O futuro “lobo solitário” não é um ser estranho. É ele “um de nós” que está dominado pelo pensamento primitivo maniqueísta, que tem fortes desejos narcisistas, que está socialmente isolado, que tem acesso a armas e que mentalmente está preso na bolha de um movimento discriminador, xenofóbico, excludente.
Crimes assustadores, assombrosos, terroríficos em escolas como ocorridos nas cidades de Aracruz e Saudades, para citar dois exemplos, nos obrigam a examinar quem são esses assassinos chamados de “lobos solitários”.
Por terrorismo, referimos o uso da violência que visa assustar um público mais amplo do que os alvos diretos do ataque. Autores como Jerrold Post da The George Washington University, dividem o terrorismo em ondas: (1) onda anarquista; (2) nacional-separatista; (3) sócio-revolucionária; (4) onda religiosa e (5) onda “lobo solitário”.
A quinta onda provoca pânico pela sensação de que o agente do terrorismo pode surgir em qualquer local e a qualquer momento. E pergunta-se: até mesmo em qualquer pessoa?
Estudos de casos tentam encontrar características que distingam os futuros “lobos solitários” das demais pessoas.
Já se sabe que: (1) não há relação direta com uma doença mental listada nas classificações; (2) há com frequência a presença de traços narcisistas; (3) isolamento social; (4) acesso a armas; (5) agem por conta mas mentalmente estão na bolha de algum movimento discriminador, xenofóbico, excludente; (6) o pensar primitivo, maniqueísta, em dado momento passa a dominar a mente desses indivíduos.
O co-piloto alemão Andreas L. que derrubou uma aeronave da Germanwings em 24/03/2015 apresentava depressão e risco de suicídio. Mas essas características não foram as mais relevantes. Inclusive, a maioria das pessoas depressivas que cometem o suicídio não mata outras pessoas.
É possível que Andreas L. apresentasse traços de personalidade antissocial e é bastante provável que apresentasse fortes traços narcisistas de personalidade. Ou seja, a necessidade de ser “admirado” no mundo todo pode ter contribuído para o ato midiático de cometer homicídio e suicídio derrubando um avião.
Anders B., o norueguês que em 22/07/2011 em dois ataques terroristas matou setenta e sete pessoas, não era uma pessoa violenta. Assistam “22 de julho” na Netflix. A sua biografia comprova isso. E, após controvérsia inicial, a avaliação psiquiátrica concluiu que ele não apresentava doença mental. Mas revelava sim traços narcisistas e, nos anos que precederam o ato criminoso, foi gradativamente se afastando das pessoas.
A decisão de planejar a matança ocorreu no momento em que ele, isolado socialmente e desejoso de realizar suas necessidades narcisistas, tornou-se frequentador assíduo de sites maniqueístas existentes na época como “Gates of Vienna” e “Stormfront”. Fez o que fez mentalmente vinculado a ideologia xenofóbica contida nos sites. Asne Seierstad (“Um de nós”, Record, 2016) está na foto da crônica pelo seu admirável trabalho de pesquisa. Ela fez aquele que talvez seja o mais extenso e minucioso estudo de caso de um “lobo solitário”. Na biografia que escreve sobre Anders B. fica evidente que os ataques terroristas foram precedidos pelo predomínio do pensar maniqueísta, a característica (6) citada acima.
Mani, filósofo persa do século III, trouxe para a filosofia a forma primitiva do pensar humano que diz que aquele ou aquilo que eu não conheço é meu inimigo.
O pensamento maniqueísta apresenta sete características: reducionismo, generalização, dogmatização, uma forma de pensar que, a partir de uma suspeita qualquer, já salta para a conclusão, ausência de autocrítica, inexistência de empatia e necessidade de inimigos. Há a divisão entre “nós e eles”. E “eles” deixam de ser “gente como a gente”.
A humanidade conseguiu desenvolver o pensamento científico: sabe observar, classificar, deduzir, induzir, experimentar. Conseguiu, desde Isaac Newton (1642-1727), entender que “a maça” cai pela força da gravidade. Porém, a forma primitiva de pensar está dentro de nós e pode dominar nossas mentes: a maça cai na nossa cabeça porque os desconhecidos, os diferentes, os maus, os inimigos a jogaram em nós.
O futuro “lobo solitário” não é um ser estranho. É ele “um de nós” que está dominado pelo pensamento primitivo maniqueísta, que tem fortes desejos narcisistas, que está socialmente isolado, que tem acesso a armas e que mentalmente está preso na bolha de um movimento discriminador, xenofóbico, excludente. O problema é como detectar essas pessoas antes de cometerem o hediondo ato criminoso.
Sugiro a leitura do artigo: “Understanding the Motivations of ‘Lone Wolf’ Terrorists: The ‘Bathtub’ Model”, Perspectives on Terrorism Vol. 15, No. 2, April 2021. Este artigo de Boaz Ganor baseia-se em extensos estudos realizados sobre as motivações dos “lobos solitários” pelo Instituto Internacional de Contraterrorismo (ICT) com sede em Herzliya, Israel. Busca contribuir com a literatura sobre o tema propondo um novo modelo. O “Modelo da Banheira” sugere que o processo de formação da decisão do “lobo solitário” de perpetrar um ataque pode ser semelhante a um recipiente de água (como uma banheira), que seria preenchido por várias fontes de água, cada uma representando grupos e subgrupos de motivações. O limite superior do modelo “banheira” representa, portanto, o nível máximo da capacidade do “lobo solitário” de conter suas motivações, frustrações e emoções.
“Em Defesa da Palavra”, do autor Eduardo Galeano, é aquele tipo de texto que você quer mostrar para todo mundo.
Conheci esta sua instigante reflexão nos anos 1990, por intermédio de uma professora de Literatura no Ensino Médio, numa escola estadual de Santo Ângelo, RS. Este texto marcou-me profundamente, a tal ponto que o retomo agora, ao ser acolhido como membro efetivo da Academia Passo-fundense de Letras, pois o considero um tratado sobre a necessidade da autenticidade da escrita e da literatura.
Gosto muito de um outro texto, um conto do autor, cujo título é “O mundo”. Não canso de repeti-lo e recontá-lo, pois tem um jeito especial de fazer todo mundo entender as diferenças entre os humanos.
Segue o texto “Em defesa da palavra”, do autor Eduardo Galeano.
