Início Site Página 51

Sapiens

Em tempos de Covid-19 em que ninguém está a salvo, a leitura de Sapiens pode se tornar um sábio conselho para revermos nossos valores e escolhas.

Sapiens: uma breve história da humanidade é uma instigante obra escrita por Yuval Harari. Trata-se de um best-seller de quinhentos e noventa páginas lançado originalmente em Israel e logo em seguida traduzido para mais de 40 idiomas que nos ajuda a compreender a história humana desde a formação dos primeiros traços do que veria a ser a espécie humana até nossos dias.

Sapiens tornou-se tão famoso que o próprio Barack Obama, ex-presidente dos EUA, confessou publicamente que leu duas vezes a obra e numa entrevista testemunhou que se trata de “uma história abrangente da raça humana, pois aborda alguns fatores cruciais que nos permitiram construir uma extraordinária civilização”.

Yuval Harari é doutor em história pela Universidade de Oxford (Inglaterra), especialista em história mundial e atualmente é professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, onde também desenvolve pesquisas em torno de questões abrangentes, tais como a relação entre história e biologia, se existe justiça na história e se as pessoas se tornam mais felizes com o passar do tempo.

Em tempos de quarentena por conta da Covid-19, a leitura de Sapiens nos ajuda a compreender melhor o cenário atual, o conturbado cenário político e econômico que está nos destruindo, a trajetória da espécie humana, os desafios que teremos pela frente para sobreviver, a necessidade de reinventarmos as relações sociais, o modo como a tecnologia modificou nossa vida e que tipo de ser humano nos tornaremos daqui para frente.

Apesar de ter sido escrito por um historiador e tratar de uma breve história da humanidade, o best-seller não é um livro tradicional de história com um registro interminável dos fatos e acontecimentos que marcou a trajetória humana no planeta. De forma instigante, Harari nos conduz por um percurso descritivo e questionador que nos constituiu como espécie.

O livro é composto por 20 capítulos divididos em quatro partes. Na primeira parte, intitulada de Revolução Cognitiva e composta de 4 capítulos, aborda desde o surgimento insignificante de um ser vivo que passou a andar sobre duas pernas e ter habilidade com as mãos, até chegar a se tornar um grupo que graças a capacidade cognitiva passou a dominar a natureza.

Na segunda parte, intitulada Revolução Agrícola e também composta de 4 capítulos, Harari descreve de que forma o domínio das técnicas agrícolas somadas com a domesticação de animais modificou a conduta dos sapiens. É nesta parte que descreve o surgimento das religiões, o que levou a construção dos grandes impérios da antiguidade, o surgimento da propriedade privada, a forma como os sapiens foram se tornando escravos de si mesmos, construindo muros e formas simbólicas de dominação.

O último capítulo dessa parte tem por título “Não existe justiça na história”, pois denuncia que foram as “leis e normas humanas que transformaram algumas pessoas em escravos e outras em senhores”. Isso significa dizer que se há diferenças no tratamento entre negros e brancos, ricos e pobres, judeus e muçulmanos, não se trata de uma diferença de inteligência ou uma diferença moral, mas sim uma invenção cultural de grupos que se arrogaram o direito de criar as leis e impor para todos os seus preceitos.

Cinco capítulos compõe a terceira parte que tem por título “A unificação da Humanidade”. É nesta parte que o escritor israelense analisa de que forma o dinheiro por meio da ordem econômica, os impérios por meio da ordem política e as religiões universais se espalharam pelo planeta e como assentaram as bases do mundo unificado de hoje.

Por fim, na última parte intitulada “A Revolução científica”, Harari se debruça sobre os últimos 500 anos da história humana mostrando os avanços e fracassos, a descoberta da ignorância e o potencial do conhecimento, o casamento entre ciência e política, o credo capitalista e as engrenagens da indústria, a revolução permanente que está em curso, os desafios e a pergunta mais importante da humanidade: o que de fato nos faz felizes?

Em tempos de Covid-19 em que ninguém está a salvo, a leitura de Sapiens pode se tornar um sábio conselho para revermos nossos valores e escolhas.

Fica como sugestão: Análise em vídeo sobre o livro Sapiens.https://youtu.be/lyitmFYBMWQ?t=35

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

Professor e Pesquisador do Mestrado e Doutorado do PPGEDU/UPF

Como acolher seus alunos na volta às aulas, professor

Assim se faz a escola, ou seja, com professores cheios de vontade de ensinar e alunos que também estão cheios de vontade de aprender.

Vamos ouvir o cantor Toquinho na sua linda canção que nos diz “Numa folha qualquer / Eu desenho um sol amarelo / E com cinco ou seis retas / É fácil fazer um castelo…”.

Ouça: https://youtu.be/sCGND4gpT8s?t=19

Que toda criança e jovem possa ser estimulados a fazerem uso das suas criatividades desde os primeiros dias de aulas, pegando retas e círculos e os transformando em outros mundos, quem sabe o mundo que se deseja para si.

Há um tempo na infância que a gente acorda para brincar e estudar. Ir à escola é uma das atividades mais prazerosas para a maioria das crianças. Elas esperam encontrar lá amiguinhos, professores atenciosos e amorosos, um lugar para brincar e estudar cheio de cores e com brinquedos e livros maravilhosos.

Infelizmente, o meu primeiro dia de aula não foi assim. Eu fui recebida por uma professora chata e que me trancou num banheiro escuro por quatro horas devido eu ter brigado com o meu amiguinho de sala de aula. Trago o medo do escuro até hoje e não consigo ficar em lugares sem luz.

Peguei medo àquela escola onde tinha uma professora maldosa que trancava criancinhas no banheiro só porque elas fizeram coisas erradas e talvez eu nem tivesse errado tanto assim para merecer um castigo tão doloroso. Toda criança briga com o amiguinho. Isso é normal no jardim de infância quando estamos aprendendo a compartilhar brinquedos e material escolar.

As aulas estão começando em vários lugares do Brasil e trago este texto para poder ajudar professores e pais a acolherem seus filhos nas escolas, principalmente aquelas crianças que estão indo pela primeira vez à sala de aula.

É preciso paciência e amor. Sem amor nada sai bem-feito. Sem amor tudo desanda, como diz a minha mamãe quando vai cozinhar uma comida. É preciso saber temperar e não há tempero melhor do que o amor.

Pois bem, acolher a criança na escola nos primeiros dias de aula não é tarefa fácil. Aquelas pequeninas no período da educação infantil que choram e fazem birra para não ficarem na sala de aula sozinhas devem ter o acompanhamento dos pais ou responsáveis por alguns dias até que se acostumem com aquele ambiente estranho e de pessoas estranhas.

Para a criancinha deixar o seu lar, os seus brinquedos e as pessoas que ama para ir ficar por horas num lugar estranho pode não ser agradável o quanto pensamos. É preciso prepará-la dias antes conversando sobre a necessidade de ir à escola, perguntando sobre o que quer ser quando crescer e que isso vai depender de como vai se sair nos estudos, incentivar desde cedo a criancinha a ouvir e brincar de ler livros mesmo que ela esteja na tenra idade, ainda.

Criar dentro de casa um ambiente que se pareça com uma escola, ou seja, colocando uma mesinha com uma lousa pequena de frente à parede da mesa para a criança ir fazendo os seus primeiros rabiscos e se acostumando com os objetos físicos de uma sala de aula. A conversa sempre é necessária para que ela passe a saber que logo chegará o dia que precisará ficar algumas horas na escola e fazer muitos amiguinhos.

As criancinhas que choram e fazem birra devem ser acolhidas com muito amor e paciência por parte da equipe escolar, mais particularmente, pelo professor. Este precisará demonstrar afeto e cuidados com os sentimentos e emoções da criança.

Nos primeiros dias de aulas, é bom que a criança traga para a escola um brinquedo que gosta, que se vista à vontade, que faça as refeições que faz em casa e que seja acolhida toda necessidade. Se a criancinha necessitar de algum acompanhamento especial por ser pessoa com deficiência física ou mental precisará sempre de um bom profissional por perto.

Também ter o cuidado com a criança que toma medicações controladas e com horário exato para tomar. Os pais devem ficar atentos e levarem essas medicações à escola orientando os professores e a equipe pedagógica da dosagem e dos horários dos medicamentos, pois eles são tão necessários ao corpo ou mente da criança, podendo ocorrer problemas sérios se esta não vier a tomar conforme prescrição médica.

Cabe a escola diminuir ao máximo o sofrimento que a criança sente ao deixar o ambiente acolhedor da sua casa para vir à sala de aula, um local que para ela é estranho.

Para isso é necessário que se faça uma extensão da casa da criança com a escola, ou seja, que se faça uma ponte ligando os dois prédios físicos de uma forma que o caminho se torne agradável e conhecido pela criança e que essa extensão também seja de pessoas queridas e que possam passar confiança e segurança para as criancinhas que chegam assustadas e sem saber direito o que estão fazendo ali.

A maioria das crianças que conheço e já vi em muitas escolas de educação infantil são levadas à força pelos pais, sem explicações, apenas que devem estudar se quiserem ser alguém na vida. É quase uma obrigação para essas crianças irem à escola, isso porque os pais não estão interessados no conhecimento que a criança vai receber em sala de aula, mas na Bolsa Família que vai receber no final do mês.

Não se deve fazer do hábito de ir à escola uma obrigação em momento algum. Deve ser algo prazeroso, algo que traz felicidade e alegria para a criança. O professor deve ser neste momento de acolhimento pai, mãe, avó, avô, músico, desenhista, poeta, amigo, médico, enfermeiro… enfim, todas as profissões possíveis e imagináveis para mostrar à criancinha que pode confiar nele. Que tudo de bom fará para que ela se sinta confortável.

Cantar com as crianças é uma boa alternativa, perguntar aos pais quais cantigas elas gostam de ouvir para dormir, também é bom saber. Criar um ambiente de paz e sossego mútuo para professores e crianças na sala de aula, onde elas possam se sentir como se estivessem em casa e poderem desfrutar daquele momento de forma que fiquem impressas em seus pequenos espíritos coisas bonitas para sempre. Desenhar, pintar, brincar de ciranda também é uma alternativa. Resgatar as brincadeiras antigas dos nossos avós ou bisavós.

Ler um livro para as crianças, passar filmes na televisão ou até mesmo permitir que elas brinquem com jogos eletrônicos educativos, pois quer queira quer não a tecnologia está batendo nas portas das escolas faz algum tempo e os professores precisam mudar as suas metodologias de ensino, pois a maioria das crianças com dois ou três anos de idade não vai querer ir à escola porque ficará longe do seu celular. Acredito até que o uso do celular em sala de aula para brincadeiras educativas possa ser permitido para que a criancinha sinta mais acolhimento.

Tudo o que possa transmitir conforto e confiança às crianças pode ser feito. Não estamos mais falando de uma escola com metodologias ultrapassadas aonde a criança chegava, sentava-se na sua carteira e começava a tirar a matéria do quadro-negro, somente escrevendo linhas e mais linhas mecanicamente.

A educação 4.0 mudou a forma de enxergarmos o ensino-aprendizagem. Novas ferramentas e recursos educativos são produzidos todos os dias para que a educação possa ser ensinada da forma mais lúdica e lógica possível. É preciso despertar a curiosidade e a admiração das crianças na sala de aula.

Fazer um momento em que todas as criancinhas juntas possam assistir a desenhos animados educativos com músicas, vozes de animais, heróis, príncipes e princesas, dragões, duendes etc.

