Início Site Página 58

O bem é falar muito no bem e o mal é falar muito no mal

Faz bem escutar: “São muitos os homens bons”. “São inúmeras as boas mulheres”. E como faz bem ouvir, de vez em quando que seja, que nós também somos bons.

Não devemos esconder os “malfeitos”. Como professor de Ética Médica, levo aos alunos os processos sofridos por médicos devido a comportamentos inadequados na profissão. Porém, o hábito de só criticar, de muito apontar os aspectos negativos gera desesperança e faz parecer que o único caminho é o dos “malfeitos”.

Melhoramos com bons exemplos. Sempre procurei contar aos meus alunos os melhores momentos revelados por médicos atuais e passados. Não é assim que se faz com o futebol? Se priorizássemos a divulgação não dos “melhores momentos” e sim dos piores continuaria ele sendo o esporte que mais admiramos?

O mal é falar muito no mal.

Pesquisadores já fizeram levantamentos – Martin Seligman, Katherine Dahlsgaard, entre outros – sobre quais atributos pessoais consideramos dignos, éticos, formadores de um bom caráter:

1. Capacidade de estabelecer relacionamentos honestos, leais e tolerantes;

2. Ter boa empatia;

3. Gostar, amar as pessoas e a vida;

4. Agir de forma construtiva e querer sempre fazer o que é certo;

5. Ser inteligente e capaz sem deixar de ser humilde;

6. Revelar senso de dever e senso de justiça;

7. Ser um otimista e não um crítico;

8. Perceber que a beleza existe e saber retê-la na memória: exemplo, a foto que me foi cedida por Claudete Menegat.

Admiramos quem possui algumas das qualidades referidas e também aqueles que, não as possuindo, revelam vontade de tê-las e se esforçam para tanto.

Há, inclusive, comprovação científica de que os bons exemplos nos fazem melhorar.

Dan Ariely, pesquisador norte-americano, perguntou-se: “O que nos leva a fazer o certo?” E, através de pesquisas, chegou a algumas constatações. Cada um de nós tem um nível x de “capacidade” para fazer o errado. Há um Fator Pessoal de Enganação (FPE). O FPE diminui quando ficamos sabendo de pessoas que agem de forma correta, que fazem o certo. Há uma contaminação positiva.

Faz bem escutar: “São muitos os homens bons”. “São inúmeras as boas mulheres”. E como faz bem ouvir, de vez em quando que seja, que nós também somos bons.

Autor: Jorge Alberto Salton

Por que esperamos das nossas crianças o que não esperamos de nós?

Diante de tantas exigências que nos fazem o mundo e a sociedade em que vivemos estamos sendo levados a exigir das nossas crianças que elas cresçam o mais rapidamente possível e passem a fazer coisas de adultos quando ainda são pequenas demais.

Uma vez existiu uma poeta chamada Cecília Meireles que nos criou uma poema intitulado “O menino azul” e nos seus versos ela nos diz

“O menino quer um burrinho / para passear. / Um burrinho manso, / que não corra / nem pule, / mas que saiba conversar.”

Que possamos oferecer um pouco de aconchego às nossas crianças sendo esse burrinho na sua imaginação ou sonhos.

Compreendendo que a criança que é ouvida consegue desenvolver o seu lado social muito mais rapidamente interagindo e perdendo a timidez diante das outras crianças. Um bom diálogo é sempre necessário para o crescimento espiritual da criança que se sente acolhida quando é ouvida sem esperar nada de quem a ouve.

E esperar para quê? A criança já sabe que tem afeto e cuidado de quem está a ouvindo, mas será que nós não estamos esperando dela que nos dê o mesmo? Sabemos lidar com os nossos sentimentos? Ou ficamos confusos todas às vezes que trocamos de parceiros ou precisamos tomar decisões em relação às nossas vidas?

As crianças gostam de brincar, pular, correr e fazer perguntas. Elas são curiosas por vida.

Na tenra idade, o brincar é a única coisa que a criança precisa fazer para ser feliz. Brincando ela descobre o mundo real e cria os seus mundos imaginários, passa a conhecer mais as pessoas ao seu redor e descobre novas coisas que despertam o seu pensamento crítico e reflexivo.

É necessário deixar a criança livre, ou seja, criar a sua autonomia e aprender que pode fazer muitas coisas sozinha como calçar uma meia, um sapato ou vestir um vestido. Coisinhas pequenas do dia a dia que são simples atividades devemos permitir que as crianças aprendam sozinhas a realizarem. Nada é mais gratificante do que saber que algo foi feito por nós quando vemos o seu resultado positivo. Assim, também se sentem as crianças.

Muitos de nós, adultos, exigimos demais da gente e nestas exigências acabamos esquecendo que estamos convivendo com espíritos ainda em formação, com uma gente miúda que não pode ser responsável pelos nossos erros, angústias, perdas e problemas. Muito menos devemos colocar sobre elas um peso maior do que podem carregar.

No mundo contemporâneo em que vivemos, nesta correria louca de trabalho e outros compromissos profissionais esquecemos que às crianças cabe tão somente a responsabilidade de estudar. Tendo o brincar como uma diversão que não pode ser tirada da sua vivência de maneira nenhuma. A criança que brinca descobre novos mundos, cresce mais rapidamente, seu pensamento cognitivo é desenvolvido com muito mais velocidade e os seus anseios são reduzidos.

O brincar acalma as emoções e distrai a criança das incompreensões do dia a dia.

Neste constante ritmo em que vivemos, no mundo da tecnologia e das mídias digitais, deixamos a criança se virar sozinha dentro de casa presos nos nossos aparelhos eletrônicos esquecemos de dar-lhes a atenção necessária para o bem-viver. A criança passa da hora de se alimentar, de tomar banho e até mesmo de dormir. Isso acaba criando hábitos não saudáveis à vida do pequeno espírito em crescimento.

Vivemos num mundo de intensas cobranças e a competitividade no mercado de trabalho cresce a cada dia. Só os melhores sobreviverão nas grandes empresas. Vemos todos os dias gigantes do mercado tecnológico realizarem demissões em massa. Mesmo os bons profissionais perdem seus empregos e precisam ir em busca de outros. Para isso é necessário que ele esteja preparado para enfrentar a concorrência.

Não existe mais aquela história de especialista em apenas uma área. O mercado busca agora profissionais que conheçam e caminhem por todas as áreas, que saibam três ou cinco idiomas, que saibam escrever e calcular com facilidade. As exigências são muitas.

Ficamos perdidos num mundo que nos cobra o tempo todo que estejamos estudando e fazendo cursos, assistindo palestras, reuniões e lendo revistas e jornais das nossas áreas e de outras também. Somos tomados pelas cobranças do mundo financeiro, econômico, político e social. Até mesmo nos templos religiosos precisamos nos renovar todos os dias para sermos bem aceitos entre os fiéis.

Com tantas cobranças ao nosso redor, acabamos angustiados e, muitas vezes, entramos em desespero caindo numa depressão ou ansiedade que não sabemos aonde vamos parar. Ficamos doentes, cegos e mudos em relação aos pedidos de socorro dos nossos corpos e almas. Vivendo uma vida cheia de compromissos e de cobranças, achamos que daremos conta de tudo mas, quando a conta chega, ela é alta e pagamos um preço muito maior do que esperávamos.

Diante de tantas exigências que nos fazem o mundo e a sociedade em que vivemos estamos sendo levados a exigir das nossas crianças que elas cresçam o mais rapidamente possível e passem a fazer coisas de adultos quando ainda são pequenas demais.

Sugestão: Vídeo sobre a importância das brincadeiras na formação das crianças.

Esperamos delas o que não conseguimos em nós porque sabemos que fraquejaremos uma hora ou outra, pois já estamos cansados de um mundo que só nos cobra e não nos oferece nada de graça.

Habituados a tantas cobranças e exigências tememos que as nossas crianças cresçam despreparadas e acabamos esperando delas o que nem mesmo esperamos de nós, ou seja, achamos que elas vão nos salvar qualquer dia desses. Dessa forma, as colocamos para estudar tudo quanto é disciplina e procuramos as melhores escolas para elas, exigimos que aprendam três ou mais idiomas, que pratiquem esportes, que toquem instrumentos musicais, que participem de competições e sejam sempre as vencedoras em tudo.

Ah, mundo difícil este que estamos oferecendo às nossas crianças! Dói saber que esperamos delas o que não podemos esperar nem de nós mesmos!

Muitos pais e responsáveis se animam ao verem a criança se destacar em uma arte ou disciplina qualquer e já começam a fazer mil planos para ela. Iniciam as exigências, a dedicação exclusiva, uma rotina de estudos pesada, sérias atribuições e esquecem que a criança só quer mesmo fazer as suas tarefas escolares e brincar. Que ela ainda é muito pequena para dar conta de tanta responsabilidade.

Não é à toa que consultórios de psicólogos e psiquiatras estão lotados com gente adulta e criança. Os adultos porque esperaram demais de si e tiveram seus sonhos e planos fraquejados e as crianças vítimas dessas esperas dos adultos acabaram adoecendo fisicamente e espiritualmente porque não souberam como lidar com tantas cobranças.

O que esperar de uma criança senão o riso e a vontade de ser amada? Esperar mais do que isso é tirania. É prender a criança dentro de uma caverna subjetiva que nós criamos para ela à nossa maneira e opressão.

