Desmanteladas as seguranças que nos mantinham de pé, desfeitos os pontos sólidos que marcavam nossos passos, instala-se uma espécie de abismo sem fundo ou de horizonte frio, opaco e indefinido.
Nos tempos modernos ou pós-modernos, ruíram os pilares que sustentavam determinadas referências históricas, culturais ou de tradições familiares. Termos como razão, ciência, tecnologia, progresso e democracia perdem a aura de deuses, convertendo-se em meros ídolos. As certezas são substituídas pelas dúvidas, as verdades cedem o lugar a hipóteses ou mesmo opiniões. Os astros luminosos se apagam na noite escura, as placas de trânsito desaparecem da estrada e o chão firme se rompe sob os pés.
Tudo parece sacudir, tremer, vacilar, como em um terremoto imaterial, mas nem por isso menos nocivo. Daí o resultado de multiplicarem-se o medo, a inércia, a depressão e a sensação de vertigem. Não se trata de uma época de mudanças, e sim de uma mudança de época. Uma transição, mas transição estranha, incógnita: sabemos de onde viemos, mas desconhecemos para onde nos dirigimos. Encontramo-nos sobre uma espécie de ponte pênsil, na travessia de um rio turbulento, de correntes descontroladas.
Desmanteladas as seguranças que nos mantinham de pé, desfeitos os pontos sólidos que marcavam nossos passos, instala-se uma espécie de abismo sem fundo ou de horizonte frio, opaco e indefinido.
Cabe aqui o adjetivo “líquido”, cunhado por Zygmunt Bauman, para caracterizar a sociedade contemporânea. Ao mesmo tempo que a terra se desfaz, o céu permanece indiferente. É como se subitamente tivéssemos ficado sós, órfãos, vazios, errantes. Por todos os lados do nosso edifício desabitado, brotam as ervas daninhas da insegurança, da incerteza e da inquietude. Destruindo os valores e sinais que nos orientavam no passado, arruinamos igualmente o presente. Ao mesmo tempo que jogamos nuvens sombrias sobre o futuro. O horizonte se converteu num campo nublado.
O temor e tremor da solidão leva a buscar refúgio fora de nós mesmos.
Cada um como que se tornou o pior inimigo de si próprio. A companhia que mais tememos é nosso “eu” inquieto e irrequieto. Coisa que nos leva à busca obsessiva de pessoas, de gente, seja quem for… da multidão. Esta se converte, contemporaneamente, em lugar para se esconder, mas também em momento para se manifestar.
Escondemos o rosto no oceano anônimo de outras faces. Todos aflitos e apressados, sem saber exatamente para onde vão e o que buscam. Espremidos na multidão, borram-se os contornos de uma identidade enferma e fragmentada. O grande rio e a torrente dos transeuntes tudo baralha e confunde, tudo distorce e apaga.
Por outro lado, e de igual maneira, passamos a compensar o vazio com a posse de “coisas”. Quanto maior a quantidade, melhor podemos nos ocultar a nós mesmos. As sucessivas ondas da moda nos conduzem a um consumismo exacerbado. Enchemos a casa, o quarto, o armário e as gavetas com a maior variedade de objetos, não raro repetidos. Fixamo-nos neles como se representassem tábuas de salvação. Compramos certos produtos que, antes mesmo de desfeito o embrulho, já se converteram em lixo.
Nem nos damos conta que quanto mais abarrotados de “coisas”, mais afastamos permanecemos das pessoas e de nós mesmos, para nem falar de Deus. Mercadoria e multidão funcionam como altares onde oferecemos aos deuses/ídolos cada minuto, cada hora e cada dia de nosso tempo atribulado.
Entretanto, a multidão também é o terreno onde tentamos nos manifestar. Não com voz, rosto e olhar próprios, mas no espectro diabólico de grupos que primam pelo ódio e pela fúria. Sem paradigma e sem princípios de orientação, facilmente seguimos o primeiro rebanho que aparecer no caminho.
O rebanho tende a baixar o nível de reflexão e do bom senso geral, a bestializar cada indivíduo, o qual, por sua vez, também facilmente se torna um desconhecido selvagem.
Quando solitário, revela toda sua fraqueza e timidez; na multidão cega e ensandecida, grita forte, bate os punhos e devasta o que encontra pela frente. A falta de referências e de relações sólidas brutaliza até os limites da insanidade. Com relativa frequência, se transforma num barco à deriva em meio às tempestades socioeconômicas ou político-culturais. Por isso seus gritos, ofensas e ataques bestiais, por mais inflamados que sejam, não passam de braçadas de náufragos que, sem bússola e sem enxergar o farol nem porto, tentam a todo custo escapar das águas turvas e bravias.
Ocorreu no último dia 23 de setembro uma homenagem na Câmara de Vereadores de Passo Fundo em comemoração aos 50 anos do Sétimo Núcleo do CPERS Passo Fundo. Durante a solenidade foi entregue uma placa comemorativa pela passagem do cinquentenário da entidade. Verdadeiramente, um momento histórico de um patrimônio de educadoras e educadores, assim como da classe trabalhadora de Passo Fundo e do Rio Grande do Sul.
Fundado em 14 de setembro de 1974, O Sétimo Núcleo do CPERS/Sindicato, da região do Planalto Norte do estado, teve como sua primeira diretora a professora Santina Rodrigues Dal Paz, ocupando esse cargo por oito anos, até 1982. Antes da fundação, a região de Passo Fundo era acompanhada por uma supervisora do CPERS, posição ocupada por anos pela prof.ª Olga Poletto.
Atualmente o Sétimo Núcleo do CPERS/Sindicato, cobre 29 municípios, com cerca de 3200 filiadas e filiados no seu quadro social. É o 4º maior núcleo do Rio do Grande do Sul. Tem destacada atuação, tanto na cidade de Passo Fundo quanto nos municípios de sua área de abrangência. Por isso, o mesmo caráter que a cidade tem – de eixo integrador de sua região – pode ser atribuído ao Sétimo Núcleo do CPERS/Sindicato.
Fez e faz parcerias com diversas entidades influentes na área educacional, como a Universidade de Passo Fundo (UPF) e o Centro Municipal de Professores – Sindicato (CMP). O título de Cidade Educadora, que a cidade detém, em grande parte é devido à atuação do núcleo como protagonista nos debates educacionais.
Desde sua fundação, o Sétimo Núcleo do CPERS preocupou-se com a defesa da educação pública e gratuita. Foram vários os encontros, seminários e colóquios realizados pelas diretorias do núcleo, como o Seminário Regional de Educação, que ocorreu no princípio dos anos 1980, dando origem ao Colóquio Nacional e Internacional de Educação Popular, importante debate da educação que queremos, sua função social e importância para as filhas e filhos da classe trabalhadora. Deste mesmo período temos o registro da participação na primeira atividade política de grande importância: o movimento das Diretas Já, que teve o protagonismo do núcleo em sua área de atuação. Além disso, o surgimento do movimento feminista em Passo Fundo teve destacada atuação do núcleo.
A tradição de organização de eventos políticos, culturais e científicos, assim como a participação nos diferentes movimentos sociais, é marca registrada do Sétimo Núcleo do CPERS/Sindicato em Passo Fundo e na região de atendimento do núcleo. Só dos Colóquios Nacionais de Educação Popular tivemos 12 edições, que ocorreram ao longo de 24 anos, com a presença de especialistas na área do Brasil e de vários países. O compromisso com uma educação pública gratuita e de qualidade sempre esteve presente.