Toda criança gosta de assistir esse tipo de filme. Mesmo aquela que ainda continuar chorando ou inquieta por alguns dias deverá receber atenção especial do professor, pois poderá estar passando por algum problema de emoção que não consegue dizer o que é para ninguém, nem mesmo para os pais que acham ser apenas falta de costume de ir à escola quando, na verdade, pode ser algo mais profundo que necessite de investigação de outro profissional.

Levar às crianças para um passeio pelo jardim da escola se esta tiver um, plantar com elas mudas de árvores, convidá-las para ficarem quietinhas ouvindo o som da natureza talvez possa acalmá-las um pouco. É claro que a maioria dessas crianças nos primeiros dias de aulas precisará da companhia dos pais, mas depois essas mesmas crianças perceberão que as outras conseguem ficar sozinhas na escola e passam a querer ficar sozinhas também começando a despertar a autonomia.

Com as crianças maiores e que já sabem ler e escrever, recomendo que os professores elaborem cartinhas de afeto diferentes para cada um dos seus alunos. Eu sempre fiz isso com os meus.

Cartinhas que dialoguem com a experiência de mundo, da comunidade, do lugar onde essas crianças residem e ao mesmo tempo sejam um convite para a busca do conhecimento. As cartinhas são uma forma de demonstrar carinho e atenção para com a criança, colocando-a dentro de um envelope com remetente e destinatário. Se o professor quiser inventar um remetente fictício também poderá fazer isso. Nas minhas cartas eu sempre era a Fadinha Carmelinda, uma fada de 3.537 anos que adorava crianças.

Eu me lembro bem que na volta das férias escolares quando estudava o ensino fundamental II, a professora mandava a gente escrever uma redação sobre as férias. Acho que isso ainda existe em algumas escolas do nosso país, e se o exercício for feito com um pouco de reflexão e criticidade por parte dos alunos exercitar a produção textual será maravilhoso como também pedir para que ele crie um gibi, um poema, uma carta ou outra forma de mostrar como foram as suas férias também será uma ideia brilhante.

Até mesmo nas escolas que dispõem de computadores, o professor pode solicitar uma pequena animação dos alunos contando dos melhores momentos das férias. Vai valer a pena! Todo exercício mesmo que seja dos tempos dos nossos avós sendo trabalhado com outra didática e novos recursos pode ser prazeroso para o aluno e para o professor.

Também é uma boa ideia ficar na porta da sala de aula e receber cada criança com um abraço forte dando-lhe um poema ou uma lembrancinha que ela possa guardar para lembrar do seu primeiro dia de aula. As crianças e os jovens gostam de poemas quando são estimulados desde a educação infantil com este gênero. E aqui entro nos jovens do ensino fundamental II que adoram poemas de amor quando estão começando a despertar para as primeiras paixões bobas da juventude.

Se a sua escola não tem brinquedos, não tem jardim, não tem computadores, professor não fique triste. Use da sua criatividade e com cartolinas e cola faça desenhos de bichinhos, árvores, sol, casas e outras coisas que gostar e cole nas paredes velhas da sua escola. Traga o jardim para dentro da sua sala de aula.

Coloque um tapete seu, sim, traga um da sua casa porque se for esperar pela secretaria de educação para comprar um nunca poderá se sentar com os seus alunos no chão num lugar confortável. Um tapete onde caiba todos os alunos e você, professor.

Faça sempre esta roda de conversa e use perguntas que incentivem a criatividade dos seus alunos. Faça-os pensar além do supérfluo, além do que eles conhecem, faça-os despertarem para a metafísica das coisas.

Eu sei que nesta altura do campeonato não dá tempo para leituras, mas se puder ler um livro do professor e filósofo Paulo Freire será muito bom para aprender a como acolher os seus alunos em sala de aula. Recomendo duas obras dele importantes “Pedagogia da esperança” e “Pedagogia da autonomia”. Tenha empatia pelos seus alunos, deixe-os serem autônomos e respeite os conhecimentos de mundos deles sempre apresentando uma didática que os façam refletir sobre o conhecimento de dentro e fora da escola.

Não existem dois mundos na educação das crianças e dos jovens. É preciso criar um só mundo quando esses alunos chegam na escola cheios de vontade de aprender algo que possa ajudá-los no bem-viver. Somente jogar conhecimento goela adentro vai ser cansativo e mesmice.

O bom é que o ensino-aprendizagem traga sempre um novo conhecimento que o aluno possa utilizar no seu dia a dia. Assim, ele saberá que o conhecimento é algo prático e necessário para o seu crescimento como cidadão e como aluno.

Gostaria, também, de pedir aos pais que conversassem com as suas crianças sobre o valor que tem um professor e do quanto ele necessita ser respeitado e amado. Que os pais possam mostrar às crianças da importância do professor para a sua vida estudantil e que todo ensino dado em sala de aula deve ser prestado atenção, falar com cordialidade com o mestre, respeitar os horários das aulas e o principal, não colar nas avaliações. Cada mestre é um ser que está ali para transmitir não só conhecimento, mas para ser amigo e até mesmo um confidente.

Que alunos cuidem dos seus materiais escolares, mas também cuidem das instalações físicas da escola e saibam que em tudo é preciso limites. A volta às aulas deve ser cheia de alegrias e por isso os alunos devem chegar motivados e com sorrisos nos rostos e cheios de vida para adquirirem mais conhecimentos durante o ano letivo que se inicia.

Assim, esses alunos devem abraçar os seus professores e os outros profissionais da escola demonstrando atenção para com eles fazendo perguntas sobre as suas férias, como se sentem, e o que podem fazer para melhorarem as suas aptidões estudantis e darem orgulhos aos seus professores.

Agora, vamos falar de acolher as crianças e os jovens que já conhecem a escola e estão cansados daquelas aulas monótonas que não ensinam quase nada para as suas vivências, que o professor não se preocupa em saber como foi o seu ontem, a sua noite de sono, como estão sendo os seus dias e como está se sentindo ali não vai despertar curiosidade em ninguém.

As crianças e os jovens estão cansados do ensino-aprendizagem que somente transmite conhecimento sem reflexão.

Um bom acolhimento é fazer com que a primeira semana de aulas possa ser diferente, ou seja, nada de matérias novas para tirar do quadro, mas filmes para serem assistidos e debatidos, palestras sobre assuntos do interesse dos seus alunos, declamação de poemas, competições de jogos educativos etc. Os alunos necessitam de motivações em sala de aula.

Conheço professores que bem as aulas não começaram e já estão passando testes e seminários, marcando datas de provas. Parece até que estão querendo testar as emoções dos seus alunos. Quando você recebe uma visita em sua casa vai logo mostrando para ela as coisas feias que existem nela ou as procura esconder?

As crianças estão cansadas de professores ranzinzas. Dê um chocolate para cada aluno seu no primeiro dia de aula acompanhado de um desenho ou de um gibi, quem sabe até mesmo de um cordel. Faça a diferença, professor. Seja a diferença para os seus alunos.

Seria maravilhoso se cada jovem nos primeiros dias de aulas recebesse um pequeno livreto de quadrinhas ou tercetos dedicados para eles por algum autor convidado da escola. Também seria uma grande ideia que cada jovem pudesse receber um poema minimalista falando da sua comunidade, da sua cultura, do seu povo.

Há infinitas ideias, professor, basta colocá-las em prática. O que não podemos é fazer dos primeiros dias de aulas algo monótono e cansativo para nós e para os nossos alunos. A melhor didática não é aquela que está nos livros de pedagogia, mas a que o senhor aprende em sala de aula através das suas vivências.

Outra ideia bastante interessante é fazer um mural de artes visuais dos alunos onde eles possam pintar o que quiserem ou quem sabe um mural de recados onde eles possam escrever sobre os seus sonhos, expectativas, experiências, rotinas do dia a dia, ou seja, onde eles possam desabafar as suas angústias e alegrias.

A gente não perde a autoridade quando compartilha com um aluno os nossos momentos, mas ganha-se um amigo. Quem sabe abraçar no acolhimento também sabe contar segredos que só as joaninhas ou os grilos conhecem de nós. Procure fazer momentos de humor com os seus alunos, professor, fazendo-os rir com anedotas e causos interessantes. Também é uma boa forma de despertar para o pensamento crítico.

A nossa educação brasileira anda doente, eu sei. É difícil ter empolgação com salários baixos e desvalorização da profissão, mas os alunos não têm culpa disso.

Nós, professores, ensinamos porque amamos. Poucos fazem da profissão de professor apenas um emprego.

Que possamos acolher os nossos alunos neste novo ano letivo de uma forma que eles se sintam felizes, motivados, curiosos e com vontade de aprenderem coisas novas porque sabemos que só a educação pode mudar o rumo desse país.

Quero aproveitar a oportunidade para pedir que professores, coordenadores, orientadores educacionais, merendeiras, serventes e outros profissionais também sejam bem acolhidos pelos diretores e secretarias de educação e que possa ser feito um trabalho de recepção carinhoso e cuidadoso com quem vai cuidar do futuro das nossas crianças.

Que esses professores que estão voltando das férias e os novatos possam sentir que a escola não é somente um lugar de trabalho, mas um lugar onde ele tem amigos e alunos que os amam independente da sua vida lá fora. Deixemos de fofocas e de intrigas porque lidamos com gente e essa gente brasileira está cansada de mendigar afeto e cuidado.

Chega a hora de aprendermos a valorizar a equipe escolar das nossas crianças e jovens, inclusive este recado vai para os pais e responsáveis que podem fazer um afago também aos nossos professores, mandando-lhes flores ou lembranças que marquem o momento do acolhimento. Afinal, amor nunca é demais e é sempre necessário demonstrar que se ama.

Muitos professores que estão voltando das férias continuarão com as mesmas turmas, logo já conhecem os seus alunos e pais, nada melhor do que uma reunião na primeira semana de aulas para conversarem sobre a comunidade e os problemas de dentro e fora da escola que terão de enfrentar assim como o acolhimento do professor que está ali em mais um ano letivo para não somente transmitir conhecimento para a sua criança, mas para ensiná-la a crescer internamente e externamente aprendendo a enfrentar os desafios do mundo lá fora.

Termino este meu acolhimento de hoje, sim, porque para mim hoje começam as aulas e que eu possa ter um ano letivo maravilhoso ao lado de todas as crianças e jovens do Brasil, com o poema do meu eterno e maravilhoso professor e filósofo Paulo Freire intitulado “A escola é” que nos diz

“E a escola será cada vez melhor / Na medida em que cada um se comporte / Como colega, amigo, irmão. / Nada de ‘ilha cercada de gente por todos os lados’ / Nada de conviver com as pessoas e depois, / Descobrir que não tem amizade a ninguém. / Nada de ser como tijolo que forma a parede, indiferente, frio, só.”

Então, professores, nada de ser tijolos, mas quem sabe flores para acolhermos as sementes que estão a chegar com o nosso afeto e cuidado que não aprendemos nos bancos das academias universitárias, mas nos rostinhos cheios de vontade de aprenderem e receberem um pouco de atenção e conhecimento da nossa parte.

Assim se faz a escola, ou seja, com professores cheios de vontade de ensinar e alunos que também estão cheios de vontade de aprender. E viva a educação brasileira porque acredito que, apesar de tudo, somos os melhores professores do mundo!