É um mundo difícil o nosso. As batalhas que temos que vencer todos os dias são grandes. Chegamos em casa enfadados e cansados. Não damos conta sequer daquela pequena criança sentada no sofá da sala à espera de atenção, carinho e afeto. Já não temos mais tempo para contar histórias, fazer um desenho ou conversar com os nossos filhos. Parece que vivemos sozinhos dentro de uma bolha.

Estamos tão robotizados que já não pensamos criticamente. Não sabemos tomar decisões sem a ajuda de um profissional. Sempre pedimos a opinião de outras pessoas para termos a certeza de que não estamos fazendo a coisa errada, quando sabemos que estamos certos. Estamos cada vez mais indecisos, ansiosos e medrosos. Os homens fortes como Hércules, Davi e o sábio Salomão já não existem mais. Estes ficaram na história do tempo.

Baseados nestas histórias de heróis e super-heróis exigimos que as nossas crianças se tornem gigantes diante dos problemas e dificuldades, que enfrentem seus medos e angústias sozinhas e se “virem” para tomarem decisões que nós mesmos não saberíamos o que escolher ou fazer. Atualmente, esperamos que as crianças nos salvem do bicho papão.

Mundo cão, mundo devastador, mundo dos cronômetros e do tempo escasso. Da rapidez das informações e da pressa de ir e vir de um lugar a outro sem nem darmos conta das paisagens naturais e pessoas que deixamos para trás. Não seremos os próprios culpados desta crueldade que estamos fazendo conosco? Por que esperamos das nossas crianças o que não esperamos de nós? Acredito que é preciso pausa, o momento é de descanso, de um fôlego, de uma respiração profunda e um pensamento reflexivo sobre tudo isso que estamos vivenciando.

Não é certo que criancinhas sejam motivadas a competirem com os seus amiguinhos em tudo.

Sugestão: Vídeo sobre o direito ao brincar.

Esperar que as nossas crianças façam tudo certinho quando nós não conseguimos acertar em nada é exigir muito delas. Errar é necessário para o crescimento espiritual de todo ser humano. Quem erra é porque tentou. O segredo não está no que a criança vai ser quando crescer, mas no que ela é no presente, pois na sua vida adulta ela se lembrará de tudo o que lhe fizeram na infância e poderá sofrer distúrbios psicológicos com essa falta de cuidado que não recebeu quando era pequenina.

Não, não senhores pais e responsáveis por criancinhas. Não esperem que elas sejam o poço dos seus desejos. Que elas acertem os números da loteria ou salvem o mundo de grandes tragédias. Diante de tanta incompreensão, as crianças mal estão conseguindo lidar com os seus próprios medos e angústias. Elas não sabem mais o que fazer diante das suas dúvidas, pois não têm a quem recorrer. Os pais passam o tempo todo no trabalho e os professores devem cumprir as cargas horárias das disciplinas, dos diversos projetos que a coordenação pedagógica elegeu para aquele ano letivo.

Neste amontoado de atividades que a escola lança para a criança os professores não têm mais tempo para as ouvirem se não for para tirar dúvidas das disciplinas, conversas sobre seus medos, seus sonhos, seus desejos ficam para depois, amanhã, outro dia, nunca… e assim a infância vai passando com as diversas cobranças rondando o mundo da criança que não sabe mais o que fazer na solidão em que se acha dentro de casa e na escola com as suas dúvidas em relação a um mundo que não foi feito para ela.

O maior problema que encontro nas escolas por onde passei é o tanto de disciplinas que as crianças precisam estudar com material didático que nada tem a ver com os seus mundos. No meu tempo da infância estudei todas as ciências necessárias para o bom aprendizado, mas tudo estava dentro da língua portuguesa e da matemática.

Tive professores maravilhosos que ensinaram geografia com uma poesia, ciências com um conto de fadas, história com um cordel e por aí vai.  Por que as escolas estão enchendo de disciplinas escolares as grades curriculares das crianças? Não estão esperando demais delas? São apenas crianças dispostas a aprender tudo o que lhes ensinarem através do lúdico e da brincadeira. Esperar muito do outro acaba nos frustrando e frustrando o outro. É um jogo perigoso para ambos.

Sabemos da nossa missão de preparar as nossas crianças para um mundo diferente do nosso e dos nossos pais. Agora é cada um por si. O individualismo está cada vez maior, as pessoas já não se olham mais nos olhos, já não têm mais tempo para conversarem e muito menos ficarem sentadas nas calçadas conversando sobre as suas vidas. Nem calçadas existem mais nas grandes cidades. Isso não quer dizer que devemos exigir que as nossas crianças passem a se comportar como adultos desde cedo.

Como vejo nas minhas andanças pelas cidades do Brasil crianças adultizadas pelos seus pais com cabelos pintados, unhas pintadas, sapatos de saltos altos e meninos sendo estimulados a trabalharem e namorarem cedo demais. Que mundo é este que estamos oferecendo às nossas crianças, me digam? Eu temo que amanhã não existam mais crianças.

Se vimos uma criança acreditar em Papai Noel, bruxas, dragões ou fadas acabamos a ridicularizando e destruindo os seus mundos imaginários. Não estamos preparados para educar os nossos filhos, os nossos alunos, os nossos primos e sobrinhos. Somos ranzinzas e perdemos a doçura e inocência da infância que alguns adultos conservam dentro de si mesmo depois de tantos abalos e decepções.

Até mesmo Jesus Cristo se comportou como uma criança ao bagunçar e quebrar tudo o que havia no templo em que eram comercializados animais e mercadorias. No seu momento de raiva, Jesus Cristo virou mesas, espalhou moedas pelo chão, gritou com os mercadores e fez o que qualquer criança faz num momento de birra. Por que as julgamos sempre de mimadas? Será que Nossa Senhora mimou seu filho, também?

Deixemos de lado as nossas arrogâncias e queixos altos. Baixemos as nossas cabeças para ouvirmos as vozinhas das nossas crianças que só desejam um pouco de atenção. Não esperemos delas o que não esperamos de nós porque sabemos que o mundo é duro e mais tarde vai cobrar delas o que nos cobra todos os dias. Que possamos educá-las de uma forma que cresçam preparadas para lidar com as decepções, os medos, as incertezas e sempre confiando em si próprias.

Não podemos ficar sob a sombra das nossas crianças. Elas são árvores que precisam de cuidados. Elas não podem nos oferecer flores e frutos se não estiverem alimentadas com proteínas e carboidratos necessários para uma vida saudável. Até as árvores morrem de angústia quando esperamos que elas nos deem sombra e frutos da melhor qualidade quando não estão preparadas para isso.

Aprendamos que cada ser é único. Assim são as crianças. Elas não devem receber da escola um ensino-aprendizagem que não explore os seus pensamentos críticos e reflexivos, introduzindo-as no coletivo, mas cuidando do seu individual. Tratando-a com respeito e afeto no que concerne ao seu jeito de ser e compreender as coisas.

Que cada professor possa ter um tempo para com o seu aluno. Que o número de alunos em sala de aula seja reduzido para que os professores possam cuidar das nossas crianças com mais atenção, respeito aos seus limites e diálogos não somente sobre a escola, mas também sobre a sua vida lá fora. O nosso querido filósofo e educador Paulo Freire já rezava sobre este respeito ao conhecimento de mundo da criança.

Em tudo o que buscamos nas nossas crianças esteja o nosso aprendizado de que elas não estão preparadas ainda para nos salvarem das tempestades, mas podem enxugar as nossas lágrimas sem se darem conta do quanto é grande os nossos sofrimentos diante das suas inocências. Uma inocência que precisa ser mantida e alimentada. Não é feio falar de um duende para o vovô, vovó ou até mesmo para a professora assim como não é feio fazer cartinhas para o Papai Noel e pendurá-las à janela da casa.

A vida precisa de fantasias para se tornar melhor. Acreditarmos em coisas sobrenaturais é necessário. Quantas crianças não vão dormir todas as noites desejando que uma fada boa venha resgatá-las daquela casa onde ninguém as compreende, não recebe atenção e nem carinho? Já pensaram nisso, senhores pais?

A escritora Ruth Rocha em seu livro “O direito das crianças” já dizia “Toda criança no mundo / Deve ser bem protegida / Contra os rigores do tempo / Contra os rigores da vida.”

É assim que devemos proteger as nossas crianças contra esses rigores da vida que nos são colocados todos os dias e esperamos que elas se comportem como nem mesmo nós sabemos como nos comportar diante da dor e das adversidades que surgem na passagem do tempo.

Autora: Rosângela Trajano

O cuidado e o futuro dos espoliados e da Terra

Tudo o que vive precisa de ser alimentado. Assim, o cuidado, a essência da vida humana, precisa também de ser continuamente alimentado.

A categoria cuidado mostrou-se a chave decifradora da essência humana. O ser humano possui transcendência e por isso viola todos os tabus, ultrapassa todas as barreiras e contenta-se apenas com o infinito. Ele possui algo de Júpiter dentro de si; não sem razão, pois dele recebeu o espírito.

O ser humano possui imanência e por isso se encontra situado num planeta, enraizado num local e plasmado dentro das possibilidades do espaço-tempo. Ele tem algo da Tellus/Terra dentro de si; é feito de húmus, donde deriva a palavra “homem”.

O ser humano encontra-se sob a regência do tempo. Este não significa um puro correr, vazio de conteúdos. O tempo é histórico, feito pela saga do universo, pela prática humana, especialmente pela luta dos oprimidos, em busca da sua vida e libertação.