Nos últimos anos, a principal tarefa do Sétimo Núcleo do CPERS/Sindicato tem sido a da resistência.
Por, pelo menos, uma década que as carreiras da educação, assim como a escola pública, têm sido vítimas de incessantes ataques travestidos de “modernização”. Aumento da carga de trabalho, terceirizações, privatizações de áreas-chave, como currículo e as plataformas de ensino online, perda de direitos e achatamento salarial têm sido a tônica dos governos estaduais. O núcleo, nesse sentido, tem sido fortemente atuante na defesa dos direitos da categoria, na defesa de uma escola pública gratuita, laica, democrática e comprometida com a parcela mais pobre da população. E não o faz sozinho: sempre buscou e busca estar em articulação com os movimentos sociais da cidade, por entender que é pela união da classe trabalhadora e do povo pobre que a educação que desejamos será alcançada.
Homenagem da Câmara de Vereadores de Passo Fundo.
Ocorreu na noite desta segunda (23) Sessão Solene realizada na Câmara de Vereadores. A iniciativa foi da Mesa Diretora, a pedido da diretoria do Sétimo Núcleo do CPERS/Sindicato. Compareceram cerca de 100 pessoas, entre integrantes da categoria, ex-diretores, representantes de outros núcleos do CPERS e convidados.
Foram exibidos dois vídeos: um dos diversas fotos de mobilizações da categoria, com o Hino da Greve do CPERS ao fundo – o que arrancou aplausos das/os presentes, que cantaram junto – e um com momentos e testemunhos da História dos 50 anos da entidade. Fizeram uso da palavra a vereadora Prof.ª Regina (PDT), representando o legislativo municipal, e o diretor-geral, Orlando Marcelino.
Durante a solenidade foi entregue, pela presidente em exercício da Câmara, vereadora Janaína Portela (MDB) uma placa comemorativa pela passagem do cinquentenário do Sétimo Núcleo. Verdadeiramente um momento histórico de um patrimônio de educadoras e educadores, assim como da classe trabalhadora de Passo Fundo e do Rio Grande do Sul.
Depoimento do Diretor Geral Sétimo Núcleo do CPERS Passo Fundo/RS, Orlando Marcelino da Silva Filho:
“Em 14 de setembro de 1974 fundou-se o 7º Núcleo do CPERS-Sindicato em Passo Fundo e Região. A partir daí, nos tornamos referência nas lutas por salário e direitos dos trabalhadores em educação (professores e funcionários de escola). Mas, muito mais do que a luta corporativa, somos impulsionadores das lutas sociais, da organização dos trabalhadores da nossa região por entendermos que a emancipação da classe é um processo coletivo social e transformador. A homenagem da Câmara de Vereadores de Passo Fundo, com a sessão Solene do dia 23 de setembro tem este signo, que, muito além da luta por salário, o 7º Núcleo do CPERS-Sindicato (trabalhadoras e trabalhadores da educação) cumprem um papel social de impulsionar e organizar a nossa classe como sujeitos da História e na construção de uma sociedade justa e igualitária.
Nos sentimos honrados, felizes pelo reconhecimento e, principalmente, pela consolidação da consigna de que os trabalhadores só conseguirão a sua emancipação coletivamente, como já dizia o Velho: “trabalhadores do mundo, uni-vos…”
Fotos:Sétimo Núcleo do CPERS Passo Fundo/ Divulgação
Quando vier a Primavera, / Se eu já estiver morto, / As flores florirão da mesma maneira/ E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada/ A realidade não precisa de mim. (Fernando Pessoa)
Durante o inverno Brado Retumbante hibernou em sua caverna. Baixou as cortinas, fechou portas e janelas, desligou telefones, computador e não recebeu quaisquer tipos de visitas. Aproveitou também economizar nos banhos, na feitura da barba e no corte dos cabelos. Avisou o porteiro que só voltaria no início da primavera. Para o senso comum, Werther que só andava pelas beiradas das coisas, tornou-se um Nonada, no sentido de Grande Sertão Veredas.
Finda a estação, Brado Retumbante sacudiu-se todo para derrubar seus parasitas interiores e exteriores com chás e banhos de imersão, esfregando-se até gastar sua pele embrutecida. Um novo homem haveria de impressionar positivamente o gado que estava retido nas cercas de um mundo com suas eternas contradições.
Avisou a imprensa sobre a experiência de três meses no interior da bolha da caverna. Ao dar suas primeiras voltas na Pólis, estranhou que ninguém o reconheceu e nem sequer lhe cumprimentou. Talvez pelos óculos escuros para fim de adaptar-se à claridade ofuscante da luz do sol. Despreparado fisicamente, retornou à caverna doméstica cansado e ofegante. Pediu água e recolheu-se ao ninho caótico e mofado até o novo dia cinzento com sol avermelhado. Deu-lhe náuseas e tosses intermitentes o ar com cheiro de cinzas.
Contaram-lhe que uma parte do Brasil estava em chamas: a Amazônia Legal, o Pantanal, os cafezais e os canaviais. A outra parte mais ao sul estava sofrendo com as intempéries: enchentes, temporais, ventanias, raios. Pensou:
– Até parece o Juízo Final. Ou é o tal do Aquecimento Global sobre o qual tanto falam?
– Isso mesmo! Mas não só no Brasil. Aonde olhares, podes verificar o derretimento das geleiras, o aumento da temperatura global, as secas e as enchentes, dentre outras movimentações verificadas na natureza. Porém não é só isso, Brado Retumbante.
– Certas criaturas do planeta Terra parecem que estar em transe. Reinventaram as guerras, novas armas de destruição em massa, venenos que estão causando novas doenças. Em que mundo estiveste e em qual estás, Brado Retumbante?! E tem mais, caro vivente:
– A pior invenção da humanidade, as guerras, retornaram com tudo. Veja o que acontece entre a Rússia e a Ucrânia e entre Israel e Palestina/Líbano! Dá a impressão de que retornamos aos tempos bárbaros!
– É, pois é, exclamou Brado!
Em todo o Brasil vemos Organizações criminosas promovendo chacinas, dominando bairros e vilas, mantendo famílias reféns dos seus interesses. E, o pior, certos aspirantes ao poder pregam exemplarmente a violência com socos e cadeiraços nos debates eleitorais. Há, inclusive, sugestão de pancadaços nos centros urbanos.
– Não acredito! A que nível chegamos… Dá até vontade de me recolher definitivamente à caverna! Mas não! Sou resiliente e confiante, pois nada melhor do que apreciar o riso espontâneo e puro de uma criança. Admirar o desabrochar das flores dos ipês e ver assegurados os direitos humanos entre as pessoas e os países. Preservar os mares, os rios, a terra e o ar é, sobretudo, preservar a vida que pulsa em tudo.
O SOFIA – Leitura e Escrita Criativa é um projeto desenvolvido na EMEF Daniel Dipp, de incentivo à leitura. Em torno da leitura, os alunos realizam bate-papos, passeios, oficinas, confraternizações e muito mais.
— Vai ter chantili? — Essa pergunta, aparentemente fora de contexto para o ambiente escolar, é frequente entre as alunas do projeto SOFIA – Leitura e Escrita Criativa.
O SOFIA vai além da leitura e da escrita. Ele propõe a construção de um espaço onde cada um pode ser o que é, cercado por uma rede de afeto. Embora tenha começado como um projeto de leitura, rapidamente se tornou um círculo de convivência.
Logomarca do projeto
Nesse espaço, não há imposição de matérias, nem pressão por alto desempenho. O ingresso é voluntário, e quem decide sair o faz sem problemas. As únicas exigências são bom comportamento, boas notas e o compromisso de ler ao menos parte dos livros disponíveis. No entanto, o que prevalece é o afeto.