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Nas longas noites de insônia e nos dias de desânimo, aparece uma mosca que fica zumbindo na nossa cabeça: “Vale a pena escrever? Será que as palavras sobreviverão em meio aos adeuses e aos crimes? Tem sentido esta profissão que escolhemos, ou pela qual fomos escolhidos?
As pessoas escrevem a partir de uma necessidade de comunicação e de comunhão com os outros para denunciar aquilo que perturba e compartilhar o que traz alegria. As pessoas escrevem contra sua própria solidão e a solidão dos demais, porque supõem que a literatura transmite conhecimentos, age sobre a linguagem e a conduta de quem a recebe, e nos ajuda a conhecer melhor, para nos salvar juntos.
Na realidade, escrevemos para pessoas com cuja sorte ou má sorte nos sentimos identificados: os que comem mal, que dormem pouco, rebeldes e humilhados desta terra; que em geral nem sabem ler. Dentre a minoria alfabetizada, quantas dispõem de dinheiro para comprar livros?
Que bela tarefa de anunciar o mundo dos justos e dos livres! Que função mais digna, essa de dizer não ao sistema da fome e das cadeias visíveis ou invisíveis! Mas os limites estão a quantos metros de nós? Até onde os donos do poder nos dão permissão de ir?
Escrevemos para despistar a morte e destruir os fantasmas que nos afligem, por dentro; mas aquilo que escrevemos só pode ser útil quando coincide, de alguma maneira, com a necessidade coletiva à conquista da identidade.
Ao dizer “Sou assim” e assim me oferecer, avalio que eu gostaria, como escritor, poder ajudar muitas pessoas a tomar consciência do que são. Enquanto instrumento de revelação da identidade coletiva, a arte deveria ser considerada matéria de primeira necessidade e não artigo de luxo.
A obra nasce da consciência ferida do escritor e projeta-se ao mundo. Então, o ato de criação é um ato de solidariedade.
Acredito no meu ofício. Creio no meu instrumento. Nunca pude entender por que escrevem esses escritores que vivem dizendo, tão cheios de si, que escrever não tem sentido num mundo onde as pessoas morrem de fome. Também jamais consegui entender os que convertem a palavra em alvo de fúrias ou um objeto de fetichismo. A palavra é uma arma que pode ser bem ou mal usada: a culpa do crime nunca é da faca.
Creio que a função primordial da literatura atual consiste em resgatar a palavra, que foi usada e abusada com impunidade e frequência, para impedir ou atraiçoar a comunicação.
“Liberdade” é, no meu país, o nome de uma cadeia para presos políticos; chama-se “Democracia” a vários regimes de terror; a palavra “amor” define a relação do homem com seu automóvel; por revolução entende-se aquilo que um novo detergente pode fazer na sua cozinha; “glória” é o que um sabonete de certa marca produz; “felicidade” é a sensação que se tem ao comer salsichas. “País em paz” significa em muitos lugares da América Latina, “cemitério em ordem”; e onde se diz “homem são” deveria ler-se muitas vezes “homem impotente”.
Ao escrever, é possível oferecer o testemunho do nosso tempo e da nossa gente, para agora e para depois, apesar da perseguição e da censura. Pode-se escrever como que dizendo, de certa maneira: “Estamos aqui, aqui estivemos; somos assim, assim fomos”.
Na América Latina, lentamente vai tomando força e forma uma literatura que não ajuda os demais a dormir; antes, tira-lhes o sono; que não se propõe enterrar os nossos mortos; antes que perpetuá-los; que se nega a limpar as cinzas mas, em troca, procura acender o fogo.
Essa literatura continua e enriquece uma formidável tradição de palavras que lutam. Se é melhor como cremos a esperança à nostalgia, talvez esta literatura nascente possa chegar a merecer a beleza das forças sociais, que mudarão radicalmente o curso da nossa história, mais cedo ou mais tarde, por bem ou por mal. E, quem sabe, ajude a guardar, para os jovens que virão, “o verdadeiro nome de cada coisa” – como dizia o poeta.
Autor: Eduardo Galeano (1940 – 2015). Escritor uruguaio, autor de “As veias abertas da América Latina”. Do livro “Crónicas 1963-1988”.
“Em realidade, a gente escreve para as pessoas com cuja sorte ou má sorte se sente identificado: os que comem mal, os que dormem pouco, os rebeldes e humilhados desta terra: que em geral nem sabem ler”. (Eduardo Galeano. Em defesa da palavra)
Desejo tornar público pequeno texto que escrevi para externar minha motivação pessoal para integrar a Academia Passo-Fundense de Letras. Este texto foi apresentado, junto com outros documentos, na minha inscrição para me tornar membro efetivo da APL (Academia Passo-Fundense de Letras) que, neste ano de 2023, completa seus 85 anos de existência.
“A escrita perpassa a minha história e biografia pessoal e profissional. Desde cedo, ainda nos anos finais do Ensino Fundamental, encontrei na escrita uma forma de me “tornar bonito aos outros”, como ensinara Rubem Alves. Acontece que, por sofrer de gagueira, compensava formas de valorizar minha importância na sala de aula, através de leituras e de iniciativas de escrita.
No Ensino Fundamental, a leitura foi um grande laboratório para a imaginação, criatividade e vontade de expressar ideias e sentimentos, que foram se aperfeiçoando ao longo da vida. No Ensino Médio, a leitura restringiu-se a livros e literatura de autoajuda, livros de psicologia e outros leituras que complementavam o vazio existencial de uma alma que se descobria jovem. Na escola, muita teoria sobre literatura e pouco estímulo ao prazer e gosto pela leitura.
No Ensino Superior, já em Passo Fundo, continuei escrevendo, descobrindo potencialidades e aperfeiçoando reflexões através dos estudos filosóficos. Foi um momento rico e desafiador, sobretudo ao despertar também para as dimensões poéticas da escrita (a descoberta da poesia).
Desde então, há 25 anos, dedico-me à escrita de crônicas. Já publiquei em diferentes periódicos como jornais, revistas impressas, revistas especializadas de educação. Sempre busquei espaços para publicação, infelizmente restritos àqueles e àquelas que se fazem escritores, nos interstícios da vida, do tempo disponível e das atividades do cotidiano.
Em dezembro de 2014, lancei primeiro livro: “Conviver, educar e participar: nos palcos da vida”, onde selecionei mais de 80 crônicas já publicadas em revistas, jornais e outros periódicos.
