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As loucuras de nosso tempo

Se Erasmo de Rotterdam vivesse nos dias de hoje e visitasse nosso país, certamente iria escrever Elogio da Loucura II para satirizar a forma como estão sendo conduzidas as decisões fundamentais da vida de todos nós.

Reli recentemente algumas partes do livro Elogio da Loucura do humanista Erasmo de Rotterdam. Destaquei como emblemático para essa reflexão o seguinte trecho: “É a loucura que forma as cidades; graças a ela é que subsistem os governos, a religião, os conselhos, os tribunais; e é mesmo lícito asseverar que a vida humana não passa, afinal, de uma espécie de divertimento da Loucura”.

Erasmo de Rotterdam (1469-1536) foi um dos grandes renascentistas dos Países Baixos (atual Holanda) e ficou conhecido como o príncipe dos humanistas europeus.  Em sua obra Elogio da Loucura, escrita em latim, Erasmo fez uma crítica satírica da sociedade da época, atacando principalmente as deformações da Igreja Católica. Ao propor a renovação da Igreja e a volta aos ideais simples e nobres dos primeiros cristãos, tornou-se um representante do humanismo cristão e um dos grandes autores que promoveram o renascimento cultural na Europa do século XVI.

O termo humanismo é derivado do termo latino humanitas, que designa a educação do homem enquanto considerado em sua condição propriamente humana. A autonomia do ser humano é buscada pelos humanistas da Renascença por meio de uma volta à Antiguidade, a seus modelos e a suas diretrizes pedagógicas.

As chamadas “humanidades” (poética, retórica, história, ética e política) passam desse modo a constituir, sob a inspiração dos antigos, a base de uma educação destinada a preparar o homem para o exercício de sua liberdade. A liberdade, a tolerância religiosa, a capacidade humana de atuar sobre o mundo, a convicção de que o mundo natural é o reino do homem, são os fundamentos principais do humanismo renascentista.

A vida de Erasmo foi marcada por muitos percalços: apesar de ter convivido num ambiente onde se respirava a atmosfera humanística que imperava na Renascença, depois da morte dos pais foi enviado para receber uma formação religiosa que cerceava sua liberdade. Mesmo quando mudou-se para Paris, no Colégio Montaigu, para obter o título de doutor em Teologia, não conseguiu suportar a “prisão espiritual” que o afligia ao ponto de adoecer. Ao libertar-se das amarras eclesiais, passou a condição de escritor e mestre, viajando para muitas cidades e atraindo diversos alunos ricos que tinham condições de pagar por seus ensinamentos.

Na obra Elogio da Loucura, Erasmo faz a Loucura subir ao púlpito e de lá pronunciar uma crítica impiedosa aos juristas, aos filósofos escolásticos, aos nobres arrogantes, aos bispos luxuriosos, aos negociantes sórdidos e estúpidos, aos militares que julgavam ser suficiente atirar uma moeda numa bandeja para adquirir a indulgência que os deixaria puros e limpos como quando nasceram.

Elogio da Loucura foi uma das obras que mais abalaram seu tempo, funcionando como um verdadeiro panfleto revolucionário. Em pouco tempo tornou-se uma das obras mais consumidas por aqueles que voltavam de Roma indignados com os desregramentos dos papas e cardeais que viviam uma vida luxuosa numa visível contradição com os preceitos do cristianismo original.

Se Erasmo de Rotterdam vivesse nos dias de hoje e visitasse nosso país, certamente iria escrever Elogio da Loucura II para satirizar a forma como estão sendo conduzidas as decisões fundamentais da vida de todos nós.  Não faltariam elementos para denunciar a forma perversa com que “os representantes do povo” articulam para se autobeneficiar de maneira sórdida do dinheiro público.

A sátira se tornaria uma contundente denúncia a forma como certas religiões se apoderaram da ingenuidade do povo para promover o enriquecimento ilícito de “falsos pregadores”. Juízes, ministros, governadores, deputados, senadores, prefeitos, vereadores, empresários, policiais, professores, médicos, jogadores de futebol, celebridades e tantos outros estariam retratados nas distintas cenas que compõem as loucuras de nossa tempo.

Para aprofundar obra de Erasmo de Rotterdam, assista vídeo: https://youtu.be/s5gVcB2mY-I?t=41

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

Por que escrevemos? O que nos torna escritores?

Escrever é uma arte, que pode ser aperfeiçoada para nos comunicarmos mais e melhor com os outros. Exige paciência, ambiente e concentração. Escrever é um trabalho e uma inspiração.

No dia 13 de julho de 2023, numa tarde de muito frio, num casarão que abriga as Letras, como acadêmico, realizei uma oficina com a temática Por que escrevemos? O que nos torna escritores? Comigo estavam 15 adolescentes/jovens, de diferentes escolas da rede pública municipal e a coordenadora do Projeto Identificando talentos, Dilse Corteze, confreira da Academia Passo-Fundense de Letras.

Foi uma alegria encontrar neste ambiente estudantes da rede municipal ávidos por conhecimento envolvendo leitura, escrita e literatura. É sempre uma grande motivação para um professor encontrar jovens leitores e escritores dispostos a encarar os desafios das letras e das palavras.

Como a metodologia proposta foi uma oficina, houve momentos de conversa e diálogo, intercalando as experiências do proponente com as experiências dos participantes. Houve registros e construção textual dos estudantes, conforme roteiro que segue. Houve também um combinado com eles, no sentido de que esta atividade resultaria na escrita de uma crônica (no caso, esta que você está lendo!)

Seguem reflexões que nortearam as provocações que fizeram a oficina acontecer, abordando o gênero literário crônica.

Por que escrevemos?

Acredito que escrevemos para nos humanizar, para nos tornarmos melhores seres humanos através da literatura. Mas a escrita também é prática social, quando reflete o cotidiano das nossas ações e nossas vidas; nos permite desvelar e revelar a realidade como ela é. Pode ser terapia, possibilitando que sentimentos e sofrimentos sejam melhor elaborados.

Escrever é uma arte, que pode ser aperfeiçoada para nos comunicarmos mais e melhor com os outros. Exige paciência, ambiente e concentração. Escrever é um trabalho e uma inspiração.

Quem escreve, pensa melhor, comunica com mais clareza e intensidade.

Escrevemos para mostrar aos outros que existimos, que estamos nos fazendo, nos construindo, nos conhecendo como seres humanos.

Como lembra Eduardo Galeano, “em realidade, a gente escreve para as pessoas com cuja sorte ou má sorte se sente identificado: os que comem mal, os que dormem pouco, os rebeldes e humilhados desta terra: que em geral nem saber ler”.