Os alunos, ao oferecerem essas “moedas de troca”, ganham mais do que livros emprestados ou sorteados para chamar de seus. Eles têm a oportunidade de se expressar em bate-papos literários, sem a pressão de notas, ou de simplesmente ouvir, se preferirem.
Também participam de passeios a livrarias, eventos e oficinas, além de receberem visitas de artistas e pesquisadores, que vêm à escola para compartilhar experiências. Um dos primeiros gestos do SOFIA, por exemplo, foi uma sessão de fotos com as alunas iniciais, realizada por um fotógrafo particular — algo que, talvez, tenha um impacto positivo na autoestima das estudantes.
E ganham chantili. Desde o início, as alunas pediram comida nos encontros, porque sabem, intuitivamente, que a comida une. Compartilhar uma refeição não sacia apenas a fome física, mas também a da alma. Quando paramos para tomar um café e conversar, sentimos segurança e esperança. Afinal, só quem tem esperança se alimenta; só quem tem esperança lê um livro.
O chantili, nas confraternizações do SOFIA, virou sucesso. Embora delicioso no café, acredito que o sucesso vai além do sabor. Servir chantili é uma forma de mostrar afeto, de demonstrar cuidado. Às vezes, são os pequenos gestos que mais marcam. Como professor, espero que associem esses momentos à leitura e, um dia, façam seu próprio chantili, enquanto saboreiam um café com um bom livro.
Talvez se lembrem do SOFIA. Talvez se lembrem de mim. Talvez aprendamos melhor quando nos sentimos seguros. Talvez a educação seja — ou deveria ser — como tomar um café com amigos. Com chantili, com afeto.
O SOFIA – Leitura e Escrita Criativa é um projeto desenvolvido na EMEF Daniel Dipp, de incentivo à leitura. Em torno da leitura, os alunos realizam bate-papos, passeios, oficinas, confraternizações e muito mais.
Autora de romance sobre luta ambiental, Morgana Kretzmann reivindica temas sociais e climáticos para sua literatura. Autora trata literatura como ferramenta didático- pedagógica para tratar questões ambientais de maneira mais lúdica e afetuosa, fazendo com que isso chegue de forma mais profunda aos leitores.
Por Luiza Zauza
Um ecossistema ameaçado por um empreendimento predatório. Uma comunidade à mercê da ambição mesquinha e maliciosa de políticos e empresários corruptos. Um esquema de contrabando marcado por violência, heranças e prejuízos ambientais. Essas são algumas premissas do enredo de Água Turva, romance recente de Morgana Kretzmann. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. A proximidade entre ficção e realidade faz parte do projeto literário da atriz e escritora gaúcha.
“Eu venho de um lugar onde quero fazer a luta social e ambiental, nem que seja na ficção”, afirma. Esse lugar de que Morgana fala é onde se passa a trama de seu livro e de onde ela conversa com Radis (https://radis.ensp.fiocruz.br/ ) por chamada de vídeo: sua região natal, próxima ao Parque Estadual do Turvo, no interior rural do Rio Grande do Sul. Foram quatro anos dedicados a construir com detalhes factuais o cenário fictício ao redor dessa unidade de conservação ambiental, localizada na fronteira entre Brasil e Argentina, no Noroeste do estado.
A vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura em 2020 com seu romance de estreia Ao pó foi atrás de se especializar em Gestão Ambiental no Instituto Federal de Santa Catarina, entrevistar profissionais da área e visitar pessoalmente o Parque do Turvo diversas vezes para contar essa história, que se desenrola em torno da ameaça de uma hidrelétrica, cuja construção irá alagar a reserva ambiental, sumindo com o Salto do Yucumã, a maior queda d’água longitudinal do mundo, e o último reduto da onça-pintada no Sul do Brasil.
O pano de fundo turbulento movimenta as ações das três protagonistas: Chaya, guarda- florestal que vive pela proteção do Turvo; Olga, jornalista e assessora parlamentar do machista e criminoso deputado Heichma; e Preta, líder do grupo de caçadores e contrabandistas, Pies Rubros, que atuam pelo Rio Uruguai no lado argentino. O destino das três se cruza em meio a conflitos familiares e heranças geracionais, numa trama ágil que evoca a literatura policial para discutir o colapso climático e ambiental.
O que foi rotulado como thriller ecológico, hoje também integra o que tem sido considerado pelo mercado editorial de cli-fi, climate fiction, ou ficção climática, um gênero literário que se preocupa em tematizar a emergência climática e os impactos da ação humana sobre o meio ambiente. Para a autora, Água Turva é o resultado de uma realidade que é prioridade também para a ficção — “o que vejo como a maior urgência que vivemos no planeta e que não vai acabar agora”.
No bate-papo de quase uma hora, no fim de junho, Morgana conta sobre o processo de criação do seu segundo romance, o convívio da natureza com a espiritualidade e como a literatura pode ser uma ferramenta de mudança. Emocionada, ela também dá um testemunho sobre a tragédia que, poucos meses depois da publicação de Água Turva, devastou o Rio Grande do Sul exatamente por consequência do desequilíbrio ecológico. “Hoje não tenho uma frase esperançosa para dizer, quem sabe essa do Mário Quintana”. Descubra na entrevista a seguir.
Conte um pouco da sua trajetória até chegar na literatura. Como a escrita se tornou cada vez mais frequente na sua vida?
Nasci no interior do Brasil, na fronteira com a Argentina, num lugar muito ermo — que é onde eu estou nesse momento, por sinal. Estudei, porém, em escolas que sempre incentivaram esse meu lado artístico. A arte surgiu na minha vida muito cedo: dança, teatro e escrita. Com 9 anos, comecei a escrever meus primeiros e pequenos livros. Inclusive, eu os fabricava: grampeava as folhas e fazia os desenhos. Era uma maneira de criar o mundo que eu queria estar.
E como você foi da carreira de atriz para a de escritora?
Mais tarde, quando me mudei para Porto Alegre, comecei a trabalhar como atriz. Estudei no Tepa (Teatro Escola de Porto Alegre) e, depois, na Escola de Atores. Fui para o Rio de Janeiro fazer CAL (Casa das Artes de Laranjeiras), uma das escolas mais conceituadas e importantes do Brasil. E foi no Rio que comecei a ter menos vergonha de mostrar o que escrevia. Nunca havia publicado nada, a não ser em blogs, onde deixava alguns textos, poemas e coisas muito loucas que não tinham nem gênero específico. Quando casei com o Paulo Scott, que também é escritor, eu já estava morando no Rio de Janeiro de novo e comecei a fazer um curso de extensão de Roteiro Cinematográfico na PUC-Rio. É nele que realmente começo a escrever e surge meu primeiro livro, Ao pó, com o qual ganhei o Prêmio São Paulo. Esse livro nasce como um roteiro, mas começa a virar um romance e eu passo sete anos escrevendo-o, tentando encontrar a linguagem, reescrevendo-o várias e várias vezes. Quando eu já era finalista do Prêmio [São Paulo de Literatura], começaram a surgir convites para editoras maiores.
E como nasceu o romance Água Turva?