Ainda no mesmo mês, passamos a editar site www.neipies.com Nasceu daí um movimento que visa o engajamento e fortalecimento da escrita desde Passo Fundo, ao agregar outras pessoas que, regularmente, escrevem e publicam. Hoje, mais de 70 pessoas, a quem denominamos Convidados, se agregaram nesta iniciativa (alguns daqui e outros de fora de Passo Fundo). Temos especial atenção a novos escritores e novas escritoras, que passam a contar com este espaço de escrita e divulgação de suas produções literárias.
Mais recentemente, também me envolvi por sete anos, na organização e promoção do Projeto “Bandinho de Letras”, vinculado à UPF (Universidade de Passo Fundo)/Mundo da Leitura.
Em 2017, protagonizei a criação de uma Comunidade no Faceboock denominada “Cultura local em Passo Fundo”, que conta com mais de 160 membros, maioria deles envolvidos na defesa da cultura local e na produção literária.
Participo, ainda, de uma Sociedade Literária, denominada Sociedade dos Poetas Vivos, com atuação em nossa cidade. Esta sociedade reúne escritores locais que, coletivamente, promovem a leitura e a literatura, bem como editam livros a partir de contribuições de seus membros. Em livro O monstro e a flor, participo com a publicação de uma crônica Um palco e uma passagem.
Como se pode constatar, há um crescente envolvimento e engajamento meu em prol da leitura, escrita e literatura desde a cidade de Passo Fundo.
Minha motivação para participar da Academia Passo-Fundense de Letras intenciona fortalecer todos os esforços e iniciativas que promovam verdadeiramente a escrita, a leitura e a produção de literatura desde a nossa querida e amada Passo Fundo. Queremos ajudar a construir uma cidade que valorize e reconheça as histórias e as contribuições de todas as pessoas que, indistintamente, a seu modo, fazem deste lugar um espaço de boa convivência, de reconhecimento dos seus feitos e histórias e que necessitam de reconhecimento social”.
Posse de novos membros da Academia Passo-Fundense de Letras
A Academia Passo-Fundense empossará seis novos membros em evento que ocorrerá no dia 24 de março de 2023. Segue registro de acolhimento aos novos membros. (Arquivo APL)
Destruímos aquilo que não nos pertence e temos dificuldade de compreender: nossa própria existência, pois realizamos uma enorme confusão entre viver, sobreviver, ter êxito e ter uma vida boa.
A pergunta que dá o título deste escrito pode parecer óbvia demais num tempo em que, frequentemente, vemos estampado nos jornais, nas revistas de grande circulação, nos noticiários, nos reality shows, nas diversas mídias o realce a certas personalidades consideradas pessoas bem-sucedidas.
Seja no mundo empresarial, da moda, no meio artístico, no âmbito político ou científico, tais pessoas são exaltadas por terem tido sucesso financeiro, por serem famosas, por obterem “reconhecimento” do público, por ganharem uma competição ou eleição ou, ainda, por terem descoberto algo inédito.
Neste contexto, ter uma vida bem-sucedida é confundida como sinônimo de “êxito social”. Lamentavelmente, essa confusão faz com que o “imperativo do êxito” seja posto como projeto de vida. Para muitos, ter um minuto de fama, ter nas mãos o poder, ganhar muito dinheiro, ser idolatrado, conquistar um título, ser visto nos jornais ou na mídia está acima de qualquer outro objetivo de vida.
O estilo de vida contemporâneo ficou tão ofuscado com essa estreita concepção de sucesso que perdeu o horizonte da própria existência humana. Os holofotes do êxito produziram a banalização e a “barbarização” da vida: em nome do sucesso jovens modelos são capazes de sacrificar a saúde, submetendo-se as terríveis dietas para ter um “um corpo ideal”; em vista do lucro empresários são capazes de submeter centenas ou até milhares de trabalhadores em condições precárias de trabalho com salários aviltados; em vista do poder candidatos são capazes de fazer de tudo para ganhar eleições (comprar votos, fazer acordos suspeitos, articular alianças absurdas, renegar princípios, enterrar a ética etc); atletas são capazes de se submeter as mais perversas técnicas de exaustão do corpo para conquistar um título inédito; em vista do enriquecimento, traficantes são capazes de ceifar milhares de vidas colocando nas mãos de adolescentes e jovens os instrumentos da auto-destruição.
Será que ainda sabemos o que significa uma vida bem-sucedida?
Alguém pode dizer que tem uma vida bem-sucedida quando seu “êxito individual” é diretamente responsável direto ou indiretamente pela eliminação ou destruição de outros?
Alguém pode sentir orgulho de ter vencido uma eleição e se sentir o “legítimo representante do povo” quando os votos foram comprados ou está comprometido com grupos suspeitos que financiaram sua eleição ou mesmo por meio de fakes news?
Se olharmos com atenção os acontecimentos que nos rodeiam, chegamos à conclusão que o curso do mundo nos escapa. Na expressão do filósofo francês Luc Ferry, o mundo parece, por assim dizer, um giroscópio que deve simplesmente girar para não cair, independentemente de qualquer projeto.
Induzidos mecanicamente, jogados numa rotina frenética, acelerada, dinâmica, exigente, mas sobretudo fora de qualquer finalidade visível, somos limitados a conquistar escassas migalhas que sobram duma lógica perversa que se autodestrói. Por isso, nosso tempo é marcado pelo desejo inautêntico do consumo onde “ter uma vida bem-sucedida” significa, para muitos, poder consumir tudo aquilo que está a nossa frente. E assim, destruímos aquilo que não nos pertence e temos dificuldade de compreender: nossa própria existência, pois realizamos uma enorme confusão entre viver, sobreviver, ter êxito e ter uma vida boa.
No próximo dia 09 de março, em uma quinta-feira, terá início na cidade que leva o título de Capital Nacional da Literatura, um projeto inovador, descentralizado e com foco em literatura, trata-se do Projeto Moinhos – Literatura em Movimento, uma inciativa da editora e produtora cultural Projetos Sorrisos (https://instagram.com/projetossorrisos?igshid=NmE0MzVhZDY= ).
O Projeto Moinhos: Literatura em Movimento, é um projeto híbrido de natureza descentralizada, itinerante, democrática, de incentivo à produção literária e à leitura, projeto que conta com 32 profissionais gaúchos ou residentes no Rio Grande do Sul, profissionais experientes, envolvidos com literatura em seus vários desdobramentos, entre eles: autores, editores, ilustradores e contadores de histórias.
