história, de geografia, de sociologia, de filosofia, como da física, da química e da biologia para concentrar o tempo de sala de aula em matemática e português clássicos e trabalhar questões técnicas gerais voltadas a necessidade do mercado.

Com isso se permite maior flexibilidade e manipulação dos conteúdos nas áreas que interessam menos aprofundamento crítico e mais assuntos deslocados.

Na prática, temos uma redução de conteúdo que permitem a formação reflexiva, analítica e critica, com o nome falso de metodologias ativas.

A educação com os “itinerários formativos” através das metodologias ativas precariza o sistema e subverte a capacidade analítica dos estudantes. Esta afinação se choca com discurso educadores do mainstream político, mas explica a realidade que se tornará a reforma no caso concreto.

Para sustentar meu argumento, proponho testar se o que estou dizendo com um experimento: porque não fazer uma tentativa prática de formação e invertemos o padrão? Vamos colocar português e matemática em formato de metodologias ativas, através de itinerários formativos; e fazemos com que as disciplinas como história e geografia um desenho com material didático-pedagógico bem estruturado com tempo suficiente de aulas, professores estimulados e vemos o resultado desse esforço com provas que testem o valor significativo da formação do sujeito?

Como as escolas estão desenhadas hoje para a reforma do ensino médio, os itinerários formativos, na prática, tornam o Ensino Médio Brasileiro um grande ensino técnico. Porque permite (ou é de fato isso que se quer) que os currículos sejam desenhados para caber o ensino técnico e abre espaço para que se foque no ensino médio profissionalizante. Por isso os neoliberais logo correram para ocupar o espaço da equipe de transição em educação do governo Lula.

As diversas ONGs e Fundações benevolentes da burguesia agora vão financiar startups da educação. Todas supostamente preocupadas na ascensão social do trabalhador. Vão criar e financiar escolas técnicas voltadas a novos itinerários formativos para formatar o trabalhador de acordo com seus interesses e de modo absolutamente acrítico. Operários perfeitos: capazes de executar funções de trabalho, dóceis, gratos por tirá-los da miséria e sem capacidade cognitiva para reflexões críticas que o colocam como sujeitos da sua história.

Porém, é preciso debater o “Novo Ensino Médio” sem hipocrisia. Porque a proposta parece vender um grande avanço social quando se quer apenas um avanço de classe. Independentemente da concordância ou discordância que temos a respeito do papel que a escola deve exercer é importante deixar claro o viés da reforma. A reforma vai ao sentido da educação bancaria, onde o aluno é repositório de conteúdos e funções específicas predeterminadas na sociedade; o estudante é formado para ser um operário, seja um operário industrial do chão de fábrica, seja um trabalhador contemporâneo da produção de dados a partir dos computadores.

Muita gente acha que isso é mais importante que formar cidadanias e que tira muita gente da miséria dando a pessoas sem perspectiva um trabalho e/ou uma função social. É uma visão de mundo que tem elementos concretos na realidade brasileira para advogar nesse sentido; dada a miséria da condição educacional brasileira. Esta visão também se fundamenta no suposto de que as desigualdades existem e que não é papel primordial da educação tentar alterá-las, mas oferecer uma formação que permite a pessoa trabalhar. Que esteja límpido como água: são os fundamentos educacionais do neoliberalismo e, se diz algo a mais, é adereço retórico.

Portanto, não é possível dizer que a reforma no ensino médio, tal qual está sendo implementada, prepara o trabalhador e trabalhe os estudantes como sujeitos do conhecimento dando a eles instrumentos para a crítica – porque é dizer algo que ela não é capaz de entregar.

Os itinerários formativos são apenas um subterfúgio para embelezar o foco da reforma e permitem que a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) retire o compromisso com a melhora didática do material de ensino, tiram concentração dos conteúdos críticos, além de retirar dos parâmetros curriculares questões fundamentais para focar no ensino instrumental jogando a responsabilidade nas instituições de ensino, que cada vez mais são municipais ou filantrópicas.

É possível entender que o neoliberalismo está interessado nos resultados da acumulação do capital. É uma reinvindicação burguesa da sociedade atual. Sem novidade, é um movimento do capital como tantos outros. Sem ler, fazer conta, digitar e usar um periférico computacional, a produtividade do trabalhador é baixa – isso quer dize que reformar a educação para melhores resultados é importante para o capital numa sociedade de serviços baseada na acumulação de dados e na produção digital.

