O que adianta cumprir formalmente a escolaridade e não se encontrar preparado em sua essência para o vestibular, ENEM e mesmo vida profissional? Não é um incentivo ao analfabetismo funcional?
A complacência não ensina nada.
Sem rigor, sem disciplina, o aluno estará fingindo que passou de ano.
Você gostaria que seu filho tivesse uma aprovação sem mérito?
Contesto com veemência à portaria 305/2022 da Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul (Seduc), que altera as formas de avaliação dos estudantes da rede estadual de ensino. Publicada em 30 de dezembro, permite que os alunos que não tiveram frequência mínima de 75% das aulas possam fazer uma prova final e, caso alcancem a média 5, sejam aprovados.
É um encorajamento descarado para gazetear as aulas, um tributo à inadimplência.
Não compreendo como a criança e o adolescente serão capazes de evoluir mantendo-se ausentes da escola.
É um novo sistema de aprendizagem por telepatia? Quem sabe não transformamos o nosso ensino presencial em curso por correspondência? Não seria mais honesto?
Porque estaremos invalidando as conquistas do saber em prol das facilidades da obtenção de grau para os estudantes do 3º ao 9º ano do Ensino Fundamental e de todo o Ensino Médio. A portaria 305/2022 põe por terra os requisitos mínimos da avaliação, antes estabelecidos em frequência igual ou superior a 75% do total da carga horária e média anual igual ou superior a 6.
O que adianta cumprir formalmente a escolaridade e não se encontrar preparado em sua essência para o vestibular, ENEM e mesmo vida profissional? Não é um incentivo ao analfabetismo funcional?
Já não bastam as lacunas e sequelas de conteúdo herdadas da epidemia da COVID-19 no último biênio, com transmissões online absolutamente irregulares?
A decisão vai contra a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e apenas transmite a primeira impressão de maquiagem de estatísticas pelo Governo do Estado, que não me parece preocupado com a qualidade do ensino, porém em manter índices para futuras avaliações positivas do mandato.
Isso que os nossos números nem são promissores, talvez seja o medo de que eles se tornem ainda piores e evidenciem uma calamidade.
De acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2021, o Rio Grande do Sul ficou com 5,9 nos anos iniciais do ensino fundamental da rede estadual, em posição de igualdade com a média nacional. Nos anos finais, foi avaliado em 5,0, também em conformidade com a média brasileira. No ensino médio, o estado se mostra estacionado com sofrível 4,1, praticamente igual ao índice de 2019 (4,0) e pouco acima da média nacional (3,9).
Mesmo sob a égide de “Estudos de Recuperação”, bem temos a consciência de que não há como reaver no ano seguinte as habilidades e competências previstas no ano anterior.
É um funil impiedoso do currículo que não oferece tempo para resgatar deficiências retardatárias individuais no atendimento coletivo da turma, até porque cada matriculado precisa ter assimilado uma base para acompanhar desafios cada vez mais complexos. É como querer começar um game a partir da sua fase mais avançada, não entendendo as suas regras de sobrevivência.
A medida pode até inibir a evasão escolar, entretanto, criará um problema mais sério lá adiante, autorizando a precariedade da formação.
Autor: Fabrício Carpinejar
Coluna publicada no jornal Zero Hora, GZH, Última página, Porto Alegre (RS), 20/2/2023.
Este livro da autora Luciana Marinho Albrecht tem compromisso com a ludicidade, com o respeito às diferenças e ao intelecto infantil.
“Gosto de pensar que sou uma simples sonhadora que pensa em plantar sonhos pelo mundo como se plantam flores em um jardim. Mas, o que sou mesmo é alguém que inventa as próprias histórias – escritas ou faladas- brincando com palavras, na tentativa de que o tempo passe na medida certa para trabalhar, amar, estudar e ouvir belas melodias por aí.
Antes de Bandolins, eu escrevi outros dois livros para crianças: A estrela Pequenina e O Procura Encrenca. Também escrevi o livro Confidências da Noite, poemas, sonhos e delírios para “gente grande”. Será que você já leu?”.
É assim que a autora Luciana Marinho Albrecht se apresenta no novo livro que lançou no dia 10 de fevereiro na Delta Livraria & Papelaria do Passo Fundo Shopping. Foi um momento muito rico, prestigiado por amigos escritores e escritoras, professores e professoras, como também por familiares e amigos.
Segue um pequeno spoiler desta bela história que merece ser lida e contada:
Cadu e o Velho são mesmo muito diferentes. Mesmo assim, acabam por formar um laço inusitado de afeto que atravessa o tempo e a rotina do dia a dia. O que será que os une?
Bandolins… Uma história sobre arte, amizade e tempo.
*Este livro leva o selo Projetos Sorrisos Infâncias: um compromisso com a ludicidade, com o respeito às diferenças e ao intelecto infantil. Este livro foi produzido a partir dos recursos do Sexto Funcultura Passo Fundo (RS), edição 2021, e é parte integrante do Projeto Bandolins – uma história, várias linguagens.
Contatos com autora para levar esta e outras histórias para sua escola ou instituição: projetossorrisos@gmail.com
Cuidar de uma criança autista exige amor, respeito e sensibilidade para com as suas diferenças. Ela vai sempre precisar da sua ajuda em momentos de crise e de cobranças por parte daqueles que desconhecem o seu transtorno.
Trago o poeta Vinícius de Moraes com o seu poema intitulado “Menininha” um dos que mais gosto e leio quase todos os dias para minha mamãe de setenta e oito anos de idade e que é minha menininha mais peralta. Nos seus versos lindos, o poeta nos diz
“Menininha que graça é você / uma coisinha assim / começando a viver / “.
Toda criança é linda e uma graça se vista pelo olhar de quem sabe o que é o amor, o cuidado e o respeito aos limites e subjetividades de cada indivíduo no seu mundo próprio ou real. É preciso deixar as pessoas viverem como se o amanhã fosse o hoje já, pois não há tempo de espera para o ontem, há tempo de plantio.
Cada um de nós nasce com um jeito de ser e não somos iguais por mais que queiram acabar com as diferenças isso não é possível. Pensamos diferentes, falamos diferentes e temos a nossa subjetividade que nos torna únicos no mundo. Isso é tão bonito, gente! O ser humano é tão perfeito que vocês nem imaginam!
Outro dia, numa consulta à minha cardiologista pude ouvir os meus batimentos cardíacos e fiquei tão feliz ao sentir que estou viva, que posso fazer o que quiser, que moro num país livre de censura e que tenho uma família linda e amigos maravilhosos! Saí do consultório da minha médica querendo ouvir os batimentos dos corações de todos os meus amigos!
Quando um coração bate é sinal de vida, mas para que essa vida seja plena e cheia de alegrias precisamos aprender a respeitá-la. Respeitar os nossos próprios limites e respeitar também os limites das pessoas que estão ao nosso redor. Talvez não seja fácil para muitos pensar no outro, se colocar no lugar do outro, o que chamamos e está em moda hoje em dia de empatia. Fala-se tanto nela, mas não a exercitamos.
Cada vez mais pensamos somente em nós. Isso tem tornado o mundo um lugar chato para se viver porque o homem desde os primórdios da civilização aprendeu a andar e conviver em grupos. Como nos separar de uma hora para outra? Somos tão diferentes assim? Creio que não e deixo o meu pensar acima em dúvida.
Estou querendo falar das pessoas com deficiências e problemas mentais.
Elas ainda são chamadas de loucas, ainda brincamos de chamar os nossos parentes e amigos de loucos ou dizemos a nós mesmos que estamos ficando loucos. A loucura é uma coisa tão séria! Deveria ser discutida e debatida em todos os lugares, principalmente nas escolas assim como todas as outras deficiências e problemas de saúde mental.
Tantas pessoas sofrem com as incompreensões de suas deficiências ou problemas de saúde mental. Não sabemos lidar com essas pessoas. Achamos que elas são “coitadinhas”. Temos “peninha” delas como dizemos aqui na região Nordeste. Muitas vezes essas pessoas nos surpreendem e saem melhor do que nós em muitas coisas, não é porque sofrem de algum problema mental ou deficiência que são inválidas. Há sempre algo de especial que podemos fazer por nós e pelo mundo ao nosso redor.