Idealizado pela escritora, contadora de histórias e produtora cultural Luciana Marinho Albrecht em 2018, o Moinhos teve seu projeto piloto em parceria com a Sociedade dos Poetas Vivos de Passo Fundo em 2020, uma ideia que evoluiu e concorreu no edital estadual PRÓ-CULTURA FAC Publicações da Secretaria de Estado da Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, sendo contemplado em 2022.
O Moinhos conta com a coordenação de núcleo artístico do professor e escritor Aleixo da Rosa e coordenação de redes sociais e meios digitais da arquiteta e escritora Stefani Pinheiro Paludo e a coordenação geral de Luciana Marinho Albrecht.
O projeto foi planejado para acontecer em 03 períodos do ano de 2023, na nona região funcional do Rio Grande do Sul, mais especificamente na cidade de Passo Fundo/RS.
As três edições do projeto acontecerão em locais diversos, físicos e virtuais, fechados e a céu aberto, de fácil acesso à população, como livrarias, o teatro municipal Múcio de Castro, o auditório da Academia Passo-Fundense de Letras, praças e também na internet através das redes sociais e plataforma Youtube. Os locais onde acontecerão as intervenções presenciais têm forte relação histórica e cultural com a cidade de Passo Fundo.
O projeto ainda prevê a distribuição de 200 obras literárias para as escolas públicas, ongs e demais participantes dos eventos.
Como a própria autora do projeto se refere a ele, “o Projeto Moinhos será uma explosão de literatura na cidade, é a literatura viva e circulante”.
Para saber mais sobre o Moinhos e acompanhar a vasta programação e as datas dos eventos confira as redes sociais oficiais do projeto:
A vida nos dá várias “laranjas” para serem descascadas. A religião pode nos ajudar a “descascá-las”.
Com essas perguntas iniciei, uma das primeiras aulas de Ensino Religioso com uma turma de Sétimo Ano do Ensino Fundamental em uma escola pública da rede municipal de Passo Fundo, RS.
Para conectar as duas questões e encontrar as respostas, contei aos alunos a história que resumo a seguir.
“Quando eu tinha 17 anos, minha família foi, por um tempo, dona de um bar, em Getúlio Vargas.
Certa tarde entrou no estabelecimento um senhor humilde e eu o olhei “de cima a baixo”.
Meu irmão mais velho, naquela época, tocava violão, e nosso ritmo preferido era rock.
O homem elogiou o talento do meu irmão ao violão e pediu que ele tocasse algumas músicas sertanejas, ao que eu respondi, com desprezo:
— Ele não toca essas porcarias!
O senhor, visivelmente, se sentiu humilhado.
Não muito tempo depois, o bar faliu. Tive que procurar um emprego, qualquer emprego, meu primeiro emprego, para contribuir com a renda familiar.
A única vaga que consegui foi em um curtume, na pior parte possível da produção: eu deveria tirar o couro dos carroções, um por um, centenas e centenas de couros, e estendê-los em uma esteira para iniciar a secagem.
Adivinhe quem era meu companheiro de trabalho? Aquele senhor que, um tempo antes, eu havia humilhado. E, ao contrário do que eu podia esperar, ele me tratou muito bem. Lembrava-se de mim e me deu dicas de como fazer o trabalho da melhor maneira possível, tudo de forma amável, altruísta.
Na metade da manhã, soou o sinal do intervalo. Quinze minutos. O lugar era frio e fétido. Um gigantesco porão. Eu estava com dor nos braços e nas costas, com frio e com fome. Mas o pior, mesmo, era o quanto eu me sentia desamparado, desenganado, humilhado.
Como eu não tinha levado merenda, tive que me contentar com algumas laranjas que o senhor humilde me ofereceu. Comecei, com uma faca de serrinha, sofregamente, a descascar uma das laranjas.
As mãos, geladas, tremiam. O fio da faca também não ajudava.
— Não é assim que se descasca uma laranja — disse meu colega, sorrindo. Tomou a laranja das minhas mãos e tirou, do bolso da calça, um canivete.
Ao invés de descascar a laranja como eu tentei fazer e, suponho, a maioria de nós faz — rodeando a fruta com a faca —, ele cortou a laranja ao meio e, em seguida, cortou cada metade também ao meio.
Forçando, então, as extremidades de um dos pedaços, tirou a casca do gomo inteiro, sem esforço.
— Assim se descasca uma laranja — sorriu mais uma vez e me alcançou os pedaços da fruta”.
Hoje, aos 35 anos, sei que naquele dia comecei a aprender duas coisas:
1) não humilhe os outros; a vida dá voltas;
2) seja humilde — e humildade, aqui, não significa se humilhar, mas ter disposição para aprender.
Afinal, podemos aprender algo em quase qualquer circunstância. A sabedoria, mais que um lugar, é um estado de espírito.
Obviamente, não aprendi, de todo, as lições citadas acima. Longe disso! Mas sigo tentando…
Nas próximas aulas, apresentarei aos educandos quatro histórias de tradições religiosas distintas, todas com um mesmo tema: humildade.
A ideia é apontar a conexão entre vida e ensinamentos religiosos, mostrando que a Religião pode ser muito útil à vida de todos. Mostrando que a Religião não é uma coletânea de histórias antigas, mas sim a reprodução de coisas que nos acontecem todos os dias e que podemos perceber e aprender com isso, desde que tenhamos olhos para ver.
A vida nos dá várias “laranjas” para serem descascadas. A religião pode nos ajudar a “descascá-las”.
O Componente Curricular Ensino Religioso só tem sentido quando tem foco no amor e no respeito às diferenças de pensamento e de fé.
Quem realmente atacou a fé cristã não foi a Gaviões da Fiel, mas os que a usam para disseminar ódio e violência contra segmentos já discriminados em nossa sociedade.
A Frente Parlamentar Evangélica veio à público para repudiar o desfile da Escola de Samba Gaviões da Fiel, de São Paulo, que trouxe como enredo “Em nome do Pai, dos Filhos, dos Espíritos e dos Santos”. A Frente divulgou uma nota em que afirma que a doutrina da Trindade teria sido deturpada, e, por conseguinte, desrespeitada.
Ainda segundo Eli Borges, líder da bancada evangélica, “Não se compara Cristo e Oxalá, divindade das religiões de matriz africana, em hipótese alguma.”
Interessante notar a incoerência deste discurso. Não se pode comparar Cristo a Oxalá, principal Orixá cultuado em religiões de matriz africana. Mas pode-se afirmar que Exu é o próprio diabo.