Constrói-se passo a passo; por isso, é sempre concreto, concretíssimo. Mas, simultaneamente, o tempo implica um horizonte utópico, promessa de uma plenitude futura para o ser humano, para os excluídos e para o cosmos. Somente buscando o impossível se consegue realizar o possível. Em razão dessa dinâmica, o ser humano possui algo de Saturno, senhor do tempo e da utopia.

Mas não basta dizer tais determinações. Elas, na verdade, dilaceram o ser humano. Colocam-no distendido e crucificado entre o céu e a terra, entre o presente e o futuro, entre a injustiça e a luta pela liberdade.

Que alquimia forjará o elo entre Júpiter, Tellus/Terra e Saturno? Que energia articulará a transcendência e a imanência, a história e a utopia, a luta pela justiça e a paz, para que construam o humano plenamente?

É o cuidado que enlaça todas as coisas; é o cuidado que traz o céu para dentro da terra e coloca a terra dentro do céu; é o cuidado que fornece o elo de passagem da transcendência para a imanência, da imanência para a transcendência e da história para a utopia. É o cuidado que confere força para buscar a paz no meio dos conflitos de toda a ordem. Sem o cuidado que resgata a dignidade da humanidade condenada à exclusão, não se inaugurará um novo paradigma de convivência.

cuidado é anterior ao espírito (Júpiter) e ao corpo (Tellus). O espírito humaniza-se e o corpo vivifica-se quando são moldados pelo cuidado. Caso contrário, o espírito perde-se nas abstracções e o corpo confunde-se com a matéria informe.

cuidado faz com que o espírito dê forma a um corpo concreto, dentro do tempo, aberto à história e dimensionado para a utopia (Saturno). É o cuidado que permite a revolução da ternura, ao tornar prioritário o social sobre o individual e ao orientar o desenvolvimento para a melhoria da qualidade de vida dos humanos e de outros organismos vivos. O cuidado faz surgir o ser humano complexo, sensível, solidário, cordial, conectado com tudo e com todos no universo.

cuidado imprimiu a sua marca registada em cada porção, em cada dimensão e em cada dobra escondida do ser humano. Sem o cuidado o humano far-se-ia inumano.

Tudo o que vive precisa de ser alimentado. Assim, o cuidado, a essência da vida humana, precisa também de ser continuamente alimentado. As ressonâncias do cuidado são a sua manifestação concreta nos vários aspectos da existência e, ao mesmo tempo, o seu alimento indispensável. O cuidado vive do amor primordial, da ternura, da carícia, da compaixão, da convivialidade, da medida justa em todas as coisas. Sem cuidado , o ser humano, como um tamagochi, definha e morre.

Hoje, na crise do projecto humano, sentimos a falta clamorosa de cuidado em toda a parte. As suas ressonâncias negativas evidenciam-se pela má qualidade da vida, pela penalização da maioria empobrecida da humanidade, pela degradação ecológica e pela exaltação exacerbada da violência.

Não busquemos o caminho da cura fora do ser humano. O ethos está no próprio ser humano, entendido na sua plenitude que inclui o infinito. Ele precisa de se voltar para si mesmo e de redescobrir a sua essência, que se encontra no cuidado. Que o cuidado aflore em todos os âmbitos, que penetre na atmosfera humana e que prevaleça em todas as relações! O cuidado salvará a vida, fará justiça ao empobrecido e resgatará a Terra como pátria e mátria de todos nós.

Autor: Leonardo Boff, em conclusão de seu livro Saber Cuidar. Ética do Humano – Compaixão pela Terra. Petrópolis, Ed. Vozes, 1999

Sapiens

Em tempos de Covid-19 em que ninguém está a salvo, a leitura de Sapiens pode se tornar um sábio conselho para revermos nossos valores e escolhas.

Sapiens: uma breve história da humanidade é uma instigante obra escrita por Yuval Harari. Trata-se de um best-seller de quinhentos e noventa páginas lançado originalmente em Israel e logo em seguida traduzido para mais de 40 idiomas que nos ajuda a compreender a história humana desde a formação dos primeiros traços do que veria a ser a espécie humana até nossos dias.

Sapiens tornou-se tão famoso que o próprio Barack Obama, ex-presidente dos EUA, confessou publicamente que leu duas vezes a obra e numa entrevista testemunhou que se trata de “uma história abrangente da raça humana, pois aborda alguns fatores cruciais que nos permitiram construir uma extraordinária civilização”.

Yuval Harari é doutor em história pela Universidade de Oxford (Inglaterra), especialista em história mundial e atualmente é professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, onde também desenvolve pesquisas em torno de questões abrangentes, tais como a relação entre história e biologia, se existe justiça na história e se as pessoas se tornam mais felizes com o passar do tempo.

Em tempos de quarentena por conta da Covid-19, a leitura de Sapiens nos ajuda a compreender melhor o cenário atual, o conturbado cenário político e econômico que está nos destruindo, a trajetória da espécie humana, os desafios que teremos pela frente para sobreviver, a necessidade de reinventarmos as relações sociais, o modo como a tecnologia modificou nossa vida e que tipo de ser humano nos tornaremos daqui para frente.

Apesar de ter sido escrito por um historiador e tratar de uma breve história da humanidade, o best-seller não é um livro tradicional de história com um registro interminável dos fatos e acontecimentos que marcou a trajetória humana no planeta. De forma instigante, Harari nos conduz por um percurso descritivo e questionador que nos constituiu como espécie.

O livro é composto por 20 capítulos divididos em quatro partes. Na primeira parte, intitulada de Revolução Cognitiva e composta de 4 capítulos, aborda desde o surgimento insignificante de um ser vivo que passou a andar sobre duas pernas e ter habilidade com as mãos, até chegar a se tornar um grupo que graças a capacidade cognitiva passou a dominar a natureza.

Na segunda parte, intitulada Revolução Agrícola e também composta de 4 capítulos, Harari descreve de que forma o domínio das técnicas agrícolas somadas com a domesticação de animais modificou a conduta dos sapiens. É nesta parte que descreve o surgimento das religiões, o que levou a construção dos grandes impérios da antiguidade, o surgimento da propriedade privada, a forma como os sapiens foram se tornando escravos de si mesmos, construindo muros e formas simbólicas de dominação.

O último capítulo dessa parte tem por título “Não existe justiça na história”, pois denuncia que foram as “leis e normas humanas que transformaram algumas pessoas em escravos e outras em senhores”. Isso significa dizer que se há diferenças no tratamento entre negros e brancos, ricos e pobres, judeus e muçulmanos, não se trata de uma diferença de inteligência ou uma diferença moral, mas sim uma invenção cultural de grupos que se arrogaram o direito de criar as leis e impor para todos os seus preceitos.

Cinco capítulos compõe a terceira parte que tem por título “A unificação da Humanidade”. É nesta parte que o escritor israelense analisa de que forma o dinheiro por meio da ordem econômica, os impérios por meio da ordem política e as religiões universais se espalharam pelo planeta e como assentaram as bases do mundo unificado de hoje.

Por fim, na última parte intitulada “A Revolução científica”, Harari se debruça sobre os últimos 500 anos da história humana mostrando os avanços e fracassos, a descoberta da ignorância e o potencial do conhecimento, o casamento entre ciência e política, o credo capitalista e as engrenagens da indústria, a revolução permanente que está em curso, os desafios e a pergunta mais importante da humanidade: o que de fato nos faz felizes?

Em tempos de Covid-19 em que ninguém está a salvo, a leitura de Sapiens pode se tornar um sábio conselho para revermos nossos valores e escolhas.

Fica como sugestão: Análise em vídeo sobre o livro Sapiens.https://youtu.be/lyitmFYBMWQ?t=35

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

Professor e Pesquisador do Mestrado e Doutorado do PPGEDU/UPF

Como acolher seus alunos na volta às aulas, professor

Assim se faz a escola, ou seja, com professores cheios de vontade de ensinar e alunos que também estão cheios de vontade de aprender.

Vamos ouvir o cantor Toquinho na sua linda canção que nos diz “Numa folha qualquer / Eu desenho um sol amarelo / E com cinco ou seis retas / É fácil fazer um castelo…”.

Ouça: https://youtu.be/sCGND4gpT8s?t=19

Que toda criança e jovem possa ser estimulados a fazerem uso das suas criatividades desde os primeiros dias de aulas, pegando retas e círculos e os transformando em outros mundos, quem sabe o mundo que se deseja para si.

Há um tempo na infância que a gente acorda para brincar e estudar. Ir à escola é uma das atividades mais prazerosas para a maioria das crianças. Elas esperam encontrar lá amiguinhos, professores atenciosos e amorosos, um lugar para brincar e estudar cheio de cores e com brinquedos e livros maravilhosos.

Infelizmente, o meu primeiro dia de aula não foi assim. Eu fui recebida por uma professora chata e que me trancou num banheiro escuro por quatro horas devido eu ter brigado com o meu amiguinho de sala de aula. Trago o medo do escuro até hoje e não consigo ficar em lugares sem luz.

Peguei medo àquela escola onde tinha uma professora maldosa que trancava criancinhas no banheiro só porque elas fizeram coisas erradas e talvez eu nem tivesse errado tanto assim para merecer um castigo tão doloroso. Toda criança briga com o amiguinho. Isso é normal no jardim de infância quando estamos aprendendo a compartilhar brinquedos e material escolar.