Autora: Rosângela Trajano

Pacificação e anistia?

Pacificação, sim; anistia não. Não há, aí, nenhuma contradição ou paradoxo, apenas uma necessária e imprescindível complementação.

Eis que temos um novo governo. Creio que o adjetivo novo, aqui, até seria desnecessário, pois o Poder Executivo nacional estava acéfalo a muito tempo – tanto que o governante de fato, há muito, era o presidente da Câmara dos Deputados. Poderíamos, assim, simplesmente dizer que agora temos um governo. Porém, formalmente, temos um novo governo.

Embora o fato do governante anterior praticamente não governar, ele mantinha muito apreço ao cargo e as benesses que o cargo lhe assegurava. Assim, a manutenção do cargo seria a garantia de que os benefícios de toda ordem seriam mantidos para o presidente de plantão e para a sua família.

Para mantê-lo, fez de tudo; mas de tudo mesmo: desde o uso jamais visto da máquina pública durante e para o processo eleitoral, como a manutenção e intensificação do discurso de ódio, provocando e incentivando seus seguidores ao enfrentamento dos adversários, inclusive com o uso da violência física, como jamais visto em um processo eleitoral.

Em que pese tudo isso, como resultado, tivemos a eleição de um novo presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva.

No emocionante cerimonial de posso de Lula e Alkmim, que aconteceu nesse primeiro de janeiro, não faltou simbolismo e emoção. Talvez o principal momento tenha sido a entrega da faixa presidencial que chegou ao peito do presidente apenas após passar pelas mãos de diversas pessoas, simbolizando a representação do povo brasileiro. Foi impossível não chorar – confesso.

Porém, veio da multidão presente uma pequena, porém muito significativa manifestação, que ecoou de forma muito clara e explicita durante o discurso presidencial: “SEM ANISTIA”. De forma imaginativa é possível concluir que a expressão dizia que “nós, povo brasileiro, que na sua maioria te elegemos, não queremos que sejam anistiados aqueles que nos impuseram longos anos de submissão horrenda e odiosa, sob um regime fascistóide e opressivo, que matou ou deixar morrer…”

Sem perder tempo, parte da mídia tradicional reagiu procurando identificar uma suposta contradição ou até um paradoxo entre uma busca de pacificação da nação, por parte do novo governo, com a necessidade de processamento e punição dos responsáveis pela prática de crimes praticados contra o povo, as instituições, o regime da democracia e o estado de direito, por quem quer que os tenha praticado. Tal relação, entre pacificação e uma pretensa anistia, quer fazer entender que uma não anistia seria contraria a busca pela pacificação; construindo assim, uma falsa dicotomia.

Ora, a democracia moderna, formada tanto pelo voto popular, como pela instituição de direitos e liberdades individuais e coletivos inalienáveis não subsiste com a busca de sua extinção. Dito de outra forma, não é democrático e, portanto, permitido, a busca da destruição da própria democracia; assim como não é lícito um governo agir contra o seu próprio povo. Portanto, quem agiu ou age assim, precisa ser responsabilizado.

Não se pode confundir, seja por equívoco ou má-fé, responsabilização com vingança. A vingança seria a manutenção do mesmo processo de ódio que se pretende superar; a responsabilização é necessária e indispensável para a reconstrução e manutenção da própria democracia e de um Estado em que o governante governe sob a égide das leis e para o bem de seu povo.

Também é necessário compreender que como contrabalanço para exageros e crimes que podem ser praticados por eventuais governos pretensamente totalitários, a democracia moderna criou instituições responsáveis por ajudar na proteção daqueles direitos e liberdades individuais e coletivas indisponíveis.

É preciso lembrar que os tempos de trevas que agora se pretende superar, é resultado não apenas de uma onda populista-fascista que atinge grande parte do mundo, mas também de ações e omissões de instituições inerentes de nossa democracia moderna, também chamada de democracia liberal.

Não podemos esquecer que tais instituições, como significativa parte dos meios de comunicação tradicionais, também foram responsáveis pela produção de informações falsas ou distorcidas – que atualmente se chama de fake News – produzindo um senso comum de desinformação, aversão à política e a participação das pessoas no espaço público, abrindo um enorme flanco para o ingresso e a sustentação de propostas políticas populistas-fascistas, cujos resultados são por todos conhecidos.

Diferente não é com outra instituição fundamental para a democracia, que é o Poder Judiciário. Como exemplo, basta ver o processo totalmente ilegal praticado (com o conhecimento e a conivência de todas as instâncias superiores) contra o ex e atual presidente Lula, num verdadeiro processo judicial-político, atualmente identificado por lawfare, que é o uso da justiça para a perseguição de adversários políticos.

Portanto, além da responsabilização – sem anistia – das pessoas que praticaram crimes contra a democracia, o Estado brasileiro e seu povo, também é necessário rediscutir o papel e a ação de instituições que fazem parte e que tem a responsabilidade de auxiliar na manutenção e fortalecimento da democracia, como a imprensa, o Poder Judiciário e outros.

A democracia se faz com pessoas e instituições coletivas e essas, como aquelas, precisam compreender que as grades protetoras da democracia precisam ser permanentemente observadas e reforçadas, para que não sejam voluntária ou involuntariamente fragilizadas, abrindo espaços generosos para o ingresso de propostas que, sob o argumento de salvar a nação e seu povo, tem apenas a real pretensão de se utilizar dela a qualquer custo: seja a destruição da democracia, seja em prejuízo de seu povo.   

Portanto, pacificação sim; anistia não. Não há, aí, nenhuma contradição ou paradoxo, apenas uma necessária e imprescindível complementação.

Autor: Edson Luís Kosmann

Professores, não se esqueçam de si

Somos apaixonados pelo que fazemos e fazemos muito mais do que nossas atribuições. No entanto, não podemos amar a profissão mais do que a nós mesmos. O amor pela docência não é incondicional.

Todo professor já deve ter assistido a algum filme ou lido algum livro sobre a docência.

Eu mesmo gostava de me ver representado na ficção. Gostava de ver aqueles superprofessores humilhados pelo sistema, tendo de dar aula numa escola com alunos violentos e indisciplinados, dentro de salas de aula degradadas. Então, este mesmo professor, com toda a sua perseverança, força de vontade e movido por grande paixão pela profissão, abria mão de sua vida particular, da sua vida afetiva e familiar para transformar aquela realidade. Tudo em nome do amor à docência. 

Além de todas essas adversidades, professores de escolas públicas ou privadas estão sempre devendo alguma coisa: relatórios, notas, devolução de provas, pareceres sobre aluno, ementa de projeto interdisciplinar, programa de estudo, diários de classe e outras chateações.

Um professor sempre deve alguma coisa para a direção. Mesmo quando não deve nada, ele continua em dívida, porque mesmo que você tenha entregado tudo que lhe foi solicitado, ainda assim sobrará aquele sentimento de que você não poderia estar descansando, e ainda fica com aquela sensação de domingo à tarde, em que você não relaxa por completo porque a segunda-feira está chegando, e você não pode se dar ao luxo de relaxar. 

Lembro ainda do filme Escritores da Liberdade, em que uma professora, interpretada por Hilary Swank, estimula seus alunos a escreverem diários. No entanto, como se trata de uma escola pública, não havia recursos para a compra de livros. É então que a professora resolve fazer um bico como vendedora de roupas no turno inverso para levantar dinheiro e, assim, comprar os exemplares. A atitude pode ser vista como louvável, e é; porém, isto tudo pode ser bonito na ficção, mas na vida real não é. 

Este artigo na verdade é uma carta aos professores. Me dirijo a vocês desse modo porque acho ser importante dizer que sim, somos apaixonados pelo que fazemos, que sim, fazemos muito mais do que nossas atribuições.

Não podemos amar a profissão mais do que a nós mesmos. O amor pela docência não é incondicional. Não é anulando-se como pessoa que um professor prova seu valor. Por isso, faço um apelo: professores, não se esqueçam de si.

Por mais que haja uma ligação forte entre você e a sua instituição de ensino, a escola não é sua casa. Escola é um lugar de formação social, mas não pode ser a extensão da sua vida.

Um professor não é mais professor porque não relaxa, porque está sempre em estado de alerta. Um professor é bom quando cuida de suas aulas, mas, sobretudo, quando cuida de si mesmo. 

“Acho que por abordar tema entalado na garganta de tantos profissionais da área. E também por tratá-lo de forma direta, mesclando linguagem formal e coloquial, usando emojis e até linguagem vulgar (no texto original tem um palavrão). O texto não deseja ser uma visão individual, mas uma voz daqueles que não aguentam mais serem colocados em caixas do pensamento”. (Douglas Peretto em entrevista ao site “Por que matam os professores, aos poucos”) Leia mais: https://www.neipies.com/por-que-matam-os-professores-aos-poucos/

Autor:  Jéferson Tenório

Fonte: Jornal  Zero Hora, outubro de 2022

Educação: prioridade ou interesses em disputa?

A educação baseada em testes, reconhecimentos e premiações meritocráticas, agravará as desigualdades regionais e educacionais vigentes.

Durante a campanha eleitoral em 2022 e, agora, ao iniciarmos o novo ano de 2023, com novos governos (re)eleitos e empossados, a Educação será de fato e de direito uma prioridade ou continuará uma arena de disputa de interesses de direção política e cobiça dos fundos públicos?

Na coluna de agosto de 2021,  Não há mágica em educação, afirmamos que a educação é processo complexo, cujos resultados dependem do bom funcionamento de um conjunto de instituições de cada sociedade e de um longo tempo de desenvolvimento.

Ela precisa, também, estar assentada em um projeto de país; e não se desenvolve em sociedade em que as disparidades de renda são elevadas e inexista oportunidades iguais para todos.

Após quatro anos de uma gestão federal que destruiu a educação no país, o novo governo, seja pelo seu passado bem como pelo programa apresentado, nos permite sonhar e esperançar que vamos cuidar melhor da educação, dos estudantes e dos profissionais da educação, especialmente no âmbito nacional.

Porém, não podemos tolerar mais meras promessas governantes, mas exigirmos, enquanto sociedade, políticas públicas de estado, programas e ações construídas coletivamente pelas comunidades escolares e acadêmicas.

Não é suficiente repetir velhas promessas que a “educação será prioridade”, que “vamos arrumar as escolas”, que se dará “ênfase à formação de professores” para “disputar a atenção do aluno com o TikTok, o Instagram e outras redes sociais”, através de novas técnicas, de revisão de conceitos e melhores condições para que “professores cumpram a sua função”, conforme manifestações iniciais do governador reeleito do RS.

Os problemas estruturais da educação brasileira e gaúcha são muito mais complexos.

Sem escutar e dialogar com estudantes e professores; sem valorização e melhores condições de trabalho dos professores; sem enfrentamento das desigualdades sociais e educacionais; sem combate a fome de crianças e adolescentes; sem retomada e cumprimento das metas do PNE e do PEE, sem ampliação de investimentos nas escolas públicas, tais promessas e medidas não irão tornar nossa educação melhor e com a qualidade social necessária.

Destaco três paradoxos em curso no sistema educacional que, se não equacionados, persistiremos em um modelo educacional excludente da grande maioria dos estudantes (86%) matriculados nas redes públicas de ensino: escola de inclusão versus escola de avaliação; educação emancipatória versus educação reacionária e, escola que educa pela ciência versus escola do empreendedorismo individual.