O ser humano na sua complexidade e boniteza sabe se cuidar, mas precisa também de cuidados externos. Ele precisa ser amado e respeitado. Ele precisa saber que existe alguém com quem pode contar e confiar. Um ponto de equilíbrio. Um lugar para ir quando se sentir sozinho. Um amor. Um carinho. Qualquer coisa que lhe mostre que não está sozinho no mundo, principalmente quando se tem uma deficiência física ou um problema de saúde mental que limita as atividades do dia a dia.
Assim, seguem os autistas de quem desejo falar nesta manhã de quinta-feira com cheiro de chuva no quintal e pássaros cantando nas árvores. Essas pessoas tão especiais que não são respeitadas na maioria das vezes nas escolas, nos shopping centers e até mesmo nos hospitais. E isso ocorre por quê? Por ignorância! Sim, ignorância aqui no sentido de falta de conhecimento e não brutalidade.
Não sabemos como lidar com as crianças autistas ou até mesmo os adultos, uma vez que com o estereótipo da doença reduzido e seus sintomas serem divulgados pela mídia e na Internet está cada vez mais fácil diagnosticar uma pessoa portadora do Transtorno do Espectro Autista (TEA). E muitos adultos conseguem descobrir que sempre foram autistas e por esses e outros motivos agiram sempre de diferentes formas, eram vistos como estranhos.
As crianças autistas necessitam de carinho, amor e respeito. Elas não são mais especiais do que as outras, é claro. Toda criança necessita de amor, mas sabemos de que as suas vidas são mais difíceis porque sentem muitas coisas que outras crianças não sentem e muitas vezes não sabem o que fazer, como se comportarem, para onde fugirem, a quem pedirem ajuda, para sentirem-se protegidas e longe dos sintomas dolorosos.
Um dos sintomas que mais machuca uma criança autista é o barulho.
Ela não consegue conviver perto de barulho. Ela deseja o silêncio assim como muitos de nós. O barulho incomoda o seu pensamento, o seu coração, a sua alma. Causa-lhe irritabilidade. Machuca e faz doer. Incompreendida, entra numa crise profunda e fica atordoada sem saber o que fazer. Perde-se dentro de si própria. Os pensamentos, o medo, a angústia e a forma como se expressa ficam confusas.
Precisamos aprender a respeitar o lugar e as pessoas que moram perto da gente porque muitas não suportam barulho. Eu mesma me incomodo com barulhos e ruídos. Para uma criança autista o barulho é um grande sofrimento, por isso se você mora perto de uma respeite-a.
Na escola, o professor ou professora deve ter cuidado com o barulho da criançada, gritando, correndo, pulando e até mesmo chorando, principalmente nos primeiros dias de aulas, quando estão se familiarizando com o ambiente, os amiguinhos e a equipe escolar.
A criança autista deve receber um cuidado mais apurado, pois ela pode se sentir uma estranha vendo todas aquelas crianças fazendo o que ela não consegue fazer ou até mesmo se sentir mal com a gritaria podendo entrar no colapso, ou seja, numa crise de gritos, choros e movimentos bruscos do corpo. A escola deve ser um ambiente sempre de socialização para toda criança e a autista não deve ser educada em separado, mas convivendo com as outras e aprendendo a brincar e estudar dentro dos seus limites.
Um outro sintoma muito característico da criança autista é a dificuldade de se expressar. Quando o grau de autismo é alto, há crianças que têm dificuldades na fala e não conseguem se comunicar oralmente. A sua fala é dificultada. Ela se comunica através de pequenos sons que canta ou que grita fazendo assim com que as pessoas próximas consigam lhe entender. Não é que ela não queira falar, é que ela não consegue.
No autismo, a criança também não consegue expressar as suas emoções. Ela fica quieta e não sabe o que fazer se vir alguém chorando, machucado ou pedindo ajuda. Não é que não queira ajudar ou não seja uma criança carinhosa e amável, é que não consegue mesmo expressar as suas emoções. É um dos seus sintomas mais difíceis de lidar. Quantos de nós não nos comovemos ao ver alguém chorando? A criança autista não sabe o que fazer diante de uma situação dessas.
Também deve ser respeitada a sua rotina e as coisas tudo no seu devido lugar. Qualquer movimento ou alteração dos horários costumeiros é motivo para ela poder entrar numa crise difícil porque está habituada a fazer tudo nos horários certos. A sua vida é impactada quando precisa mudar o caminho da escola, trocar de horários na prática do esporte, visitar o dentista, ir a uma consulta médica, acordar mais cedo do que o habitual. Ela não consegue lidar direito com essas coisas que precisa fazer vez ou outra na sua rotina.
Com efeito, nas escolas o professor ou professora deve respeitar a rotina da criança autista, e não impor a sua vontade mudando-a de lugar porque está se comportando de forma errada. Em tudo é preciso cautela. A criança também não pode ter o seu local de lanche trocado ou o que ela está acostumada a fazer todos os dias na escola não pode ser modificado assim de uma hora para outra sem o cuidado de adaptá-la a essas mudanças.
O que mais ocorre nas escolas públicas são reformas que se arrastam por meses levando a criança a outro prédio com mudança de caminho. Isso é difícil para ela apreender e aceitar sem sofrer um pouco ou até mesmo mais do que possamos imaginar.
Até mesmo nós ditos “normais” ficamos ansiosos e nos perturbamos quando alteram a nossa rotina porque já tínhamos tudo agendado e combinado horários conosco. Desmarcar um compromisso, remarcar outra data, cancelar um evento, ter que ir à uma reunião marcada de uma hora para outra mexe conosco. O mundo tecnológico e globalizado não permite que tenhamos uma vida com sossego, imagine você uma criança autista que sofre bastante quando a sua rotina é modificada.
Para que a criança não entra numa nova crise, os pais devem sempre evitar mudanças repentinas nas suas rotinas. Respeitar o horário da criança acordar e fazer as suas refeições. Permitir que ela trace os melhores horários para realizar as suas tarefas e poder assim sentir-se melhor e segura de que está tudo bem, sim porque para ela a confiança nas pessoas ao seu redor é necessária e fundamental para saber que o seu dia vai ser agradável.
No Transtorno do Espectro Autista (TEA), as crianças gostam de joguinhos sejam eles eletrônicos ou não. Elas podem passar horas entretidas num aparelho celular, jogando. Isso é bom para desenvolver o seu pensamento cognitivo e penso que através dos jogos a criança autista pode ser tratada e até mesmo reduzir os seus sintomas. Os jogos eletrônicos são saudáveis quando usados com moderação, principalmente por essas crianças. Também não devemos as colocar num aparelho celular o dia inteiro. Porém, acredito que eles são uma ótima ferramenta para distrair a criança em outro mundo senão o que ela cria à parte com o seu transtorno.
Dos diversos sintomas que a criança com autismo tem, existe um outro que é o de não conseguir olhar nos olhos da pessoa com quem está falando. Quando está conversando com alguém parece até que não está dando atenção, porque o seu olhar não fica no rosto de quem fala e parece distraída, mas na verdade ela está ouvindo tudo o que lhe dizem basta saber compreender que a criança não faz aquilo porque deseja, não é que seja mal-educada, faz parte do seu transtorno o olhar perdido e não fixo em nada.
Diante de tantos sintomas expressos acima, só nos resta nos colocar no lugar dessas crianças e adultos e podermos fazer alguma coisa por elas. De uns anos para cá, o autismo tem sido muito debatido nas academias universitárias, escolas, hospitais e outros locais. Os seus sintomas têm sido bastante difundidos para que mais crianças sejam diagnosticadas cedo, pois o quanto antes o diagnóstico melhor será o seu tratamento.