As aulas estão começando em vários lugares do Brasil e trago este texto para poder ajudar professores e pais a acolherem seus filhos nas escolas, principalmente aquelas crianças que estão indo pela primeira vez à sala de aula.

É preciso paciência e amor. Sem amor nada sai bem-feito. Sem amor tudo desanda, como diz a minha mamãe quando vai cozinhar uma comida. É preciso saber temperar e não há tempero melhor do que o amor.

Pois bem, acolher a criança na escola nos primeiros dias de aula não é tarefa fácil. Aquelas pequeninas no período da educação infantil que choram e fazem birra para não ficarem na sala de aula sozinhas devem ter o acompanhamento dos pais ou responsáveis por alguns dias até que se acostumem com aquele ambiente estranho e de pessoas estranhas.

Para a criancinha deixar o seu lar, os seus brinquedos e as pessoas que ama para ir ficar por horas num lugar estranho pode não ser agradável o quanto pensamos. É preciso prepará-la dias antes conversando sobre a necessidade de ir à escola, perguntando sobre o que quer ser quando crescer e que isso vai depender de como vai se sair nos estudos, incentivar desde cedo a criancinha a ouvir e brincar de ler livros mesmo que ela esteja na tenra idade, ainda.

Criar dentro de casa um ambiente que se pareça com uma escola, ou seja, colocando uma mesinha com uma lousa pequena de frente à parede da mesa para a criança ir fazendo os seus primeiros rabiscos e se acostumando com os objetos físicos de uma sala de aula. A conversa sempre é necessária para que ela passe a saber que logo chegará o dia que precisará ficar algumas horas na escola e fazer muitos amiguinhos.

As criancinhas que choram e fazem birra devem ser acolhidas com muito amor e paciência por parte da equipe escolar, mais particularmente, pelo professor. Este precisará demonstrar afeto e cuidados com os sentimentos e emoções da criança.

Nos primeiros dias de aulas, é bom que a criança traga para a escola um brinquedo que gosta, que se vista à vontade, que faça as refeições que faz em casa e que seja acolhida toda necessidade. Se a criancinha necessitar de algum acompanhamento especial por ser pessoa com deficiência física ou mental precisará sempre de um bom profissional por perto.

Também ter o cuidado com a criança que toma medicações controladas e com horário exato para tomar. Os pais devem ficar atentos e levarem essas medicações à escola orientando os professores e a equipe pedagógica da dosagem e dos horários dos medicamentos, pois eles são tão necessários ao corpo ou mente da criança, podendo ocorrer problemas sérios se esta não vier a tomar conforme prescrição médica.

Cabe a escola diminuir ao máximo o sofrimento que a criança sente ao deixar o ambiente acolhedor da sua casa para vir à sala de aula, um local que para ela é estranho.

Para isso é necessário que se faça uma extensão da casa da criança com a escola, ou seja, que se faça uma ponte ligando os dois prédios físicos de uma forma que o caminho se torne agradável e conhecido pela criança e que essa extensão também seja de pessoas queridas e que possam passar confiança e segurança para as criancinhas que chegam assustadas e sem saber direito o que estão fazendo ali.

A maioria das crianças que conheço e já vi em muitas escolas de educação infantil são levadas à força pelos pais, sem explicações, apenas que devem estudar se quiserem ser alguém na vida. É quase uma obrigação para essas crianças irem à escola, isso porque os pais não estão interessados no conhecimento que a criança vai receber em sala de aula, mas na Bolsa Família que vai receber no final do mês.

Não se deve fazer do hábito de ir à escola uma obrigação em momento algum. Deve ser algo prazeroso, algo que traz felicidade e alegria para a criança. O professor deve ser neste momento de acolhimento pai, mãe, avó, avô, músico, desenhista, poeta, amigo, médico, enfermeiro… enfim, todas as profissões possíveis e imagináveis para mostrar à criancinha que pode confiar nele. Que tudo de bom fará para que ela se sinta confortável.

Cantar com as crianças é uma boa alternativa, perguntar aos pais quais cantigas elas gostam de ouvir para dormir, também é bom saber. Criar um ambiente de paz e sossego mútuo para professores e crianças na sala de aula, onde elas possam se sentir como se estivessem em casa e poderem desfrutar daquele momento de forma que fiquem impressas em seus pequenos espíritos coisas bonitas para sempre. Desenhar, pintar, brincar de ciranda também é uma alternativa. Resgatar as brincadeiras antigas dos nossos avós ou bisavós.

Ler um livro para as crianças, passar filmes na televisão ou até mesmo permitir que elas brinquem com jogos eletrônicos educativos, pois quer queira quer não a tecnologia está batendo nas portas das escolas faz algum tempo e os professores precisam mudar as suas metodologias de ensino, pois a maioria das crianças com dois ou três anos de idade não vai querer ir à escola porque ficará longe do seu celular. Acredito até que o uso do celular em sala de aula para brincadeiras educativas possa ser permitido para que a criancinha sinta mais acolhimento.

Tudo o que possa transmitir conforto e confiança às crianças pode ser feito. Não estamos mais falando de uma escola com metodologias ultrapassadas aonde a criança chegava, sentava-se na sua carteira e começava a tirar a matéria do quadro-negro, somente escrevendo linhas e mais linhas mecanicamente.

A educação 4.0 mudou a forma de enxergarmos o ensino-aprendizagem. Novas ferramentas e recursos educativos são produzidos todos os dias para que a educação possa ser ensinada da forma mais lúdica e lógica possível. É preciso despertar a curiosidade e a admiração das crianças na sala de aula.

Fazer um momento em que todas as criancinhas juntas possam assistir a desenhos animados educativos com músicas, vozes de animais, heróis, príncipes e princesas, dragões, duendes etc.

Toda criança gosta de assistir esse tipo de filme. Mesmo aquela que ainda continuar chorando ou inquieta por alguns dias deverá receber atenção especial do professor, pois poderá estar passando por algum problema de emoção que não consegue dizer o que é para ninguém, nem mesmo para os pais que acham ser apenas falta de costume de ir à escola quando, na verdade, pode ser algo mais profundo que necessite de investigação de outro profissional.

Levar às crianças para um passeio pelo jardim da escola se esta tiver um, plantar com elas mudas de árvores, convidá-las para ficarem quietinhas ouvindo o som da natureza talvez possa acalmá-las um pouco. É claro que a maioria dessas crianças nos primeiros dias de aulas precisará da companhia dos pais, mas depois essas mesmas crianças perceberão que as outras conseguem ficar sozinhas na escola e passam a querer ficar sozinhas também começando a despertar a autonomia.

Com as crianças maiores e que já sabem ler e escrever, recomendo que os professores elaborem cartinhas de afeto diferentes para cada um dos seus alunos. Eu sempre fiz isso com os meus.

Cartinhas que dialoguem com a experiência de mundo, da comunidade, do lugar onde essas crianças residem e ao mesmo tempo sejam um convite para a busca do conhecimento. As cartinhas são uma forma de demonstrar carinho e atenção para com a criança, colocando-a dentro de um envelope com remetente e destinatário. Se o professor quiser inventar um remetente fictício também poderá fazer isso. Nas minhas cartas eu sempre era a Fadinha Carmelinda, uma fada de 3.537 anos que adorava crianças.

Eu me lembro bem que na volta das férias escolares quando estudava o ensino fundamental II, a professora mandava a gente escrever uma redação sobre as férias. Acho que isso ainda existe em algumas escolas do nosso país, e se o exercício for feito com um pouco de reflexão e criticidade por parte dos alunos exercitar a produção textual será maravilhoso como também pedir para que ele crie um gibi, um poema, uma carta ou outra forma de mostrar como foram as suas férias também será uma ideia brilhante.

Até mesmo nas escolas que dispõem de computadores, o professor pode solicitar uma pequena animação dos alunos contando dos melhores momentos das férias. Vai valer a pena! Todo exercício mesmo que seja dos tempos dos nossos avós sendo trabalhado com outra didática e novos recursos pode ser prazeroso para o aluno e para o professor.

Também é uma boa ideia ficar na porta da sala de aula e receber cada criança com um abraço forte dando-lhe um poema ou uma lembrancinha que ela possa guardar para lembrar do seu primeiro dia de aula. As crianças e os jovens gostam de poemas quando são estimulados desde a educação infantil com este gênero. E aqui entro nos jovens do ensino fundamental II que adoram poemas de amor quando estão começando a despertar para as primeiras paixões bobas da juventude.

Se a sua escola não tem brinquedos, não tem jardim, não tem computadores, professor não fique triste. Use da sua criatividade e com cartolinas e cola faça desenhos de bichinhos, árvores, sol, casas e outras coisas que gostar e cole nas paredes velhas da sua escola. Traga o jardim para dentro da sua sala de aula.

Coloque um tapete seu, sim, traga um da sua casa porque se for esperar pela secretaria de educação para comprar um nunca poderá se sentar com os seus alunos no chão num lugar confortável. Um tapete onde caiba todos os alunos e você, professor.

Faça sempre esta roda de conversa e use perguntas que incentivem a criatividade dos seus alunos. Faça-os pensar além do supérfluo, além do que eles conhecem, faça-os despertarem para a metafísica das coisas.