A escola de inclusão versus escola de avaliação

Há evidências que se acentuaram, tanto no processo eleitoral bem como na transição do MEC, a disputa de um projeto de educação e de escola baseado nas avaliações de desempenho (testes, provas, IDEB, PISA, SAEb, notas), da educação meritocrática, da formação para o empreendedorismo e o sucesso profissional individual, da educação mediada por tecnologias e ofertada em plataformas digitais.

Este modelo é oriundo das experiências fracassadas nos EUA, apoiando internacionalmente pela OCDE e, no âmbito nacional, com forte atuação das Fundações e Institutos empresais e o movimento Todos pela Educação. Esses atores disputam a direção política, pedagógica, os fundos públicos da educação e a formação dos estudantes.

Contrapondo, o campo da educação popular e democrática, representado por entidades científicas e educacionais, reafirmam que a educação nacional pública (com gestão pública, gratuita, laica, inclusiva, democrática e de qualidade social) é o sustentáculo das sociedades democráticas e soberanas.

Assim, não se pode admitir que a educação pública seja gestada por um paradigma empresarial com a apropriação dos recursos públicos (Fundeb), em detrimento dos serviços públicos de qualidade de que a imensa maioria do povo brasileiro necessita e que, com os últimos governos e suas iniciativas, foram sucateados e destruídos.

Considerando que o Brasil é um dos países com maior desigualdade histórica e estrutural do planeta, precisamos definir que projeto de nação queremos construir, que projeto de desenvolvimento social, econômico e ambiental adotaremos e, como a educação comporá e contribuirá com este projeto de sociedade.

O Brasil e seus estudantes precisam de uma educação com mais inclusão e menos avaliação de desempenhos. A educação baseada em testes, reconhecimentos e premiações meritocráticas, agravará as desigualdades regionais e educacionais vigentes.

A Educação da emancipação versus educação da precarização

A educação emancipatória e transformadora é aquela em que as escolas, pais, docentes, autoridades públicas, profissionais, gestores e a sociedade em geral, primam pela construção de um olhar crítico e emancipatório de crianças e adolescentes, promovendo a autonomia intelectual, ética e política dos estudantes.

Paulo Freire compreendia que o sujeito aprende para se humanizar. “Se aprende na relação com o outro, no diálogo com outro, na aproximação dele com o conhecimento do outro. Esse aprender coletivo tem a ver com o conhecimento sistematizado pelas outras pessoas. Saber que você precisa escutar e aprender com o outro é fundamental para romper com uma lógica de educação tradicional”.

Portanto, parte-se do princípio que empoderar o estudante para que ele possa se perceber como sujeito transformador da realidade, visto que se aprende para se emancipar e transformar a realidade que estamos inseridos, mais ainda a realidade excludente como a brasileira.

Porém, a lógica das reformas educacionais pós 2016 (BNCC e reforma do novo ensino médio) em implementação no Brasil assentam-se em uma perspectiva restrita e instrumental de uma formação técnica e qualificação profissional precoce crianças e jovens-adolescentes, através de uma pedagogia única das competência e habilidades, de forma submissa ao precário mercado de trabalho neoliberal.  

Da educação infantil à pós-graduação, habilidades e competências são desenvolvidas para atender aos interesses desse tal mercado. Do trabalhador de semáforo nas ruas, do jovem adolescente vendedor de balas que deveria estar numa escola acolhedora, passando pelo novo currículo das escolas do ensino médio, prepondera a mantra e o discurso falso da formação empreendedora e inovadora enquanto redentoras da realidade brasileira que ainda não universalizou a educação básica para os jovens adolescentes.

A escola que educa pela ciência versus negacionismo

A educação, a ciência e a cultura, na gestão de Bolsonaro (2019-2022), foram profundamente impactadas pelo negacionismo ideológico e por um pensamento fascista estruturado deliberadamente, com apoio e/ou conivência de milhões cidadãos brasileiros.

O combate à “ideologia de gênero”, o programa “escola sem partido”, a educação moral e cívica, o ensino religioso nas escolas públicas, a militarização das escolas públicas – por meio do Programa escola Cívico-militares – e, a educação domiciliar, constituíram o “Projeto Reacionário de Educação”, segundo historiador Luiz Antônio Cunha.

Esse posicionamento anti-intelectualista, contra a ciência e contra a cultura nacional, é característico de governos autoritários que chegam ao poder por vias populistas, mas se sentem ameaçados pela liberdade de pensamento, especialmente a liberdade de imprensa e a liberdade de cátedra.

A eleição e posse do novo governo gerou um ambiente de otimismo, esperança e necessidade restabelecer várias políticas educacionais estruturais de Estado – não de governo. Essas políticas devem abranger todas as áreas, da educação infantil a pós-graduação, escutando e legitimando as iniciativas pela participação da sociedade, em regime de colaboração com os entes federados, instituindo um  Sistema Nacional de Educação (SNE) e reafirmando um projeto de nação autônomo, democrático, justo e ambientalmente sustentável.

Somente um educar através da ciência – de todas as ciências – é capaz de contrapor o projeto negacionista e reacionário em curso e que sobrevive em grande parcela da população brasileira. Precisamos mais pesquisa e menos aula. O estudante precisa reconstruir conhecimento com os professores. A Pesquisa como estratégia pedagógica, é fundamental para motivar o surgimento do saber pensar, da habilidade de questionar, confrontar ideias e praticar a reflexão coletiva na diversidade humana.

O acesso à educação enquanto direito de todos brasileiros é responsabilidade de todos entes federados (União, Estados e Municípios) e da sociedade, pensada e ofertada em espaços comuns, com liberdade de pensar, ensinar e imaginar. A contribuição de organismos e entidades empresariais não pode sobrepor-se as instituições de ensino (escolas e universidades), pois quem mais entende de educação são os seus sujeitos: educadores e educandos.

Na Finlândia, jamais um CEO, militar, empresário ou especialista alheio a educação seria ministro, secretário ou diretor de escola ou universidade.

Naturalmente que os problemas e os desafios da educação nacional são muito maiores e complexos que estes três paradoxos e modelos de educação que abordamos. O Financiamento, a descontinuidade das políticas públicas e o descumprimento dos Planos Educacionais é tão mais grave quanto a disputa de interesses privados pelo controle da formação de dezenas de milhões de crianças e jovens com sonhos e projetos que o “tal mercado” não entregará.

Um Feliz e promissor 2023 para a Educação, Ciência e Cultura no Brasil.  Quem sabe faz a hora, não espera acontecer!

Autor: Gabriel Grabowski

Crise ambiental, ética e sustentabilidade

Sustentabilidade mesmo é sobre isso e: “O próximo grande salto evolutivo da humanidade será descobrir que cooperar, é melhor que competir” palavras de Pietro Ubaldi.

Podemos significar a ética como uma espécie de mão invisível que rege a trama de nossas sociedades complexas, com o intuito de atribuir ordem a esse sistema. Reverberando a ideia de que, ao fundo, uma sociedade com padrões claros e definidos, que saiba compreender e respeitar o outro, tem menor probabilidade de extinção em massa e portando também da preservação da espécie.

Em última análise, nos lembra Singer (2018), “o conjunto de valores e proibições éticos adotados pela ética de sociedades específicas refletirá sempre as condições nas quais têm de viver e de trabalhar para sobreviver”. Diante do exposto, o ambiente se constitui como uma condição necessária a ser observada, portanto, também constituinte de nossas discussões éticas.

Buscamos, como nos lembra Aristóteles (2021), pelo bem viver. E em tal busca, descobrimos a importância, como diria Stuart Mill (2000), dos outros. Vivendo em um contexto, nossas ações causam reações; se procurarmos reagir de forma harmônica, sem maiores prejuízos aos demais e ao meio, e a assim, vice-versa, a tendência é a promoção do bem-estar coletivo.

“O que é bom para colmeia é bom para a abelha”, lembrava Marco Aurélio (2021).

 No entanto, a consciência de que aquilo que prejudica ou favorece o meio, também prejudicará ou favorecerá, de algum modo, a nós, ainda não parece ser algo muito bem claro, para uma boa parcela da humanidade. Imersos em um egoísmo histórico, o ambiente comum a todos não é de ninguém e aparentemente não precisa de atenção (exemplo da forma como é cuidado, ou melhor, depredado, o espaço público no Brasil).

Tal visão acaba sendo ampliada se considerarmos a forma como estamos tratando o nosso planeta como um todo. Com o advento da Revolução Industrial, às coisas mudaram muito por aqui. Reinventamos a forma de subsidiar a sobrevivência por meio de um novo modo de trabalho, que geralmente se fundamenta em algum modo de exploração (seja pelo homem, seja pela natureza ou por ambas). Além disso, aprendemos a materializar a felicidade em coisas, que nos propulsionam a trabalhar mais, para comprar mais (explorando mais).

O resultante dessa sociedade sem limites? A mais ansiosa e depressiva já vista. Com uma deturpação clara de valores, cujo lucro deve ser a palavra de ordem e o meio ambiente, apenas uma ferramenta desse sistema. Diante do exposto, é compreensível entender o porquê uma Ética Ambiental “que rejeita os ideais de uma sociedade materialista, em que o êxito é medido pelo número de artigos de consumo que uma pessoa consegue acumular” (SINGER, 2018) é malvista.

Isso porque, essa visão mexe em um sistema pré-concebido, pode causar prejuízos aparentemente incomensuráveis, principalmente, quando há claramente uma distorção em nossos valores, cujo peso da economia e das ações a curto prazo bloqueiam um campo de visão maior, que considera também às consequências a longo prazo e o valor das coisas “sem valor”.

Tal distorção parece ter muita influência pela falta de clarividência das reações de nossas ações, principalmente ao meio e a natureza, além da falta de compreensão de que o ônus será distribuído a todos nós. Diante do exposto, necessitamos olhar para o complexo sistema que estamos inseridos, com o propósito de recalibrar os pesos dos valores, além de nos conscientizar da necessidade de mudança. Eis que surge a sustentabilidade, um importante conceito que deve ser compreendido e aplicado, a fim de contribuir nessa missão.

Mas, que significado tem essa palavra SUSTENTABILIDADE?

Podemos dizer que é uma palavra da moda, com altas tendências de crescimento, ainda mais, depois que o mercado resolveu se apropriar do termo, a fim de vender o desejo de um seleto público, que pode ser traduzido por responsabilidade ambiental. A ideia é boa, e retrata uma perspectiva esperançosa, mas, será que a sustentabilidade chegará a tempo?

Antes de mais nada, precisamos compreender a origem do termo, que, conforme comentado, trata-se de um verbete trivial, no entanto, muitas vezes pouco compreendido em profundidade. Etimologicamente (quanto a origem do termo), a palavra sustentável tem origem no latim sustentare, que significa sustentar, apoiar, conservar (ECYCLE, 2021). Outrossim, podemos pensar em sustentabilidade como aquilo que mantém “de pé”. Até então, nada de muito complexo, não é mesmo?!

De fato, a complexidade é implementada à medida que procuramos identificar e compreender o conjunto de elementos que necessitam estar em equilíbrio para manter uma estrutura de pé. Esse fenômeno se aplica tanto a objetos, seres vivos como também aos sistemas. Sendo que, por tendência, quanto maior o escopo de análise e a amplitude de fatores envolvidos, mais complexo será o caso.