Diante dos fatos apresentados, não é loucura dizer que a porção dos neoliberais que defendem o ensino instrumental é uma parcela progressista para os padrões burgueses brasileiros e tem negociado com esse governo. Obviamente que não compactuam com a educação emancipatória por interesse de classe ou miopia social. Mesmo assim, é preciso dizer a eles que, dada a atual configuração das forças políticas, estão chocando o ovo da serpente e entregado os trabalhadores ao fascismo.

Propor uma escola acrítica e vinculada ao ensino técnico e profissionalizante, sem que conteúdos críticos, históricos e sociais recebam especial atenção vai se tornar um convite ao canto fascista que circula nas redes sociais.

Um estudante mal formado em história não tem a real dimensão do que é um genocídio ou do que foram os campos de concentração é um alvo fácil para aqueles que dizem que o holocausto não existiu, pois nem saberão o que foi o holocausto. Um estudante mal formado em biologia não tem noção da importância de uma vacina. Ou seja, um cidadão que não recebe uma formação social e critica está sujeito a todo tipo de enganação que o senso comum difunde nas redes sociais com o objetivo cooptar pessoas sem senso critico. Se você forma um trabalhador sem senso critico para o mundo do trabalho, vai formar também um cidadão sem senso critico para o fascismo. Sem uma boa escola, não podemos esperar uma sociedade democrática, por mais que os neoliberais queiram resolver seus problemas de classe.

Portanto, não importa se você acha que a educação deva formar meros trabalhadores ou cidadãos plenos. Também não adianta ficar fazendo campanha pelo bom senso em rede social. Tudo isso é inócuo diante dos riscos do momento. No atual contexto político, não é possível supor que a educação seja bancaria, é urgente que recorramos a uma escola engajada para enfrentar os desafios antidemocráticos.

Isso significa que, enquanto frente ampla, mesmo os neoliberais deste governo devem reconhecer que a educação deve caminhar no sentido oposto da reforma atual e permitir que se criem parâmetros para a formação do sujeito, com uma educação crítica que busca a emancipação do estudante para dar a ele elementos de análise da realidade com autonomia para que possam olhar para as redes sociais e não se seduzirem com as fakenews e suas armadilhas.

Com as ameaças vigentes, uma formação acrítica torna o futuro trabalhador alvo fácil do fascismo porque, na vida prática, a exploração do seu trabalho vai ocorrer, assim como as injustiças e as seduções fáceis da compreensão de mundo que o extremismo mostra nas redes sociais. Se o estudante não aprendeu na escola nenhum mecanismo social para lidar com isso, inevitavelmente é alvo fácil para aderir ao primeiro discurso nas redes e se render ao fascismo”.

Autor: Luís Fernando Vitagliano é cientista político e professor universitário.

FONTE: https://aterraeredonda.com.br/reforma-do-ensino-medio-e-fascismo/

Professor chorou! As professoras choraram também!

Ama-se a profissão, mas não há cartão-amor para cumprir com as despesas básicas de sobrevivência.

Dia 23 de Março de 2023. Dia de intenso calor. 10 horas. Em primeira chamada, iniciara-se a Assembleia deliberativa da categoria de professores municipais da cidade de Passo Fundo, norte do Rio Grande do Sul. Sul do Brasil.

O evento não fora apenas um encontro reivindicatório da data base, índice de reposição salarial, pedido de pagamento da lei do piso nacional dos professores, foi, entretanto, um grito coletivo por respeito àqueles cuja amorosidade inerente à profissão é confundida com saldo bancário.

Sim, ama-se a profissão, mas não há cartão-amor para cumprir com as despesas básicas de sobrevivência.

Assembleia de professores da educação básica! Básica. Essa mesma educação que é bandeira em toda eleição dos gestores públicos, do executivo, do legislativo…uma vez eleitos, pouquíssimos lembram do que escreveram ou disseram nos palanques eleitoreiros em defesa da escola pública e de seus principais agentes: os professores. E toda data básica, professores vão de pires na mão pedir o que lhes cabe por direito: O BÁSICO.