Na mitologia iorubá, Oxalá é o responsável pela criação do mundo, o mesmo que se diz de Cristo, o Logos Divino. Portanto, ao relacionar Cristo a Oxalá, os fiéis destas religiões demonstram um grande apreço por Ele. Mas ao relacionar Exu ao diabo, os evangélicos demonstram enorme desrespeito às crenças de matriz africana.
Para crentes fundamentalistas, o dogma vale muito mais que os ensinamentos de Jesus. Se o samba-enredo expressasse de maneira rigorosa o dogma cristão da Trindade, mas estimulasse a intolerância, o proselitismo antiético, e a demonização de outros cultos, certamente eles se sentiriam representados e talvez até emitissem nota elogiando o desfile.
Enquanto focam a imprecisão do dogma expressado no título do enredo, deixam passar a mensagem absolutamente cristã, em plena sintonia com o que Jesus ensinou.
Repare nesses trechos da letra:
“Do Pai maior aprender a lição
Tirar as angústias do nosso caminho
Pra ajudar seu irmão a carregar sua cruz
Na força da fé, nunca estou sozinho
Enfim a nossa terra prometida
Na paz eu vi o povo se amar
Nessa terra que é de amém e de axé
O mar se abriu, testemunhou
Um novo dia enfim clareou
E lá no céu essa luz que ilumina
Uma lágrima divina por Seu filho a derramar.”
Infelizmente, preferimos focar naquilo de que divergimos, e não nos pontos de convergência.
A Bancada Evangélica, no comunicado, ainda ignora o sincretismo religioso presente em inúmeras crenças no Brasil e afirma que “não se pode comparar comparar Cristo e Oxalá, “em hipótese alguma”, como se coubesse a esses políticos determinarem o que é correto ou não em matéria de fé.
Será que os membros desta bancada sabem que por onde o cristianismo passou, ele assimilou e adaptou parte das crenças locais? Até a celebração do Natal é fruto do sincretismo religioso!
Quando o centurião responsável pela crucificação de Jesus exclamou “Verdadeiramente ele é o Filho de Deus”, ele não se referiu a Iavé, como Deus se fez conhecido entre os judeus, mas a Theos (de onde vem o termo “teologia”). Era assim que os romanos se referiam a Júpiter, e os gregos a Zeus, ambos chamados “Deus dos deuses”. Será que Paulo foi sincrético ao dizer aos atenienses que lhes anunciava o “Deus desconhecido” para o qual haviam erigido um altar?
O mesmo líder da bancada evangélica, Eli Borges, que atacou a Gaviões da Fiel, saiu em defesa do pastor norte-americano que disse durante um congresso de jovens evangélicos que haveria um lugar reservado para gays, trans e bissexuais no inferno. Segundo o deputado, a constituição lhe garante que, com a Bíblia na mão, ele teria a liberdade de dizer o que disse.
Quem realmente atacou a fé cristã não foi a Gaviões da Fiel, mas os que a usam para disseminar ódio e violência contra segmentos já discriminados em nossa sociedade.
Atacar o evangelho não é questionar seus dogmas ou expressá-los de maneira imprecisa, mas corroer os ensinamentos de Jesus, transformando sua mensagem de amor e solidariedade numa verdadeira guerra santa contra tudo e todos que ousem divergir dos dogmas, da moral e dos costumes impostos pela igreja.
O que adianta cumprir formalmente a escolaridade e não se encontrar preparado em sua essência para o vestibular, ENEM e mesmo vida profissional? Não é um incentivo ao analfabetismo funcional?
A complacência não ensina nada.
Sem rigor, sem disciplina, o aluno estará fingindo que passou de ano.
Você gostaria que seu filho tivesse uma aprovação sem mérito?
Contesto com veemência à portaria 305/2022 da Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul (Seduc), que altera as formas de avaliação dos estudantes da rede estadual de ensino. Publicada em 30 de dezembro, permite que os alunos que não tiveram frequência mínima de 75% das aulas possam fazer uma prova final e, caso alcancem a média 5, sejam aprovados.
É um encorajamento descarado para gazetear as aulas, um tributo à inadimplência.
Não compreendo como a criança e o adolescente serão capazes de evoluir mantendo-se ausentes da escola.
É um novo sistema de aprendizagem por telepatia? Quem sabe não transformamos o nosso ensino presencial em curso por correspondência? Não seria mais honesto?
Porque estaremos invalidando as conquistas do saber em prol das facilidades da obtenção de grau para os estudantes do 3º ao 9º ano do Ensino Fundamental e de todo o Ensino Médio. A portaria 305/2022 põe por terra os requisitos mínimos da avaliação, antes estabelecidos em frequência igual ou superior a 75% do total da carga horária e média anual igual ou superior a 6.
O que adianta cumprir formalmente a escolaridade e não se encontrar preparado em sua essência para o vestibular, ENEM e mesmo vida profissional? Não é um incentivo ao analfabetismo funcional?
Já não bastam as lacunas e sequelas de conteúdo herdadas da epidemia da COVID-19 no último biênio, com transmissões online absolutamente irregulares?
A decisão vai contra a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e apenas transmite a primeira impressão de maquiagem de estatísticas pelo Governo do Estado, que não me parece preocupado com a qualidade do ensino, porém em manter índices para futuras avaliações positivas do mandato.
Isso que os nossos números nem são promissores, talvez seja o medo de que eles se tornem ainda piores e evidenciem uma calamidade.
De acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2021, o Rio Grande do Sul ficou com 5,9 nos anos iniciais do ensino fundamental da rede estadual, em posição de igualdade com a média nacional. Nos anos finais, foi avaliado em 5,0, também em conformidade com a média brasileira. No ensino médio, o estado se mostra estacionado com sofrível 4,1, praticamente igual ao índice de 2019 (4,0) e pouco acima da média nacional (3,9).
Mesmo sob a égide de “Estudos de Recuperação”, bem temos a consciência de que não há como reaver no ano seguinte as habilidades e competências previstas no ano anterior.
É um funil impiedoso do currículo que não oferece tempo para resgatar deficiências retardatárias individuais no atendimento coletivo da turma, até porque cada matriculado precisa ter assimilado uma base para acompanhar desafios cada vez mais complexos. É como querer começar um game a partir da sua fase mais avançada, não entendendo as suas regras de sobrevivência.
A medida pode até inibir a evasão escolar, entretanto, criará um problema mais sério lá adiante, autorizando a precariedade da formação.