Acabei optando pela Companhia das Letras, onde publiquei, então, o Água Turva, que é esse livro que fala sobre crimes ambientais e tem pinceladas do que é o aquecimento global. E os próximos livros, que já assinei com eles, também terão questões ambientais e sociais, que permeiam a minha arte. Nesse meio tempo, também me formei em Gestão Ambiental, não para trabalhar como gestora, mas para poder colocar [em Água Turva] os temas ambientais que o planeta vive, o que hoje vejo como a maior urgência que vivemos e que não vai acabar agora. Eu vou morrer e isso vai continuar sendo uma urgência. Queria estudar para poder escrever, não falar bobagem; para ter um pouco mais de domínio das coisas. E foi imprescindível, tanto que o meu trabalho de conclusão de curso era literatura e meio ambiente: a importância da literatura como ferramenta didático-pedagógica para tratar questões ambientais de maneira mais lúdica e afetuosa, fazendo com que isso chegue de forma mais profunda aos leitores. O que posso dizer é que Água Turva seria a aplicação da pesquisa que fiz.
A literatura se torna então um instrumento para refletir sobre a realidade, correto?
Hoje, três meses depois do lançamento, percebo que o meu projeto de pesquisa não estava errado, já que realmente o livro está chegando em pessoas que, inclusive, diziam que não liam nada sobre meio ambiente porque parecia chato. Tem gente que na literatura compara [as discussões sobre] meio ambiente com ficção científica, como se isso estivesse longe da realidade. De repente, você começa a ver coisas reais, como o que estamos vivendo no Rio Grande do Sul, e pega um livro que trata de problemas ambientais e que também se passa aqui. Um livro que tem uma linguagem ágil. É um thriller que fala de assuntos afetivos, de uma saga familiar. Quando eu dizia que, através da literatura, as pessoas poderiam ter um novo tipo de afeto em relação ao planeta, percebo que, com Água Turva, isso está acontecendo.
Como foi transformar sua pesquisa acadêmica em ficção?
Eu não transformo pesquisa acadêmica em ficção. Eu faço ficção, como sempre trabalhei. Porém, os conhecimentos que adquiri durante a faculdade estão ali dentro, como as leis ambientais, sobre caça e unidades de conservação. Só para o Parque do Turvo eu viajei cinco vezes para entrevistar guardas florestais, funcionários, ribeirinhos, pessoas que moram do lado argentino e do lado brasileiro do parque. Tudo isso para entender os crimes ambientais que acontecem nessa região. Considero a geografia do Parque Estadual do Turvo perfeita para essa história, não só porque é uma unidade de conservação, mas porque está numa fronteira, dividida por um rio. Consigo tratar, então, não só de crimes ambientais, mas de toda uma gama de crimes que permeiam uma fronteira. Uma fronteira que não tem policiamento e tem as próprias leis. Quando crio os Pies Rubros, um grupo de caçadores de animais silvestres e contrabandistas que moram do lado argentino, é porque sabemos que nesse lugar há um acordo entre as pessoas do local, que vai além das leis que temos na nossa ou na constituição argentina. Queria escrever um livro policial que falasse de crimes ambientais e fronteiriços. E esse era o lugar mais propício para fazer isso.
O que a abordagem policial trouxe para o livro?
Tenho um incômodo muito grande quando colocam livros policiais como um gênero menor. Não é de maneira nenhuma. Quando digo que é uma obra policial, não estou diminuindo a minha história. Passei quatro anos escrevendo. Ele tem quase 300 páginas, foi feita uma baita pesquisa. Entrei dentro do Parque Estadual do Turvo com o meu irmão, num lugar muito ermo, junto com um guarda-florestal, para encontrar os acampamentos desativados de caçadores, as cevas, os trepeiros [caçadores que sobem em cima das árvores para preparar armadilhas e capturar animais]. Tudo isso foi super perigoso. Os caçadores estavam lá, tivemos que fugir. Toda essa sensação de fuga e de busca está no livro. Optei por essa linguagem por acreditar que faria as pessoas se interessarem ainda mais por uma obra com uma temática ambiental. Não é um livro “chato” sobre o meio ambiente — como algumas pessoas antigamente falavam.
Seu livro apresenta aspectos fantásticos e espirituais interessantes, tendo esse misticismo ligado predominantemente à natureza. Por que combinar essas duas abordagens?
Às vezes, as pessoas falam em “Brasil profundo”, “realismo mágico ou fantástico” e vários outros termos. Acredito que elas pensam que isso está muito longe, quase algo irreal, enquanto para mim, meus irmãos, minha sobrinha, meus avós e todos que vivemos aqui, é a realidade. Quando estou dentro do Parque do Turvo e um panapaná [nuvem de borboletas] se forma ao redor de mim, como no livro Cem anos de solidão do Gabo [Gabriel García Márquez], não descrevo algo que imaginei e sonhei. Eu vivi isso. Entrei no Parque do Turvo e uma nuvem de borboletas voou ao meu redor, e elas não fogem, não vão embora, você fica tomado por elas. Quando falamos de um personagem como o Sarampião, existem várias figuras aqui no interior, nessa fronteira — e não só aqui, mas em outras regiões também — que morreram e as pessoas rezam por elas. As pessoas realmente têm fé nelas. É claro que invento: o meu Sarampião não existe, mas poderia ter existido. Existiu um guarda-parque no Turvo há muitos e muitos anos atrás, meus avós chegaram a conhecê-lo, que tinha esse apelido, chamavam-no de Sarampião de brincadeira. Achei um nome tão incrível que criei uma família inteira e um santo ao seu redor.
Essa abordagem que mistura o místico e a natureza parte, portanto, de suas próprias vivências?
Quando falamos de plantas medicinais, ontem mesmo, eu estava catando espinheira santa, quebra-pedra e funcho para fazer um chá. Meu pai quando está com pressão alta, toma os seus remédios, mas antes de dormir vai aqui fora, cata as folhinhas certas, lava, faz um chá e toma. Quando colocamos isso num livro, as pessoas, principalmente da cidade grande, veem como algo muito mágico, quando para nós é a realidade. Crescemos nesse Brasil que muitos nem acreditam existir e com o tempo vamos aprendendo com os mais velhos sobre essa medicina familiar, que está dentro do pátio da nossa casa e nunca mais esquecemos. O Sarampião nasce disso, quando ele salva as netas com os emplastos, os remédios e os chás. Eu entendo o termo realismo mágico. O livro vai ser publicado na Alemanha e, para eles, é realmente outro mundo. A palavra que eles usam é “encantados” e penso que é, em todos os sentidos da palavra: do arrebatamento e da magia. Eles não conseguem imaginar o que é o rio Uruguai, por exemplo. Eu escrevi uma crônica com uma lenda sobre esse rio para uma revista alemã e eles achavam que era tudo fantasia, e eu falo que não, o Rio Uruguai existe, gente! [risos]
Chaya, uma das personagens centrais do seu livro, delega para si o compromisso de cuidar e salvaguardar o Parque do Turvo. Que nível de poder uma sociedade pode ter sobre as questões ambientais ou das mudanças climáticas?
No livro, vemos a Chaya mais ativa, mas essa é uma luta comunitária. Existe um projeto de uma hidrelétrica no Rio Uruguai que se chama Garabi Panambi. Ele custaria 5 bilhões de dólares e existe desde a década de 1970. Se fosse construída — no livro, mudo o nome e crio a Gran-Roncador, já que faço ficção em cima de uma notícia —, essa hidrelétrica iria gerar uma quantidade de energia muito pequena para todo investimento financeiro, desgaste e crimes ambientais dispensados. O salto do Yucumã, por exemplo, o maior salto longitudinal de queda d’água do mundo, ficaria debaixo d’água. Perderíamos o último reduto da onça-pintada do Sul do Brasil, que fica entre Brasil e Argentina. A onça desce pela floresta e tem os seus filhotes no Turvo, atravessa o rio Uruguai a nado — é uma ótima nadadora. Espera a cria estar mais ou menos pronta para a caça, atravessa de volta, e ensina a oncinha a caçar dentro do Turvo. Isso tudo se perderia debaixo d’água, sem contar a região dos ribeirinhos, cidades e comunidades agrícolas ao redor.