Há adultos que passaram a infância inteira sofrendo com os transtornos do autismo, mas por serem sintomas pequenos e leves eles podiam ter uma vida menos dolorosa, apesar da incompreensão por parte dos pais, da escola e até mesmo deles que não sabiam direito o que sentiam e como se comportavam diante das outras pessoas. Adultos esses que só vieram a descobrir o autismo com mais de 30, 40 ou até mesmo 50 anos quando em consultórios de psicólogos surpreenderam-se com o diagnóstico.
Não é fácil ser um autista num mundo cheio de incompreensões e falta de respeito. Outro dia mesmo, vi na televisão um caso em que uma criança num posto de saúde da minha cidade em meio a várias pessoas, barulho e calor começou a se sentir mal e entrou em crise se agitando, gritando e sem saber direito o que fazer com os sintomas que lhe arrebataram o corpo e o espírito, de repente. Os profissionais do posto de saúde também não souberam o que fazer com a criança que passava por uma crise repentina.
Na verdade, ninguém sabe o que fazer ao ver uma criança autista entrar em crise, muitas vezes nem os pais ou professores. É preciso paciência neste momento, acalmar a criança com palavras de conforto, deixar que ela expresse todos os seus sintomas e se sinta protegida até que tudo passe.
Não ter vergonha das pessoas ao redor, é uma das coisas básicas. Não impedir que a criança expresse o que está sentindo também é fundamental porque ela não vai sair de uma crise se for maltratada e forçada a parar. Ninguém entra numa crise de gritos, movimentos repetitivos intensos e bruscos e esperneios porque quer. Há sempre uma causa e é preciso discernimento por parte de quem está por perto para lidar com a situação ou problema, como queiram chamar.
As crianças com autismo são tão amáveis e carinhosas o quanto as demais. Elas podem até não saberem expressar esses sentimentos como as outras, mas os sentem com a mesma intensidade e boniteza que todos nós sentimos. Não são indiferentes às nossas dores e sofrimentos, sofrem conosco. Tudo o que elas querem é que as compreendamos que reagem de uma forma diferente.
Existem outros sintomas no autismo, mas os que eu citei acima são os mais comuns. Dentre eles, acredito que o barulho seja algo difícil de saber enfrentar, tanto para a criança autista quanto para quem cuida dela porque vivemos num mundo onde o silêncio foi trocado por paredões de som, fogos de artifícios, vizinhos que escutam som num volume altíssimo, casas de shows e eventos em lugares residenciais e tantos outros barulhos que acontecem perto de nós.
O barulho incomoda muito idosos, crianças, pessoas doentes de cama e até mesmo quem precisa se concentrar em uma ou outra tarefa. Devia ter uma lei mais rigorosa para quem passa dos limites de ouvir um som em área residencial, principalmente quando se tem pessoas sensíveis por perto. Eu mesma sofro com barulhos horríveis quando fazem festas perto da minha casa.
Imagine uma criança autista que entra em desespero com o barulho. O melhor seria que as pessoas fossem mais compreensivas e usassem da empatia uma vez ou outra, pelo menos.
Cuidar de uma criança autista exige amor, respeito e sensibilidade para com as suas diferenças. Ela vai sempre precisar da sua ajuda em momentos de crise e de cobranças por parte daqueles que desconhecem o seu transtorno. Ela vai sempre precisar de você quando for cobrada por algo que não consegue fazer.
A criança autista precisa ser respeitada em todos os lugares aonde chegar com profissionais e pessoas que saibam o que fazer se ela não se sentir bem ali e começar a sofrer com os seus sintomas entrando em crise, de repente.
Apesar do autismo ter os seus sintomas bastante divulgados e um dia de conscientização do transtorno com o símbolo do laço azul criado especialmente para ele, ainda assim são ações mínimas e que poderiam ser mais difundidas entre as pessoas moradoras de periferias, escolas e postos de saúde. Sei que nesses lugares, as crianças só são diagnosticadas depois de muito sofrimento e crises, ou seja, muito tardiamente. Isso dói na criança. Essa falta de informação que as mães e professores de escolas públicas mais carentes sentem, podem trazer sérias consequências à criança com autismo.
Ainda falta muito respeito também nos estacionamentos de shopping centers, supermercados e até mesmo nas clínicas de psicologia onde apesar do símbolo do laço azul pessoas ignorantes e insensíveis estacionam seus automóveis nas vagas reservadas para pessoas com autismo. Vivemos tempos difíceis e de ódio. Tempos em que o pensar somente em mim tem mostrado a sua cara feia de bicho papão.
No entanto, com amor podemos mudar tudo. O autismo é um transtorno sério que num grau elevado pode comprometer a vida da criança nos estudos e socialmente, por isso cada um de nós temos a responsabilidade de conhecer os sintomas deste transtorno e aprendermos a saber o que fazer quando alguém perto da gente entrar em crise ou colapso como escolhermos chamar o momento de aflição e desespero pelos quais passam os autistas no ápice dos seus diversos sintomas reunidos num só momento. Fazer o certo é o melhor para a criança não se agitar mais ainda.
E por fim, espero que com este pequeno ensaio você consiga descobrir que o autismo é um transtorno que pode incapacitar a pessoa, mas também pode levá-la a desenvolver qualquer tipo de atividade profissional dependendo do seu grau, como todo transtorno e doença.
O que vai facilitar a vida da criança autista é a nossa compreensão, aceitação e dedicação de cuidados a ela sempre que necessitar.
Se eu conseguir fazer com que você descubra se os sintomas da sua criança são parecidos com os listados aqui e com isso desperte a sua curiosidade para estudar mais sobre o transtorno ou conversar com algum especialista sobre o comportamento da sua criança isso certamente me deixará feliz porque sei o que é viver a infância inteira com sintomas de um transtorno e só vir a ser diagnosticado e tratado depois de adulto quando a melhor fase da vida ficou para trás cheia de dores, sofrimento e incompreensões.
Somos diferentes? O seu coração bate igual ao meu? Responda-me!
E para terminar deixo vocês com a letra da canção de Adriana Calcanhoto intitulada “Fico assim sem você” que nos diz nos seus versos lindos “Avião sem asa, / fogueira sem brasa, / sou eu assim sem você. / Futebol sem bola, / Piu-piu sem Frajola, / sou eu assim sem você.”
Que toda criança possa ter alguém perto de si para amá-la e cuidá-la com a compreensão e sabedoria que merece, pois a vida na infância pode ser um avião sem asas se não soubermos como lidar com as dificuldades das crianças e as suas necessidades. Deixemos o avião voar nas asas da imaginação!
Com todos os seus defeitos, o regime democrático de direito, com os três poderes independentes uns dos outros, mais o poder da imprensa livre e de tantas associações e entidades, é o único possível de nos proteger de psicopatas sádicos rindo do sofrimento humano nos porões das ditaduras sejam elas ditas de direita ou de esquerda.
Durante mais de dez anos, nas décadas de 1980 e 1990, colaborei intensamente com a Anistia Internacional. Além de ajudar financeiramente, passei, como psiquiatra, a atender pessoas que haviam sido barbaramente torturadas por ditaduras. A maioria era de brasileiros, alguns argentinos e poucos chilenos. Outros colegas, de outras cidades, atenderam uruguaios e cubanos.
Quando abordo esse tema, acho de fundamental importância relembrar que os atuais militares da ativa nem eram nascidos em 1964. E cabe elogiar os nossos generais que não aceitaram a instalação de uma nova ditadura militar.
Como escreveu Denis Lerrer Rosenfield, no Estadão: “Se golpe não houve, isso se deve a três generais democratas que exerceram um efetivo protagonismo, embora pouco tenha aparecido na imprensa”. E cita os generais Tomás Paiva, Richard Nunes e Valério Stumpf.
Voltando à Anistia Internacional, os pacientes que me eram enviados se hospedavam gratuitamente em um hotel, por gentileza do proprietário. Mesmo quando a ditadura brasileira já havia terminado, Sarney era o presidente, eu tinha de guardar segredo e sequer registrar os atendimentos, pois havia o temor de que a ditadura, a qualquer momento, retornasse. Nem para outros membros da Anistia se revelava o que se fazia.