O que de fato seria o básico para os educadores?

Além do essencial para viver, muito precisa o educador para permanecer na sua profissão. Primeiramente, o básico respeito.

O sentimento de colega aposentada diante do desrespeito de quem muito contribuiu na formação básica dos cidadãos desse chão: participar de assembleia na condição de aposentada, foi uma experiência triste.

O olhar marejava, o coração doía e o futuro…ah, para esse, as circunstâncias apontavam -me que a alegria que espalhei, os afetos que conquistei, as horas que trabalhei em casa pela minha profissão, os estudos que fiz, os projetos, os quais participei…fizeram de mim, para os governantes, um número descartável, à espera da lucrativa morte na folha de pagamento. Um desprezo triste, humilhante, injusto e indigno.

Os relatos de colegas sobre desrespeito da profissão foram impactantes. Doentes, necessitam de atestado médico. Estão precarizando ainda mais o salário usando o vale alimentação. Justamente porque o vale alimentação terá maior reposição do que o salário base. Forma de castigo aliado à pedagogia de cabresto que se está enfrentando. 

Com mais de trezentos professores presentes, ativos e inativos, a escuta “materializava” a empatia e a sororidade.

A palavra “soror” quer dizer irmã. Diante do relato de um irmão professor, interrompido pelas lágrimas, várias vezes, a sororidade ficou uma palavra de dois gêneros. Choramos. Todos: professor e professora.

Desse choro veio a força encorajadora de dizer não à proposta salarial do patrão. Todavia, somado a não aprovação do índice de reposição salarial que não contempla o piso nacional, veio o grito de basta de desrespeito!

Ocorrera, nesse dia, não mais uma assembleia, mas uma assembleia da coragem!

Talvez não nos paguem o que nos devem. Talvez ainda o choro seja inevitável, porém a sensibilidade de ser professora e professor é, e sempre será, munição para lutar pelo básico, que é viver numa sociedade justa e fraterna.

Apesar de…a luta continua!

FONTE:https://www.ditosenaoditos.com.br/professor-chorou-as-professoras-choraram-tambem/

Autora: Marta Borba, professora aposentada da rede municipal de Passo Fundo.

Pretexto para falar de cavalos

Bom ladrão é aquele que rouba por necessidade. /Mau ladrão é o “peixe grande”. /Ou seja, aquele que rouba para sustentar seus luxos. (Padre Antônio Vieira)

Penso que a maioria das pessoas têm fascinação por cães. Outras por gatos, pássaros, cavalos, peixes. Prefiro cavalos, pois são paradigmas de força, beleza, virilidade e elegância. Já foram fundamentais aos transportes, guerras, jogos e instrumentos para conquistas amorosas. Hoje nem tanto, pois há outras formas de corcéis.  

Para transportar sementes aos moinhos de trigo, centeio e arroz, meu pai, adquiriu um cavalo manso para crianças e rápido o suficiente para ganhar algumas corridas entre a meninada da Vila das Borboletas. Além do mais foi barato o suficiente para suportar seu bolso. O nome dele era Petiço. Quando vencia uma corrida, era a glória. Porém, quando ia para os moinhos, envergonhava o pequeno Dom Quixote, simplesmente porque empacava nos piores momentos.

Explico. O defeito foi herdado pela mania do seu antigo dono que, conhecendo todo povoado, parava o Petiço para uma prosa de sete minutos com todos os que passavam no seu caminho. Não tinha jeito, pois o homem e seu cavalo paravam e pronto. Quando uma jovem bonita vinha, de longe ele diminuía o ritmo até parar. Sem ainda saber como falar com moça bonita, às vezes ouvia delas:

– Que piá bobo! Vai te criar!

Depois de sete minutos, descansados, cavalo e cavaleiro reiniciavam a pequena viagem. Podem não acreditar, parava até quando passava por um cachorro, boi, outro cavalo. Soube mais tarde que o Valde, o antigo dono, era um fervoroso devoto de São Francisco.

Quando ia aos moinhos os motivos do atraso sempre eram atribuídos ao pobre Petiço. Sempre algumas paradinhas para um banho nos rios Amandaú e Laranjeira. Um sorvete na vila. Não me importava se fazia calor ou frio, porque sorvete é sempre gostoso! Ah, como sorvete e Petiço combinavam!  O Petiço só não falava porque era cavalo, mas que gostava de ouvir prosas era um fato.