A literatura pode ajudar a sociedade a reagir contra interesses que ameaçam a preservação ambiental?
Em vários lugares falam a mesma coisa: “Vou construir uma hidrelétrica, e daí trazer universidade, empresas, asfalto, isso e aquilo”. É a mesma desculpa do investimento. Só que com 5 bilhões de dólares, constroem-se quantas universidades, empresas e asfalto? Quantas cidades podem se reerguer? O quanto se pode girar a economia desses municípios com 5 bilhões sem precisar colocar em risco o Salto do Yucumã, a Reserva do Turvo, o último reduto da onça-pintada? E não é dinheiro só de instituição privada. Na medida em que as comunidades se unem e entendem as discussões econômicas, sem serem enganadas, elas vão dizer ‘não’ para tudo isso. É o que tento colocar no livro, especialmente na cena da primeira reunião sobre o Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Tento colocar isso na boca de alguns personagens. É por isso que precisamos lutar social e politicamente no Brasil: pelo conhecimento.
“Não podemos deixar o conhecimento na mão de poucos.”
O conhecimento liberta, não é mesmo?
Não podemos deixar o conhecimento na mão de poucos. E a literatura entra nessa questão. Quando entregamos um livro que trata de questões ambientais, raça ou colorismo, como o Água Turva, o Marrom e Amarelo, do Paulo Scott, e o Avesso da Pele, do Jefferson Tenório, e alguém lê e estabelece uma relação afetiva com esses temas, sabemos que essa pessoa constrói outro pensamento. Para conseguir dominá-la, sejam políticos, igrejas ou patrões, será mais difícil. Quando essas pessoas começam a pensar por si, seja por meio da literatura ou dos estudos, elas vão reivindicar o que elas querem. Precisamos lutar pelo estudo e pela leitura para que as pessoas pensem por si e não deixem uma meia dúzia de poderosos que mandam no nosso continente decidirem por nós. A gente pode decidir. No Água Turva, quando todos se levantam e vão embora com a Chaya, é uma comunidade inteira lutando contra meia dúzia de poderosos. E eles vão vencer. Nem sempre isso acontece na realidade, mas a minha esperança é que cada vez mais essas coisas aconteçam.
“Quero fazer a luta social e ambiental, nem que seja na ficção.”
Você acha, então, que a literatura pode servir a um propósito?
Acho muito complicado colocarmos o artista num lugar de imposição. O artista não deve nada, deve à sua própria arte. Ele faz aquilo que acredita, seja qual for o caminho. Eu, por exemplo, estou num momento da minha vida que cheguei a estudar gestão ambiental porque quero continuar falando sobre assuntos ambientais e sociais. São questões caras para mim. Eu venho de uma cidade muito pobre, de uma região paupérrima do Rio Grande do Sul. Aqui, nesse momento, por causa das enchentes, está faltando tudo. Falta comida, remédio, gasolina. As pessoas estão realmente passando fome e necessidade. Estou vendo isso agora, mas já vi tantas outras vezes. Venho de uma família de agricultores, muito pobres. Quero fazer a luta social e ambiental, nem que seja na ficção. É o que eu posso fazer. Mas você pode escrever um livro por puro entretenimento, e isso abrir as portas para quem nunca leu na vida ler outros livros.
E como a sua literatura dialoga com o protagonismo feminino?
Quero continuar falando sobre questões sociais, ambientais e, também, femininas. Me perguntam, mas você só vai escrever livros com protagonistas mulheres? Gente, tem milhares de livros com protagonistas homens. A porcentagem de livros com protagonistas mulheres é infinitamente menor do que com protagonistas homens. Por que vou escrever mais um livro com um protagonista homem? Quero escrever sobre mulheres. Em matéria de ficção, o meu prazer é muito maior em criar personagens femininas fortes, que lutam, que estão com um facão na mão, estão defendendo a sua comunidade e as suas famílias. Eu me sinto muito mais à vontade fazendo isso.
Suas personagens são complexas, não são maniqueístas. Elas também têm relações complicadas e têm seus lados imperfeitos, como todos nós temos.
Teve uma pessoa na rede social que disse: “mas em Água Turva as personagens femininas são todas boas e os masculinos são todos maus”. Um cara que tinha feito uma ótima resenha respondeu: “Querido, você não leu o livro” [risos]. Quando as mulheres [do livro] têm que ser más, elas são muito más. O livro começa com a Chaya matando um homem sem pensar duas vezes.
Exato. A Preta também é uma personagem interessante nesse sentido. Ela tem uma raiva vinda de herança da avó, uma angústia muito grande por conta da família. Ela também é uma caçadora, então, de certa forma, ela prejudica o parque. Porém, é a sua maneira de sobreviver. É difícil julgar completamente esses personagens, não é?
A minha ideia era essa, principalmente a Preta, que é a minha personagem favorita. Ela surge por último durante o processo de criação. Eu defendo a Preta, inclusive. Ela faz o que tem que ser feito para defender aquilo que ela acredita. Agora, é correta a maneira que ela faz as coisas que ela precisa fazer? Não, não é.
O que podemos fazer para quebrar o ciclo trágico que acompanha a crise climática?
Veja o que está acontecendo no Rio Grande do Sul. Estamos em ano de eleições municipais e precisamos pensar em pessoas que amem as suas cidades. Estamos cheios de prefeitos em cidades grandes e do interior, de todas as vertentes políticas, que parecem odiá-las. Se começássemos a votar em pessoas que amam o seu chão, o seu território, elas estariam hoje pensando em soluções ambientais para manter esses lugares. Vemos o que aconteceu em Porto Alegre. É um absurdo que o prefeito tenha colocado sacos de areia em cima de bueiros para que não abrissem as tampas e a água voltasse a alagar a cidade. Alguém precisa odiar demais a sua cidade para pensar nesse tipo de solução. Sinceramente, não tenho resposta para essa pergunta. Mas continuo achando que agora as coisas vão ser pautadas pela crise climática, e se tornar questões econômicas e, assim, mobilizar um número maior de pessoas. Quando digo um número maior de pessoas, são os poderosos, as pessoas que realmente mandam no mundo. Quem sabe, [a emergência climática] comece a ser vista de outra maneira.
Como tem sido vivenciar o cotidiano após as enchentes no Rio Grande do Sul?
Cheguei aqui no Rio Grande do Sul na terça-feira [em junho], e hoje é o primeiro dia que parou de chover desde que cheguei. Tive que descer de avião em Chapecó [SC]. Não tem voo mais para o estado. As estradas estão horrorosas. Além da chuva, são estradas que não foram construídas para aguentar esse volume tão grande de caminhões. Você vê que está tudo muito destruído. Tem uma tristeza tão grande no ar que só estando aqui para entender. Tenho vontade de chorar. O Mário Quintana tem uma frase maravilhosa que diz que a gente sempre está voltando para casa, mesmo que ela não exista mais. Você vê o seu lar destruído, mas, ao mesmo tempo, é o seu lar. É uma tristeza muito grande ver tudo debaixo d’água: as estradas destruídas, os morros caídos e a tristeza das pessoas. Então, hoje não tenho uma frase esperançosa para dizer, quem sabe essa do Mário Quintana.