FRAGMENTOS DE ESCRITOS DOS ESTUDANTES:

“Depende de quem escreve, é algo bem pessoal: por amor, dinheiro ou fama. O meu motivo é terapia, no caos da minha vida, a escrita foi a solução”. (Estudante L. C., EMEF Georgina Rosado)

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“Eu escrevo para expressar e mostrar meus sentimentos, pois sem as poesias eu me sentia sozinha, sem utilidade, eu não me conhecia, não me entendia, não sentia nada”. (Estudante A. M., EMEF Arlindo Luís Osório)

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“Na minha opinião, queremos reconhecimento, precisamos mostrar que temos habilidades para os outros verem que somos capazes. Quando alguém não consegue expor sua ideia ou opinião por insegurança, ele costuma escrever para se libertar daquilo, seja um assunto crítico ou social ou pessoal”. (Estudante I. de M., EMEF Georgina Rosado)

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‘Escrevo por raiva, minha vontade de escrever vem pela raiva que a injustiça me causa. Eu quero que as pessoas entendam a minha raiva e eu faço isso escrevendo”. (Estudante T. L., EMEF Eloy Pinheiro Machado)

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“Escrevemos para contar algo, para julgar algo ou alguém, para falar o que sentimos, falar sobre sentimentos. Escrevemos para soltar a mente e expressar o que pensamos”. (Estudante N., EMEF Antonino Xavier)

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“Eu escrevo para organizar meus pensamentos. Escrever é meu universo pessoal, de conforto. Escrevo para ser feliz”. (Estudante L. B. R., EMEF Daniel Dipp)

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“Escrevo para transmitir amor para as pessoas, para aliviar minha mente das preocupações. Para as pessoas se identificar e ver que não é somente elas que sentem determinadas coisas”. (Estudante A. B., EMEF Santo Agostinho)

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“Escrevo para o leitor se emocionar, julgar, para as pessoas criarem sentimentos sobre o que estou escrevendo e para falar com todos”. (Estudante G., EMEF Padre José de Anchieta)

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“Para poder me encontrar na vida e para pôr o que sinto para fora sem ter que falar com outras pessoas. Para contar o que sinto, sem ser julgada e criticada por isso”. (Estudante I. T., EMEF EMEF Georgina Rosado)

As histórias dos escritores e escritoras

Cada participante escreveu, em breve texto, as motivações que o fizeram despertar e aperfeiçoar a escrita.

FRAGMENTOS DE ESCRITOS DOS ESTUDANTES:

“Eu iniciei no mundo da escrita produzindo histórias fictícias, partindo para a poesia logo em seguida, abordando temas sociais que já aconteceram ou estão acontecendo. Comecei a escrever para conhecer o mundo e descobrir até onde eu posso chegar e tudo o que eu posso conhecer, desde pequenas até grandes coisas”. (Estudante N. M. Z., EMEF EMEF Georgina Rosado)

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“Meu interesse pela escrita começou porque eu ia bem na escola, sobretudo em Língua Portuguesa, o que me trouxe a oportunidade de vir até a Academia Passo-Fundense de Letras. Aqui estou, tendo ótimas aulas e aprendendo cada vez mais. Espero ter um futuro digno de uma escritora’’. (Estudante L. G. C., EMEF Eloy Pinheiro Machado)

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“Iniciei minha escrita quando tinha nove anos. Foi um período complicado na minha vida, com muitas mudanças. No meio daquela confusão, comecei a escrever textos informativos, sobre o corpo humano, histórias, lendas e mitos. Depois, escrevi histórias de romance e fantasia. Hoje, gosto de histórias de fantasia, filosofia e poemas”. (Estudante B. F. L, EMEF Georgina Rosado)

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“Minha história como escritor começa quando eu era criança, quando pequeno escrevia pequenas histórias e fábulas também. Hoje em dia não escrevo muito, seria pela falta de criatividade ou não sei mais escrever? Acho que para escrever, precisaria de inspiração, precisaria ler mais”. (Estudante P. S. R., EMEF Arlindo Luis Osório)

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“Eu comecei a escrever para me expressar, já que muitas vezes eu não tive coragem de falar sobre meus sentimentos, medos e problemas. Então, escrever se tornou meu refúgio, meu modo de botar para fora tudo que sinto com lindas palavras”. (Estudante E. R. da S., EMEF Daniel Dipp)

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“Ano passado me descobri de várias maneiras e uma dessas descobertas foi a paixão de escrever. Desde então, escrever tem sido para mim o melhor meio de me expressar”. (Estudante L. B., EMEF Santo Agostinho)

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“Minha história começa em 2020 quando passei a ficar mais tempo sozinha. Logo, comecei a pensar mais também. Com a vinda de novos sentimentos, sentia que precisava conversar com alguém. Porém, me sentia deslocada e, então, comecei a escrever. A escrita me fez bem e comecei a pegar gosto por ela e hoje escrevo por hobby”. (Estudante L. C., EMEF Georgina Rosado)

O que nos torna escritores?

Um escritor ou uma escritora é, antes de mais nada, um grande leitor ou leitora.

Quando alguém decide ser escritor ou escritora, é preciso que tenha muita persistência, crença no ofício da escrita e dedicação. É preciso também manter uma mente aberta à pluralidade dos mundos e das ideias que nos cercam. É preciso suportar críticas dos leitores e leitoras, sempre valorizando aquelas que vem para nos desafiar ao invés daquelas que vem nos desacreditar.

Um escritor ou escritora relaciona-se de forma direta com seus potenciais leitores ou leitoras, sempre oferecendo-lhes a melhor escrita, o melhor texto que puder construir (mesmo sabendo de que nunca somos, sempre estamos sendo).

Não existimos como escritores ou escritoras se não tivermos “lugar” ou “espaço” para publicar. Por isso mesmo, precisamos viabilizar parcerias para fazer publicações, participar de eventos literários, conhecer bibliotecas, conversar com escritores, procurar aprender sobre o que as pessoas mais gostam de ler.

Somos reconhecidos escritores ou escritoras na medida em que nossas publicações revelam uma identidade, um jeito nosso e genuíno de escrever. Este reconhecimento pode ser consolidado através do lançamento de um livro, da estruturação de um site próprio (personalizado) ou através da escrita e publicação sobre temas sobre os quais adquirimos credibilidade, notoriedade, admiração, seguidores e críticos.

Vale a pena escrever para a gente se tornar um ser humano melhor, apostando que nossos escritos podem contribuir para que vivamos uma sociedade mais humanizada, mais igualitária e mais fraterna. Eu creio que as palavras e as letras tenham este poder.

Autor: Nei Alberto Pies, professor, escritor e editor site www.neipies.com

A nova face do Ensino Religioso nas escolas

BNCC explicita dois aspectos importantes e interligados que são o reconhecimento das alteridades e o respeito a diversidade cultural e religiosa que configura a relação com o sagrado no Brasil.

O Ensino Religioso na educação brasileira passou por significativas mudanças teórico-metodológicas ao longo das últimas quatro décadas. A transformação mais significativa veio com a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) que referendou o Ensino Religioso como área do conhecimento e, ao mesmo tempo, sistematizou-o como um componente curricular.

Com o status de área, o Ensino Religioso tem definido como objeto o conhecimento religioso produzido pelas áreas das ciências humanas e sociais, principalmente as Ciências da Religião que se ocupa em investigar os fenômenos religiosos que se manifestam em todas as culturas e povos. Assim, o Ensino Religioso migra de uma concepção catequética/confessional para uma configuração de unidade plural, como um componente que se detém em estudar os aspectos comuns a todas as tradições religiosas, a saber, os símbolos, os ritos, os mitos, as crenças, os textos, os princípios éticos e outros.

Pela primeira vez está posta uma base curricular comum para o Ensino Religioso em qualquer escola do nosso país, uma espinha dorsal composta por unidades temáticas e objetos de conhecimento que ajudam a desenvolver habilidades e competências específicas nas crianças e nos jovens.

Essa mudança proposta na BNCC para o Ensino Religioso tem um grande impacto nas metodologias, nas práticas pedagógicas, no planejamento anual, no plano de aula, nos projetos, na formação de professores. Algumas reflexões, conexões e possibilidades.

Reconhecimento das alteridades e respeito a diversidade

Ao colocar as diretrizes para o Ensino Religioso, a BNCC explicita dois aspectos importantes e interligados que são o reconhecimento das alteridades e o respeito a diversidade cultural e religiosa que configura a relação com o sagrado no Brasil. Nosso país é um verdadeiro mosaico composto por uma diversidade de tradições religiosas e filosofias de vida. Uma cultura mesclada e marcada pelas crenças de povos originários e pela fé religiosa dos imigrantes que aqui se fixaram.

Nesse contexto, o Ensino Religioso assume o papel de ser instrumento na educação de crianças e jovens para o conhecimento e a vivência da “ética da alteridade” cujos princípios norteiam a convivência acolhedora e dialógica com pessoas que cultivam ideias, visões de mundo e crenças diferentes.