A fim de facilitar um pouco as coisas, podemos pensar em um exemplo: o de uma empresa. Para mantermos uma empresa funcionando, portanto, “de pé”, necessitamos fundamentalmente estar em equilíbrio com três esferas, sendo elas: econômica, social e ambiental.

Por mais que a tendência mercadológica esteja voltada ao cuidado econômico, mesmo que indiretamente, os fatores ambientais e sociais estão presentes, fazendo parte da manutenção desse sistema em prol de um equilíbrio.

Diante do exposto, começamos a compreender que sustentável não é apenas aquele produto “verde” que diz ser ambientalmente correto por fazer uso de uma embalagem reciclável, mas sim, o quanto os sistemas subjacentes a ele, de fato colaboram com um equilíbrio do todo.

No contexto atual, parece-me que estamos nos dando conta, mesmo que de forma ainda branda, das consequências de nosso improcedente modo de viver. Em decorrência disso, a sustentabilidade deveria emergir como palavra de ordem, uma condição sine qua non (indispensável), para a promoção de estratégias que visem mitigar os impactos causados pelo homem, além de parametrizar as ações humanas em prol do equilíbrio de nosso ecossistema. 

A Agenda 2030, por exemplo, é um modelo de tais ações, de âmbito global a local, que evidencia o caráter complexo e holístico da sustentabilidade, uma vez que visa interagir e promover os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável. Diante do exposto, é válido ressaltar que reconhecer os desafios que nos aguardam é o primeiro passo, mas, como diria Fernando Pessoa (1982) “Agir, eis a inteligência verdadeira” e o nosso principal desafio.

Pois, se tratando de crise ambiental a problemática acaba ficando um pouco mais complexa. A verdade é que temos noção e indícios do problema, como por exemplo os estudos relacionados às mudanças climáticas (IPCC 2021), mas, a humanidade age como um fumante – que, talvez, tenha consciência de que seu hábito é prejudicial com grandes chances de consequências muito ruins – mas, fumamos, dia após dia, com a impressão de que tudo isso acontecerá em um futuro distante…

A genialidade está justamente em evitar o problema e não em mitigá-lo. Eis que entramos em conflito. Há um problema? O efeito estufa existe? Temos realmente a capacidade de alterar o clima do planeta? São alguns, dos questionamentos que enfraquecem uma tendência sustentável à mudança. Na maioria dos casos, nos perdemos em números, ou melhor, na falta de consciência sobre a importância e o peso de nossas ações e valores.

Como nos lembra Singer:

Os ganhos obtidos com o abate da floresta – emprego, lucros das empresas, ganhos em exportações e papel e cartão de embalagem mais baratos – são benefícios de curto prazo. (…) trata-se de um custo que será suportado por todas as gerações que nos sucederem sobre o planeta. (…) Há coisas que, uma vez perdidas, nenhum dinheiro do mundo pode reconquistar. Assim, justificar a destruição de uma floresta antiga com base na ideia de que nos trará um substancial rendimento nas exportações é um disparate, mesmo que pudéssemos investir esse rendimento e aumentar o seu valor de ano para ano (SINGER, 2018).

Corroborando com a problemática, existe uma extrema dificuldade em mensurar às causas de nossas ações em um horizonte mais distante. Podemos chamar esse fenômeno de cegueira sistêmica e ocorre quando, principalmente, líderes implementam uma estratégia para resolver um problema – mas ignoram a dinâmica pertinente ao sistema. A resultante? Alívio no curto prazo, um problema maior a longo prazo (GOLEMAN, 2014, p.139).

Somando-se a isso, existe uma tendência do cérebro humano em não reagir há potenciais perigos de longo prazo. A amígdala cerebral – nosso principal mecanismo de alerta – é excelente em reagir a perigos eminentes, mas nem pisca quando a ameaça em potencial for muito distante[1]. Isso ajuda a compreender por que é tão difícil fazer as pessoas agirem em prol de mudanças a longo prazo, seja evitando o cigarro que você fuma diariamente, seja evitando o colapso do planeta.

Como diria Weber (apud GOLEMAN, 2014, p.141), ironicamente: “não há nada aqui, neste lindo dia de verão, que me diga que o planeta está superaquecendo” não é mesmo?

Conforme observa o professor Sterman: “Como a mudança climática ocorrerá num horizonte distante, que não conseguimos ver, é difícil convencer as pessoas. Apenas os problemas que farfalham as folhas recebem a nossa atenção, mas não os grandes problemas que irão nos matar” (GOLEMAN, 2014, p.142).

Colaborando com o reconhecimento da dificuldade em trabalhar a problemática o Dr. Larry, cujo mandato inclui combater o aquecimento global, demonstra o desafio em convencer as pessoas: “eu preciso convencer você de que existe um gás inodoro, insípido e invisível que está se acumulando no céu e capturando o calor do sol por causa do que o homem está fazendo ao utilizar combustíveis fósseis. É uma tarefa árdua” (GOLEMAN, 2018, p.142).

Outro fator agravante que podemos citar, acaba sendo o receio ou até mesmo o medo de significativas mudanças, inclusive econômicas, por algo que, aparentemente, como vimos, não parece ser uma ameaça.

Por vezes, tenho a impressão de que a palavra sustentabilidade reverbera como um fantasma, normal a tudo que traz consigo uma mudança de paradigma, que nos assusta, justamente por interferir significativamente em nossas estruturas, principalmente pois, segundo Singer “uma ética do meio ambiente acharia que poupar e reciclar recursos seria virtuoso e que o consumo extravagante e desnecessário seria uma depravação.” (SINGER, 2018).

Com base no exposto, podemos supor que sim, o problema existe, no entanto, acaba sendo encoberto pelo sistema econômico e até mesmo uma falta de consciência ambiental, oriunda do perfil da civilização contemporânea. Mas, se o problema existe, cabe a nós refletir, então, sobre qual seria a solução, não é mesmo?

Até aqui, acredito termos exposto argumentos suficientes para compreender por que o problema de fato é um problema. Mas, qual seria a solução? Bem, com base na história, podemos elencar dois cenários factíveis.

O primeiro deles, e o mais provável, trata do cenário emergente. Aquele que ativa os nossos mecanismos de alerta, pois algo está prestes a acontecer ou pior, acontecendo. Quando as ameaças se tornarem visíveis. A solução, nesse caso, será uma espécie de tentativa de remediar ou tentar fazer alguma coisa para restituir a sustentabilidade na Terra. Não acredito que será possível contar com o tempo e nossas ações deverão ser rápidas. O maior problema, é que temos a consciência de que não agimos racionalmente no desespero e muito possivelmente, às ações humanas nesses estados serão egoístas, agressivas e caóticas (são os nossos mecanismos instintivos e que são muito bem retratados nos filmes do fim do mundo).

O segundo, e ideal solução, seria o que conscientes almas estão tentando propor agora: uma tentativa de nos organizar enquanto há tempo. E sim, temos consciência de quanto isso é difícil, a maioria de nós não consegue estipular metas a longo prazo e segui-las, a não ser que o estímulo seja forte, claro e constante. Portanto, necessitamos compreender a problemática para além da mera discussão da existência de um problema, desmistificando o “fantasma” ambiental que assombra a economia. Não tratando a discussão como uma disputa de setores – o econômico versus o ambiental – mas sim, unir esforços em prol de conseguir encontrar um equilíbrio, com a esperança de beneficiar a todo um de nós.

Sustentabilidade mesmo é sobre isso e: “O próximo grande salto evolutivo da humanidade será descobrir que cooperar, é melhor que competir” palavras de Pietro Ubaldi.

Fica como sugestão: Animação criada em Flash e After Effects olhando relacionamento do homem com o mundo natural.  https://youtu.be/RbpL5xGCXx8?t=17

. . .

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Edipro. 2018.

AURÉLIO, Marco. Meditações: O diário do imperador estóico Marco Aurélio. Temporalis. 2021.

CARVALHO, Fernanda. Os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. 2021. Disponível em: https://www.matanativa.com.br/os-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel/. Acesso em: 25 nov. 2021.

GALIMBERTI, Umberto. A dimensão racional da técnica e a modelagem da vida. IHU On-Line. Disponível em: http:// www.ihu.unisinos.br/entrevistas/536697-a- dimensao-racional-da-tecnica-e-a-modelagem-da vida- entrevista-especial-com-umberto-galimberti. Acesso em: 25 nov. 2021.

GOLEMAN, Daniel. Foco: Atenção e seu papel fundamental para o sucesso. Objetiva. 2014.

JONAS, Hans. Técnica, medicina e ética: a prática do princípio responsabilidade. Trad. GT Hans Jonas (Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia). São Paulo: Paulus. 2013.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70. 2005.

MILL, John Stuart. O Utilitarismo. Iluminuras. 2000.

PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego. Lisboa: Ática. 1982. P.85. 

Rui Artistides Lebre. O sujeito da techne – O problema do desenho da vivência da justiça, e-cadernos CES [online], 23. 2015.

SINGER, Peter. Ética Pratica. Martins Fontes. 2018.

SOUZA, Vinícius Silva de. O homo faber segundo Hannah Arendt. 2013. 85 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) — Universidade de Brasília, Brasília, 2013.

WRI BRASIL. Mudanças climáticas alarmantes: veja 5 grandes resultados do relatório do IPCC. Disponível em: https://wribrasil.org.br/pt/blog/clima/ipcc-relatorio-mudancas-climaticas2021?gclid=Cj0KCQiA47GNBhDrARIsAKfZ2rCYmyl_2qSuwPZ0Q1mydLPaaZsoWJDLyZwEsMDqii3eY_WqZ7QR-tEaAsIeEALw_wcB. Acesso em 02 dez. 2021.


[1] Esse mecanismo natural existe, a fim de que evitamos gastar energia com preocupações de um futuro distante, uma vez que nosso cérebro entende que às ameaças do agora são potencialmente mais letais do que algo que poderá vir a ser. (Goleman, p.141)

Criança amada cresce segura

A criança que é verdadeiramente amada comporta-se com segurança aonde chega. Ela não tem medo de fazer amizades, de falar o que sentir vontade e de brincar com outras crianças iguais a ela.

O amor é inerente ao desejo do Bem, a possibilidade de voltar ao Mundo das Ideias Puras, cabendo ao homem exercitar-se no seu processo de ascendência espiritual, diz Platão no seu livro “O Banquete” e para além disso também nos diz que o amor é belo em si. Se o amor é a possibilidade de adquirir o mundo das ideias, logo ele nos garante o que quero dizer neste ensaio sobre a criança que cresce segura a partir do sentir-se amada.

É a ideia do bem que vai ser buscada nas profundezas dos corações dos pais e responsáveis pelas crianças para ser trazida à tona e reconhecida como um amor real, um amor puro, um amor em substância única e definitiva para o bem-viver do ser que nasce para um mundo estranho e logo recebe o conforto dos seus pais, médicos e enfermeiros.

Sim, o amor pode tudo, o amor move montanhas, acaba guerras, aproxima pessoas e torna o mundo mais bonito. Quando amamos alguém ficamos mais felizes e cheios de vontade de viver. O amor sabe de todas as coisas. Ele é capaz de nos transformar. Só o amor conhece os nossos mais íntimos segredos.

Amar e ser amado, eis o nosso desejo maior. Amar incondicionalmente. Amar como Jesus Cristo nos ensinou, segundo a música de Padre Zezinho. Amar segundo Camões no seu belo poema onde nos diz “Amor é fogo que arde sem se ver; / É ferida que dói, e não se sente; / É um contentamento descontente; / É dor que desatina sem doer.” É neste amor que a criança se encontra e se sente acolhida e protegida.