No meu caso, só tinha contato com um psiquiatra de Oslo, na época sede da Anistia Internacional, colega bastante experiente e com outro colega do Peru, inexperiente como eu. Usávamos medicação antidepressiva e ansiolítica e psicoterapia. A abordagem ensinada pelo colega de Oslo focava no que se chamava de “gente sente como gente”.
O problema central dos pacientes era a dor da indiferença. A dor física da tortura era insuportável, mas tendia a ir diminuindo com o tempo. Porém, a dor emocional não desaparecia. A dor da indiferença, da frieza, da desumanidade.
Era terrível perceber que os torturadores e os presentes na sala absolutamente não se condoíam. Era terrível não mais ser considerado “gente”. Ouvir as gargalhadas deles, provocadas por assuntos deles enquanto “trabalhavam” eletrocutando, afogando, arrancando unhas… E perceber a risada sádica, o prazer de provocar o pior sofrimento. Na função de torturador, só ficam os que são psicopatas sádicos. Se alguém não é assim, participa uma vez e não consegue continuar.
A terapia teria de devolver a humanidade ao paciente. Ou seja, o mais importante era o terapeuta entender o motivo de tanto sofrimento e sofrer com o relato que ouvia, sofrer com o paciente. Ser “gente que sente como gente”. Impossível não chorar.
Todos os pacientes que chegaram a mim apresentavam pelo menos transtorno de estresse pós-traumático primário. Sigla: TEPT primário.
E o colega de Oslo avisou a mim e ao psiquiatra peruano que, nessa atividade, nós desenvolveríamos o que hoje chamamos de TEPT secundário. Os relatos ouvidos ficariam ecoando dentro de nós, a imagem da dor viria a nossa mente em flashes e seguiria vindo muito tempo depois de concluído o atendimento. Orientava que atendêssemos um paciente por vez para não adoecermos, ou melhor, para adoecermos pouco.
Por vários anos, até perder o contato, troquei correspondência com o peruano e ambos reconhecíamos que havíamos ficado com TEPT secundário. Ainda hoje sinto vestígios do quadro.
Não vou revelar em detalhes nenhum caso, não quero de forma alguma adoecê-los.
Apenas vou dizer que é de uma tristeza insuportável pensar que se vai morrer numa prisão clandestina, longe dos familiares, dos amigos, atrás de uma porta de ferro, com sede, com fome, com frio, com dor, ouvindo o praguejar dos carcereiros e os gritos dos colegas de infortúnio sofrendo tortura.
Com todos os seus defeitos, o regime democrático de direito, com os três poderes independentes uns dos outros, mais o poder da imprensa livre e de tantas associações e entidades, é o único possível de nos proteger de psicopatas sádicos rindo do sofrimento humano nos porões das ditaduras sejam elas ditas de direita ou de esquerda.
Não é o bastante registrar em projetos educativos a exaltação da política e da participação para que, de fato, as instituições de ensino atinjam estes objetivos. É preciso eliminar a diferença e a distância entre a intenção e a ação.
Optar por uma sociedade democrática significa acreditar que o poder deve emergir da maioria (dos pollói) e que todas as decisões políticas devem atender aos interesses da maioria da população; garantir o direito de todos à moradia, à saúde, ao trabalho, à alimentação, à educação, ao transporte, ao lazer, enfim o respeito pela dignidade da pessoa humana.
Acreditar na existência da contradição, da divergência, das diferenças, na organização dos grupos e na forma de pressão que os grupos organizados devem e podem exercer. Implica um reacender da dimensão política educativa, da cidadania, do compromisso com a sociedade.
Naturalmente, tais opções não podem estar meramente no domínio só do discurso. Elas representam caminhos de vida, de atitudes de desafio no percurso dos educadores (as), reconstrução permanente do sentido e do tipo de utopia. Por isso, a necessidade de uma constante “reflexão-ação-reflexão”, ou seja, partir da prática social e teorizá-la para construir uma nova prática, para orientar a ação educacional.
De posse desses pressupostos, podemos perguntar pela prática educativa que possibilita as instituições de ensino viabilizar uma realidade geradora de novos padrões éticos.
O nosso esforço aqui é evidenciar que a alternativa viável para romper a “reprodução bancária” é a instituição de ensino criar, participativamente, como referencial de trabalho, uma utopia possível de sociedade, de pessoa humana e, consequentemente, de educação, buscando vivê-la com esforço metódico continuado para que, plantada em semente, vivida em antecipação, possa aproximar essa utopia possível da realidade.
Aqui colocamos a ação participativa, definida pelos elementos que integram no processo educativo, como instrumento de transformação e geradora de um novo ser humano e, por isso, de uma “nova ética”.
Como já mencionamos, a prática da educação sempre tende a legitimar a própria sociedade que a originou. Uma educação que provém do nosso modo de ser, não daquilo que se ensina com palavras.
Não é suficiente fazer discurso sobre a política e a democracia, não é o bastante deixar registrado em projetos educativos a exaltação da política para que, de fato, a instituição de ensino atinja este objetivo. É preciso eliminar a diferença e a distância entre a intenção e a ação.
Em várias situações deixamos as nossas crianças envergonhadas. Com isso, elas perdem a vontade de continuarem sorrindo, se divertindo, brincando e se colocam num canto de parede apenas observando as demais crianças.
O nosso querido poeta Pedro Bandeira já dizia em seu poema “Pontinho de vista” os seguintes versos “Eu sou pequeno, me dizem, / e eu fico muito zangado. / Tenho de olhar todo mundo / com o queixo levantado.”
Que possamos ser educados e nos abaixarmos para falarmos com as nossas crianças em respeito a elas e a nós mesmos que já fomos uma, certo dia. É preciso respeitar as crianças em todos os sentidos, principalmente não as envergonhando com coisas ditas à toa que ferem sem nem sentirmos o mal que estamos lhes causando.
Uma coisa é certa: não sabemos cuidar das nossas crianças. Talvez porque não tenhamos mais tempo a perder com elas ou porque não fomos educados para lidar com as suas ansiedades, questionamentos e incertezas.
Parece difícil compreender o que uma criança deseja para muitos adultos, mas basta olhar no fundo dos seus olhinhos que logo descobriremos as suas dúvidas e medos em relação a nós, sim, nós mesmos adultos que vivemos ao seu redor e não pessoas estranhas.
E por que as crianças teriam medo dos seus pais ou responsáveis? Porque todos os dias veem suas explosões de raiva, estresse e ansiedade quando voltam do trabalho ou quando falam com alguém ao telefone. Não temos mais o cuidado de esconder das nossas crianças os nossos sentimentos de raiva e muitas vezes até as encorajamos para não brincar mais com os filhos daquelas pessoas de quem deixamos de ser amigos ou confiar.
Estamos ensinando as nossas crianças a serem covardes e inimigas dos seus próprios sentimentos e emoções, da maneira que nos comportamos diante delas. Isso assusta e causa medo nos pequeninos gerando dúvidas se aquele papai ou mamãe realmente merece ser amado por que ele só traz problemas para o mundo da criança. E para quem pensa que criança não tem problema está muito enganado. Talvez ela tenha mais problemas do que nós adultos chatos que só sabemos reclamar e reclamar das coisas da vida. Não damos um passo para mudarmos ou mudarmos as coisas ao nosso redor.
Por mais que as crianças queiram e se esforcem para fazer tudo certinho, elas sempre erram e começam a chorar, principalmente quando estão na frente de pessoas estranhas e os pais acham aquilo horrível e logo fazem com que elas se sintam mais envergonhadas ainda lhes dizendo “que coisa feia você está fazendo chorando na frente de estranhos” ou melhor “veja como aquele menininho se comporta direitinho” ou então comparando uma criança com a outra quando dizemos “faça como ela, seja boazinha e divida o seu lanche”.
Algumas crianças não estão acostumadas a dividirem as suas coisinhas com outras e ficam sem jeito quando na escola os professores as obrigam a compartilharem os seus materiais escolares e até mesmo os seus lanchinhos. Elas foram acostumadas a terem tudo somente seu, principalmente as que não têm irmãozinhos ou irmãzinhas. E, de repente, são pegas de surpresa sendo obrigadas a dividirem o que é tão somente seu, isso precisa ser melhor avaliado e ser algo cuidadoso nas escolas e também em casa ou quando a criança for colocada diante de outras com as quais ela não está acostumada com a convivência, pois muitos brinquedos para elas não podem ser pegos por mais ninguém senão elas próprias.