Ao contrário do que muitos pensam, reconhecer as alteridades e respeitar a diversidade existente na sociedade é uma atitude que contribui para valorizar e aprofundar a própria identidade. Hans Kung, teólogo suíço, deixa claro em seus escritos que abrir os ouvidos e os corações para conhecer a diversidade de experiências espirituais e tradições religiosas não exclui o conhecimento e o envolvimento com a própria religião, suas crenças ou sua filosofia de vida.

Aquele que tem como propósito dialogar e entrar em comunhão com os outros sem conhecer suas próprias convicções e crenças, com seus limites e possibilidades, constrói mais muros do que pontes, aumenta mais a distância entre as pessoas do que as aproxima.

Conhecer-se com profundidade é o princípio fundamental para o conhecimento dos outros. Quem não se conhece e não tem clareza de seus limites e de suas convicções e crenças, assenta sua vida nas incertezas e inseguranças e assim é movido pelo medo de abrir-se aos outros nas suas diferenças. A identidade não exclui a alteridade e vice-versa. Elas se complementam.

Uma perspectiva interdisciplinar 

Assim como não há espaço para fechar-se numa identidade, o Ensino Religioso não pode isolar-se de outras áreas do conhecimento, mas, tendo clareza de seu fundamento, de seu objeto, de sua epistemologia e de seu escopo, precisa abrir-se ao diálogo e à comunhão com outros saberes, práticas pedagógicas e componentes curriculares com a consciência de que nenhum saber por si só é suficiente para apreender a realidade que o ser humano busca compreender.

Assim sendo, um Ensino Religioso que pretende formar pessoas em todas as suas dimensões, deve propiciar um processo de ensino e aprendizagem interdisciplinar, sabendo que o sagrado está presente na natureza, na música, na dança, na literatura, na história, no tempo, no espaço, enfim em tudo o que nasce da razão, da intuição, do encantamento com a riqueza da vida, do indizível que de alguma maneira se concretiza na obra humana. Assim torna-se possível dar mais profundidade e sentido ao conhecimento religioso que, conectado com outras áreas e saberes, possibilitará a formação integral de crianças e jovens nas escolas do Brasil.

O Ensino Religioso e sua interrelação com os ODS

Na mesma linha da interdisciplinaridade, está a importante conexão do Ensino Religioso com iniciativas e projetos propostos por pessoas, países, instituições e organismos locais e globais. Uma dessas iniciativas são os “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” (ODS) da Agenda 2030, da ONU. Alguns desses objetivos podem ser trabalhados numa interrelação com os objetos de conhecimento, habilidades e competências no Ensino Religioso.

Como proposto na BNCC, o Ensino Religioso oferece aos estudantes a possibilidade de refletir sobre temas atuais e agir como pessoas e cidadãos para a transformação das realidades sociais, econômicas, políticas e ambientais, tais como os explicitados nos seguintes ODS:

“Objetivo 1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares; (…) Objetivo 3. Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades; Objetivo 4. Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; (…) Objetivo 11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis; (…) Objetivo 15. Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade; Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.(…)”.

Ensino Religioso e Pacto Educativo Global

Assim como as ODS, o Ensino Religioso proposto e sistematizado na BNCC, pode contribuir com o Pacto Educativo Global, proposto pelo Papa Francisco em 2020.

Tanto um quanto outro têm como objetivo formar e convocar pessoas, tradições religiosas e instituições educativas a se unirem num compromisso pelo desenvolvimento integral de crianças e jovens para que se engajem no projeto de construção de um novo mundo cujos principais fundamentos são: o  serviço gratuito e desinteressado às pessoas, principalmente as mais vulneráveis como os pobres, as crianças e os idosos que estão imersos na cultura do descarte da sociedade atual; o cuidado e responsabilidade com o meio ambiente e toda a sua biodiversidade através de atitudes simples e sustentáveis; o desenvolvimento de uma cultura do encontro, do diálogo e da convivência harmoniosa com os outros; a adoção de gestos mais humanos, inclusivos, fraternos, justos e pacíficos; o discernimento diante das possibilidades e dos desafios que a internet e as relações virtuais apresentam às novas gerações; a atenção e o cultivo da interioridade nas crianças e nos jovens para que possam parar, silenciar, refletir, ouvir, escutar-se e “sentir” a transcendência; o desejo e a esperança das crianças e dos jovens de que o mundo pode mudar para melhor através de uma revolução da ternura que destrua a globalização da indiferença, da discriminação, do preconceito e da intolerância religiosa.

Autor: Renan Nascimento

Licenciado em Filosofia pela Fundação Educacional de Brusque (1995) e em Pedagogia pela Faculdade Claretiano (2016); bacharel em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2001), pós-graduado em Psicopedagogia pela Universidade Estadual de Minas Gerais (1997) e em Ensino Religioso pela Universidade Católica de Brasília (2008); músico; leitor técnico e elaborador de conteúdo para livros didáticos; orientador educacional e coordenador da área de Ensino Religioso do Colégio São Luís, em São Paulo, desde 2002.

FONTE: https://www.saoluis.org/2021/11/08/a-nova-face-do-ensino-religioso-nas-escolas/

Construindo contos e romances: personagem, conflito e espaço

Em geral os iniciantes dizem que “eu escrevo para mim, como eu gosto, como eu quero e pronto”, e não há nada de errado nisso, desde que o objetivo desse autor seja guardar sua história apenas para si. Agora, um autor que pretende ver seu livro publicado precisa pensar no leitor.

Todos temos a capacidade de sermos escritores, pois já possuímos, natas, as ferramentas do contar. Antes mesmo de poder falar ou escrever, nós já contamos histórias. Nós podemos imaginar um homem das cavernas que, se saía para caçar e enfrentava algum perigo, alertava seu grupo através de gestos e pinturas nas paredes, sem auxílio de um vocabulário complexo, apenas evocando suas memórias, observações e, quem sabe, até mesmo sua imaginação.

Pedro Gonzaga e Jane Tutikian descrevem em seu livro “Escreva! Guia de escrita criativa” que essas são, de fato, as 3 ferramentas básicas que todos nós temos e que são imprescindíveis para a escrita.

1. A memória: seja mental ou física, a memória diz respeito às sensações, como a memória de caminhar, de sentir um cheiro ou gosto. Como são muito pessoais, a memória é uma ferramenta capaz de particularizar e transformar um texto abstrato em um texto concreto, cheio de sensações que são percebidas e envolvem o leitor.

2. A observação: de gestos, de imagens, de ações e expressões. Para contar uma história e acessar as nossas memórias de forma sensível a ponto de tocar as sensações do leitor, nós precisamos nos atentar às pequenas expressões dos acontecimentos. Pedro Gonzaga e Jane Tutikian apresentam, para isso, um bom exercício: tentar observar as coisas, as pessoas ou as situações como se víssemos aquilo pela primeira vez. Observar mais de perto ou mais de longe, observar por mais tempo, até aquilo gerar um estranhamento e consigamos fugir dos olhos do senso comum. E, a partir daí, tentar perceber o quão carregada de conflito e significado é aquela coisa, pessoa ou situação aparentemente comum. Fazer anotações durante o dia sobre coisas que vemos, percebemos ou simplesmente achamos interessante também é um bom exercício e que contribui, inclusive, para aumentar a nossa produtividade, agilidade e fluência na escrita.

3. A imaginação: apenas a memória e a observação já são úteis para a comunicação, mas a imaginação é imprescindível para a criação de um texto ficcional. O autor precisa ter a capacidade de criar e até de pensar no absurdo a partir daquilo que foi memorizado e observado. E é importante aqui diferenciar a imaginação daquela inspiração que bate sem querer num dia qualquer, oferece-nos uma história quase pronta e muito ânimo para sentar e escrever. Essa inspiração miraculosa até acontece, mas é rara, enquanto que a imaginação todos nós temos todos os dias. É muito mais seguro, então, confiar na imaginação para escrever do que nessa inspiração errática.