Em toda a minha vida eu recebi amor da minha mãe, da minha bisavó e das minhas primas que cuidavam de mim. Sempre me senti amada porque nunca recebi gritos, castigos dolorosos ou coisa parecida. Sempre fui acolhida nos braços da minha mãe que chegava cansada do trabalho com carinho e afeto. Tive brinquedos e estudei na infância. Fui uma criança amada e por isso estou aqui para pedir a vocês, pais e responsáveis que amem incondicionalmente os seus filhos.

É claro que todos nós amamos as nossas crianças, mas amar não é somente fazer o que a criança deseja e nunca dizer não. Amar é cuidar, é respeitar, é aceitar e saber o momento exato de falar a verdade e de confiar coisas à criança que ela nos pergunta.

Conheço uma menininha que leva tanto grito da sua mãe que imita esse gesto com as suas bonecas e nas suas brincadeiras com outras crianças. Será que ela está sendo verdadeiramente amada?

Apesar dos gritos que esta criança recebe da sua mãe ela não tem outra pessoa que a acolha e a ame, pois não há nenhum adulto em sua casa que possa lhe dar o verdadeiro amor que merece. Mesmo recebendo gritos, sendo castigada e muitas vezes levando palmadas, essa menininha é doce e meiga e não consegue ficar um minuto longe daquela que a obriga a sorrir logo depois de levar um puxão de orelhas.

Sim, as crianças não guardam mágoas. Elas logo vão esquecer de que foram maltratadas por você de alguma forma. Será?

Maus-tratos são qualquer coisa que imprima no espírito da criança uma lesão que jamais será esquecida. Ela pode até não demonstrar que lembra e pode até ter esquecido realmente, mas no fundo, no seu pensamento estará lá a lembrança de tudo o que viveu, de toda a educação recebida quando pequenina.

Na infância, vivemos como os galhos das árvores que são seguros pelo tronco e dele recebem cuidado e amor. Se o tronco fraquejar ou vier a morrer, consequentemente, os galhos também morrerão. Também passarão a imitar e fazer as coisas que o tronco faz, pois dele vem a experiência de pai ou mãe daqueles galhos-filhos que necessitam tanto de conhecimentos básicos para crescerem e poderem dar frutos ao mundo.

O grande tronco da árvore é aquele pai ou mãe que está ali sempre presente e ao lado dos seus filhos que seriam os galhos, finos e necessitados de cuidados para não se quebrarem ou para não se machucarem nas suas brincadeiras e, principalmente, para que cresçam seguros de que logo se tornarão troncos de outras árvores gigantes e poderosas.

Costumo comparar a educação necessária que os pais e responsáveis deveriam oferecer às suas crianças às das árvores com os seus galhos que muitas vezes rebeldes não sofrem castigos do tronco, mas são chamados atenção e puxados para cima novamente com a ajuda do vento. O tronco fazendo o papel dos pais e o vento o do professor ou professora.

É preciso unir forças para educar uma criança com cuidado e amor. Sozinhos, os pais imaturos podem não conseguir, por isso é tão importante a presença dos avós, tios, médicos e professores.

A criança que é verdadeiramente amada comporta-se com segurança aonde chega. Ela não tem medo de fazer amizades, de falar o que sentir vontade e de brincar com outras crianças iguais a ela. Na sua pequena idade já sabe distinguir o certo do errado porque aprendeu com os pais na base do diálogo e do respeito.

Muitos pais querem impor aos seus filhos uma educação rude e severa que tiveram quando eram crianças. É preciso saber que estamos em pleno século XXI e que a educação mudou porque as crianças também mudaram.

Vejo gente dizendo que antigamente eram apelidadas na escola, eram xingadas disso e daquilo e nunca tiveram traumas. Tudo bem até aí, mas eram outros tempos. Tempos que mudaram com o advento da tecnologia, dos novos conceitos introduzidos na sociedade, das novas formas de viver das crianças com as exigências e cobranças que lhes são feitas todos os dias e a todo instante.

O que antes não era bullying hoje pode ser isso porque as sociedades mudaram os seus conceitos, as pessoas criaram novos hábitos, as ciências não pararam no tempo e as crianças acompanham essas mudanças do mesmo jeito da gente. Vivemos uma época em que a violência toma conta das redes sociais onde estão as nossas crianças o tempo inteiro depois que voltam da escola.

Conheço pessoas que dizem que antes eram chamadas de “negrinhas” ou “negrinhos” e nunca se sentiram desrespeitadas. Antigamente, não havia uma mídia impressa e digital para alertar você do racismo que já foi um gigante na sociedade brasileira e hoje reduziu um pouco graças as lutas dos movimentos sociais antirracistas.

Não é que antigamente as pessoas eram mais felizes sem essas coisas de racismo ou bullying, é que antes tudo era tão disfarçado e fingido de uma forma a ridicularizar o ser humano que não se passava pela cabeça da pessoa que estava sofrendo preconceito. Nem mesmo o outro sabia que estava praticando preconceito. Era coisa do sistema, ou seja, eu finjo que não sei e você finge que não se machuca e está tudo bem.

Deixar uma criança viver uma situação ridícula, humilhante ou desrespeitosa pode agravar para sempre a sua vida psíquica e física porque ela traz desde a tenra idade todos esses conceitos de maus-tratos. Não é que ela nasça uma criança cheia de sabedoria, mas vai se formando no decorrer das suas vivências e experiências. As crianças têm contato logo cedo com os conceitos das coisas.

Assista vídeo: Por que todas as crianças precisam de comunidade? https://youtu.be/rWUUYU4xeP8?t=17

O filósofo Platão já mencionado acima tem um diálogo que trata do nome das coisas e é bem interessante para quem tem curiosidade de saber por que as coisas recebem os nomes que têm. Dessa forma, é que as crianças desde a tenra idade despertam para conhecer os nomes das coisas, os seus conceitos, o que significam, do que se tratam, para que servem. Assim é que no livro “Marcelo, marmelo, martelo” a autora Ruth Rocha explica essa curiosidade das crianças no seu personagem Marcelo a querer saber a origem do nome das coisas e fazer uma confusão enorme com isso. Vale a pena a leitura!

No passado, os nossos pais escondiam da gente os conceitos das coisas. Não tínhamos acesso a coisas que eram ditas ser somente para adultos. Crescíamos inocentes em quase tudo, por isso que não sentíamos muitas vezes o preconceito e o desrespeito para conosco.

Lembro-me que há uns trinta anos meu tio era chamado de “Neguinho” isso porque ele era negro, de fato. Meu tio nunca ligou para isso e levava numa boa o seu apelido, mas também ninguém nunca o contou que aquilo soava como racismo contra a cor da sua pele e que, de uma certa forma, o seu apelido estava ligado a cor da sua pele que para algumas pessoas marcava não o ser enquanto ser, mas a cor da pele que o vestia, ou seja, era a cor da pele que o identificava como presença viva entre os seus. E isso era verdade. Mas, para o meu tio era um apelido carinhoso.

A criança merece cuidados e amor, muito amor. Se em toda a sua infância tiver os seus direitos garantidos como diz o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, se tiver casa, comida e direito a brincar e estudar ainda assim será pouco se lhe faltar o amor verdadeiro de uma pessoa. É por isso que eu peço para acrescentarem ao Estatuto mais um artigo, ou seja, que toda criança seja amada incondicionalmente, principalmente as que estão em situação de rua e largadas ao Deus dará.

Vejo, e esta cena se repetiu muito já, andando pelas ruas, pessoas fecharem os vidros dos seus carros para que a criança suja não se aproxime dele. Crianças andando pelas ruas com fome e com sede sem ninguém as ajudar. Crianças sendo exploradas por adultos, muitas vezes os próprios familiares, nos canteiros das cidades grandes levando sol e chuva pedindo comida e roupas. Sabemos que a situação econômica do país está difícil, mas muitas dessas crianças deixam de frequentar a escola e de brincar para serem usadas como iscas de piedade e caridade.

O meu pedido neste ensaio é de que todas as crianças sejam amadas para crescerem seguras e donas de si. Certas de que serão adultos corajosos e prontos para enfrentarem um mundo competitivo que exige a todo tempo mentes inteligentes e com pensamentos lógicos capazes de tomar decisões rápidas e sem titubear. Esses são os profissionais do futuro. Um mundo em que as relações são líquidas e que os nossos jovens estejam preparados para perder amigos e namoradinhos sem sofrerem tanto.

Não sei se vamos conseguir preparar as nossas crianças para este mundo contemporâneo que exige demais da gente. Não é que estejamos formando uma geração mimimi. É que o mundo se tornou chato mesmo para as nossas crianças e jovens. É que estão cobrando demais deles quando só deveriam brincar, estudar e ser amados. O amor vem antes de tudo. O amor vem do primeiro momento em que o filho entra em contato com a sua mãe na hora do parto.

Muitas crianças nascem com transtornos mentais e quando não são abandonadas pelos pais, são largadas dentro de casa sem receberem a atenção que necessitam, os cuidados básicos, uma escola que esteja preparada para recebê-las.

Tenho uma amiga, adulta já, que me contou outro dia que nunca recebeu amor dos médicos do posto de saúde onde se consultava quando criança. Nem amor e nem atenção. No posto não havia quem soubesse compreender o que ela queria dizer sobre as suas dores e sentimentos, pois era surda e ninguém ali sabia libras ou sabia como lidar com um surdo.

Desse mesmo jeito vejo crianças com esquizofrenia, autismo, depressão sofrendo nos postos de saúde, nos consultórios de médicos do SUS que muitas vezes estão ali para cumprir a carga horária e receber os seus salários, mas não têm nenhum afeto ou cuidado por aquela criança que tanto necessita de ajuda. Aos pais cabe a indignação silenciosa porque se for reclamar é capaz até de perder a consulta do filho ou filha.

A falta de amor às nossas crianças não acontece somente dentro de casa, ela extrapola as paredes do lar e vai para a rua junto com a criança que chora e faz birra para não ficar na casa da tia que a maltrata sem que ninguém saiba e a ameaça se contar para alguém. A falta de amor começa quando você conversa com uma criança sem se abaixar para ficar na altura dela e poder olhar nos seus olhos enquanto conversam.

Não se ama uma criança apenas porque ela é bonitinha e comportada. Se ama uma criança porque ela é um ser especial em formação e que diferente de nós está aprendendo a viver e a conhecer o mundo do jeito que o apresentarmos para ela. Infelizmente, não podemos mentir-lhe e este mundo está muito chato para a criança viver alegre e sorridente o tempo inteiro. Em algum horário ela vai abrir o bocão e chorar reclamando de alguma coisa que lhe desagrada e é neste momento em que precisará de apoio e amor.

Para que a sua criança cresça segura de si e possa se tornar um adulto pronto para enfrentar a realidade ela precisa não somente de que você faça tudo o que lhe pede, mas de amor, sim, amor incondicional. Aquele amor que faz a gente acordar no meio da madrugada só para ver se ela está dormindo bem, aquele amor que faz a gente ficar plantada horas na frente da escola à espera de que ela seja liberada e, principalmente, aquele amor pelo seu desenho que ninguém consegue compreender, mas que ela diz ser você.