“Não vamos conseguir defender a nossa terra, o nosso chão, as nossas florestas e os nossos rios sem fazer uma luta de classe também.”
Que tipo de herança você quer que seus personagens e seu livro deixem para as gerações futuras?
Somos responsáveis pelas próximas gerações. É aquele ditado africano, que diz que quando uma criança nasce, a comunidade toda é responsável por ela. Precisamos pensar que mundo vamos deixar e como eles vão sobreviver nele. Se esse livro for lido daqui a 20, 30 anos, espero que ele leve a mensagem de que nem todos foram negligentes no Brasil e no mundo de hoje. Tivemos comunidades e indivíduos que tentaram lutar com
as armas que tinham para melhorar e deixar o mundo habitável para as próximas gerações. Como disse Chico Mendes, ecologia sem luta de classes é jardinagem. Penso que não adianta lutarmos só pelas questões ambientais sem pensar nas sociais. É o que acontece no Rio Grande do Sul. As pessoas mais pobres estão vivendo um sofrimento que não conseguimos imaginar. No frio, na chuva, sem comida, muitos ainda sem lar. Perderam absolutamente tudo, ainda não conseguiram ajuda governamental para comprar o básico. Não vamos conseguir defender a nossa terra, o nosso chão, as nossas florestas e os nossos rios sem fazer uma luta de classe também. Espero realmente que as próximas gerações entendam a história de Água Turva, da região de Dourado, da família Sarampião e de como a comunidade que vive ao redor do Parque do Turvo lutou para barrar essa construção que permeia o livro.
O esvaziamento das esferas de participação política é uma forma de morte democrática. A política, em sua essência, deve ser o espaço de construção de consensos, de debates plurais e de busca pelo bem-estar comum.
Nos últimos anos, a política brasileira tem experimentado uma transformação que, longe de ser uma evolução democrática, representa um retrocesso ao seu papel fundamental: o de zelar pelo bem público. A praça pública, historicamente o lugar de debate e deliberação, tem sido tomada pelo espetáculo da antipolítica, esvaziando a essência do que é ser político e governar em prol da sociedade. A emergência da necropolítica, conceito do filósofo Achille Mbembe, torna-se cada vez mais visível, sinalizando a morte da política como força vital e transformadora da vida em sociedade.
O Abandono da Ágora mostra o Espaço Público em Ruínas, na Grécia Antiga, a ágora era o espaço central das cidades, onde os cidadãos se reuniam para discutir questões de interesse comum, tomando decisões sobre o futuro da polis (cidade).
No Brasil contemporâneo, este espaço simbólico da ágora foi gradualmente erodido por uma retórica de polarização, desinformação e um apelo ao individualismo exacerbado. Em vez de discussões racionais e produtivas, o debate público se transformou em um palco de discursos violentos e excludentes, incapazes de construir pontes entre diferentes setores da sociedade. A polarização, que se ampliou exponencialmente nas últimas eleições, transforma cada vez mais a praça pública em um campo de batalha onde prevalece o ataque pessoal em detrimento do diálogo construtivo.
O abandono desse espaço de debate é sintomático de um fenômeno maior: a corrosão da confiança nas instituições democráticas. A população, insatisfeita com a ineficácia das políticas públicas e com a corrupção desenfreada, volta-se para alternativas que promovem um discurso autoritário, anti-institucional e, em alguns casos, antidemocrático. Ao invés de revitalizar a política, o que temos visto é o surgimento de uma antipolítica, que se coloca como o antídoto ao sistema vigente, mas que, na realidade, colabora para o aprofundamento da crise.
Antipolítica e o Caminho para a Necropolítica, a antipolítica se alimenta da insatisfação popular, e sua ascensão é um reflexo da incapacidade do sistema político de oferecer soluções para os problemas sociais. No entanto, em vez de promover uma renovação dos mecanismos democráticos, essa postura reforça a ideia de que as instituições são incapazes de prover respostas adequadas. O resultado é uma forma de governança que, em vez de se preocupar com o bem comum, legitima a marginalização de certos grupos, a concentração de poder e a exclusão do debate público.
A necropolítica, em sua essência, é a política da morte, onde o Estado decide quem vive e quem morre, quem tem direito à vida e quem é descartável. No Brasil, vemos essa lógica aplicada de diversas formas.
A violência policial nas periferias, a negligência com populações vulneráveis como os povos indígenas e quilombolas, e a falta de uma política sanitária eficaz durante a pandemia de COVID-19 são exemplos claros da necropolítica em ação. Em vez de proteger os cidadãos, o Estado se omite ou age de forma violenta, perpetuando a desigualdade e a exclusão. Essa necropolítica não é apenas física, mas também simbólica.
O esvaziamento das esferas de participação política é uma forma de morte democrática.
A política, em sua essência, deve ser o espaço de construção de consensos, de debates plurais e de busca pelo bem-estar comum. Quando esses princípios são abandonados em prol de um espetáculo de violência e polarização, estamos, de fato, testemunhando a morte da política.
A Urgência de Reocupar a Praça Pública. Se o destino da política no Brasil parece sombrio, é justamente na resistência ao avanço da necropolítica que reside uma possível saída. Reocupar o espaço público – não apenas o físico, mas o simbólico – é uma tarefa urgente para aqueles que acreditam na democracia e no poder transformador da política. Essa reocupação passa pela construção de uma nova ética política, onde o diálogo, a transparência e o compromisso com o bem comum sejam valores centrais.
A política deve voltar a ser vista como a “arte do possível”, um meio para melhorar as condições de vida da população, e não como uma arena de disputas mesquinhas e violentas. Também é essencial que o cidadão comum retome seu papel ativo na política.
O desencanto com os partidos e a política institucional não pode levar à apatia, mas sim a uma revitalização das formas de participação popular. Movimentos sociais, ONGs e outras formas de organização civil têm um papel crucial em pressionar o Estado a retomar sua função primária de promover o bem público. Urge refletir sobre o cenário político brasileiro atual para entender que ele é um reflexo de uma crise mais profunda que atinge a própria ideia de política.
A necropolítica, com sua face de violência e exclusão, tem se infiltrado nas práticas de Estado, colocando em risco a vida e a dignidade de milhares de cidadãos. Reverter esse quadro passa pela reocupação simbólica da ágora, pela retomada do espaço público como lugar de debate e construção coletiva, e pela reafirmação de que a política, em sua essência, deve servir à República, isto é, à coisa pública, ao bem de todos.
Autor: José André da Costa , msf. É Padre dos Missionários da Sagrada Família, Integrante da Comunidade de Vida Religiosa dos Padres Saletinos, Professor de Ciências Sociais, Estudos Sociológicos em Educação, Atividade de Extensão em Educação Ambiental, Filosofia Geral e do Direito, Tópicos Avançados em Agronomia, nas Faculdades Integradas da América do Sul – INTEGRA – Caldas Novas – GO. Também escreveu e publicou no site “A busca da vida ética”: www.neipies.com/a-busca-da-vida-etica/
O candidato protofascista a prefeito de São Paulo proclama que se comporta como idiota com o objetivo de subir nas pesquisas eleitorais.
Em tal atitude, até agora bem sucedida, se revela a estratégia que aposta na idiotia como atalho para a conquista do poder político.
O professor Muniz Sodré, ao analisar o destampatório que abala o debate eleitoral paulistano (FSP-1/9), pode ter nos oferecido uma preciosa chave de decifração para a lógica que preside, nos quatro cantos do mundo, a degradação atual do processo civilizatório.