Sim, em várias situações deixamos as nossas crianças envergonhadas.
Com isso, elas perdem a vontade de continuarem sorrindo, se divertindo, brincando e se colocam num canto de parede apenas observando as demais crianças. Elas ficam de birra ou simplesmente não dizem mais nada até chegar em casa e explodirem num pranto que ninguém cala. Costumamos envergonhar as crianças que são tímidas quando elas não se sentem bem em fazer algo em público.
Os meninos, levados pelo machismo e patriarcado dos pais, são envergonhados por eles quando são obrigados a baixarem as suas calças ou calções e fazerem xixi ali no meio da rua, na frente de todo o mundo que passa. O pai cheio de machismo diz para o menino que homem pode tudo, que não deve ter vergonha de fazer xixi em qualquer local quando se é criança porque ninguém vai reparar nele. Só os adultos que devem tomar cuidado vez ou outra.
Fazemos com que as nossas crianças se sintam envergonhadas quando dizemos “você é muito ingrato, nem agradeceu ao seu coleguinha” Esquecemos que as crianças muitas vezes ficam tão felizes e surpresas com os gestos de outras que nem se dão conta de agradecer o que recebem de presente.
As crianças só pensam em brincar umas com as outras. Ainda não estão maduras o suficiente para agradecerem tudo o que fazemos por elas, mesmo que sejam crianças a se ajudarem mutuamente.
Outra situação em que deixamos as crianças envergonhadas é quando lhes dizemos “você parece um bebezinho chorando desse jeito” . Os pais, quando as crianças estão maiorzinhas, não querem mais as ver chorando por brinquedos, roupas ou objetos que outras crianças pegam emprestado. Pode ser natural para os pais e responsáveis, mas não para as crianças que o amiguinho leve consigo um brinquedo que a criança tanto gosta ou até mesmo os compartilhar.
Imagine que até nós adultos quase sempre sentimos vontade de chorar, principalmente em situações delicadas que mexem com os nossos sentimentos, quando acabamos uma relação amorosa, quando perdemos um amigo ou quando morre alguém que gostávamos. Quando não choramos sentimos algo preso na garganta. E quando conseguimos chorar aliviamos as nossas dores e sofrimentos. Assim ocorre com as crianças. Vamos deixá-las chorar pelas suas dores e emoções que estão aprendendo a vivê-las. A experiência vai nos fortalecendo aos poucos, e aquilo pelo qual choramos hoje, talvez amanhã nem nos afete.
Ninguém quer ser motivo de riso ou piadinha de outras pessoas porque está chorando. Ainda voltando ao machismo e ao patriarcado até os dias de hoje muitos meninos continuam sendo ensinados pelos pais que não devem chorar, que homem não chora, que homem é forte e não chora por nada. Isso é mito. Se brincar homem chora muito mais do que mulher, porque a mulher tem as demais amigas com quem desabafar e os homens têm vergonha de serem tachados de frouxos pelos seus amigos ao chorarem diante deles.
Permita que a sua criança chore sem a julgar e sem a comparar com um bebezinho ou chamá-la de molenga.
As visitas ao dentista são as que mais causam medo nas crianças. É preciso que a criança se sinta confortável e preparada para ir ao dentista. Que possa confiar naquela pessoa para quem vai abrir a boca e mostrar os seus dentinhos. Se a criança chorar no consultório do dentista ou do médico pediatra ela deve ser respeitada e acalmada. Até que pare de chorar não entrará na sala do especialista, somente fará isso quando se sentir segura de que nenhum mal vão lhe causar.
Assim como ocorre ao irem ser vacinadas, as crianças morrem de medo de vacinas porque veem outras chorando e acham que vai doer. Elas não devem ser envergonhadas ou tachadas de medrosas e muito menos ouvirem “você tem que ser forte, veja o seu amiguinho, nem chora”. Cada criança é uma pessoa diferente e tem que ser respeitada na sua subjetividade. Chorar não é mimo, chorar é uma forma de defesa da pessoa.
Do mesmo jeito é nos primeiros dias de aulas da criança. Ela não deve ser comparada com as outras que não choram e fazem aquela bagunça alegre por chegarem à idade escolar. Algumas crianças não estão preparadas para aquele momento e existem várias razões para isso, muitas estão acostumadas a ficarem em casa, outras não se sentem maduras o suficiente para saírem de perto dos seus pais e ainda existem aquelas que prefeririam estar brincando com os seus próprios brinquedos.
É o caso de tirar a criança que está acostumada a passar o tempo todo no aparelho celular e quando terminam as férias chora para não ir à escola ou quer levar junto o aparelho sem poder. Elas não choram porque foram mimadas e são fracas demais, elas não devem ser julgadas, o simples fato de chorarem já as deixam confusas e assustadas. Quem chora sente uma dor ou um sofrimento. Quem chora quer carinho e afeto. E não o contrário.
Respeitar as crianças que choram é dever do adulto e não dizer para elas “nossa, como você é chorona” ou “você só sabe chorar” ou muito menos ameaçá-las de palmadas ou castigos porque estão chorando. Muitas pais costumam dizer para os seus filhos “se você não parar de chorar sem motivo vai apanhar para ter um” quando na verdade para todo choro existe um motivo. Alguns pais dão amor de uma forma diferente aos seus filhos, de uma forma grosseira e eu diria que estúpida. Como não amar aqueles rostinhos lindos que nos pedem colo chorando por que estão com medo do bicho papão?
Também acontecem situações desagradáveis quando as crianças estão na rua com os pais ou na casa de conhecidos onde elas se sentem desconfortáveis ou até mesmo sem receberem a atenção necessária porque no local só existem adultos e a criança fica deslocada num canto qualquer. Sem saber como lidar com a situação a criança começa a chorar e o pai ou a mãe chega para ela e diz “você só me faz passar vergonha na frente dos outros”.
A criança nunca nos fará vergonha na frente de ninguém se soubermos dar-lhes afeto e cuidados.
Se lhe dermos a atenção merecida e conversarmos com ela sobre como precisam se comportar diante de visitas, amigos ou na casa de algum conhecido. E se ainda assim a criança não conseguir compreender e acabar chorando devemos acalentá-la. Muitas vezes ela se sente entediada por não ter com quem brincar e estar rodeada somente de adultos que nem ligam para ela ou está com sono ou mesmo com saudades de casa. Sim, porque criança também sente saudades do seu lar quando fica muito tempo longe dele, principalmente quando é um lugar confortável e onde ela se sente segura e protegida.
As crianças se esforçam para nos oferecerem o melhor que elas podem fazer ou falar quando estão em processo de aprendizagem de fala. Se a sua criança chama um palavrão na casa de vizinhos ou amigos não a diga que ela lhe causou vergonha, mas procure descobrir como ela teve acesso aquele palavrão e com quem aprendeu porque tudo o que a criança diz ou faz é imitação do que ela vê. Não julgue a sua criança sem antes parar e pensar em como está se comportando na frente dela, em casa.
Se você é um pai ou uma mãe que quebra tudo quando está irritado ou joga tudo no chão quando é contrariado, a criança vai achar que aquilo é normal e todas as vezes que se sentir irritada ou for contrariada agirá igual a você.
Conviver com crianças exige uma autoavaliação de si próprio todos os dias. É buscar saber no que erramos para a criança agir com tanta agressividade na frente de estranhos a ponto de chegarmos a dizer-lhes que são uma vergonha para nós.
Uma outra coisa que envergonha as crianças é quando lhes dizemos “você faz tudo errado” ou “você não consegue fazer nada sozinho”. Sabemos que errar faz parte da aprendizagem. Só aprendemos errando. Já existe um ditado famoso “errar é humano.” Até as máquinas erram. Os robôs falham. Quem de nós não causa um erro quase todos os dias? Os nossos erros são aprendizagens que nos fazem crescer.