O que o autor iniciante, principalmente, precisa entender, é que a imaginação e a criatividade também são trabalhos que advém da concentração, da tentativa e de exercícios. Um bom exercício é tentar pensar em um novo final para uma história simples e bem conhecida, e ir voltando na narrativa e imaginando o que precisa acontecer ao longo desse texto para que seja possível chegar ao novo final proposto.

Utilizar essas 3 ferramentas é ter subsídio para que o leitor se conecte com o texto, já que as sensações evocadas pelo autor e transmitidas na narrativa vão se conectar com as sensações do leitor, que busca exatamente isso: que suas sensações sejam evocadas durante a leitura.

Eu sei que muitos autores, em geral os iniciantes, dizem que “eu escrevo para mim, como eu gosto, como eu quero e pronto”, e não há nada de errado nisso, desde que o objetivo desse autor seja guardar sua história apenas para si. Agora, um autor que pretende ver seu livro publicado precisa pensar no leitor. Quem vai querer ler esse livro e por quê? O que você, como autor, pode fazer para atrair esse leitor e, principalmente, mantê-lo engajado na história até o fim?

Conhecendo a sua história e o seu leitor, o autor pode adequar a linguagem do seu livro, os elementos que ali aparecem, as sensações que ele quer evocar, criando condições para uma melhor reação do público. Portanto, deve existir uma consciência clara do autor quanto ao desenvolvimento da sua narrativa.

Como o poeta Ezra Pound disse uma vez: “A literatura é uma linguagem carregada de significado em seu mais alto grau”. Ou seja, as coisas não apenas acontecem porque sim em uma narrativa. Pelo contrário, os elementos evocados pelo autor têm razão de ser e aparecer em um momento ou outro da história. Para entender isso melhor, precisamos pensar na narrativa e como ela ocorre.

O autor Jéferson Assumção, no curso de escrita criativa da plataforma Quadro Amarelo, explica que a narrativa costuma ser construída através de mudanças de valores (de positivo para negativo ou vice-versa), isso desde as pequenas tramas até o arco maior dessa narrativa. Assim, a narratividade, esse processo de narrar, exige que eventos ocorram. Por exemplo: um homem colhe laranjas da laranjeira do seu quintal para levar ao seu amigo. Quando caminhava na rua com a sacola de laranjas, uma delas escapa da sacola e sai rolando pela rua (inversão de positivo para negativo). A partir daqui, o que acontece? A laranja rolando assusta alguém que estava distraído e essa pessoa é atropelada, ou essa pessoa é um outro amigo antigo do nosso personagem, que ele não via há muito tempo, havendo ali um reencontro? Uma sequência de eventos e transformações ocorrem para que a narratividade seja construída, até que se chegue a uma finalidade.

No seu livro “A poética”, Aristóteles já dizia que a história não tem um fim, mas uma finalidade. Isso quer dizer que, ao fim da nossa história, ela não só acaba, mas deve existir uma finalidade para a qual ela foi contada e porquê ela foi contada do jeito que foi.

Todos os elementos da narrativa, toda a causalidade precisa funcionar para que a história seja levada não apenas ao fim, mas à sua finalidade. Nesse sentido, Luiz Antonio de Assis Brasil diz que a narrativa precisa ser orgânica, comparada mesmo a um organismo que não tem início nem fim, mas onde tudo se encaixa e tem razão de ser para poder funcionar como uma unidade.

Na narrativa, os episódios também precisam fechar como uma unidade e, para isso, os autores precisam estar atentos às relações de causa e efeito entre esses episódios, e também atentos no sentido de não incluir nesse organismo elementos que não fazem parte dele, elementos de fora que possam ficar mal encaixados ou mal resolvidos na narrativa, porque o leitor percebe quando algo fica em aberto e isso pode frustrá-lo em relação ao seu livro.

Luiz Antonio de Assis Brasil ainda diz que, quando nós iniciamos o romance ou o conto, nós prometemos algo ao leitor e, no fim, precisamos ter cumprido essa promessa. Nós cumprimos nossa promessa com uma boa personagem, um enredo que desenvolve sua “questão essencial” mediante um conflito que aparece quando essa questão se choca com os fatos da vida. A personagem, portanto, é um elemento que deve ser criado com bastante cuidado.

Para o autor é muito fácil imaginar a personagem, ela já existe para ele. Mas para que ela exista da mesma forma para o leitor, essa personagem precisa ser humana.

Quando falamos sobre textos de ficção, não necessariamente a personagem precisa ser um ser humano, outros elementos também podem ser personagem, mas esses elementos precisam agir ou gerar reações, ou mesmo se “comportar” como seres humanos. É isso que o leitor espera, que sensações humanas estejam envolvidas ali. Durante a construção da personagem, então, ela precisa ganhar profundidade ao ponto de o leitor acreditar nela, já que ele compartilha a sua humanidade com a da personagem.

Para dar essa profundidade à personagem, o autor precisa conhecê-la, e uma das maneiras mais comuns e eficazes de se fazer isso é construindo um mapa de personagem, um conjunto de informações ou uma série de perguntas que devem ser respondidas sobre ela.

Nem todas as informações que você coloca ali vão ser abordadas diretamente na narrativa, mas quanto mais o autor conhece sobre essa personagem e consegue responder sobre ela, mais subsídio ele tem para desenvolvê-la de forma coerente no texto.

O mapa do personagem pode incluir as características sociais dessa personagem (o nome, estado civil, onde mora, terra natal, trabalho, estilo de vida…), as características físicas (idade aparente e idade real, etnia, altura, peso, cor dos cabelos e dos olhos, características marcantes do rosto e do corpo…), a família (quem são os pais, o cônjuge, os filhos…), como foi sua infância e juventude, quem foram/são seus amigos e inimigos, suas crenças, visão política, qualidades e defeitos, locais, esportes, filmes estilo musical favoritos, o que o faz feliz ou triste, o que ele mais ama ou odeia, sua maior conquista e maior fracasso, do que mais se envergonha, seu segredo mais sombrio e seu maior desejo.

Conhecendo tudo isso, quando necessário que essa personagem responda a algum estímulo na história, o autor consegue descrever uma resposta coerente com o que vem sendo descrito sobre ela até então, coerente com a pessoa que ela é. Porque a nossa proposta é que aquela personagem seja um ser humano e se comporte de acordo com a sua própria personalidade, profunda e cheia de questões íntimas como todos nós temos. E são justamente essas questões íntimas que a aproximam da humanidade que o autor busca dar a ela.

Se formos pensar no porquê de alguns personagens agradarem tanto na literatura, a resposta vai ser a presença de uma questão íntima forte, que acaba determinando as ações ou não-ações dessa personagem.

Jean Valjean, de Os Miseráveis, por exemplo: a questão essencial desse personagem é a dignidade, o que ele mais queria era ser digno. E ele até consegue, chega um momento da história onde ele é muito querido pela sua comunidade, ele se reconstrói e se torna prefeito. Mas isso é abalado (e aí surge o conflito) quando o policial Javert chega na cidade onde Jean Valjean está e acaba o reconhecendo como um certo criminoso. Temos aí, então, esse conflito entre os personagens, mas mais do que isso, temos uma questão própria do Jean Valjean que prende o leitor mais do que apenas o embate com Javert.

Podemos perceber que é essa questão essencial que cria o conflito da história quando se choca com os fatos da vida, e a narrativa segue para demonstrar como isso vai ser resolvido ou não. O conflito, então, não é exatamente um embate entre uma personagem a outra, mas mais do que isso.