Eu sei que nesta altura do campeonato não dá tempo para leituras, mas se puder ler um livro do professor e filósofo Paulo Freire será muito bom para aprender a como acolher os seus alunos em sala de aula. Recomendo duas obras dele importantes “Pedagogia da esperança” e “Pedagogia da autonomia”. Tenha empatia pelos seus alunos, deixe-os serem autônomos e respeite os conhecimentos de mundos deles sempre apresentando uma didática que os façam refletir sobre o conhecimento de dentro e fora da escola.

Não existem dois mundos na educação das crianças e dos jovens. É preciso criar um só mundo quando esses alunos chegam na escola cheios de vontade de aprender algo que possa ajudá-los no bem-viver. Somente jogar conhecimento goela adentro vai ser cansativo e mesmice.

O bom é que o ensino-aprendizagem traga sempre um novo conhecimento que o aluno possa utilizar no seu dia a dia. Assim, ele saberá que o conhecimento é algo prático e necessário para o seu crescimento como cidadão e como aluno.

Gostaria, também, de pedir aos pais que conversassem com as suas crianças sobre o valor que tem um professor e do quanto ele necessita ser respeitado e amado. Que os pais possam mostrar às crianças da importância do professor para a sua vida estudantil e que todo ensino dado em sala de aula deve ser prestado atenção, falar com cordialidade com o mestre, respeitar os horários das aulas e o principal, não colar nas avaliações. Cada mestre é um ser que está ali para transmitir não só conhecimento, mas para ser amigo e até mesmo um confidente.

Que alunos cuidem dos seus materiais escolares, mas também cuidem das instalações físicas da escola e saibam que em tudo é preciso limites. A volta às aulas deve ser cheia de alegrias e por isso os alunos devem chegar motivados e com sorrisos nos rostos e cheios de vida para adquirirem mais conhecimentos durante o ano letivo que se inicia.

Assim, esses alunos devem abraçar os seus professores e os outros profissionais da escola demonstrando atenção para com eles fazendo perguntas sobre as suas férias, como se sentem, e o que podem fazer para melhorarem as suas aptidões estudantis e darem orgulhos aos seus professores.

Agora, vamos falar de acolher as crianças e os jovens que já conhecem a escola e estão cansados daquelas aulas monótonas que não ensinam quase nada para as suas vivências, que o professor não se preocupa em saber como foi o seu ontem, a sua noite de sono, como estão sendo os seus dias e como está se sentindo ali não vai despertar curiosidade em ninguém.

As crianças e os jovens estão cansados do ensino-aprendizagem que somente transmite conhecimento sem reflexão.

Um bom acolhimento é fazer com que a primeira semana de aulas possa ser diferente, ou seja, nada de matérias novas para tirar do quadro, mas filmes para serem assistidos e debatidos, palestras sobre assuntos do interesse dos seus alunos, declamação de poemas, competições de jogos educativos etc. Os alunos necessitam de motivações em sala de aula.

Conheço professores que bem as aulas não começaram e já estão passando testes e seminários, marcando datas de provas. Parece até que estão querendo testar as emoções dos seus alunos. Quando você recebe uma visita em sua casa vai logo mostrando para ela as coisas feias que existem nela ou as procura esconder?

As crianças estão cansadas de professores ranzinzas. Dê um chocolate para cada aluno seu no primeiro dia de aula acompanhado de um desenho ou de um gibi, quem sabe até mesmo de um cordel. Faça a diferença, professor. Seja a diferença para os seus alunos.

Seria maravilhoso se cada jovem nos primeiros dias de aulas recebesse um pequeno livreto de quadrinhas ou tercetos dedicados para eles por algum autor convidado da escola. Também seria uma grande ideia que cada jovem pudesse receber um poema minimalista falando da sua comunidade, da sua cultura, do seu povo.

Há infinitas ideias, professor, basta colocá-las em prática. O que não podemos é fazer dos primeiros dias de aulas algo monótono e cansativo para nós e para os nossos alunos. A melhor didática não é aquela que está nos livros de pedagogia, mas a que o senhor aprende em sala de aula através das suas vivências.

Outra ideia bastante interessante é fazer um mural de artes visuais dos alunos onde eles possam pintar o que quiserem ou quem sabe um mural de recados onde eles possam escrever sobre os seus sonhos, expectativas, experiências, rotinas do dia a dia, ou seja, onde eles possam desabafar as suas angústias e alegrias.

A gente não perde a autoridade quando compartilha com um aluno os nossos momentos, mas ganha-se um amigo. Quem sabe abraçar no acolhimento também sabe contar segredos que só as joaninhas ou os grilos conhecem de nós. Procure fazer momentos de humor com os seus alunos, professor, fazendo-os rir com anedotas e causos interessantes. Também é uma boa forma de despertar para o pensamento crítico.

A nossa educação brasileira anda doente, eu sei. É difícil ter empolgação com salários baixos e desvalorização da profissão, mas os alunos não têm culpa disso.

Nós, professores, ensinamos porque amamos. Poucos fazem da profissão de professor apenas um emprego.

Que possamos acolher os nossos alunos neste novo ano letivo de uma forma que eles se sintam felizes, motivados, curiosos e com vontade de aprenderem coisas novas porque sabemos que só a educação pode mudar o rumo desse país.

Quero aproveitar a oportunidade para pedir que professores, coordenadores, orientadores educacionais, merendeiras, serventes e outros profissionais também sejam bem acolhidos pelos diretores e secretarias de educação e que possa ser feito um trabalho de recepção carinhoso e cuidadoso com quem vai cuidar do futuro das nossas crianças.

Que esses professores que estão voltando das férias e os novatos possam sentir que a escola não é somente um lugar de trabalho, mas um lugar onde ele tem amigos e alunos que os amam independente da sua vida lá fora. Deixemos de fofocas e de intrigas porque lidamos com gente e essa gente brasileira está cansada de mendigar afeto e cuidado.

Chega a hora de aprendermos a valorizar a equipe escolar das nossas crianças e jovens, inclusive este recado vai para os pais e responsáveis que podem fazer um afago também aos nossos professores, mandando-lhes flores ou lembranças que marquem o momento do acolhimento. Afinal, amor nunca é demais e é sempre necessário demonstrar que se ama.

Muitos professores que estão voltando das férias continuarão com as mesmas turmas, logo já conhecem os seus alunos e pais, nada melhor do que uma reunião na primeira semana de aulas para conversarem sobre a comunidade e os problemas de dentro e fora da escola que terão de enfrentar assim como o acolhimento do professor que está ali em mais um ano letivo para não somente transmitir conhecimento para a sua criança, mas para ensiná-la a crescer internamente e externamente aprendendo a enfrentar os desafios do mundo lá fora.

Termino este meu acolhimento de hoje, sim, porque para mim hoje começam as aulas e que eu possa ter um ano letivo maravilhoso ao lado de todas as crianças e jovens do Brasil, com o poema do meu eterno e maravilhoso professor e filósofo Paulo Freire intitulado “A escola é” que nos diz

“E a escola será cada vez melhor / Na medida em que cada um se comporte / Como colega, amigo, irmão. / Nada de ‘ilha cercada de gente por todos os lados’ / Nada de conviver com as pessoas e depois, / Descobrir que não tem amizade a ninguém. / Nada de ser como tijolo que forma a parede, indiferente, frio, só.”

Então, professores, nada de ser tijolos, mas quem sabe flores para acolhermos as sementes que estão a chegar com o nosso afeto e cuidado que não aprendemos nos bancos das academias universitárias, mas nos rostinhos cheios de vontade de aprenderem e receberem um pouco de atenção e conhecimento da nossa parte.

Assim se faz a escola, ou seja, com professores cheios de vontade de ensinar e alunos que também estão cheios de vontade de aprender. E viva a educação brasileira porque acredito que, apesar de tudo, somos os melhores professores do mundo!

Autora: Rosângela Trajano

Pacificação e anistia?

Pacificação, sim; anistia não. Não há, aí, nenhuma contradição ou paradoxo, apenas uma necessária e imprescindível complementação.

Eis que temos um novo governo. Creio que o adjetivo novo, aqui, até seria desnecessário, pois o Poder Executivo nacional estava acéfalo a muito tempo – tanto que o governante de fato, há muito, era o presidente da Câmara dos Deputados. Poderíamos, assim, simplesmente dizer que agora temos um governo. Porém, formalmente, temos um novo governo.

Embora o fato do governante anterior praticamente não governar, ele mantinha muito apreço ao cargo e as benesses que o cargo lhe assegurava. Assim, a manutenção do cargo seria a garantia de que os benefícios de toda ordem seriam mantidos para o presidente de plantão e para a sua família.

Para mantê-lo, fez de tudo; mas de tudo mesmo: desde o uso jamais visto da máquina pública durante e para o processo eleitoral, como a manutenção e intensificação do discurso de ódio, provocando e incentivando seus seguidores ao enfrentamento dos adversários, inclusive com o uso da violência física, como jamais visto em um processo eleitoral.

Em que pese tudo isso, como resultado, tivemos a eleição de um novo presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva.

No emocionante cerimonial de posso de Lula e Alkmim, que aconteceu nesse primeiro de janeiro, não faltou simbolismo e emoção. Talvez o principal momento tenha sido a entrega da faixa presidencial que chegou ao peito do presidente apenas após passar pelas mãos de diversas pessoas, simbolizando a representação do povo brasileiro. Foi impossível não chorar – confesso.