Devemos ajudar as crianças a não desistirem nunca de continuarem tentando e buscando soluções para as coisas que fazem. Elas não devem desistir no primeiro erro. E também precisamos estimulá-las a fazerem as coisas com autonomia, mas se elas pedirem a nossa ajuda estaremos sempre a disposição para ensinar-lhes. A criança pequenina depende dos pais e professores para quase tudo. Até mesmo para tomar banho é necessário a presença de um adulto ou também para fazer as suas necessidades físicas quando da ida ao banheiro.
Não queiramos que as nossas criancinhas ajam sozinhas em coisas que elas nem sabem como fazerem e sejamos gratos por nos pedirem ajuda quando for a primeira, segunda ou milésima vez que forem fazer tal coisa. O trabalho coletivo dignifica o homem. Não ser individualista é uma coisa que a criança deve aprender desde cedo. Aos poucos ela vai criando autonomia e se desapegando de você, papai, mamãe ou professor.
Uma outra fala dos adultos que deixa as crianças bastante envergonhadas é quando dizemos para elas “você já é grande o suficiente para aprender sozinho”. Ninguém aprende nada sozinho. Todos nós precisamos de ajuda para aprendermos algo mesmo que seja fácil. Mesmo que a criança já saiba ler as instruções do brinquedo ou de um objeto que gosta de usar e não quer mexer nele sem que o papai ou a mamãe o ligue. Ter alguém por perto para nos ajudar a fazer algo do qual temos medo de fazer errado pode ser mais confortável e até mesmo seguro.
Não deixemos as nossas crianças envergonhadas com as nossas falas ameaçadoras de “vou bater em você se continuar com medo”. Toda criança tem direito a ter medo, principalmente do escuro e de pessoas vestidas com roupas intrigantes das quais elas não estão acostumadas como palhaços, guardas de trânsito e até mesmo o velho e bom Papai Noel. O medo faz parte da essência do homem.
A criança não precisa guardar o medo no peito e demonstrar coragem quando na verdade está toda trêmula por ter de enfrentar uma situação da qual não está preparada. É preciso respeitar o seu tempo de maturidade.
E por último uma fala que escuto muito os pais dizerem para as suas crianças “vou deixar de amar você se continuar agindo assim”. As crianças se sentem tão envergonhadas quando escutam essa frase e tão assustadas com medo de perderem o amor dos pais ou dos seus professores que acabam fazendo algo que não gostam apenas para agradá-los.
Quando ameaçamos um adulto de que não o amaremos mais se continuar bebendo ou se drogando e vemos esse adulto fazer de tudo para não nos perder, dessa mesma forma acontece com as crianças, ou seja, elas fazem de tudo para não perder o nosso amor e nunca mais ouvirem esta frase ameaçadora.
Para muitos pais, responsáveis e professores algumas coisas ficam só nas ameaças e são supérfluas. Dizer que vai bater até a criança se cansar de chorar sempre, é num momento de raiva ou estresse porque muitos não fariam isso em sã consciência. O que quero alertar mesmo é que não causemos vergonha nas nossas crianças com as nossas falas, porque isso tende a prejudicar os seus crescimentos emocionais e físicos.
A criança envergonhada passa a desconfiar dos pais, começa a desacreditar no que lhes dizem e teme um ataque de fúrias dos que cuidam dela a qualquer momento.
É necessário muito cuidado para educar uma criança sem deixar nela traumas para o resto das suas vidas porque se choram não é porque são bebezinhos, mas porque estão necessitadas de colo e afeto.
E assim termino este pequeno ensaio com o poema da nossa querida Ruth Rocha intitulado “Pessoas são diferentes” que nos diz “São duas crianças lindas / Mas são muito diferentes! / Uma é toda desdentada, / A outra é cheia de dentes…” que cada criança tenha a sua individualidade e subjetividade respeitadas, pois somos todos diferentes no jeito de ser e pensar e ficamos envergonhados muitas vezes com um simples apertar de bochechas por pessoas estranhas ou nos envergonhamos quando nos dizem que precisamos aprender a crescer, como se crianças não aprendessem isso todos os dias.
Sem docência dignificada e valorizada não teremos educação e, sem educação, não teremos um país justo e democrático!
Uma lei federal de 2008, que está completando 15 anos em julho próximo, produz controvérsias e reações contrárias todo início de ano: trata-se da Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, que regulamenta o inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, instituindo o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica.
A lei nº 11.738 determina no Art. 5o que o “piso salarial profissional nacional do magistério público da educação básica será atualizado, anualmente, no mês de janeiro, a partir do ano de 2009” e, que esse piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios não poderão fixar o vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 horas semanais.
Manifestações de entidades municipalistas, como a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), contra a Portaria do MEC nº 17/2023, que atualizou o piso do magistério de 2023 em 14,95%, retomam argumentos infundados como já fizeram por ocasião da publicação da Portaria MEC nº 67, o qual atualizou o piso em 2022. O Supremo Tribunal Federal (STF), em passado recente, já considerou constitucional, legal e direito dos docentes.
O piso do magistério de 2022 era R$ 3.845,63. Em 2023, com o reajuste de 14, 95%, passou para R$ 4.420,55, para uma jornada de 40 horas semanais.
Vamos comparar com outros aumentos bem superiores concedidos no serviço público no mesmo período e não questionados: os ministros de STF, que é referência para os demais poderes, teve um reajuste de 18%, passando o salário para R$ 41.650,92 em 2023, com reajustes escalonados anualmente, chegando em 2025 a R$ 46.366,19. Os servidores da Câmara e do Senado tiveram aumento de 18,13%, também escalonados, entre 2023 e 2025.
No Rio Grande do Sul, um dos cinco estados que questionou no passado a constitucionalidade da lei do piso, o salário do governador passou de R$ 26.841.71 para R$ 35.462,22 mensais, aumento de 32%. O vice-governador e os secretários tiveram um reajuste de 47%, com seus salários passando de R$ 20.131.29 para R$ 29.594.45. A Câmara Municipal de Porto Alegre propôs um aumento de 70% para vencimento do prefeito e 50% para o vice-prefeito e secretários. A proposta foi barrada pela oposição.
A docência e o piso
A reação contrária de parte de gestores públicos estaduais e municipais é descabida por inúmeras razões. O novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) prevê o aumento gradativo de sua complementação pela União dos atuais 10% para 23% até 2026; sendo que, para 2023, já será 17%; 2024, 19%; totalizando os 23% em 2026. Além disso, o Fundo determina que 70% dos valores sejam investidos no pagamento de profissionais da educação básica.
Importante rememorar que em 2020 e 2021, em plena pandemia, vários estados e municípios não investiram os percentuais constitucionais previstos nas constituições estaduais e Leis Orgânicas Municipais na educação, reduziram gastos em momentos de calamidade pública e, inclusive, defenderam a flexibilização dos percentuais para a educação devido a sobra de recursos.
A ausência de um salário digno é um dos principais, senão o principal, indicadores da desvalorização da carreira docente no Brasil. A reversão desse quadro é imprescindível para que a carreira tenha maior atratividade.
Porém, a agenda está sendo inviabilizada pela PEC-95 e por concepções neoliberais da economia, sendo frequentemente avançada a proposta de condicionar salários dignos ao cumprimento de metas pouco realistas de desempenho dos alunos em testes padronizados, num país campeão em desigualdades sociais, regionais, tecnológicas e educacionais.
Metas que tratam da valorização dos profissionais da educação estão previstas nas leis que instituíram o Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 – Metas 15, 16, 17 e 18, nos Planos Estaduais de Educação (PEEs) 2015-2025 e nos Planos Municipais de Educação (PMEs) de 2016-2026. Aliás, leis e metas que na sua grande maioria estão sendo descumpridas pelos entes federados sem a devida responsabilização dos gestores.
Questionar e descumprir a lei do Piso, a Lei do Fundeb e as demais leis que instituem os planos e políticas educacionais é tão ou mais relevante que atender as metas de superávit e teto de gastos públicos. A sociedade precisa tomar consciência e lutar pelos seus direitos sociais e educacionais, até por que a educação é um dever do estado, da sociedade e das famílias.