Autor: Fabrício Carpinejar
Coluna publicada no jornal Zero Hora, GZH, Última página, Porto Alegre (RS), 20/2/2023.
Este livro da autora Luciana Marinho Albrecht tem compromisso com a ludicidade, com o respeito às diferenças e ao intelecto infantil.
“Gosto de pensar que sou uma simples sonhadora que pensa em plantar sonhos pelo mundo como se plantam flores em um jardim. Mas, o que sou mesmo é alguém que inventa as próprias histórias – escritas ou faladas- brincando com palavras, na tentativa de que o tempo passe na medida certa para trabalhar, amar, estudar e ouvir belas melodias por aí.
Antes de Bandolins, eu escrevi outros dois livros para crianças: A estrela Pequenina e O Procura Encrenca. Também escrevi o livro Confidências da Noite, poemas, sonhos e delírios para “gente grande”. Será que você já leu?”.
É assim que a autora Luciana Marinho Albrecht se apresenta no novo livro que lançou no dia 10 de fevereiro na Delta Livraria & Papelaria do Passo Fundo Shopping. Foi um momento muito rico, prestigiado por amigos escritores e escritoras, professores e professoras, como também por familiares e amigos.
Segue um pequeno spoiler desta bela história que merece ser lida e contada:
Cadu e o Velho são mesmo muito diferentes. Mesmo assim, acabam por formar um laço inusitado de afeto que atravessa o tempo e a rotina do dia a dia. O que será que os une?
Bandolins… Uma história sobre arte, amizade e tempo.
*Este livro leva o selo Projetos Sorrisos Infâncias: um compromisso com a ludicidade, com o respeito às diferenças e ao intelecto infantil. Este livro foi produzido a partir dos recursos do Sexto Funcultura Passo Fundo (RS), edição 2021, e é parte integrante do Projeto Bandolins – uma história, várias linguagens.
Contatos com autora para levar esta e outras histórias para sua escola ou instituição: projetossorrisos@gmail.com
Cuidar de uma criança autista exige amor, respeito e sensibilidade para com as suas diferenças. Ela vai sempre precisar da sua ajuda em momentos de crise e de cobranças por parte daqueles que desconhecem o seu transtorno.
Trago o poeta Vinícius de Moraes com o seu poema intitulado “Menininha” um dos que mais gosto e leio quase todos os dias para minha mamãe de setenta e oito anos de idade e que é minha menininha mais peralta. Nos seus versos lindos, o poeta nos diz
“Menininha que graça é você / uma coisinha assim / começando a viver / “.
Toda criança é linda e uma graça se vista pelo olhar de quem sabe o que é o amor, o cuidado e o respeito aos limites e subjetividades de cada indivíduo no seu mundo próprio ou real. É preciso deixar as pessoas viverem como se o amanhã fosse o hoje já, pois não há tempo de espera para o ontem, há tempo de plantio.
Cada um de nós nasce com um jeito de ser e não somos iguais por mais que queiram acabar com as diferenças isso não é possível. Pensamos diferentes, falamos diferentes e temos a nossa subjetividade que nos torna únicos no mundo. Isso é tão bonito, gente! O ser humano é tão perfeito que vocês nem imaginam!
Outro dia, numa consulta à minha cardiologista pude ouvir os meus batimentos cardíacos e fiquei tão feliz ao sentir que estou viva, que posso fazer o que quiser, que moro num país livre de censura e que tenho uma família linda e amigos maravilhosos! Saí do consultório da minha médica querendo ouvir os batimentos dos corações de todos os meus amigos!
Quando um coração bate é sinal de vida, mas para que essa vida seja plena e cheia de alegrias precisamos aprender a respeitá-la. Respeitar os nossos próprios limites e respeitar também os limites das pessoas que estão ao nosso redor. Talvez não seja fácil para muitos pensar no outro, se colocar no lugar do outro, o que chamamos e está em moda hoje em dia de empatia. Fala-se tanto nela, mas não a exercitamos.
Cada vez mais pensamos somente em nós. Isso tem tornado o mundo um lugar chato para se viver porque o homem desde os primórdios da civilização aprendeu a andar e conviver em grupos. Como nos separar de uma hora para outra? Somos tão diferentes assim? Creio que não e deixo o meu pensar acima em dúvida.
Estou querendo falar das pessoas com deficiências e problemas mentais.
Elas ainda são chamadas de loucas, ainda brincamos de chamar os nossos parentes e amigos de loucos ou dizemos a nós mesmos que estamos ficando loucos. A loucura é uma coisa tão séria! Deveria ser discutida e debatida em todos os lugares, principalmente nas escolas assim como todas as outras deficiências e problemas de saúde mental.
Tantas pessoas sofrem com as incompreensões de suas deficiências ou problemas de saúde mental. Não sabemos lidar com essas pessoas. Achamos que elas são “coitadinhas”. Temos “peninha” delas como dizemos aqui na região Nordeste. Muitas vezes essas pessoas nos surpreendem e saem melhor do que nós em muitas coisas, não é porque sofrem de algum problema mental ou deficiência que são inválidas. Há sempre algo de especial que podemos fazer por nós e pelo mundo ao nosso redor.
O ser humano na sua complexidade e boniteza sabe se cuidar, mas precisa também de cuidados externos. Ele precisa ser amado e respeitado. Ele precisa saber que existe alguém com quem pode contar e confiar. Um ponto de equilíbrio. Um lugar para ir quando se sentir sozinho. Um amor. Um carinho. Qualquer coisa que lhe mostre que não está sozinho no mundo, principalmente quando se tem uma deficiência física ou um problema de saúde mental que limita as atividades do dia a dia.
Assim, seguem os autistas de quem desejo falar nesta manhã de quinta-feira com cheiro de chuva no quintal e pássaros cantando nas árvores. Essas pessoas tão especiais que não são respeitadas na maioria das vezes nas escolas, nos shopping centers e até mesmo nos hospitais. E isso ocorre por quê? Por ignorância! Sim, ignorância aqui no sentido de falta de conhecimento e não brutalidade.
Não sabemos como lidar com as crianças autistas ou até mesmo os adultos, uma vez que com o estereótipo da doença reduzido e seus sintomas serem divulgados pela mídia e na Internet está cada vez mais fácil diagnosticar uma pessoa portadora do Transtorno do Espectro Autista (TEA). E muitos adultos conseguem descobrir que sempre foram autistas e por esses e outros motivos agiram sempre de diferentes formas, eram vistos como estranhos.