Aquele que recebe amor está sempre voltando ao mundo das ideias e reformulando o seu jeito de ser e de pensar tornando-se uma pessoa melhor em busca de um futuro grandioso, por isso é tão importante que a criança sinta-se amada o tempo todo para quando tornar-se adulta estar pronta para enfrentar os “dragões do tempo”, ou seja, as vagas num mercado de trabalho que é tão competitivo ou um relacionamento onde as pessoas quase não se falam mais umas com as outras.

Seja o amor da sua criança dando para ela a segurança necessária para um viver bem.

Assista vídeo “O amor pinta o cinza do mundo”, com a participação do Papa Francisco. https://youtu.be/8ChTGOQeO1s?t=69

Faça um carinho quando ela menos esperar, diga-lhe algo motivador quando ela mais errar no que tenta fazer, seja o herói ou a heroína da sua criança. Mostre para ela que com você pode contar sempre que precisar. Deixe bem claro que você é capaz de tudo para protegê-la e amá-la mesmo ela fazendo as coisas mais atrapalhadas do mundo.

E para terminar deixo você papai, mamãe ou responsável com a música de Caetano Veloso intitulada “Sozinho” que nos seus belos versos nos diz “Quando a gente gosta / É claro que a gente cuida”.

Que possamos gostar mais um pouco, na verdade, amarmos todas as crianças ao nosso redor e até mesmo as que não conhecemos mostrando para elas que apesar de adultos chatos e com pressa para tudo podemos ler a sua historinha com letras garranchadas e adoraríamos receber um desenho que nos represente.

Ame a sua criança interior e a criança que está ao seu lado. Seja ela quem for.

Autora: Rosângela Trajano

Brasil: Pátria dos índios

Os domínios territoriais dos índios sobreviventes ainda são esbulhados. O crime organizado, chefiado por diletos de homens do poder exploram também hoje, de forma vil e cruenta, as terras que desmatam e queimam. Tudo isso em terras que deveriam ser preservadas por força de lei.

A origem mais fiel ao nosso território, ainda antes da ação dos descobridores, e os ditos desbravadores, é a população indígena. A crueldade dos invasores europeus dizimou povos nativos.

O Brasil, como outros países, formou seu estado matando a mais digna fonte de vida, o dono e morador desta terra. E foram séculos de exploração cruel, consolidados pela hegemonia de setores dominantes na produção sob a égide do sistema oligárquico na escravidão. Esta estabeleceu consciência maligna que perdura até hoje. Negros trazidos da África morriam trabalhando ou eram mortos na torpe submissão que formou a casta dos ricos donos de engenhos, plantações, mineração e extração de madeira.

Os domínios territoriais dos índios sobreviventes ainda são esbulhados. O crime organizado, chefiado por diletos de homens do poder exploram também hoje, de forma vil e cruenta, as terras que desmatam e queimam. Tudo isso em terras que deveriam ser preservadas por força de lei.

A mineração clandestina é o funeral do solo fértil dos ribeirinhos e povos nativos. A resistência secular dos quilombos é atacada por hordas de usurpadores. Os rios assoreados são contaminados pelos resíduos impiedosos de mercúrio dos mineradores. Morrem os peixes que alimentam tribos e caboclos ribeirinhos. A fiscalização das glebas destinadas aos povos que sobrevivem ali preservando rios e nascentes, foi drasticamente desativada. Grupos armados instalados em balsas de garimpagem repelem os moradores que ousam impedir a exploração criminosa.

Nos últimos quatro anos, 570 pessoas morreram no território amazônico, especialmente crianças e idosos. Em Roraima, na região de Boa Vista morreram 100 crianças indígenas no ano passado.

Os Yanomamis

No final de semana que passou, o presidente Lula, num gesto de compaixão com a fraternidade indígena Yanomami, cumpre o dever governamental de socorrê-la. O novo mandatário brasileiro viu cenas chocantes de crianças desnutridas, acometidas por pneumonia, diarreia e outras sequelas pela contaminação de mercúrio. São crianças que antes percorriam alegres as matas e se banhavam nos rios em águas limpas, agora esqueléticas. Adultos caminham tíbios e perdem o vigor para a caça ou o plantio nos pequenos roçados. Peixes estão morrendo. Falta água potável e alimento.

Urgente

O presidente brasileiro estava em companhia da ministra Nísia Trindade, da Saúde, a quem deu ordem imediata de assistência médica aos doentes indígenas.

A futura presidente da FUNAI, Noêmia Wapichana já alertava o governo sobre a situação e se mostrou tomada de esperança com as ordens de socorro determinadas por Lula. Alimentos já estão a caminho dos yanomamis. Certamente há outros focos de situação dramática como a morte pela poluição dos rios nas reservas indígenas. Força especial vai repelir a violência de mineradores que afligem a vida das pessoas, florestas e rios.

Deplorável

Os líderes inconformados com a derrota na disputa presidencial são chamados a uma reflexão sobre a realidade dos fatos. É preciso recuperar entre os simpatizantes a apreciação cordata do resultado eleitoral, de modo a afastar o extremismo delirante.

Todos sabem que o novo presidente foi eleito legitimamente. Provocações, piadas de mau gosto, zombarias inócuas, mentiras que desinformam, ou maldades perigosas não são apropriadas para o momento. Isso de qualquer lado do certame eleitoral.

Aos vencedores, por exemplo, cabe a observância que dizia aos romanos “bis vincit qui se vincit in victoriam” (vence duas vezes quem vence a si mesmo na vitória). Ocorre que os ânimos estão fervendo. No Senado Romano, quando alguém comentava o resultado inesperado dizia “vox Populi, vox diaboli”. Quem obtivesse a vitória dizia “vox Populi vox dei (a voz do povo é a voz de Deus). Até esse ponto é normal a tolerância.

O que tem perturbado o momento brasileiro é a pregação insana de dirigentes, que se ocultam nos atentados promovendo dissonância cognitiva. Nitidamente contra a Constituição que defende o princípio democrático. Aliás, teorias conspiratórias e esdrúxulas não são mais aceitas nem mesmo por bolsonaristas sadios. Mentiras são deploráveis ao mínimo bom senso e vão prejudicar até os fanáticos teleguiados.

Sigamos!

Assista matéria sobre esta triste realidade dos indígenas Yanomamis no Brasil:

Autor: Celestino Meneghini

Os diversos Pelésinhos da minha rua

Ao rei do futebol, Pelé (in memoriam)

As palavras do presidente eleito e diplomado Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abrem este texto cheio de emoções e saudades “Eu tive o privilégio que os brasileiros mais jovens não tiveram: eu vi o Pelé jogar, ao vivo, no Pacaembu e Morumbi. Jogar, não. Eu vi o Pelé dar show.”

Todo mundo quer ser um Pelé nalguma coisa é ser o melhor, é ser o absoluto, o maior. Eu mesma já fiz 1.000 poemas e 1.000 ilustrações. Cada um de nós quer ser um Pelé naquilo que faz. Ficamos vazios. Ficamos sem o número 1.000. Somos agora, por enquanto, 999, mas só por enquanto. Logo encontraremos mais um Pelé porque o verdadeiro nunca morrerá nos nossos pensamentos.

Eu sempre quis escrever este texto falando sobre os meninos Pelésinhos da minha rua, mas sempre me faltou inspiração para terminá-lo.

De repente, depois de ouvir pela televisão a notícia do falecimento do rei do futebol, o nosso amado Pelé, eu não podia deixar para depois esta escrita para imortalizar Pelé e os momentos que vivo a cada dia que abro a janela da frente da minha casa e vejo a meninada jogando bola.

Sei que em toda rua tem menino brincando de bola, mas os da minha rua têm um encantamento que me faz chorar, sorrir e se emocionar com as suas bolas de todos os tipos: meias, couro, plástico e até mesmo de papel.

Eu sempre gostei de futebol. Leio toda as notícias futebolísticas dos jornais da minha cidade e tive o privilégio de morar perto de dois grandes jogadores de times profissionais.

Os meninos Pelésinhos da minha rua vestem calções coloridos, muito raramente usam camisas e estão sempre descalços. Eles não têm muito. E a maior diversão deles é jogar bola.

A partida de futebol desses meninos não tem preconceito, aproxima os que estão aborrecidos, traz o mais tímido para o gramado imaginário e não deixa de fora ninguém, nem mesmo o que não entende nada de bola. Todos podem participar do jogo, só basta chutar a bola pro gol e pronto!

O futebol é o esporte mais próximo de toda criança pobre, pois com apenas uma bola de qualquer pedaço de pano eles fazem a brincadeira. Gosto, ainda, de ouvir o futebol pelo meu velho radinho de pilha. Escrevi há alguns anos um livro de poemas sobre o futebol e um conto engraçado intitulado “Pelada de rua” falando dos meus meninos.

Vivemos no país do futebol. É daqui que saem os melhores jogadores do mundo. Que importa se perdemos o hexa? Claro que choramos e ficamos tristes, mas temos o futebol mais bonito que se pode ver em qualquer lugar do universo, o gingado, o drible, o gol de bicicleta, a caneta e o voleio de Richarlison que nos fez felizes por alguns dias da Copa do Mundo de 2022. O futebol tem as suas glórias e o Brasil é um dos maiores campeões deste esporte. Afinal, somos pentacampeões.

Não é à toa que gosto de ouvir mamãe falando dos tempos em que escutava o locutor da rádio gritar o nome de Pelé quando ele marcava os seus lindos gols, na calçada da casa da sua madrinha rodeada por todos os vizinhos, parentes e amigos que ali residiam. Ela conta, com nostalgia, do quanto era bonito e emocionante quando Pelé fazia um gol e o povo comemorava com alegria e fogos de artifícios na rua.

Diante de tanto ódio e violência vividos pelo nosso povo brasileiro, atualmente, o que nos une e o que nos traz alegria ainda é o futebol. Esses onze jogadores num campo com grama verde e uma bola de couro pra lá e prá cá.

Eu me lembro bem da minha bisavó que não entendia bem de futebol ficar preocupada com os jogadores cansados e suados sem saber direito por que eles corriam tanto atrás daquela bola. Eu dizia na minha inocência de criança que sabe tudo “é pra fazer o gol, vó.” O gol era o que importava pra mim e eu torcia para os dois times ao mesmo tempo. Era a criancice explodindo no meu coração de menina feliz.

Os meninos Pelésinhos da minha rua arrancam pedaços dos pés no calçamento de paralelepípedos, gritam os palavrões mais absurdos que uma pessoa possa ouvir e param a bola quando um velhinho vai passar. Sim, eles têm respeito pelos velhinhos. Quando fazem um gol não importa a hora, eles gritam comemorando. Muitas vezes eles jogam até de madrugada, principalmente quando está chovendo.

Como não podia faltar, em toda rua que tem Pelésinhos com bola no pé também tem uma mulher brava, ranzinza e que odeia ouvir gritaria de menino. Pois bem, aqui a gente também tem quem prenda a bola e não devolva mais, quem corte a bola no meio e acabe a brincadeira, quem tem pancadas no portão de alumínio de casa diversas vezes com o chute do menino que vem lá do meio da rua. Há homens e mulheres na minha rua que não são muito chegados a essa coisa de menino jogando bola perto das suas casas.

Se eu pudesse dava de presente para os meus Pelésinhos uma chuteira para cada um, porque os vejo jogando com os pés descalços.

Eles não reclamam e quem vai reclamar de uma brincadeira legal que é jogar bola na rua? Eles nem ligam se têm ou não chuteiras. Querem mais é se divertir. Querem mais é fazer muitos gols.