Outro cavalo que conheci na forma de livro, foi o famoso Cavalo de Troia. Dentro dele cabia um pequeno batalhão de soldados, inclusive, o Ulisses, o Odisseu, que lembra o título do livro ODISSEIA escrito pelo grego Homero. Na verdade, era um imenso cavalo de madeira edificado para ser dado de presente aos inimigos troianos. Por isso a expressão “presente grego”.

A guerra já durara 10 anos, sendo que os gregos/espartanos não conseguiam ultrapassar as instransponíveis muralhas de Troia. Pensando estrategicamente, eles, os gregos, simulam um acordo de paz, ofertando o “Cavalo de Troia” como símbolo de um “armistício” entre os dois reinos. A encrenca envolvia uma linda mulher, Helena, sequestrada por Páris, príncipe de Troia.

Aceito o presente grego edificado sobre 04 rodas, sem revistá-lo na Aduana, o grande e pesado Cavalo de Troia foi adentrado com facilidade na cidade inimiga. À noite, enquanto os troianos dormiam, o recheado e oculto batalhão de soldados, armados até os dentes, toma a cidade de assalto. A cidade foi destruída, sendo que finalmente o Rei Menelau resgata Helena, a mulher mais linda do mundo.

Outra história de cavalo ainda não terminada é a do Cavalo de Guarulhos. Vindo da Arábia Saudita em uma caixa de presentes a uma Primeira Dama do Brasil de Antão, nas mãos de um Ministro amigo do Presidente de Antão, deveria ir direto a Troia, digo, a Brasília. Ele, ao contrário do Cavalo de Troia, foi revistado ao ingressar no Aeroporto Internacional de Guarulhos e retido na Aduana. Nem Almirante e outros pau-mandados de Brasília conseguiram retirar o presente vindo das arábias. Devidamente desencaixotado, lá estava um cavalinho de ouro com três pernas decepadas. Dentro dele não havia soldados. Mas joias de diamante do mais alto quilate com valor estimado de R$ 16,5 milhões na moeda atual. Se fosse presente do governo saudita ao governo brasileiro deveria ser registrado na Aduana como tal. Porém, ninguém da comitiva governamental seguiu o protocolo oficial.

Algumas perguntas ainda não foram serão elucidadas: por quais motivos o registro não foi feito? Por que joias de tão alto valor?

Existem razões de Estado à doação de joias de forma tão obscura.  Shakespeare já escrevera: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”.   

–  Mertha! Diria meu vô paterno.   

Bom foi meu Petiço que parava no meio do caminho para ouvir as conversas entre o povo da Vila das Borboletas! O que mais me admirava era a atitude dele em parar por mais tempo quando as passantes eram mulheres. Nada falava. Olhava, sacodia as orelhas e se agitava todo com o perfume daquelas lindas mulheres. Aliás, as mulheres são lindas em todos os lugares e situações.

Naquela época de menino, eu já sentia as indomáveis energias de Teseu! Um tempo depois também foi entender que “sem tesão não há solução”. E isso vale para todas as coisas.

Sobre o Cavalo de Troia uma ensinagem: fica de olho em quem já te aprontou uma. Sempre um pé atrás! As conspirações estão mais vivas do que nunca, leitor(a)!   

Enfim, com exceção do Petiço, o Cavalo de Troia e o Cavalo de Guarulhos foram instrumentos para saquear nações enquanto o povo dormia o sono dos justos. Restam elogios à imprensa e à literatura pela busca da verdade, mesmo com seu jeito “gauche” de serem tão múltiplas na revelação da verdade.

Autor: Eládio V. Weschenfelder

Sua senhoria, o dinheiro!

Seja para qual finalidade for, nisso reside o poder escondido do dinheiro. Ele pode comprar o necessário, o supérfluo, o lícito e até aquilo que não se imagina.