As crianças autistas necessitam de carinho, amor e respeito. Elas não são mais especiais do que as outras, é claro. Toda criança necessita de amor, mas sabemos de que as suas vidas são mais difíceis porque sentem muitas coisas que outras crianças não sentem e muitas vezes não sabem o que fazer, como se comportarem, para onde fugirem, a quem pedirem ajuda, para sentirem-se protegidas e longe dos sintomas dolorosos.
Um dos sintomas que mais machuca uma criança autista é o barulho.
Ela não consegue conviver perto de barulho. Ela deseja o silêncio assim como muitos de nós. O barulho incomoda o seu pensamento, o seu coração, a sua alma. Causa-lhe irritabilidade. Machuca e faz doer. Incompreendida, entra numa crise profunda e fica atordoada sem saber o que fazer. Perde-se dentro de si própria. Os pensamentos, o medo, a angústia e a forma como se expressa ficam confusas.
Precisamos aprender a respeitar o lugar e as pessoas que moram perto da gente porque muitas não suportam barulho. Eu mesma me incomodo com barulhos e ruídos. Para uma criança autista o barulho é um grande sofrimento, por isso se você mora perto de uma respeite-a.
Na escola, o professor ou professora deve ter cuidado com o barulho da criançada, gritando, correndo, pulando e até mesmo chorando, principalmente nos primeiros dias de aulas, quando estão se familiarizando com o ambiente, os amiguinhos e a equipe escolar.
A criança autista deve receber um cuidado mais apurado, pois ela pode se sentir uma estranha vendo todas aquelas crianças fazendo o que ela não consegue fazer ou até mesmo se sentir mal com a gritaria podendo entrar no colapso, ou seja, numa crise de gritos, choros e movimentos bruscos do corpo. A escola deve ser um ambiente sempre de socialização para toda criança e a autista não deve ser educada em separado, mas convivendo com as outras e aprendendo a brincar e estudar dentro dos seus limites.
Um outro sintoma muito característico da criança autista é a dificuldade de se expressar. Quando o grau de autismo é alto, há crianças que têm dificuldades na fala e não conseguem se comunicar oralmente. A sua fala é dificultada. Ela se comunica através de pequenos sons que canta ou que grita fazendo assim com que as pessoas próximas consigam lhe entender. Não é que ela não queira falar, é que ela não consegue.
No autismo, a criança também não consegue expressar as suas emoções. Ela fica quieta e não sabe o que fazer se vir alguém chorando, machucado ou pedindo ajuda. Não é que não queira ajudar ou não seja uma criança carinhosa e amável, é que não consegue mesmo expressar as suas emoções. É um dos seus sintomas mais difíceis de lidar. Quantos de nós não nos comovemos ao ver alguém chorando? A criança autista não sabe o que fazer diante de uma situação dessas.
Também deve ser respeitada a sua rotina e as coisas tudo no seu devido lugar. Qualquer movimento ou alteração dos horários costumeiros é motivo para ela poder entrar numa crise difícil porque está habituada a fazer tudo nos horários certos. A sua vida é impactada quando precisa mudar o caminho da escola, trocar de horários na prática do esporte, visitar o dentista, ir a uma consulta médica, acordar mais cedo do que o habitual. Ela não consegue lidar direito com essas coisas que precisa fazer vez ou outra na sua rotina.
Com efeito, nas escolas o professor ou professora deve respeitar a rotina da criança autista, e não impor a sua vontade mudando-a de lugar porque está se comportando de forma errada. Em tudo é preciso cautela. A criança também não pode ter o seu local de lanche trocado ou o que ela está acostumada a fazer todos os dias na escola não pode ser modificado assim de uma hora para outra sem o cuidado de adaptá-la a essas mudanças.
O que mais ocorre nas escolas públicas são reformas que se arrastam por meses levando a criança a outro prédio com mudança de caminho. Isso é difícil para ela apreender e aceitar sem sofrer um pouco ou até mesmo mais do que possamos imaginar.
Até mesmo nós ditos “normais” ficamos ansiosos e nos perturbamos quando alteram a nossa rotina porque já tínhamos tudo agendado e combinado horários conosco. Desmarcar um compromisso, remarcar outra data, cancelar um evento, ter que ir à uma reunião marcada de uma hora para outra mexe conosco. O mundo tecnológico e globalizado não permite que tenhamos uma vida com sossego, imagine você uma criança autista que sofre bastante quando a sua rotina é modificada.
Para que a criança não entra numa nova crise, os pais devem sempre evitar mudanças repentinas nas suas rotinas. Respeitar o horário da criança acordar e fazer as suas refeições. Permitir que ela trace os melhores horários para realizar as suas tarefas e poder assim sentir-se melhor e segura de que está tudo bem, sim porque para ela a confiança nas pessoas ao seu redor é necessária e fundamental para saber que o seu dia vai ser agradável.
No Transtorno do Espectro Autista (TEA), as crianças gostam de joguinhos sejam eles eletrônicos ou não. Elas podem passar horas entretidas num aparelho celular, jogando. Isso é bom para desenvolver o seu pensamento cognitivo e penso que através dos jogos a criança autista pode ser tratada e até mesmo reduzir os seus sintomas. Os jogos eletrônicos são saudáveis quando usados com moderação, principalmente por essas crianças. Também não devemos as colocar num aparelho celular o dia inteiro. Porém, acredito que eles são uma ótima ferramenta para distrair a criança em outro mundo senão o que ela cria à parte com o seu transtorno.
Dos diversos sintomas que a criança com autismo tem, existe um outro que é o de não conseguir olhar nos olhos da pessoa com quem está falando. Quando está conversando com alguém parece até que não está dando atenção, porque o seu olhar não fica no rosto de quem fala e parece distraída, mas na verdade ela está ouvindo tudo o que lhe dizem basta saber compreender que a criança não faz aquilo porque deseja, não é que seja mal-educada, faz parte do seu transtorno o olhar perdido e não fixo em nada.
Diante de tantos sintomas expressos acima, só nos resta nos colocar no lugar dessas crianças e adultos e podermos fazer alguma coisa por elas. De uns anos para cá, o autismo tem sido muito debatido nas academias universitárias, escolas, hospitais e outros locais. Os seus sintomas têm sido bastante difundidos para que mais crianças sejam diagnosticadas cedo, pois o quanto antes o diagnóstico melhor será o seu tratamento.