O que as metas determinam e o que foi descumprido
Referente as Metas e Estratégias previstas no PNE 2014-2022, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em seu Balanço Nacional de Educação de 2022, apontou a seguinte condição:
Meta 15 – Garantir, em regime de colaboração entre a união, os estados, o Distrito Federal e os municípios, no prazo de 1 ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam.
Conforme balanço da Campanha Nacional, em nenhuma das etapas da educação básica o avanço no percentual de docências com formação adequada tem sido rápido o suficiente para que se atinja até 2024 o nível estipulado no plano.
Meta 16 – Formar, em nível de pós-graduação, 50% dos professores da educação básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos os profissionais da educação básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino.
Porém, desde 2014, essa porcentagem vem aumentando a 1,9 pontos percentuais por ano, em média, o que é pouco maior do que o ritmo necessário para atingir o nível disposto no PNE, mas para materializar o cumprimento do objetivo é necessário manter o ritmo observado. Também, o formato restrito de divulgação do Censo da Educação Básica implementado no início de 2022 não permite mais o cálculo dos indicadores desta meta. Assim, os dados de 2021 tiveram que ser obtidos via Lei de Acesso à Informação.
Sobre a formação continuada em suas respectivas áreas de atuação dos 2.230.891 docentes em atividade na educação básica, 1.233.192 ainda não haviam recebido qualquer tipo de formação continuada. Sem mudanças na trajetória de evolução deste quadro, deve-se chegar a 2024 ainda muito distante do objetivo prescrito na meta.
Meta 17 – Prevista para 2020, a meta de equiparar o salário médio dos professores ao dos outros profissionais de mesma idade não foi cumprida no prazo, tendo avançado a cerca de um terço do ritmo necessário ao seu cumprimento. Sem alteração desse padrão de evolução, a tendência é que ao fim da vigência do atual PNE a situação ainda esteja irregular.
Meta 18 – Assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira para os profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de carreira dos profissionais da educação básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido em lei federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal.
Considerando todos os dispositivos em conjunto, 13 entre as 27 redes dos estados e do distrito federal e, aproximadamente, 76% das redes municipais estão em situação irregular segundo a meta 18 do Plano Nacional de Educação.
Meta 20 – Além do descumprimento das quatro metas relativas a valorização do trabalho docente, o mais grave é o descumprimento da Meta 20 que prevê ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país no 5º ano de vigência desta Lei 92019 e, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB ao final do decênio (2024). Nos governos Temer e Bolsonaro tivemos redução dos investimentos em educação.
Subproletarização do trabalho
A subproletarização do trabalho não está restrita apenas aos trabalhadores da educação, mas abrange profissionais de diferentes setores e tem se agravado nos últimos anos em decorrência das sucessivas reformas trabalhistas no contexto das relações trabalho-capital.
Porém, no campo da educação, além da relativização das conquistas que muito fortaleciam a condição docente no trabalho educativo, como a participação dos professores nos processos decisórios e a formação inicial em cursos de licenciatura, percebe-se um recrudescimento nos processos de precarização de sua condição com a crescente desvalorização salarial. Também, na destruição dos planos de carreira, na não reposição salarial em contextos inflacionários, no aumento de contratos temporários de trabalho e contratos de horistas e a utilização do notório saber como forma de banalizar os conhecimentos pedagógicos próprios do trabalho do professor.
Segundo Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) , precisamos que a sociedade assuma de fato a importância da educação, visto que ela historicamente nunca foi valorizada.
A primeira Constituição Brasileira que estabelece quais os anos de educação obrigatória é somente a de 1946. Hoje, estabelecemos 14 anos de ensino obrigatório (dos 4 aos 18 anos), porém, nem todos cumprem e responsabilizamos ninguém pela negação do direito à educação de nossas crianças, adolescentes e jovens.
Mais desmonte e teoria da conspiração
Os professores Fernando Pena (UFFRJ) e Renata Aquino (FFP-UERJ) denunciaram, em artigo no jornal Le Monde Diplomatique Brasil, que as instituições de ensino modificaram currículos, suprimiram disciplinas e rearranjaram turmas para demitirem em massa professores e aumentarem os lucros. Agora, ampliam a denúncia no sentido de que o bolsonarismo dos últimos quatro anos se formou a partir de teorias da conspiração e usou como estratégia a formação de grupo de ataques constantes a sistemas de verificação e de construção de conhecimento entre pares.
Logo, jornalistas e docentes foram usados como alvos por meio do medo e do ódio. Teorias da conspiração foram tomando o lugar do pensamento crítico no entendimento da realidade social brasileira, cuja prova de pura ignorância e barbárie se expressaram nos ataques contra a democracia no dia 8 de janeiro de 2023.
Ataques à Lei do Piso do Magistério, por entidades municipalistas e mesmo gestores públicos, afrontam não só os professores e a educação, mas o regime democrático, o estado de direito e decisões do Supremo Tribunal Federal.
É hora de pensar políticas de reparação à categoria profissional que o bolsonarismo transformou em inimiga. Descontinuar as políticas educacionais de Estado, inviabilizar a escola pública, perseguir professores e destruir a dignidade e a carreira docente, através de relações precárias e líquidas, atinge dimensões catastróficas.
Sem docência dignificada e valorizada não teremos educação e, sem educação, não teremos um país justo e democrático!
A vigilância que nos torna melhores não é aquela que vem de fora, imposta autoritariamente, mas a melhor vigilância é “a lei moral dentro de mim” que se desenvolve por meio de um processo autêntico de formação e por escolhas livres de uma cidadania autêntica que somente cria raízes se vivermos numa sociedade democrática.
O que seria de nossa liberdade, do nosso comportamento, das nossas atitudes e das nossas relações se fôssemos vigiados o tempo todo e em todos os lugares?
Há os que defendem que, se assim fosse, haveriam menos crimes, vandalismos, comportamentos indecentes, corrupção, desonestidade, falta de caráter, enfim, “as pessoas andariam na linha”, pois estariam sendo vigiadas e qualquer atitude imprópria seria mais facilmente punida. Alguns chegam a se entusiasmar com a ideia e pensam que instalar câmeras em todas as ruas das cidades nos daria segurança e tranquilidade para evitar o indesejável. Mas será isso mesmo? Não haveria algo de perverso nesse processo de vigilância total?
No mundo da ficção e da literatura já tivemos esse tipo de situação ilustrada de várias formas. O livro intitulado 1984 do britânico George Orwell, por exemplo, é uma distopia escrita em 1949 no qual o escritor projeta como seria a vida no futuro distante de 1984 onde tudo seria vigiado.
George Orwell, na verdade é o pseudônimo de Eric Arthur Blair, nascido em 1903 em Bengala na Índia, filho de um funcionário britânico e de uma francesa. Publicou diversos livros, dentre os quais destacam-se “Na pior em Paris e em Londres e “A revolução dos Bichos” em 1945. Foi um visionário em suas obras, pois antecipou um conjunto de situações que se fizeram realidade na segunda metade do século XX e no início do século XXI.
No romance distópico de 1984, o totalitarismo é o percurso que embala a narrativa passada em Londres. Trata-se de um mundo fictício onde existem inúmeros televisores monitorando e controlando toda a população e onde ninguém tem mais direito à privacidade.
Wiston Smith (principal personagem do romance), um solitário funcionário do setor de documentação do Ministério da Verdade, responsável pela propaganda e pela reescrita do passado, é o protagonista da história. Ele detesta seu trabalho, pertence à classe média-baixa, e sua função é reescrever os jornais e documentos antigos de modo a apoiar o partido no poder. Tudo o que não for favorável ao governo e ao seu partido é destruído. O Governo é regido pelo Grande Irmão (Big Brother), um ditador e líder do partido que nunca foi visto pessoalmente, mas que tudo vê e tudo controla. No Estado não existe leis e impera uma única ordem: todos devem obedecer. A propaganda é a base do regime e garante a manutenção do poder. Vigilância total, inclusive do pensamento.