Luiz Antonio de Assis Brasil explica que ele pode até decorrer de ações cruzadas das personagens, mas antes de tudo, ele é expresso por uma fórmula universal e abstrata: honra e desonra, bem e mal, vício e virtude, por exemplo. Geralmente, o conflito vai ser expresso por uma oposição de valores, mas uma oposição entre situações que são universais, e não apenas entre personagens.

O conflito da narrativa, portanto, é uma expressão genérica das tensões do ser humano. Por isso que, quanto mais universal o conflito, mais leitores ele vai abranger e convencer, porque o leitor também vive esses conflitos dentro de si, eles representam situações da vida real por mais ficcional que a história seja. Por outro lado, se pensarmos no conflito apenas como um embate entre uma personagem e outra, a história não se aprofunda e logo acaba. Por isso que, construindo a narrativa, o autor precisa estar ciente de qual questão essencial ele quer tratar e, para identificar isso, ele precisa aguçar a sua visão humana e profunda dos conflitos do dia a dia, das pessoas e das situações, e particularizar essa questão a partir das suas memórias e da sua imaginação.

Outro elemento que muitas vezes é negligenciado, mas que pode auxiliar o autor a desenvolver o conflito e a personagem, e ainda ajudar a envolver o leitor na narrativa, é o espaço.

Como leitora, eu me frustro bastante quando o espaço me é apresentado como uma fotografia estática, quase alheia à história, sendo que ele poderia interagir com o que está sendo contado. É muito mais envolvente quando o espaço se relaciona com o conflito e a personagem de forma mais subjetiva e indireta. Por exemplo: “Camila chegou no bar e observou aquela sala escura, de janelas fechadas e cheia mesas com toalhas quadriculadas”. Por que não desenvolver a personagem Camila em relação ao seu conflito e ao local onde ela está? Digamos que Camila está em um dia péssimo, então o autor pode dizer que Camila chegou no bar e imediatamente se arrependeu, porque a escuridão deixada pelas janelas fechadas a agoniava. Da mesma forma, as cores vivas das toalhas de mesa claramente recém lavadas, já que cheiravam a amaciante de lavanda, eram quase uma zombaria à sua tristeza.

O autor pode desenvolver o espaço e incluir a personagem e sua questão nele, para isso utilizando daquelas 3 ferramentas: memória, observação e imaginação.

Assim, o espaço pode também evocar as sensações humanas que o leitor busca durante a leitura: não só a visão, mas também o olfato, a audição, o gosto, o tato das coisas onde essa personagem está. Esses elementos todos podem também determinar o comportamento da personagem, inclusive influenciar suas atitudes e emoções.

Um bom exercício para isso é tentar descrever um espaço que inclua alguma pessoa que possamos observar e um conflito imaginário. E então, tentar responder: como é esse espaço? Como essa pessoa que estamos observando está se envolvendo com o espaço? Que emoções ela transmite? Essas emoções se relacionam de que forma com esse espaço? Propor questões como essas é sempre uma boa forma de desenvolver nossas ferramentas de escrita, já que as respostas para elas têm potencial de se tornar um romance ou conto bem constituído.

Este texto foi apresentado na noite do dia 15 de junho de 2023, em atividade do Projeto Moinhos – Literatura em movimento.

Autora: Letícia Copatti Dogenski

O assassinato do pensador

Sócrates, dizem, morreu por suas ideias. Cometeu uma espécie de “suicídio” por não condescender com as acusações que lhe foram imputadas e não aceitar penas alternativas. Afinal, a morte, para um filósofo como Sócrates, não era um mal em si mesmo, uma vez que via a filosofia como aprendizagem e preparação para a morte.

Uma mulher sentada e segurando o filho menor nos braços. Ao seu lado o marido, um prisioneiro recém-liberado das correntes, aguarda pelo cumprimento da sentença de pena capital. Eis que entra no recinto um grupo de homens, majoritariamente jovens, e ela diz: “Vê, Fulano, esta é a última vez que conversam contigo os teus amigos, e tu com eles!” E o marido faz o quê? Lança um olhar especial a uma pessoa do grupo e decreta: “Ciclano, faze com que a conduzam para a casa!” A mulher é levada contrariada, debatendo-se e amaldiçoando o marido e os amigos com coisas que só as mulheres estão propensas a dizer em uma ocasião como essa.

Que tal a cena descrita? Não aparenta insensibilidade do marido para com a mulher e o filho? Esse comportamento, ainda que para falar de coisas supostamente mais elevadas com os amigos, seria justificável para alguém que está prestes a morrer? Não nos apressamos em tirar conclusões.

A cena apesentada, creio que para os minimamente familiarizados com o Fédon, o mais popular e, possivelmente, o mais lido dos diálogos de Platão, pode ser identificada como a histórica passagem que relata a última conversa de Sócrates com alguns dos seus discípulos na prisão e no dia que seria executada a sentença da sua condenação à morte. A mulher é Xantipa, a esposa de Sócrates, cognominada de megera, e Fédon é o jovem que narra os trágicos e derradeiros momentos da vida do mestre.

Sócrates, dizem, morreu por suas ideias. Cometeu uma espécie de “suicídio” por não condescender com as acusações que lhe foram imputadas e não aceitar penas alternativas. Afinal, a morte, para um filósofo como Sócrates, não era um mal em si mesmo, uma vez que via a filosofia como aprendizagem e preparação para a morte.

A morte seria um início e não um fim. Assim, na cena do Fédon, Sócrates esbanja serenidade mais do que os outros personagens, mesmo diante da morte iminente.

E quanto ao fato de ele ter mandado a mulher e o filho embora e preferido ficar com amigos? Há estudiosos dos clássicos, como Olof Gigon, que argumentam que Xantipa e o filho representam o mundo da humanidade simples e não dedicada à filosofia e que, apesar do respeito merecido, deveriam arredar um passo quando a filosofia entra em cena.

Entenda-se que, na época, “arredar um passo” significava que a gente comum, sem sutileza filosófica, não tinha qualquer relevância quando um filósofo, ainda que, no caso, sendo o marido dela, abria a boca. Explica mas, nos tempos atuais, somos cientes, não justifica.

Sócrates gozava de popularidade, vivia cercado de jovens e, ao mesmo tempo, angariava inimigos com a sua ironia refinada. Acabaria, no ano 399 a.C., acusado de corromper a juventude e desdenhar o culto aos deuses que davam sustentação à democracia grega.

Uma coisa era indagar sobre o cosmos e outra bem diferente era especular sobre convenções e práticas do discurso oficial que relacionavam divindades à estabilidade cotidiana do Estado. Seus comentários em defesa da aristocracia (como um governo dos melhores) e de ironia à democracia, como sendo a instituição pela qual um macaco podia se tornar um cavalo, bastando que um número suficiente de pessoas votasse nesse sentido, custaram-lhe a submissão aos tribunais.

Há quem sustente que Sócrates não receberia a pena capital.

Havia alternativas para o seu caso. O processo fora montado para forçar o pensador a retratar-se. Mas ele se mostrou inflexível e irritou os juízes quando, na tradicional pergunta sobre qual a pena o réu considerava justa para si próprio, teria respondido que, uma vez tendo prestado tantos serviços à cidade, achava justo receber uma pensão vitalícia do Estado. Também declarou que não aceitaria o degredo. Foi o suficiente para ser condenado à morte. E tampouco aceitou as oportunidades de fuga que lhe foram facultadas.

Assim, no raiar de um dia (não precisado) do ano 399 a.C., o homem que, ao ser apontado pelo oráculo de Delfos como o mais sábio de todos, saiu-se com o “Só sei que nada sei” e nos legou a maiêutica e o lema “Conhece-te a ti mesmo”, seria executado ao beber um extrato de folhas de plantas da espécie Conium maculatum, a popular cicuta.