Porém, veio da multidão presente uma pequena, porém muito significativa manifestação, que ecoou de forma muito clara e explicita durante o discurso presidencial: “SEM ANISTIA”. De forma imaginativa é possível concluir que a expressão dizia que “nós, povo brasileiro, que na sua maioria te elegemos, não queremos que sejam anistiados aqueles que nos impuseram longos anos de submissão horrenda e odiosa, sob um regime fascistóide e opressivo, que matou ou deixar morrer…”

Sem perder tempo, parte da mídia tradicional reagiu procurando identificar uma suposta contradição ou até um paradoxo entre uma busca de pacificação da nação, por parte do novo governo, com a necessidade de processamento e punição dos responsáveis pela prática de crimes praticados contra o povo, as instituições, o regime da democracia e o estado de direito, por quem quer que os tenha praticado. Tal relação, entre pacificação e uma pretensa anistia, quer fazer entender que uma não anistia seria contraria a busca pela pacificação; construindo assim, uma falsa dicotomia.

Ora, a democracia moderna, formada tanto pelo voto popular, como pela instituição de direitos e liberdades individuais e coletivos inalienáveis não subsiste com a busca de sua extinção. Dito de outra forma, não é democrático e, portanto, permitido, a busca da destruição da própria democracia; assim como não é lícito um governo agir contra o seu próprio povo. Portanto, quem agiu ou age assim, precisa ser responsabilizado.

Não se pode confundir, seja por equívoco ou má-fé, responsabilização com vingança. A vingança seria a manutenção do mesmo processo de ódio que se pretende superar; a responsabilização é necessária e indispensável para a reconstrução e manutenção da própria democracia e de um Estado em que o governante governe sob a égide das leis e para o bem de seu povo.

Também é necessário compreender que como contrabalanço para exageros e crimes que podem ser praticados por eventuais governos pretensamente totalitários, a democracia moderna criou instituições responsáveis por ajudar na proteção daqueles direitos e liberdades individuais e coletivas indisponíveis.

É preciso lembrar que os tempos de trevas que agora se pretende superar, é resultado não apenas de uma onda populista-fascista que atinge grande parte do mundo, mas também de ações e omissões de instituições inerentes de nossa democracia moderna, também chamada de democracia liberal.

Não podemos esquecer que tais instituições, como significativa parte dos meios de comunicação tradicionais, também foram responsáveis pela produção de informações falsas ou distorcidas – que atualmente se chama de fake News – produzindo um senso comum de desinformação, aversão à política e a participação das pessoas no espaço público, abrindo um enorme flanco para o ingresso e a sustentação de propostas políticas populistas-fascistas, cujos resultados são por todos conhecidos.

Diferente não é com outra instituição fundamental para a democracia, que é o Poder Judiciário. Como exemplo, basta ver o processo totalmente ilegal praticado (com o conhecimento e a conivência de todas as instâncias superiores) contra o ex e atual presidente Lula, num verdadeiro processo judicial-político, atualmente identificado por lawfare, que é o uso da justiça para a perseguição de adversários políticos.

Portanto, além da responsabilização – sem anistia – das pessoas que praticaram crimes contra a democracia, o Estado brasileiro e seu povo, também é necessário rediscutir o papel e a ação de instituições que fazem parte e que tem a responsabilidade de auxiliar na manutenção e fortalecimento da democracia, como a imprensa, o Poder Judiciário e outros.

A democracia se faz com pessoas e instituições coletivas e essas, como aquelas, precisam compreender que as grades protetoras da democracia precisam ser permanentemente observadas e reforçadas, para que não sejam voluntária ou involuntariamente fragilizadas, abrindo espaços generosos para o ingresso de propostas que, sob o argumento de salvar a nação e seu povo, tem apenas a real pretensão de se utilizar dela a qualquer custo: seja a destruição da democracia, seja em prejuízo de seu povo.   

Portanto, pacificação sim; anistia não. Não há, aí, nenhuma contradição ou paradoxo, apenas uma necessária e imprescindível complementação.

Autor: Edson Luís Kosmann

Professores, não se esqueçam de si

Somos apaixonados pelo que fazemos e fazemos muito mais do que nossas atribuições. No entanto, não podemos amar a profissão mais do que a nós mesmos. O amor pela docência não é incondicional.

Todo professor já deve ter assistido a algum filme ou lido algum livro sobre a docência.

Eu mesmo gostava de me ver representado na ficção. Gostava de ver aqueles superprofessores humilhados pelo sistema, tendo de dar aula numa escola com alunos violentos e indisciplinados, dentro de salas de aula degradadas. Então, este mesmo professor, com toda a sua perseverança, força de vontade e movido por grande paixão pela profissão, abria mão de sua vida particular, da sua vida afetiva e familiar para transformar aquela realidade. Tudo em nome do amor à docência. 

Além de todas essas adversidades, professores de escolas públicas ou privadas estão sempre devendo alguma coisa: relatórios, notas, devolução de provas, pareceres sobre aluno, ementa de projeto interdisciplinar, programa de estudo, diários de classe e outras chateações.

Um professor sempre deve alguma coisa para a direção. Mesmo quando não deve nada, ele continua em dívida, porque mesmo que você tenha entregado tudo que lhe foi solicitado, ainda assim sobrará aquele sentimento de que você não poderia estar descansando, e ainda fica com aquela sensação de domingo à tarde, em que você não relaxa por completo porque a segunda-feira está chegando, e você não pode se dar ao luxo de relaxar. 

Lembro ainda do filme Escritores da Liberdade, em que uma professora, interpretada por Hilary Swank, estimula seus alunos a escreverem diários. No entanto, como se trata de uma escola pública, não havia recursos para a compra de livros. É então que a professora resolve fazer um bico como vendedora de roupas no turno inverso para levantar dinheiro e, assim, comprar os exemplares. A atitude pode ser vista como louvável, e é; porém, isto tudo pode ser bonito na ficção, mas na vida real não é. 

Este artigo na verdade é uma carta aos professores. Me dirijo a vocês desse modo porque acho ser importante dizer que sim, somos apaixonados pelo que fazemos, que sim, fazemos muito mais do que nossas atribuições.

Não podemos amar a profissão mais do que a nós mesmos. O amor pela docência não é incondicional. Não é anulando-se como pessoa que um professor prova seu valor. Por isso, faço um apelo: professores, não se esqueçam de si.

Por mais que haja uma ligação forte entre você e a sua instituição de ensino, a escola não é sua casa. Escola é um lugar de formação social, mas não pode ser a extensão da sua vida.

Um professor não é mais professor porque não relaxa, porque está sempre em estado de alerta. Um professor é bom quando cuida de suas aulas, mas, sobretudo, quando cuida de si mesmo. 

“Acho que por abordar tema entalado na garganta de tantos profissionais da área. E também por tratá-lo de forma direta, mesclando linguagem formal e coloquial, usando emojis e até linguagem vulgar (no texto original tem um palavrão). O texto não deseja ser uma visão individual, mas uma voz daqueles que não aguentam mais serem colocados em caixas do pensamento”. (Douglas Peretto em entrevista ao site “Por que matam os professores, aos poucos”) Leia mais: https://www.neipies.com/por-que-matam-os-professores-aos-poucos/

Autor:  Jéferson Tenório

Fonte: Jornal  Zero Hora, outubro de 2022

Educação: prioridade ou interesses em disputa?

A educação baseada em testes, reconhecimentos e premiações meritocráticas, agravará as desigualdades regionais e educacionais vigentes.

Durante a campanha eleitoral em 2022 e, agora, ao iniciarmos o novo ano de 2023, com novos governos (re)eleitos e empossados, a Educação será de fato e de direito uma prioridade ou continuará uma arena de disputa de interesses de direção política e cobiça dos fundos públicos?

Na coluna de agosto de 2021,  Não há mágica em educação, afirmamos que a educação é processo complexo, cujos resultados dependem do bom funcionamento de um conjunto de instituições de cada sociedade e de um longo tempo de desenvolvimento.

Ela precisa, também, estar assentada em um projeto de país; e não se desenvolve em sociedade em que as disparidades de renda são elevadas e inexista oportunidades iguais para todos.

Após quatro anos de uma gestão federal que destruiu a educação no país, o novo governo, seja pelo seu passado bem como pelo programa apresentado, nos permite sonhar e esperançar que vamos cuidar melhor da educação, dos estudantes e dos profissionais da educação, especialmente no âmbito nacional.

Porém, não podemos tolerar mais meras promessas governantes, mas exigirmos, enquanto sociedade, políticas públicas de estado, programas e ações construídas coletivamente pelas comunidades escolares e acadêmicas.

Não é suficiente repetir velhas promessas que a “educação será prioridade”, que “vamos arrumar as escolas”, que se dará “ênfase à formação de professores” para “disputar a atenção do aluno com o TikTok, o Instagram e outras redes sociais”, através de novas técnicas, de revisão de conceitos e melhores condições para que “professores cumpram a sua função”, conforme manifestações iniciais do governador reeleito do RS.

Os problemas estruturais da educação brasileira e gaúcha são muito mais complexos.

Sem escutar e dialogar com estudantes e professores; sem valorização e melhores condições de trabalho dos professores; sem enfrentamento das desigualdades sociais e educacionais; sem combate a fome de crianças e adolescentes; sem retomada e cumprimento das metas do PNE e do PEE, sem ampliação de investimentos nas escolas públicas, tais promessas e medidas não irão tornar nossa educação melhor e com a qualidade social necessária.