Há adultos que passaram a infância inteira sofrendo com os transtornos do autismo, mas por serem sintomas pequenos e leves eles podiam ter uma vida menos dolorosa, apesar da incompreensão por parte dos pais, da escola e até mesmo deles que não sabiam direito o que sentiam e como se comportavam diante das outras pessoas. Adultos esses que só vieram a descobrir o autismo com mais de 30, 40 ou até mesmo 50 anos quando em consultórios de psicólogos surpreenderam-se com o diagnóstico.
Não é fácil ser um autista num mundo cheio de incompreensões e falta de respeito. Outro dia mesmo, vi na televisão um caso em que uma criança num posto de saúde da minha cidade em meio a várias pessoas, barulho e calor começou a se sentir mal e entrou em crise se agitando, gritando e sem saber direito o que fazer com os sintomas que lhe arrebataram o corpo e o espírito, de repente. Os profissionais do posto de saúde também não souberam o que fazer com a criança que passava por uma crise repentina.
Na verdade, ninguém sabe o que fazer ao ver uma criança autista entrar em crise, muitas vezes nem os pais ou professores. É preciso paciência neste momento, acalmar a criança com palavras de conforto, deixar que ela expresse todos os seus sintomas e se sinta protegida até que tudo passe.
Não ter vergonha das pessoas ao redor, é uma das coisas básicas. Não impedir que a criança expresse o que está sentindo também é fundamental porque ela não vai sair de uma crise se for maltratada e forçada a parar. Ninguém entra numa crise de gritos, movimentos repetitivos intensos e bruscos e esperneios porque quer. Há sempre uma causa e é preciso discernimento por parte de quem está por perto para lidar com a situação ou problema, como queiram chamar.
As crianças com autismo são tão amáveis e carinhosas o quanto as demais. Elas podem até não saberem expressar esses sentimentos como as outras, mas os sentem com a mesma intensidade e boniteza que todos nós sentimos. Não são indiferentes às nossas dores e sofrimentos, sofrem conosco. Tudo o que elas querem é que as compreendamos que reagem de uma forma diferente.
Existem outros sintomas no autismo, mas os que eu citei acima são os mais comuns. Dentre eles, acredito que o barulho seja algo difícil de saber enfrentar, tanto para a criança autista quanto para quem cuida dela porque vivemos num mundo onde o silêncio foi trocado por paredões de som, fogos de artifícios, vizinhos que escutam som num volume altíssimo, casas de shows e eventos em lugares residenciais e tantos outros barulhos que acontecem perto de nós.
O barulho incomoda muito idosos, crianças, pessoas doentes de cama e até mesmo quem precisa se concentrar em uma ou outra tarefa. Devia ter uma lei mais rigorosa para quem passa dos limites de ouvir um som em área residencial, principalmente quando se tem pessoas sensíveis por perto. Eu mesma sofro com barulhos horríveis quando fazem festas perto da minha casa.
Imagine uma criança autista que entra em desespero com o barulho. O melhor seria que as pessoas fossem mais compreensivas e usassem da empatia uma vez ou outra, pelo menos.
Cuidar de uma criança autista exige amor, respeito e sensibilidade para com as suas diferenças. Ela vai sempre precisar da sua ajuda em momentos de crise e de cobranças por parte daqueles que desconhecem o seu transtorno. Ela vai sempre precisar de você quando for cobrada por algo que não consegue fazer.
A criança autista precisa ser respeitada em todos os lugares aonde chegar com profissionais e pessoas que saibam o que fazer se ela não se sentir bem ali e começar a sofrer com os seus sintomas entrando em crise, de repente.
Apesar do autismo ter os seus sintomas bastante divulgados e um dia de conscientização do transtorno com o símbolo do laço azul criado especialmente para ele, ainda assim são ações mínimas e que poderiam ser mais difundidas entre as pessoas moradoras de periferias, escolas e postos de saúde. Sei que nesses lugares, as crianças só são diagnosticadas depois de muito sofrimento e crises, ou seja, muito tardiamente. Isso dói na criança. Essa falta de informação que as mães e professores de escolas públicas mais carentes sentem, podem trazer sérias consequências à criança com autismo.
Ainda falta muito respeito também nos estacionamentos de shopping centers, supermercados e até mesmo nas clínicas de psicologia onde apesar do símbolo do laço azul pessoas ignorantes e insensíveis estacionam seus automóveis nas vagas reservadas para pessoas com autismo. Vivemos tempos difíceis e de ódio. Tempos em que o pensar somente em mim tem mostrado a sua cara feia de bicho papão.
No entanto, com amor podemos mudar tudo. O autismo é um transtorno sério que num grau elevado pode comprometer a vida da criança nos estudos e socialmente, por isso cada um de nós temos a responsabilidade de conhecer os sintomas deste transtorno e aprendermos a saber o que fazer quando alguém perto da gente entrar em crise ou colapso como escolhermos chamar o momento de aflição e desespero pelos quais passam os autistas no ápice dos seus diversos sintomas reunidos num só momento. Fazer o certo é o melhor para a criança não se agitar mais ainda.
E por fim, espero que com este pequeno ensaio você consiga descobrir que o autismo é um transtorno que pode incapacitar a pessoa, mas também pode levá-la a desenvolver qualquer tipo de atividade profissional dependendo do seu grau, como todo transtorno e doença.
O que vai facilitar a vida da criança autista é a nossa compreensão, aceitação e dedicação de cuidados a ela sempre que necessitar.
Se eu conseguir fazer com que você descubra se os sintomas da sua criança são parecidos com os listados aqui e com isso desperte a sua curiosidade para estudar mais sobre o transtorno ou conversar com algum especialista sobre o comportamento da sua criança isso certamente me deixará feliz porque sei o que é viver a infância inteira com sintomas de um transtorno e só vir a ser diagnosticado e tratado depois de adulto quando a melhor fase da vida ficou para trás cheia de dores, sofrimento e incompreensões.
Somos diferentes? O seu coração bate igual ao meu? Responda-me!
E para terminar deixo vocês com a letra da canção de Adriana Calcanhoto intitulada “Fico assim sem você” que nos diz nos seus versos lindos “Avião sem asa, / fogueira sem brasa, / sou eu assim sem você. / Futebol sem bola, / Piu-piu sem Frajola, / sou eu assim sem você.”
Que toda criança possa ter alguém perto de si para amá-la e cuidá-la com a compreensão e sabedoria que merece, pois a vida na infância pode ser um avião sem asas se não soubermos como lidar com as dificuldades das crianças e as suas necessidades. Deixemos o avião voar nas asas da imaginação!