(Do livro Ah! Essa estranha instituição chamada ciência, 2021.)

Autor: Gilberto Cunha

Sobre a Potência da Docência

Sentimos necessidade de fazer um grande elogio à docência, uma ode à professora e ao professor, ajudando a superar argumentos inibidores em relação à profissão docente.

O que é preciso para melhorar a qualidade da educação escolar? Certamente, esta pergunta já foi feita milhares de vezes, e não pretendemos ter uma resposta definitiva, até porque esta resposta não existe, em função do movimento, do fluxo do real. É sempre uma aproximação.

Antes de tudo, cabe indagar: de que qualidade estamos falando? Entendemos que Educação de Qualidade Social/Democrática é aquela que, pautada num Projeto Humanizador, é visceralmente comprometida com o direito à Aprendizagem Efetiva, ao Desenvolvimento Humano Pleno, na perspectiva do Bem Comum, e à Alegria Crítica (Docta Gaudium), por parte de cada um e de todos os educandos, através da apropriação Crítica, Criativa, Significativa e Duradoura dos Saberes Necessários (conceituais, procedimentais e atitudinais-Proposta Curricular) visando a potencialização da Consciência, do Caráter, da Cidadania e da Formação para o Trabalho, pautada na Solidariedade, na Autonomia Crítica, na Justiça Social, na Paz e na Responsabilidade (por Si, pelo Outro e pelo Planeta).

Comumente, quando perguntamos sobre o que é preciso para melhorar a qualidade da educação escolar, três elementos são destacados.

1.Condições de Trabalho do Professor (salário, plano de carreira, concurso, número de alunos em sala, trabalho coletivo constante, gestão democrática, instalações e equipamentos adequados, quadro funcional completo, material didático, interação com a comunidade, inclusão, Projeto Político-Pedagógico, superar a rotatividade do grupo, a neurose da avaliação externa, o excesso de burocracia, etc.)

2.Formação do Professor, inicial e continuada (Saberes da Realidade; Saberes Éticos, Políticos, Estéticos, Filosóficos, Afetivos; Saberes da Atividade Humana; Saberes da Área de Conhecimento; Saberes da Profissão Docente; Saberes Pedagógicos, trabalhados de forma integrada e interativa, articulada à realidade – Práxis)

3.Prática Pedagógica (basicamente, superar o currículo disciplinar instrucionista e a avaliação classificatória e excludente)

Essas exigências, com toda certeza, são absolutamente fundamentais! Todavia, temos sentido falta de uma outra exigência, a nosso ver tão ou, em alguns casos, até mais relevante que estas.

Potência da Docência

Trazemos aqui uma categoria que não tem estado presente nas análises que circulam nos meios educacionais, tanto no âmbito da escola, como da academia. Trata-se de uma quarta exigência para a melhoria da qualidade da educação escolar que estamos denominando Potência da Docência. Na mesma franja de significação, podemos citar: boniteza da docência, dignidade da docência, sentido da docência, valor da professora e do professor, valor da docência, subjetividade da docência, grandes alegrias da docência, importância, relevância, magnitude, grandiosidade, imprescindibilidade, papel, potencialidade, poder da docência

Perguntamos: que sentido tem a mudança das condições de trabalho, da formação e da prática pedagógica para alguém que não quer ser Professor? Pode haver uma preocupação geral em relação ao futuro da nação, da formação das crianças, etc., mas nada que seja de cunho mais profundo, um apelo pessoal, existencial.

A valorização da atividade docente por parte da Sociedade é muito importante, até para que, no limite, as três exigências apontadas acima sejam cumpridas. No entanto, não adianta a Sociedade valorizar a docência se o próprio professor, ou aquele que está se preparando para ser professor, também não valorizar, não ver sentido, enfim não querer ser professor. Esse é um elemento decisivo, uma exigência absolutamente fundamental.

Por exemplo, mudar a metodologia de trabalho de pouco adiantará se o professor não estiver comprometido (ou seja, se não tiver amor) com a efetiva aprendizagem de cada um e de todos os alunos! De que adianta oferecer uma sofisticada formação para quem não quer ser professor? De que adianta ter um bom salário, poucos alunos em sala de aula, para alguém que não vê sentido na docência? Pode se manter no emprego, em função das boas condições, mas, digamos assim, “não entrega a alma”, não se compromete profundamente com a aprendizagem efetiva, o desenvolvimento humano pleno e a alegria crítica/docta gaudium de cada um e de todos!

Não queremos, de forma alguma, estabelecer uma dicotomia entre a Potência da Docência e as demais categorias de análise. Neste sentido, poderíamos interrogar: de que adianta o muito querer ser professor se as condições materiais, a formação e a possibilidade fazer um trabalho diferenciado lhes são negadas? Insistimos: não se trata de uma coisa ou de outra, mas de uma coisa e outra, em movimento dialético de superação por incorporação, avançando mais, na nova direção, onde for possível, sem perder a perspectiva de conjunto. Como dizia Hegel, a verdade é o todo!

O que desejamos propor é que esta quarta exigência, a Potência da Docência, seja incorporada quando pensamos no processo de melhoria da qualidade da educação escolar, isto é, que seja levada em conta, junto com as demais exigências, como fator decisivo para a melhoria da qualidade!

Utilizamos propositalmente o termo Potência, em princípio um tanto provocativo, para chamar a atenção a um grande problema, a um grande vazio nas análises e a uma grande necessidade de o professor desenvolver ou resgatar sua autoestima, de tomar consciência de sua relevância histórica e cultural. Vale lembrar que a Potência implica tanto a capacidade de realizar suas potencialidades, de transformar-se, quanto a de exercer o poder, sua capacidade de agir, influenciar, interferir, transformar.

Nos dias correntes, temos notícias de muitas situações de professores e professoras que estão em processo de desistência, além de muitos outros que já desistiram, mudando de profissão ou dando “graças a Deus” por terem se aposentado (fazendo questão de divulgar nas redes sociais). A falta de interesse dos jovens pela profissão docente é outro indicador extremamente preocupante. Nos induziram a desacreditar de nós mesmos, do nosso valor, de nossa importância, do nosso poder, de nossa capacidade de provocar mudança.

Sentimos necessidade de fazer um grande elogio à docência, uma ode à professora e ao professor, ajudando a superar argumentos inibidores em relação à profissão docente.

Há um certo costume de se afirmar uma pretensa tautologia de que a “a realidade é a realidade”, especialmente por alguns setores conservadores, que não desejam a mudança. Certamente, existem elementos bastante objetivos da base material da existência.

Por outro lado, sabemos que não temos acesso, digamos assim, à absoluta essência da realidade, que a visão que cada um tem é sempre uma construção, que pode/deve se aperfeiçoar no confronto com a dos demais. O que percebemos é a representação mental que muitos professores têm está muito marcada pela desvalia. Esta representação tem, certamente, um fundamento na vivência, já de um bom tempo, de tantos professores de um cotidiano escolar com muitas marcas de degradação e desrespeito. O sentimento de muitos é mesmo o de impotência, insignificância e desejo de desistência.

Ora, a constituição desta representação, além de elementos objetivos da realidade, tem também uma carga subjetiva marcada por ideias que acabam se tornando argumentos inibidores: conhecimento atualmente se tem em qualquer lugar (reforçado recentemente pelos avanços da Inteligência Artificial); que quem aprende é o aluno, donde se deduziria que o professor é dispensável; que o aluno fica apenas 4 ou 5 horas na escola, e que o que lá é feito é logo desfeito pela família ou sociedade; que a escola não tem os recursos tecnológicos capazes de encantar as novas gerações, etc. Estes argumentos, marcados por visões parciais, por meias verdades, uma vez assumidos pelos professores, minam sua potência!