Destaco três paradoxos em curso no sistema educacional que, se não equacionados, persistiremos em um modelo educacional excludente da grande maioria dos estudantes (86%) matriculados nas redes públicas de ensino: escola de inclusão versus escola de avaliação; educação emancipatória versus educação reacionária e, escola que educa pela ciência versus escola do empreendedorismo individual.

A escola de inclusão versus escola de avaliação

Há evidências que se acentuaram, tanto no processo eleitoral bem como na transição do MEC, a disputa de um projeto de educação e de escola baseado nas avaliações de desempenho (testes, provas, IDEB, PISA, SAEb, notas), da educação meritocrática, da formação para o empreendedorismo e o sucesso profissional individual, da educação mediada por tecnologias e ofertada em plataformas digitais.

Este modelo é oriundo das experiências fracassadas nos EUA, apoiando internacionalmente pela OCDE e, no âmbito nacional, com forte atuação das Fundações e Institutos empresais e o movimento Todos pela Educação. Esses atores disputam a direção política, pedagógica, os fundos públicos da educação e a formação dos estudantes.

Contrapondo, o campo da educação popular e democrática, representado por entidades científicas e educacionais, reafirmam que a educação nacional pública (com gestão pública, gratuita, laica, inclusiva, democrática e de qualidade social) é o sustentáculo das sociedades democráticas e soberanas.

Assim, não se pode admitir que a educação pública seja gestada por um paradigma empresarial com a apropriação dos recursos públicos (Fundeb), em detrimento dos serviços públicos de qualidade de que a imensa maioria do povo brasileiro necessita e que, com os últimos governos e suas iniciativas, foram sucateados e destruídos.

Considerando que o Brasil é um dos países com maior desigualdade histórica e estrutural do planeta, precisamos definir que projeto de nação queremos construir, que projeto de desenvolvimento social, econômico e ambiental adotaremos e, como a educação comporá e contribuirá com este projeto de sociedade.

O Brasil e seus estudantes precisam de uma educação com mais inclusão e menos avaliação de desempenhos. A educação baseada em testes, reconhecimentos e premiações meritocráticas, agravará as desigualdades regionais e educacionais vigentes.

A Educação da emancipação versus educação da precarização

A educação emancipatória e transformadora é aquela em que as escolas, pais, docentes, autoridades públicas, profissionais, gestores e a sociedade em geral, primam pela construção de um olhar crítico e emancipatório de crianças e adolescentes, promovendo a autonomia intelectual, ética e política dos estudantes.

Paulo Freire compreendia que o sujeito aprende para se humanizar. “Se aprende na relação com o outro, no diálogo com outro, na aproximação dele com o conhecimento do outro. Esse aprender coletivo tem a ver com o conhecimento sistematizado pelas outras pessoas. Saber que você precisa escutar e aprender com o outro é fundamental para romper com uma lógica de educação tradicional”.

Portanto, parte-se do princípio que empoderar o estudante para que ele possa se perceber como sujeito transformador da realidade, visto que se aprende para se emancipar e transformar a realidade que estamos inseridos, mais ainda a realidade excludente como a brasileira.

Porém, a lógica das reformas educacionais pós 2016 (BNCC e reforma do novo ensino médio) em implementação no Brasil assentam-se em uma perspectiva restrita e instrumental de uma formação técnica e qualificação profissional precoce crianças e jovens-adolescentes, através de uma pedagogia única das competência e habilidades, de forma submissa ao precário mercado de trabalho neoliberal.  

Da educação infantil à pós-graduação, habilidades e competências são desenvolvidas para atender aos interesses desse tal mercado. Do trabalhador de semáforo nas ruas, do jovem adolescente vendedor de balas que deveria estar numa escola acolhedora, passando pelo novo currículo das escolas do ensino médio, prepondera a mantra e o discurso falso da formação empreendedora e inovadora enquanto redentoras da realidade brasileira que ainda não universalizou a educação básica para os jovens adolescentes.

A escola que educa pela ciência versus negacionismo

A educação, a ciência e a cultura, na gestão de Bolsonaro (2019-2022), foram profundamente impactadas pelo negacionismo ideológico e por um pensamento fascista estruturado deliberadamente, com apoio e/ou conivência de milhões cidadãos brasileiros.

O combate à “ideologia de gênero”, o programa “escola sem partido”, a educação moral e cívica, o ensino religioso nas escolas públicas, a militarização das escolas públicas – por meio do Programa escola Cívico-militares – e, a educação domiciliar, constituíram o “Projeto Reacionário de Educação”, segundo historiador Luiz Antônio Cunha.

Esse posicionamento anti-intelectualista, contra a ciência e contra a cultura nacional, é característico de governos autoritários que chegam ao poder por vias populistas, mas se sentem ameaçados pela liberdade de pensamento, especialmente a liberdade de imprensa e a liberdade de cátedra.

A eleição e posse do novo governo gerou um ambiente de otimismo, esperança e necessidade restabelecer várias políticas educacionais estruturais de Estado – não de governo. Essas políticas devem abranger todas as áreas, da educação infantil a pós-graduação, escutando e legitimando as iniciativas pela participação da sociedade, em regime de colaboração com os entes federados, instituindo um  Sistema Nacional de Educação (SNE) e reafirmando um projeto de nação autônomo, democrático, justo e ambientalmente sustentável.

Somente um educar através da ciência – de todas as ciências – é capaz de contrapor o projeto negacionista e reacionário em curso e que sobrevive em grande parcela da população brasileira. Precisamos mais pesquisa e menos aula. O estudante precisa reconstruir conhecimento com os professores. A Pesquisa como estratégia pedagógica, é fundamental para motivar o surgimento do saber pensar, da habilidade de questionar, confrontar ideias e praticar a reflexão coletiva na diversidade humana.

O acesso à educação enquanto direito de todos brasileiros é responsabilidade de todos entes federados (União, Estados e Municípios) e da sociedade, pensada e ofertada em espaços comuns, com liberdade de pensar, ensinar e imaginar. A contribuição de organismos e entidades empresariais não pode sobrepor-se as instituições de ensino (escolas e universidades), pois quem mais entende de educação são os seus sujeitos: educadores e educandos.

Na Finlândia, jamais um CEO, militar, empresário ou especialista alheio a educação seria ministro, secretário ou diretor de escola ou universidade.

Naturalmente que os problemas e os desafios da educação nacional são muito maiores e complexos que estes três paradoxos e modelos de educação que abordamos. O Financiamento, a descontinuidade das políticas públicas e o descumprimento dos Planos Educacionais é tão mais grave quanto a disputa de interesses privados pelo controle da formação de dezenas de milhões de crianças e jovens com sonhos e projetos que o “tal mercado” não entregará.

Um Feliz e promissor 2023 para a Educação, Ciência e Cultura no Brasil.  Quem sabe faz a hora, não espera acontecer!

Autor: Gabriel Grabowski

Crise ambiental, ética e sustentabilidade

Sustentabilidade mesmo é sobre isso e: “O próximo grande salto evolutivo da humanidade será descobrir que cooperar, é melhor que competir” palavras de Pietro Ubaldi.

Podemos significar a ética como uma espécie de mão invisível que rege a trama de nossas sociedades complexas, com o intuito de atribuir ordem a esse sistema. Reverberando a ideia de que, ao fundo, uma sociedade com padrões claros e definidos, que saiba compreender e respeitar o outro, tem menor probabilidade de extinção em massa e portando também da preservação da espécie.

Em última análise, nos lembra Singer (2018), “o conjunto de valores e proibições éticos adotados pela ética de sociedades específicas refletirá sempre as condições nas quais têm de viver e de trabalhar para sobreviver”. Diante do exposto, o ambiente se constitui como uma condição necessária a ser observada, portanto, também constituinte de nossas discussões éticas.

Buscamos, como nos lembra Aristóteles (2021), pelo bem viver. E em tal busca, descobrimos a importância, como diria Stuart Mill (2000), dos outros. Vivendo em um contexto, nossas ações causam reações; se procurarmos reagir de forma harmônica, sem maiores prejuízos aos demais e ao meio, e a assim, vice-versa, a tendência é a promoção do bem-estar coletivo.

“O que é bom para colmeia é bom para a abelha”, lembrava Marco Aurélio (2021).

 No entanto, a consciência de que aquilo que prejudica ou favorece o meio, também prejudicará ou favorecerá, de algum modo, a nós, ainda não parece ser algo muito bem claro, para uma boa parcela da humanidade. Imersos em um egoísmo histórico, o ambiente comum a todos não é de ninguém e aparentemente não precisa de atenção (exemplo da forma como é cuidado, ou melhor, depredado, o espaço público no Brasil).

Tal visão acaba sendo ampliada se considerarmos a forma como estamos tratando o nosso planeta como um todo. Com o advento da Revolução Industrial, às coisas mudaram muito por aqui. Reinventamos a forma de subsidiar a sobrevivência por meio de um novo modo de trabalho, que geralmente se fundamenta em algum modo de exploração (seja pelo homem, seja pela natureza ou por ambas). Além disso, aprendemos a materializar a felicidade em coisas, que nos propulsionam a trabalhar mais, para comprar mais (explorando mais).