Para explicar o sucesso momentâneo de semelhante aberração, Muniz Sodré foi buscar no berço da civilização ocidental as origens da palavra idiota.
Na Grécia antiga, os “idiotes” eram aqueles centrados em negócios privados, totalmente alheios ao ordenamento da vida pública. No polo oposto, estavam os “politikós” que, na Ágora, se ocupavam das ideias, programas e projetos coletivos que definem as várias dimensões da vida humana.
Com o significado dissecado em sua origem, as duas palavras atravessam os séculos como expressão perene da luta política.
Os “idiotes” da política sempre estacionam seu pato amarelo na Paulista ou na Faria Lima. O fogo de palha irresponsável só prospera articulado aos “idiotes” da supremacia absoluta do poder privado.
Não é, portanto, só disputa eleitoral, mas a contraposição, eterna e atemporal, entre civilização e barbárie. “Idiotes” ou “Politikós”, eis a questão!
Filósofo Mario Sérgio Cortella explica a origem da palavra idiota e faz reflexão sobre a política: https://youtu.be/er2aem_Zax0?t=62
É interessante pensar na vinculação entre gestão e resultados escolares. Souza (2019) destacou que nas escolas com mais condições democráticas e pedagógicas os alunos apresentaram melhores resultados, indicando relação positiva entre ambientes democráticos e aprendizagem estudantil.
A eleição de diretores tem sido um dos dispositivos que sustentam a gestão democrática da escola no Brasil. No entanto, o processo democrático não se esgota nela e precisa ser fortalecido pela participação. A Lei no. 16.088/2024, o Decreto nº 57.775/2024 e, mais recentemente, o Edital no. 01/2024 publicado pelo executivo estadual põem centralidade na figura do diretor, colocando na arena de disputas o seu papel e o aparato normativo que o circunda. Tal centralidade indica uma concentração de poder no interior da escola; a autonomia da escola pode ser entendida como a autonomia do diretor. Mais, estamos frente a disputas políticas por entendimentos diferentes de democracia.
O Edital nº 01/2024 para a seleção de diretores e vice-diretores da rede estadual gaúcha faz parte da implementação da nova Lei de Gestão Democrática, recém sancionada. Essa lei trouxe mudanças significativas no processo de escolha de diretores escolares, adotando critérios técnicos e de desempenho num processo de seleção. Tal movimento não é exclusividade da rede estadual gaúcha; a rede municipal de educação de Porto Alegre, por exemplo, tem nova regulamentação para eleição de diretores desde janeiro de 2020.
Tal normativa responsabiliza exclusivamente os diretores pelos resultados dos estudantes em avaliações de larga escala sob o pretexto de garantir uma suposta qualidade educacional ( Massena, 2023 ). Suposta porque estudos como o de Riscal (2016), mostram que as maiores médias do Ideb se referem às escolas em que os Conselhos Escolares sempre definem e validam os aspectos pedagógicos, financeiros e administrativos. Além disso, a pesquisa por ele realizada evidenciou outros fatores relacionados à gestão democrática que influem positivamente no Ideb.
E é interessante pensar nessa vinculação entre gestão e resultados escolares. Souza (2019) destacou que nas escolas com mais condições democráticas e pedagógicas os alunos apresentaram melhores resultados, indicando relação positiva entre ambientes democráticos e aprendizagem estudantil. No entanto, os últimos governos estaduais e municipais de Porto Alegre parecem não estar alinhados com as melhores práticas apontadas por pesquisas científicas.
Além do já sabido sucateamento das escolas, do desmantelamento dos planos de carreira, da precarização do trabalho docente, da atomização dos processos, o esvaziamento dos espaços de participação e decisão coletivos atrelados a uma concepção de sociedade que se distancia da perspectiva de educação cidadã, na qual estão implicadas não só as condições da oferta educacional, mas sobretudo as condições de vida na cidade e no estado.
O Edital retoma a nova Lei de gestão democrática quanto às atribuições dos diretores e vices: representar, coordenar, apresentar e submeter, organizar, manter, gerir, dar conhecimento… Um escopo de gestor, numa perspectiva gerencialista, que coloca o diretor em posição de subordinação em relação à mantenedora. Também, na inscrição no processo seletivo, os candidatos podem indicar três escolas para atuação, possibilitando que o executivo crie um banco de recursos humanos, com “talentos” na área da gestão escolar.
O risco?
A consolidação de uma carreira de gestão, apagando a ideia de professor, de compromisso político-pedagógico no qual toda comunidade está implicada. Considerando essa mesma hipótese, amplia-se o tempo do mandato, de três anos para quatro anos com possibilidade de reconduções independentemente do número de mandatos.
No Edital no. 01/2024 os critérios técnicos e as avaliações objetivas passam a ter maior peso na escolha de diretores. A seleção prevista pelo edital consiste em 5 etapas; do curso autoinstrucional ao pleito eleitoral, aproximadamente 3 meses. Ainda, as mudanças foram apresentadas por meio de uma live no Youtube, sem espaço para debate.
Houve um aligeiramento do processo?
Ao que parece, sim. Nenhuma discussão com as comunidades escolares, com as universidades, no último trimestre do ano letivo. Professores que somos, sabemos das múltiplas e intensas demandas dessa época no ambiente escolar. Esse é o modus operandi autoritário da Seduc/RS (Saraiva; Chagas; Luce, 2022) – e o grande jogo político parece ser o da entrega de responsabilidades para a sociedade desorganizada, sem um claro projeto de mundo; cria-se um campo de disputa que limita e conforma a própria disputa. Da mesma forma, a escola!
O conteúdo das provas e a bibliografia indicada contemplam funções gerenciais, tipos de liderança (incluindo líder-coach), ferramentas para melhoria de desempenho de equipe, proatividade e feedback. Tais elementos possivelmente basearam-se na crença da irracionalidade em termos de gestão e no déficit de liderança, é latente um tipo de compreensão do fracasso escolar como decorrente da precariedade da administração de recursos e da gestão.
Contudo, tenho outras hipóteses para esse dito fracasso: teria relação com a precariedade em termos de infraestrutura? Com o percentual muito significativo de contratos temporários em detrimento de profissionais efetivos – há apenas 41% de professores efetivos na rede (Brasil, 2023) (aliás, fator que impacta também nas eleições, considerando que somente profissionais efetivos estão aptos a concorrer)? Sobrecarga docente? Desvalorização da carreira (incluindo, obviamente, as questões salariais)? Questões para pensarmos…
Tendo sido aprovados na prova, os profissionais ao se inscreverem para a eleição, devem apresentar um plano de gestão para melhorar a qualidade da educação. Aqui, me repetirei: ora, poderá o diretor planejar e implementar ações que deem conta das condições da oferta educacional que sustentam uma educação de qualidade?
Não esqueçamos da nova Lei. Tudo indica que plano de gestão e projeto político- pedagógico serão entendidos como similares. Como instrumento de determinado mandato. De acordo com a Lei no. 16.088/2024, o projeto político-pedagógico será o principal instrumento de gestão de determinada equipe e não da escola. Logo, o projeto político-pedagógico não representará a expressão da autonomia da instituição com legitimidade administrativa na comunidade.
Por fim, a votação, quarta etapa do processo de seleção, será realizada no formato eletrônico, por meio de aplicativo criado para tal fim pela Seduc/RS. No entanto, o processo eleitoral ainda será regulamentado, por Portaria, a ser publicada em outubro. As normativas publicadas até agora não dizem do cálculo do resultado: será ele paritário? A acompanhar.