Como qualquer atividade humana, a docência também é marcada por limites, falhas, contradições. Mas isto tem sido bastante dito e divulgado tanto pelos canais de WhatsApp dos familiares, pelas redes sociais, por uma certa mídia safada que só mostra os problemas das escolas (especialmente as públicas), ou mesmo a perseguição aos professores por governos neofascistas. Queremos aqui, justamente, fazer um contraponto!

Deixamos claro que a ênfase que estamos dando à Potência da Docência não é para um eventual reforço da imagem do professor como o grande demiurgo, o destinatário final da prática educativa escolar.

O fortalecimento da potência do professor é para que possa exercer, de fato, seu papel de mediador, fazer a articulação entre alunos, conhecimentos e realidades, qual seja, a centralidade não está nele (instrucionismo), nem nos alunos (escolanovismo), e sim nas relações que estabelecem em vista de um projeto, da construção de algo melhor, para os alunos e para o mundo (e para ele também, certamente, tanto no imediato – prazer, alegria, realização, sentido – , quanto no longo prazo, enquanto parte da Humanidade).

Focamos no professor inicialmente, de forma estratégica, não para ficar nele, mas para que possa abrir; ajudar a desbravar, colocar em movimento, de forma substancial o processo de ensino-aprendizagem, o cuidado com o aluno de maneira que possa alcançar, pessoal e coletivamente, a aprendizagem efetiva, o desenvolvimento humano pleno e a alegria crítica (docta gaudium).

Afinal, que sentido teria a docência se sistematicamente os alunos não aprendessem? Ao contrário, quando realiza isto, o professor consolida uma base extremamente sólida para sua Potência!

O Querer Ser Professor é uma Construção

Ao nos referirmos à relevância do Querer Ser Professor, cabem duas observações:

O Querer Ser Professor admite gradação e não “nasce pronto”; pelo contrário, será um desafio ao longo de toda a trajetória docente. Vemos situações de professores que nunca desenvolveram um autêntico querer pela docência; outros que desenvolveram e que, ao longo do tempo, por uma série de causas, foram perdendo o entusiasmo; assim como há aqueles que, apesar das dificuldades, conseguem manter um nível de mobilização para com a docência. Desde os tempos dos bancos escolares, ou antes, ao fim do exercício profissional, ou depois, o querer ser professor está em (re)construção!

– O Querer Ser Professor é uma construção que se dá no sujeito, porém numa base histórico-cultural, qual seja, muitas vezes o sujeito não quer ser professor em função daquilo que vivenciou ou tem notícia em termos de condições de trabalho, formação e práticas pedagógicas dos professores em atividade. Ao mesmo tempo, sabemos que esta constituição do Querer Ser Professor não é um reflexo mecânico das condições materiais da existência.

A relação é dialética, isto é, uma dimensão pede a outra, uma nega a outra, e neste processo vão se superando, avançando por aproximações sucessivas, e por superação por incorporação, preservando elementos válidos da dimensão negada (e não simples negação). Sempre há uma Zona de Autonomia Relativa. Basta ver que há pessoas, no atual momento, muitas vezes bastante degradado, que querem ser professores (querem vir a ser ou querem continuar sendo professores)!

O Amor Importa

Ao incluir a Potência da Docência como uma categoria a ser levada em conta no processo de melhoria da qualidade da educação escolar, o que visamos também é apontar para a necessária tomada de consciência de algo que está tão presente na realidade em geral e na educação escolar: os afetos, as emoções, os vínculos, os desejos, as necessidades, a mobilização, a curiosidade, enfim, tudo aquilo que o Amor abarca, e fazem parte, que são elementos indissociáveis da tecitura do real.

O Amor importa! Desta forma, é preciso refletir sobre este elemento central que é o Querer Ser Professor, o Amor à Profissão: querer ensinar, querer que o aluno aprenda, porque acredita, tem um amor pelo saber, pelo conhecimento, pelo conteúdo, vê a importância daquilo que está ensinando, tendo em vista um horizonte melhor tanto para a vida singular de cada um e de todos os estudantes, quanto para a transformação da Sociedade, na perspectiva da Emancipação Humana.

A tão necessária “atratividade da profissão docente” não pode ficar restrita aos aspectos objetivos da prática. Se o professor não encontrar um Sentido maior para sua Atividade, não há condições objetivas (salário, número de alunos em sala, cursos, ou metodologia inovadora, etc.) que possam realizá-lo!

Brevíssima Nota sobre o Amor

O Amor é uma das palavras mais faladas, mas também uma das mais distorcidas, banalizadas. Há zonas nebulosas em todas as partes, desde a questão conceitual (afinal, o que é o Amor?), até questões atitudinais (discurso negado pelas ações concretas), e mesmo éticas (sendo usado como estratégia de manipulação) e política (como forma de “adocicar” a realidade, levando ao apassivamento e comodismo, à alienação).

Não estamos falando do amor romântico, nem religioso, nem da autoajuda, nem de “receituário pedagógico”, nem do amor associado à frouxidão, à falta de limites, ao “passar a mão na cabeça do aluno”, e muito menos à associação com “sacerdócio” do professor (lembrando que “amor não paga as contas”…)!

Nossa abordagem do Amor se pretende antropológica, ontológica, filosófica, ética, política, psíquica e pedagógica.

Diferentes pensadores, de diferentes épocas, nos ajudam com suas formulações sobre o Amor: Eros, Philia e Ágape; Affectus; Energética da Ação; Amor Mundi; Aceitação do Outro como Legítimo Outro; Amorosidade, Amor como Revolução, Reconhecimento, Ressonância, Alteridade, Relação Ético-Política, etc. O conceito de Amor que temos assumido como referência maior é: “O Amor é a afinidade do ser com o ser”, justamente por seu caráter genérico, universal, cósmico (já que não é exclusivo do ser humano), admitindo uma gradação de enorme espectro que vai da força física (no caso das partículas subatômicas, por exemplo) ao amor incondicional pelo outro!

Retomando…

O que é mesmo essencial para melhorar a Educação Escolar?

Entendemos que quatro grandes exigências devem ser, em alguma medida, satisfeitas:

1.Garantir as Condições de Trabalho do Professor (e dos Trabalhadores da Educação em geral)

2.Rever a Formação do Professor

3.Rever a Prática Pedagógica

4.Resgatar a Potência da Docência

Lembrando que toda esquematização é uma simplificação da complexa realidade, com fins didáticos de a compreender. Não deve ser absolutizada; deve/pode ser usada e depois deixada de lado, analisando se de fato está ajudando a entender a realidade com vistas a nela intervir para transformar!

Autor: Celso dos S. Vasconcellos

Bibliografia de Referência

VASCONCELLOS, Celso dos S. Currículo: a Atividade Humana como Princípio Educativo, 4ª ed. São Paulo: Libertad, 2017.

__________ Avaliação da Aprendizagem: Práticas de Mudança – por uma práxis transformadora, 12a ed. São Paulo: Libertad, 2017.

__________ Avaliação: Concepção Dialética-Libertadora do Processo de Avaliação Escolar, 20ª ed. São Paulo: Libertad, 2015.

__________ Construção do Conhecimento em Sala de Aula, 18a ed. São Paulo: Libertad, 2017.

__________ Coordenação do Trabalho Pedagógico: do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula, 16a ed. São Paulo: Cortez, 2020

__________ Indisciplina e Disciplina Escolar: fundamentos para o trabalho docente, 4ª reimpressão. São Paulo: Cortez, 2017.

__________ Para onde vai o Professor? Resgate do Professor como Sujeito de Transformação, 14a ed. São Paulo: Libertad, 2018.

__________ Planejamento: Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico, 26ª ed. São Paulo: Libertad, 2018.

Trabalho Infantil

Explorar o trabalho infantil é impedir a emancipação do gênero humano em sua totalidade.