Na padaria, meu amigo Pedro, em conversa sobre a vida cotidiana, proferiu uma frase emblemática: “O dinheiro é um péssimo patrão e um excelente escravo”. Aquela máxima formulada pelo filósofo inglês Francis Bacon não me saiu da cabeça. E fui percebendo que se trata de uma chave de leitura que pode ser utilizada na macroeconomia, na microeconomia, na economia familiar, na economia pessoal, etc. Pode servir de parâmetro para analisar a política, as relações sociais e também muitas psicoses individuais e/ou coletivas.

O dinheiro detém poder objetivo/material, mas, ao mesmo tempo, subjetivo/simbólico. E, na maioria das vezes, esses poderes não são equivalentes entre si.

Alguém pode possuir pouco dinheiro e absolutizar o seu valor. De outra parte, pode acontecer que alguém possua grande quantidade de bens (trocáveis por dinheiro) e não se apegue de forma absoluta ou doentia a eles. Entretanto, isso parece ser mais raro. 

O papel que o dinheiro exerce sobre a vida das pessoas coloca em xeque questões de ordem ética. No alvorecer do pensamento filosófico, Aristóteles afirmou que “o dinheiro é a medida de todas as coisas”. E pode sê-lo para o bem ou para o mal.

Ainda de forma embrionária, nas obras Ética a Nicômaco e A Política ele aponta que o dinheiro assume três funções: como meio de troca, como medida de valor e como reserva de valor. Tais conceitos serviram de base para múltiplas teorias complexas sobre esse senhor chamado dinheiro, que, de algum modo, nos governa ao longo da história.

Acerca do dinheiro e, por extensão, sobre todos os bens e riquezas, pairam diversas exortações de cunho religioso. Nas palavras de Jesus, “ninguém pode servir a dois senhores, pois odiará a um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24). O apóstolo Paulo, por sua vez, sentenciou: “a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro” (ITm 6,10). Em geral, as religiões concordam que o dinheiro não é um mal em si, mas a forma de obtê-lo e de usá-lo pode levar à corrupção da alma humana.

Na sociedade de mercado, quem não tem dinheiro fica privado de produtos e serviços essenciais.

O dinheiro (no caso, a falta dele), não raras vezes, se configura como um determinante da escravidão, da opressão, da exclusão, da fome e da miséria. No limite, impõe a desumanização. De outra parte, a tomada do dinheiro como um patrão com poderes absolutos, mantém os impérios, a ganância, o lucro e a concentração da propriedade privada. Sobre essa máxima se afirma o capitalismo.

Enquanto isso, o diálogo seguia na padaria. Não demorou a que surgisse um rapaz. De pronto, disse ter fome, o que segue sendo uma grande chaga social. Ao invés de pedir pão, como seria de se esperar, pediu dinheiro. Muitos logo dirão que o utilizaria para outras finalidades.

Seja para qual finalidade for, nisso reside o poder escondido do dinheiro. Ele pode comprar o necessário, o supérfluo, o lícito e até aquilo que não se imagina.

Nessas variações de patrão e empregado é que se esconde seu poder misterioso a que cada um pode atribuir, usufruir ou a ele se submeter. Pelo dinheiro podemos nos escravizar a nós mesmos ou a outros. Por isso, bem advertia o filósofo francês Montesquieu: “O dinheiro é valioso desde que saibamos desprezá-lo”.

Nessa altura, veio à memória a filosofia de bolso que o amigo Valter costuma repetir. Segundo ele, se é verdade que “o dinheiro é do diabo, viver sem ele é um inferno”.

Na verdade, diante do dinheiro, alguns poucos vivem uma espécie de “paraíso terrestre” por serem senhores de muitos bens; uma grande parcela da sociedade experimenta um contínuo “purgatório”, por precisar controlar muito bem seus recursos limitados a fim de satisfazer as necessidades básicas. Entretanto, a grande maioria da população enfrenta realidades infernais ante a impossibilidade de adquirir o mínimo necessário para manter-se vivo.

Para construir uma sociedade mais igualitária, sem carências nem excessos, sua senhoria, o dinheiro, não pode governar de forma absoluta, nem funcionar como um patrão perverso que subjuga, corrompe e domina. Daí a necessidade de fortalecer a política do bem comum, a democracia econômica, a justiça social e a cidadania plena para que a vida e a dignidade humana de todas as pessoas estejam acima do senhorio do dinheiro e do império do capital!

Autor: Dirceu Benincá

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