Com uma concepção restrita de educação, mantém-se a eleição de diretores no esvaziamento de uma cultura escolar mais democrática. Por enquanto, um “novo modelo de governança” que se utiliza do termo “gestão democrática” para aplicar algo que já vem estruturado em modelos antigos, sob uma nova configuração, ainda fortemente ligada ao modelo empresarial. Esse “novo modelo” pode implicar em pouca participação das comunidades nos processos decisórios, mascarando tensões, dissensos e disputas em torno de diferentes projetos de educação e sociedade.
A improvisação, a pressa ou a distância entre gabinetes ministeriais e escolas, professores e alunos podem fazer naufragar as melhores tentativas, assumindo que se trata de uma tentativa cujos motivos são efetivamente pedagógicos.
Em relação à virtualidade na escola, há muito mais preconceito do que conhecimento certo da sua implementação e das suas conquistas. A experiência da pandemia não foi muito útil, tornou-nos pessimistas quanto aos seus resultados. Em relação à presencialidade, com a qual estamos historicamente familiarizados, temos amplo conhecimento das suas condições, da sua implementação, das suas modestas conquistas e ainda assim há muito preconceito em relação a ela, só que de natureza diferente.
Neste momento o GCBA (Governo da Cidade de Buenos Aires) aparentemente pensa, entre outras mudanças, em reintroduzir o ensino virtual, online, de algumas disciplinas no ensino secundário.
Se assim for, e mesmo que não o seja assim, justifica-se uma reflexão séria porque a improvisação, a pressa ou a distância entre gabinetes ministeriais e escolas, professores e alunos podem fazer naufragar as melhores tentativas, assumindo que se trata de uma tentativa cujos motivos são efetivamente pedagógicos.
Não se trata de leviandades, nem de experiências massivas ou proibições obrigatórias; é preciso pensar nas condições objetivas das nossas escolas, ou seja, suas infraestruturas, seus recursos tecnológicos, seus professores e os seus alunos, e pensar a partir daí que mudanças razoáveis podem ser introduzidas e quais seriam as condições para que essas mudanças permitam aos alunos aprender mais, aprender melhor e compreender a natureza do conhecimento do mundo em que vivem, seja ele a sua casa, o seu bairro, o cidade, etc.
Dispostos como somos nós, os educadores, estamos a criticar quase a priori qualquer mudança, levemos em conta alguns fatos entre os quais não menos importante é que a presencialidade histórica do nosso sistema educativo não tem garantido mais ou melhor aprendizagem; na verdade, se a virtualidade entra em cena – para além de razões políticas– é porque a presença simultânea de professores e alunos nesta invenção moderna que é a sala de aula já não garante mais nada. É necessário voltar aos índices das avaliações já conhecidas?
Obviamente, a virtualidade devidamente implementada requer modificações pedagógicas, tecnológicas, administrativas, recursos económicos e tempo; requer também a revisão de algumas representações imaginárias, como a ideia de que com a presença de alunos e professores na sala de aula é, em si, uma atividade de aprendizagem interativa, construtiva e colaborativa; a verdade é que isso raramente ocorre, não é acumulando crianças que ocorre a famosa interatividade pedagógica.
Existem outros imaginários docentes em dança, por exemplo, que, de alguma forma, a simultaneidade de alunos e professores permite ou facilita um controle de corpos e mentes que não é apenas uma ficção, mas também é impossível e desnecessário e colide com a autonomia e formação crítica que a escola deveria teoricamente incentivar em seus alunos.
O que nos leva a pensar que os alunos da sala de aula estão realmente lá?
Há muito tempo sabemos que os alunos na sala de aula se encontram num local que raramente os atrai; sabemos que em geral a parte mais atrativa da sua experiência escolar acontece dentro da escola, mas fora da sala de aula; não é obrigando-os a ficar sentados durante horas que as quatro paredes da sala se transformam em sala de aula e o tédio se transforma em aprendizagem; não podemos continuar a ignorar que a obrigação é uma faca de dois gumes.
Um fato irrefutável pode ser argumentado a favor da mudança: as cabeças das crianças matriculadas na escola hoje são formatadas por tecnologias com as quais a escola está muito atrasada. Ainda hoje, há muitos professores que não sabem utilizar o Classroom, plataforma que, quando bem utilizada, pode ser extremamente um valioso aliado. A relação entre as crianças e a tecnologia alterou o tempo dos alunos e dos professores, enquanto o tempo escolar permaneceu praticamente inalterado; a organização do tempo escolar é, justamente, de outro tempo; os responsáveis por essa organização deverão ser notificados!
O tempo na escola é um verdadeiro obstáculo pelo seu descompasso com o tempo cultural, mas, sobretudo, e como parte dele, com o tempo dos sujeitos. Acontece que o tempo cronológico da presencialidade não coincide com o tempo lógico e subjetivo das crianças, nada garante que meninos e meninas estejam dispostos a prestar atenção e aprender das 8h às 8h40, por exemplo.
É complexo, mas momentos de presença e encontro de alunos e professores na escola e momentos de virtualidade em que as crianças têm maior vontade subjetiva de se conectar com as propostas de seus professores poderiam muito bem ser vivenciados em algumas escolas, em alguns anos, com alguns professores.
Se aspiramos que um aluno que está na sala de aula esteja simultaneamente na aula, é necessária uma articulação entre o tempo da criança e o tempo escolar, e a virtualidade e especialmente alguma forma híbrida pode ser uma resposta a um problema com o qual o sistema educativo, pelo menos em algum momento, terá que se envolver.
Autor Eduardo Corbo Zabatel. Ensayista, Psicólogo, Profesor de Historia, Magist en Ciencias Sociales. Mora em Buenos Ayres, Argentina. Também escreveu e publicou no site “De empreendedores e falhas”: www.neipies.com/de-empreendedores-e-falhas/
Para quem escreve, a beleza da vida está em ser lido pelos que estão próximos. Como é bom escrever para os amigos do Facebook! A beleza da vida não está longe denós.
Uma mulher de quarenta e poucos anos, vou chamá-la de Rebeca, queixava-se de dores musculares generalizadas. O médico não encontrava causa para sua dor até que, ouvindo-a mais e mais, descobriu a grande frustração vivida por ela.
Ambicionava ser escritora publicada nos Estados Unidos. Enviou manuscritos para editoras de cidades que julgava de grande beleza: Nova Iorque e Chicago. As respostas sempre negativas doeram muito. Desistira de escrever e adoecera.
Quando fazemos algo só pelo resultado exitoso, em acordo à expectativa que críamos, talvez não gostemos muito da atividade, pois, quando gostamos, quando somos “do ramo”, o resultado importa bem menos.
No caso de um escritor, o insucesso frente às editoras não o fará desistir. Por quê? Porque a atividade em si é prazerosa para ele.
Talvez Rebeca seja do “ramo”, mas a sensação de que a “beleza” está lá longe a faz perder o gosto. Sofreria pela falsa crença de que só estaria realizada se fosse escritora reconhecida em belas cidades norte-americanas.
Então, o médico conversará com ela sobre a dor menor, as musculares, e a dor maior, a frustração. E colocará duas questões para ela pensar: o ato em si de escrever não é o que lhe deixa realizada; ou deixa realizada, mas está sendo prejudicado pela expectativa inadequada que criou.
No segundo caso, livre dessa expectativa apropriada para quem é norte-americano, inapropriada para quem é brasileira, a frustração cederá a uma nova visão. E as dores irão cedendo.
Para quem escreve, a beleza da vida está em ser lido pelos que estão próximos. Como é bom escrever para os amigos do Facebook! A beleza da vida não está longe de nós.