O trabalho infantil fere a dignidade humana e exige uma atitude ética de respeito. É comum encontrar em páginas dos jornais e em noticiários da TV e da internet estatísticas escandalosas sobre a exploração da mão-de-obra infantil. Isso denota que o sistema econômico vigente é o capitalismo selvagem que põe o lucro acima do valor da pessoa humana.

Explorar o trabalho infantil é impedir a legitimidade da cidadania, é macular a emancipação humana.

Afinal, ser criança é, acima de tudo, um direito garantido e reconhecido universalmente em qualquer estado democrático de direito. Então, explorar o trabalho infantil é um crime que exige reparo do Estado de direito.

A legitimidade política de uma sociedade passa pela maneira de como ela investe e cuida de suas crianças.

O desenvolvimento econômico, para ser correto, do ponto de vista ético e político, tem que primeiro garantir a qualidade de vida das pessoas, começando pelas crianças. Isso significa que a principal prioridade do Estado, em sua ação política, deve ser a infra-estrutura básica. Essa infra-estrutura é a mediação para que cada pessoa adquira o acúmulo material de sua existência no mundo. Esse acúmulo significa: moradia, trabalho digno, salário justo, saúde, educação, lazer. Neste sentido, a ética não precisa consultar a política para garantir sua legitimidade racional, mas a política para ser correta precisa da legitimidade ética.

A exploração da mão-de-obra infantil é um escândalo moral que entrava a cidadania e macula a dignidade do ser humano.

Explorar o trabalho infantil é impedir a emancipação do gênero humano em sua totalidade.

Uma sociedade que se pensa emancipada não pode matar o sentido horizonte de uma criança. Isso seria antecipar o seu futuro precocemente, impedindo seu direito de ser criança, através do trabalho. É um imperativo ético consagrado que o direito da criança é crescer brincado. Daí, com certeza, nascerá o cidadão (ã) condutor das liberdades públicas e privadas.

Eliminar o trabalho infantil é, acima de tudo, uma exigência ética e uma postura política correta de respeito aos direitos humanos fundamentais. Outrossim, não se faz desenvolvimento sustentável e responsável, impedindo as crianças de viverem sua dimensão lúdica infantil.

Pôr fim ao trabalho infantil é postular uma outra lógica de desenvolvimento que não seja a lógica do lucro pelo lucro, mas a lógica do desenvolvimento solidário, que garanta o direito infantil das crianças.

As crianças precisam ser estimuladas a brincar, jogar, praticar o lúdico.  Etimologicamente, brincar significa criar vínculos, socializar-se, conviver com o outro de forma prazerosa, de trocas e formação de regras que surgem naturalmente e que ajudam a consolidar a personalidade a em formação de maneira positiva. (Autora Rosangela Trajano) Leia mais: https://www.neipies.com/as-criancas-precisam-voltar-a-brincar-e-aprender-a-descontrair/

Autor: José André da Costa

O que mais José Maria poderia fazer pelo sucesso das pessoas que amava?

Quantas rezas deve ter feito ali naquela capela pela vida do menino que falecera de câncer ósseo? Bem sabemos que as práticas religiosas consistem em tentativas de se obter sucesso quando já se esgotaram todos os recursos que existem para tanto.

Certa vez, levei uma equipe infantojuvenil do S.C. Gaúcho a participar de um campeonato de futebol em La Rioja, Norte da Argentina.

No Estádio Rioja Júnior, numa manhã fria, o argentino José Maria contou-me do garoto que sentira dor no joelho após um jogo de futebol infantil e, meses depois, consciente de tudo, morrera com câncer ósseo. Homem inteligente e afetivo, as feições de José Maria, meu amigo recente, se pintadas ou fotografadas, dariam a imagem exata da eterna indagação: “Há sentido na vida?”

José Maria levou nossa delegação a passar um dia no Lago del Dique (foto acima). A água da cidade vem desse reservatório situado no alto, por entre as montanhas, e alimentado por riachos dos degelos andinos.

La Rioja situa-se no final de um grande deserto e há sete meses não recebia um pingo de chuva. Para chegarmos lá, rodamos seis horas por uma imensa planície de areia, cactos, pontes sobre o leito de rios secos, sem povoação e nada ao longo da rodovia. Um deserto “deserto”. Encontramos uma cidade de pouco mais de cem mil habitantes com raros edifícios devido à possibilidade de terremotos, situada no final desse deserto e no início das montanhas pré-Andinas.

Guiados pelo amigo argentino, subimos em uma elevação em que havia uma pequena capela, local para socorro e consolação.

O curioso é que lá do alto quando se olhava o deserto sem fim ele mais parecia um oceano.

José Maria, católico de família – havia me dito que, para ele, Evita Perón fora uma santa -, ajoelhou-se em frente à capela e rezou pelos filhos que, naquela mesma noite, tentavam a sorte em um programa de calouros na TV em Buenos Aires como cantores juvenis.

Quantas rezas deve ter feito ali naquela capela pela vida do menino que falecera de câncer ósseo? Bem sabemos que as práticas religiosas consistem em tentativas de se obter sucesso quando já se esgotaram todos os recursos que existem para tanto.

José Maria, ajoelhado, continuava a rezar.

O que mais ele poderia fazer pelo sucesso das pessoas que amava?

Autor: Jorge Alberto Salton

Sobre o Amor

Amar é derramar a alma em sua exuberância. É por isso que o amor é uma celebração que acontece além de determinações. É força vital.

O amor não precisa de um dia especial. Ele é celebrado na vida, enquanto ela acontecer. Amar é conferir sentido ao mundo que compreendemos e construímos. É por isso que o amor traz à tona significados ainda não presentes.

Na experiência do amor, não há lugar para preconceitos. As atitudes discriminatórias funcionam com uma espécie de caixas em que as pessoas são colocadas, ou como um coador em que são retidos os elementos que não interessam aos preconceituosos.

Há momentos em que se faz necessário exercitar a rebeldia, para afirmar o lugar do amor e descontinuar entendimentos corrosivos entre os humanos. O amor busca como meta a felicidade que se associa à liberdade, na afirmação da experiência amorosa.

Nem sempre em nossas contingências conseguimos o tempo suficiente para nos entendermos como seres do amor. Até porque o amor não é tangível, não é tátil, não é uma coisa a ser adquirida. Ele é experienciado no mundo dos afetos, como um sentimento que nos toca na interioridade mais profunda. Este é o sentido de transformação que o amor produz na vida das pessoas.

E, sobretudo pela sua gratuidade, a celebração do amor requer quase uma liturgia própria, uma ritualização compreensiva de sonhos, desejos, projetos, cuidados, saberes e acolhida. Amar é cuidar de modo singular. É por isso que amamos com muita intensidade e generosidade.

Somos sujeitos que temos capacidade de amar, porque construímos significados na vivência do amor. Não amamos por recursos à retórica, ou por dedução lógica, nem por ritos programados, mas porque somos inclinados a captar a essência do amor como um ato humano de dignidade e de liberdade.

Conseguimos, portanto, dimensionar a amplitude do amor, que não se reduz simplesmente a uma troca de emoções entusiasmadas, mas porque reconhecemos no conforto que o amor produz entre os humanos, a solenidade de uma proteção efetiva, uma proteção de alma, tal como a pele protege os ossos.

Essa proteção é experimentada pelos que aceitam viver a experiência de acolhida e de cuidado, em que o amor realiza sua celebração de forma ímpar. Amar é derramar a alma em sua exuberância. É por isso que o amor é uma celebração que acontece além de determinações. É força vital.

Assista e ouça: canção Amar, Roupa Nova. https://youtu.be/8A67cyyJAkk?t=127

Autora: Cecilia Pires

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