Também temos o nosso rei do futebol que já está perto de completar o gol de número mil. É um menino apaixonado por futebol com três irmãs pequenas que todos os dias ele vai deixar e buscar na escola. Como é bonito saber do sonho dele de ser reconhecido nacionalmente como um grande jogador!

A bola parece saber quem é o jogador perna de pau da minha rua porque ela sempre sai do pé dele direto para a janela da casa de um dos moradores. Já tivemos janelas quebradas, bolas que entraram dentro de casas e quebraram vasos, derrubaram quadros das paredes e até mesmo bola que foi chutada para tão longe que atravessou toda a casa e foi parar no quintal do vizinho. Aí a meninada fica desesperada no meio da rua, com as mãos na cabeça, esperando a danada da bola voltar cortada e torcendo para que isso não aconteça.

Todos os meninos Pelésinhos da minha rua querem ser iguais ao rei Pelé, ou seja, tornar-se o maior jogador de futebol do mundo. E como não poderia ser diferente, depois da notícia da morte do nosso rei, os meninos já estão de bola no pé, novamente.

Espero que não haja confusão porque o dono da bola tem o costume de quando estar perdendo o jogo pegá-la e acabar com a brincadeira indo para casa, aborrecido.

O futebol é um esporte que une famílias. Vejo todos os domingos os pais que vão aos estádios da minha cidade levarem suas esposas e filhos para assistirem os jogos dos seus times preferidos. Na hora do gol todos somos iguais e nos abraçamos uns com os outros na comemoração. Teve um Natal que eu dei doze bolas aos meninos Pelésinhos da minha rua. Foi uma festa grande.

O nosso rei Pelé morreu na data de hoje, 29 de dezembro de 2023, mas deixa um legado grande para a meninada que gosta de futebol. Será que existe algum menino que não goste? E por falar em menino, lembrei-me da única menina da minha rua que é jogadora de futebol desde criancinha e que já ganhou várias medalhas em torneios escolares.

Assista a vídeo: O que Pelé fez pelas crianças? https://www.tiktok.com/@flaviodata/video/7180079365999316230?is_from_webapp=v1&item_id=7180079365999316230

O jogador e rei Pelé além de grande homem tinha um carinho e um sorriso maravilhosos. Ver e reviver seus jogos e gols será a coisa que mais farei nos próximos dias ao lado de mamãe. O futebol fica mais pobre na data de hoje. O seu clube de futebol, o Santos, vai agora à procura de um novo rei porque o trono não pode ficar vazio por muito tempo.

Precisamos de um rei. Qual menino se habilita a ser o novo rei do futebol?

E por falar em menino eu lembro que tivemos nesta última Copa do Mundo, uma seleção brasileira com jogadores jovens, quase meninos, com idades entre 21 e 23 anos. Que esses jovens jogadores continuem brilhando pelos mais diversos gramados e quem sabe surja dessa nova geração um novo rei.

Não duvido que o novo rei do futebol saia da minha rua, pois aqui a meninada sem brinquedos caros e, ainda, sem viver com os rostos colados numa tela de celular o que eu só agradeço a Deus todos os dias, passa o tempo todo jogando bola. De tanto jogarem vão ficar especialistas e craques na bola. Eu quero é que façam muitos gols e continuem parando a bola quando um idoso for passar no meio do campo.

Faz pouco tempo que entendi o que é impedimento e para que serve um atacante. Ainda me perco com as atribuições de um lateral esquerdo ou direito e com um centroavante. Não consigo entender muito bem alguns conceitos do futebol, mas sou uma grande torcedora do Corinthians e da seleção brasileira que me perdoem os flamenguistas.

Fico triste quando um jogo é decidido nos pênaltis porque nem sempre ganha o melhor e sim o que tem mais sorte e melhores batedores. Porém, sinto uma emoção bastante grande e paro para ver os jogadores nervosos se prepararem para bater os pênaltis enquanto o goleiro se torna o herói ao segurar um deles.

Aqui na rua os meninos Pelésinhos não costumam decidir os jogos assim, eles preferem decidir no tempo que passa e passa muito rápido, no tempo que houver fôlego para correr e vontade de brincar.

Ah, mas eu quase me esqueço do pedido de copo de água. Isso é costumeiro. Sabem que se forem para casa as mães vão mandar tomar banho e não mais deixarão voltarem, então eles correm às casas dos moradores mais velhos porque sentem mais carinho pelos pequeninos e costumam pedir um copo de água. Com os rostos suados e o coração saindo pela boca, tomam a água e ainda reclamam se não estiver geladinha. Estes são os nossos meninos Pelésinhos da minha rua.

O nosso amado rei Pelé parte para a eternidade, o trono agora vazio chora junto com a bola.

Assista a vídeo: Pelé, o rei do futebol é também patrimônio da história. https://youtu.be/EfuoGxpPnfA?t=173

Os meninos Pelésinhos da minha rua continuarão jogando futebol e sonhando com muitos gols. Com chuteiras ou pés descalços eles fazem a alegria de mamãe que aos 77 anos de idade gosta de presenteá-los com pirulitos e pipocas. É gol, dona Iracema! Viva Pelé! Viva os meninos Pelésinhos da minha rua!

Finalizo o meu texto com as palavras do grande jogador português por quem tenho imensa admiração, Cristiano Ronaldo, que nos diz: Os meus profundos sentimentos a todo o Brasil, e em particular à família do senhor Edson Arantes do Nascimento. Um mero ‘adeus’ ao eterno Rei Pelé nunca será suficiente para expressar a dor que abraça neste momento todo o mundo do futebol.

Uma inspiração para tantos milhões, uma referência do ontem, de hoje, de sempre. O carinho que sempre demonstrou por mim foi recíproco em todos os momentos que partilhámos, mesmo à distância. Jamais será esquecido e a sua memória perdurará para sempre em cada um de nós, amantes de futebol. Descansa em paz, Rei Pelé.”

Autora: Rosângela Trajano

Escrever não rende prêmios, mas permite reconhecimentos

Nada de imitar seja lá quem for (…) Temos de ser nós mesmos (…) Ser núcleo de cometa, não cauda. Puxar fila, não seguir. (Monteiro Lobato)

Desde dezembro de 2014, empreendemos um site. Sabíamos, desde o princípio, das dificuldades de manter e construir uma ferramenta como esta, guardando sentido e valor à sua existência. Mas, para além da vontade de comunicar, sempre tivemos clara intencionalidade: publicar conhecimentos que humanizam.

O site www.neipies.com nasce para constituir-se numa referência de publicações autorais, no estilo crônicas, construídas por sujeitos que se agregam para pensar o processo de humanização, através dos conhecimentos críticos, reflexivos e colaborativos.

O público que desejamos envolver e comprometer com esta ferramenta digital são profissionais da educação, estudantes, lideranças sociais e quaisquer interessados nas temáticas Educação, Cidadania e Espiritualidade. As publicações estão organizadas por colunas de Convidados/as e divididas em Seções: Protagonistas da Educação, Reflexões e Atividades, Entrevistas e Excertos.

Confira aí: https://www.neipies.com/secoes-especiais/

Para além de elegermos clara intencionalidade, fomos também fundindo a iniciativa do site com algumas das nossas mais importantes convicções. Passamos a relacioná-las.

Cremos que a escrita é uma prática social que deveria ser exercida pela maioria das pessoas. Escrever não deveria ser uma tarefa restrita a alguns poucos que, quando escrevem e registram, passam a ser considerados como importantes referências de novas descobertas e novos conhecimentos. Escrever deveria cumprir também com a necessidade de cada ser humano apropriar-se da sua história, dos seus conhecimentos e dos seus pensamentos.

Como profissional da educação, entendemos a necessidade urgente de professores e professoras escreverem sobre as suas práticas e registrar os seus conhecimentos e as suas concepções sobre o “fazer” da educação, sobre a sua práxis. Enquanto nos abstivermos de falar e registrar nossos conhecimentos, nossas percepções e nossas práticas educativas, mais abriremos espaços para que quaisquer outros profissionais digam o que deve ser feito na educação.

Outra convicção que nos move no empreendimento do site é a importância de que reflexões e escritos falem, diretamente, de professor para professor. O site é pensado a partir de uma lógica de trocas e reciprocidades, num constante aprender-refletindo. Por isso, em maioria, nossos Convidados são professores e professoras de sala de aula, ou profissionais que mantém vínculos diretos e próximos com a realidade da educação brasileira.

Conheça os Convidados: https://www.neipies.com/autores_convidados/

Cremos, ainda, que mudanças na educação, sobretudo mudanças de práticas docentes, ocorrem quando educadores e educadoras fazem o exercício de reflexão de suas práticas cotidianas, através da sistematização. Sistematizar práticas docentes é uma forma eficiente e prática de apropriar-se de novas posturas e compreensões acerca do nosso fazer pedagógico. Mais do que nunca, precisamos pensar e ressignificar as práticas docentes para sairmos da condição de meros executores de metodologias já prontas (pensadas por outros) ou de sermos apenas tarefeiros da educação.

Acrescemos, ainda, a incorporação de práticas da leitura e de escrita que realizamos junto aos estudantes em nossas atividades docentes, bem como o amor e o gosto à literatura. Acreditamos que um professor que nutre gosto pelo seu trabalho, bem como o gosto pela leitura e escrita, alimenta em seus educandos o desejo de ler e escrever. Fazemos isso demonstrando a estes as limitações e os desafios permanentes do ler e do escrever, pois nunca somos “escritores”; sempre estamos sendo.

Destacamos a importância dos profissionais da educação encontrarem o seu lugar de fala, de terem a possibilidade de escrever e refletir sobre os desafios educacionais. Na medida em que estes escreverem sobre a realidade educacional, mais a educação será valorizada e aumentará o protagonismo por parte daqueles que são imprescindíveis para a educação acontecer.

Resultados e reconhecimentos do site

O site já contou com a colaboração de 75 pessoas Convidados/as. Editamos semanalmente, aos finais de semana, 04 a 06 publicações, 20 a 24 publicações mensais. Já foram editadas mais de 1300 publicações.

O alcance médio das publicações é de 500 acessos, sem quaisquer “impulsionamentos” em redes sociais. Fizemos a escolha de divulgação do site e das publicações em grupos de diferentes redes sociais, pela newsletter da página e por engajamento orgânico e permanente de leitores e leitoras.

Fechamos 2022 com mais de 750 mil acessos globais no site. Ao longo dos últimos dois anos, os acessos somaram mais de 200 mil/ano. Nesta perspectiva, projetamos o alcance de 1 MILHÃO DE ACESSOS até o final de 2023.

Na medida em que passam os anos, renovamos energias criativas e desejos de reconhecimento da iniciativa do site, tendo em vista maior alcance repercussão entre interessados no seu propósito fundante: a educação e a formação humanizadora.

Embora escrever não renda prêmios, o reconhecimento que recebemos através de centenas de milhares de leituras e acessos no site nos estimula a semear a força das palavras e dos bons conhecimentos, com vista a nos humanizar.

Qual é a finalidade da escrita? Assim profetizou Eduardo Galeano: “Escrevemos, na realidade, para as pessoas com cuja sorte, ou azar, nos sentimos identificados. Os que comem mal, os que dormem mal, os rebeldes e humilhados desta terra, e a maioria deles não sabe ler”.

Nei Alberto Pies, Editor do site.

Veja também