Um dos elementos importantes a serem destacados no romance distópico de Orwell é a forma como ele faz a construção psicológica do trama, ou seja a maneira de como o Partido consegue influenciar a mente dos indivíduos que garante poder ao Grande Irmão.
A delação, a censura, a desintegração humana, a falsidade, a tortura, a crueldade dos homens vão sendo mostrados no decorrer da obra descortinando a perversidade que pode haver quando somos engolidos pelo poder autoritário e pelo pleno controle.
1984 não deixa de ser uma obra profética em termos da quebra da privacidade. Sem saber, graças ao avanço tecnológico e a forma como cada um expõe seus dados de inúmeras formas, estamos sendo monitorados o tempo todo.
A simples criação de uma conta no Facebook, as compras no cartão de crédito, o preenchimento de um cadastro para acessar gratuitamente um serviço, se transforma numa servidão voluntária em que estamos revelando nossos dados que são amplamente comercializados por grupos econômicos, ideológicos e políticos. Com base nestes dados, estes grupos nos oferecem produtos e nos induzem ao consumo, as escolhas, as ideologias, as preferências.
Muitos perdem sua própria identidade, pois o que pensam, o que acreditam e o que defendem foi sutilmente influenciado por estes mecanismos perversos de indução de pensamento e de atitudes provenientes da vigilância.
A obra de Orwell certamente nos apresenta um gigantesco desafio educacional: como evitar que o fanatismo (religioso, político, ideológico) se transforme num mecanismo perverso de submissão das pessoas?
Talvez a escola, a universidade e as instituições educacionais de modo geral ainda possam ser um espaço importante de pensamento crítico, de autonomia e experiência formativa.
É necessário compreender que a vigilância que nos torna melhores não é aquela que vem de fora, imposta autoritariamente e que nos condiciona pela psicologia do medo a um comportamento inautêntico: a melhor vigilância é “a lei moral dentro de mim” que se desenvolve por meio de um processo autêntico de formação e por escolhas livres de uma cidadania autêntica que somente cria raízes se vivermos numa sociedade democrática.
Nas nossas vidas pessoais, quais ideias estão nos prejudicando?
As ideias que introjetamos podem nos parasitar, nos enfraquecer e até nos matar. Podem ter mais valor, muito mais valor que a nossa existência. Nos submetemos com facilidade à elas. E as transmitimos para os outros.
Como escreveu Yuval Noah Harari:
“Elas se multiplicam e se espalham de um hospedeiro a outro, alimentando-se deles, enfraquecendo-os e até mesmo os matando. Uma ideia cultural – tal como a crença no paraíso cristão nos céus ou no paraíso comunista aqui na Terra – pode forçar um ser humano a dedicar sua vida a espalhá-la, às vezes tendo a morte como seu preço”.
De cada dez alpinistas que tentam chegar ao cume do Monte Everest, um morre. Acima dos 8 mil metros, há bem mais de cem corpos congelados: o cemitério mais alto do mundo. Alguns desses cadáveres são vistos pelos alpinistas. Mesmo assim, a ideia de subir o monte persiste. Muitos mais irão morrer devido a ela.
O bom senso nos manda abandonar ideias que vão encurtar nossas vidas, mas não é o que vemos acontecer. E elas já contaminaram muitas pessoas e essa contaminação se retroalimenta.
A Copa do Mundo de Futebol, para citar outro exemplo, é uma fábrica de sofrimentos. Só os torcedores de um país ficarão felizes. Todos os outros amargam a tristeza da derrota. E, assim, acontece com todos os esportes competitivos profissionais, mas eles vão persistir.
Crístofe, personagem de “A noite das tartarugas”, com facilidade, expõe-se ao risco de morrer ao enfrentar bandidos para salvar desconhecidos, ao se colocar na mira de tiro de bilionários traficantes de drogas.
Por quê?
Por duas ideias que comandam e se tornaram donas dele.
A primeira, veio de seu pai. Quando viu que não mais se livraria da dependência do crack e que, devido a ela estava se tornando violento, optou pela morte. Viver para fazer o mal? Melhor morrer.
A segunda, pelo bom vizinho que o pai arrumou antes de morrer para adotá-lo: não vale uma vida não dedicada ao bem.
Crístofe, com o exemplo dos dois, com essas ideias dentro dele, deixou de lado a qualidade de sua vida e a quantidade de tempo que irá existir. Tem de fazer o bem, mesmo que morra ao fazê-lo.
Nas nossas vidas pessoais, quais ideias estão nos prejudicando?
Autor: Jorge Alberto Salton, no seu livro “Convivendo com pessoas difíceis”, Passo Fundo: Physalis Editora, 2018.
“Aprendemos a voar como os pássaros e a nadar como os peixes, mas não aprendemos a conviver como irmãos.” (Martin Luther King)
Os discípulos estavam preocupados. Motivo? Alguém estava usando o nome de Jesus para fazer milagres. Ao contar a Jesus o que estava acontecendo, imaginaram que Ele daria um basta naquilo, exigindo que se respeitasse os direitos autorais de Sua mensagem. Mas para a surpresa deles, Jesus disse: “Não lhe proibais. Ninguém há que faça milagre em meu nome, e logo a seguir possa falar mal de mim, pois quem não é contra nós, é por nós” (Mc.9:39-40).
Jesus jamais exigiu royalties ou direitos autorais de suas obras ou mensagem. Ele queria que a mensagem fosse propagada.
Paulo também captou o mesmo espírito, e por isso, declarou: “Verdade é que também alguns pregam a Cristo por inveja e porfia (…) mas que importa? contanto que Cristo, de qualquer modo, seja anunciado, ou por pretexto ou de verdade, nisto me regozijo, sim, e me regozijarei” (Fp.1:15a,18).
A mensagem de Cristo não é monopólio de quem quer que seja.
Quanto as motivações, deixemos que Deus as julgue no momento certo. Por agora, o que importa é que a mensagem seja anunciada.
Não importa se em uma igreja protestante histórica, ou em uma paróquia católica, ou numa igreja neopentecostal, ou mesmo em um centro espiritualista ou numa mesquita. Verdade é verdade, não importa por quem esteja sendo anunciada. E quem ama a verdade, reconhece-a de cara, ainda que anunciada pelos lábios de um cético. Assim como podemos reconhecer a mentira, mesmo quando dita por aqueles que julgamos estar acima do bem e do mal.
Diferentes, mas nem tanto.
Em vez de realçarmos o que nos distingue, por que não realçamos o que temos em comum? Nem que para isso tenhamos que descobrir quais as ameaças ou inimigos que temos em comum. Talvez, assim, as diferenças já não façam tanta diferença.
Por exemplo: em um país muçulmano, não faz diferença se você é evangélico ou católico. Ambos se reconhecem mutuamente como cristãos.
Numa classe universitária na França, onde a maioria dos alunos se diz ateia, a diferença entre muçulmanos e cristãos perde a importância. O ateísmo pode ser visto como um “inimigo” comum para ambos os grupos, haja vista serem monoteístas.
E quando somos ameaçados por um inimigo comum a toda a humanidade? Quiçá, um inimigo externo?
Se fosse anunciado que um asteroide estivesse prestes a chocar-se com a Terra, pondo em risco a civilização humana, todas as diferenças religiosas, raciais, étnicas, culturais, perderiam totalmente sua relevância. Ateus, cristãos, espíritas, hindus, budistas, dariam as mãos num esforço coletivo para evitar a tragédia.
Pode ser que não estejamos ameaçados pela queda de um asteroide mas, certamente, há outras ameaças que nos assediam, e que demandam que nos unamos em um esforço comum para enfrentá-las. Entre elas, destacamos a violência urbana, o aquecimento global, as injustiças sociais, e por último, a crise financeira global.
Estaremos fadados ao fracasso, caso não nos disponhamos a deixar nossos guetos ideológicos e darmos as mãos.
Parafraseando Agostinho: “No essencial a unidade, no não essencial a liberdade, em tudo a caridade”.