O resultante dessa sociedade sem limites? A mais ansiosa e depressiva já vista. Com uma deturpação clara de valores, cujo lucro deve ser a palavra de ordem e o meio ambiente, apenas uma ferramenta desse sistema. Diante do exposto, é compreensível entender o porquê uma Ética Ambiental “que rejeita os ideais de uma sociedade materialista, em que o êxito é medido pelo número de artigos de consumo que uma pessoa consegue acumular” (SINGER, 2018) é malvista.

Isso porque, essa visão mexe em um sistema pré-concebido, pode causar prejuízos aparentemente incomensuráveis, principalmente, quando há claramente uma distorção em nossos valores, cujo peso da economia e das ações a curto prazo bloqueiam um campo de visão maior, que considera também às consequências a longo prazo e o valor das coisas “sem valor”.

Tal distorção parece ter muita influência pela falta de clarividência das reações de nossas ações, principalmente ao meio e a natureza, além da falta de compreensão de que o ônus será distribuído a todos nós. Diante do exposto, necessitamos olhar para o complexo sistema que estamos inseridos, com o propósito de recalibrar os pesos dos valores, além de nos conscientizar da necessidade de mudança. Eis que surge a sustentabilidade, um importante conceito que deve ser compreendido e aplicado, a fim de contribuir nessa missão.

Mas, que significado tem essa palavra SUSTENTABILIDADE?

Podemos dizer que é uma palavra da moda, com altas tendências de crescimento, ainda mais, depois que o mercado resolveu se apropriar do termo, a fim de vender o desejo de um seleto público, que pode ser traduzido por responsabilidade ambiental. A ideia é boa, e retrata uma perspectiva esperançosa, mas, será que a sustentabilidade chegará a tempo?

Antes de mais nada, precisamos compreender a origem do termo, que, conforme comentado, trata-se de um verbete trivial, no entanto, muitas vezes pouco compreendido em profundidade. Etimologicamente (quanto a origem do termo), a palavra sustentável tem origem no latim sustentare, que significa sustentar, apoiar, conservar (ECYCLE, 2021). Outrossim, podemos pensar em sustentabilidade como aquilo que mantém “de pé”. Até então, nada de muito complexo, não é mesmo?!

De fato, a complexidade é implementada à medida que procuramos identificar e compreender o conjunto de elementos que necessitam estar em equilíbrio para manter uma estrutura de pé. Esse fenômeno se aplica tanto a objetos, seres vivos como também aos sistemas. Sendo que, por tendência, quanto maior o escopo de análise e a amplitude de fatores envolvidos, mais complexo será o caso.

A fim de facilitar um pouco as coisas, podemos pensar em um exemplo: o de uma empresa. Para mantermos uma empresa funcionando, portanto, “de pé”, necessitamos fundamentalmente estar em equilíbrio com três esferas, sendo elas: econômica, social e ambiental.

Por mais que a tendência mercadológica esteja voltada ao cuidado econômico, mesmo que indiretamente, os fatores ambientais e sociais estão presentes, fazendo parte da manutenção desse sistema em prol de um equilíbrio.

Diante do exposto, começamos a compreender que sustentável não é apenas aquele produto “verde” que diz ser ambientalmente correto por fazer uso de uma embalagem reciclável, mas sim, o quanto os sistemas subjacentes a ele, de fato colaboram com um equilíbrio do todo.

No contexto atual, parece-me que estamos nos dando conta, mesmo que de forma ainda branda, das consequências de nosso improcedente modo de viver. Em decorrência disso, a sustentabilidade deveria emergir como palavra de ordem, uma condição sine qua non (indispensável), para a promoção de estratégias que visem mitigar os impactos causados pelo homem, além de parametrizar as ações humanas em prol do equilíbrio de nosso ecossistema. 

A Agenda 2030, por exemplo, é um modelo de tais ações, de âmbito global a local, que evidencia o caráter complexo e holístico da sustentabilidade, uma vez que visa interagir e promover os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável. Diante do exposto, é válido ressaltar que reconhecer os desafios que nos aguardam é o primeiro passo, mas, como diria Fernando Pessoa (1982) “Agir, eis a inteligência verdadeira” e o nosso principal desafio.

Pois, se tratando de crise ambiental a problemática acaba ficando um pouco mais complexa. A verdade é que temos noção e indícios do problema, como por exemplo os estudos relacionados às mudanças climáticas (IPCC 2021), mas, a humanidade age como um fumante – que, talvez, tenha consciência de que seu hábito é prejudicial com grandes chances de consequências muito ruins – mas, fumamos, dia após dia, com a impressão de que tudo isso acontecerá em um futuro distante…

A genialidade está justamente em evitar o problema e não em mitigá-lo. Eis que entramos em conflito. Há um problema? O efeito estufa existe? Temos realmente a capacidade de alterar o clima do planeta? São alguns, dos questionamentos que enfraquecem uma tendência sustentável à mudança. Na maioria dos casos, nos perdemos em números, ou melhor, na falta de consciência sobre a importância e o peso de nossas ações e valores.

Como nos lembra Singer:

Os ganhos obtidos com o abate da floresta – emprego, lucros das empresas, ganhos em exportações e papel e cartão de embalagem mais baratos – são benefícios de curto prazo. (…) trata-se de um custo que será suportado por todas as gerações que nos sucederem sobre o planeta. (…) Há coisas que, uma vez perdidas, nenhum dinheiro do mundo pode reconquistar. Assim, justificar a destruição de uma floresta antiga com base na ideia de que nos trará um substancial rendimento nas exportações é um disparate, mesmo que pudéssemos investir esse rendimento e aumentar o seu valor de ano para ano (SINGER, 2018).

Corroborando com a problemática, existe uma extrema dificuldade em mensurar às causas de nossas ações em um horizonte mais distante. Podemos chamar esse fenômeno de cegueira sistêmica e ocorre quando, principalmente, líderes implementam uma estratégia para resolver um problema – mas ignoram a dinâmica pertinente ao sistema. A resultante? Alívio no curto prazo, um problema maior a longo prazo (GOLEMAN, 2014, p.139).

Somando-se a isso, existe uma tendência do cérebro humano em não reagir há potenciais perigos de longo prazo. A amígdala cerebral – nosso principal mecanismo de alerta – é excelente em reagir a perigos eminentes, mas nem pisca quando a ameaça em potencial for muito distante[1]. Isso ajuda a compreender por que é tão difícil fazer as pessoas agirem em prol de mudanças a longo prazo, seja evitando o cigarro que você fuma diariamente, seja evitando o colapso do planeta.

Como diria Weber (apud GOLEMAN, 2014, p.141), ironicamente: “não há nada aqui, neste lindo dia de verão, que me diga que o planeta está superaquecendo” não é mesmo?

Conforme observa o professor Sterman: “Como a mudança climática ocorrerá num horizonte distante, que não conseguimos ver, é difícil convencer as pessoas. Apenas os problemas que farfalham as folhas recebem a nossa atenção, mas não os grandes problemas que irão nos matar” (GOLEMAN, 2014, p.142).

Colaborando com o reconhecimento da dificuldade em trabalhar a problemática o Dr. Larry, cujo mandato inclui combater o aquecimento global, demonstra o desafio em convencer as pessoas: “eu preciso convencer você de que existe um gás inodoro, insípido e invisível que está se acumulando no céu e capturando o calor do sol por causa do que o homem está fazendo ao utilizar combustíveis fósseis. É uma tarefa árdua” (GOLEMAN, 2018, p.142).

Outro fator agravante que podemos citar, acaba sendo o receio ou até mesmo o medo de significativas mudanças, inclusive econômicas, por algo que, aparentemente, como vimos, não parece ser uma ameaça.

Por vezes, tenho a impressão de que a palavra sustentabilidade reverbera como um fantasma, normal a tudo que traz consigo uma mudança de paradigma, que nos assusta, justamente por interferir significativamente em nossas estruturas, principalmente pois, segundo Singer “uma ética do meio ambiente acharia que poupar e reciclar recursos seria virtuoso e que o consumo extravagante e desnecessário seria uma depravação.” (SINGER, 2018).

Com base no exposto, podemos supor que sim, o problema existe, no entanto, acaba sendo encoberto pelo sistema econômico e até mesmo uma falta de consciência ambiental, oriunda do perfil da civilização contemporânea. Mas, se o problema existe, cabe a nós refletir, então, sobre qual seria a solução, não é mesmo?

Até aqui, acredito termos exposto argumentos suficientes para compreender por que o problema de fato é um problema. Mas, qual seria a solução? Bem, com base na história, podemos elencar dois cenários factíveis.

O primeiro deles, e o mais provável, trata do cenário emergente. Aquele que ativa os nossos mecanismos de alerta, pois algo está prestes a acontecer ou pior, acontecendo. Quando as ameaças se tornarem visíveis. A solução, nesse caso, será uma espécie de tentativa de remediar ou tentar fazer alguma coisa para restituir a sustentabilidade na Terra. Não acredito que será possível contar com o tempo e nossas ações deverão ser rápidas. O maior problema, é que temos a consciência de que não agimos racionalmente no desespero e muito possivelmente, às ações humanas nesses estados serão egoístas, agressivas e caóticas (são os nossos mecanismos instintivos e que são muito bem retratados nos filmes do fim do mundo).

O segundo, e ideal solução, seria o que conscientes almas estão tentando propor agora: uma tentativa de nos organizar enquanto há tempo. E sim, temos consciência de quanto isso é difícil, a maioria de nós não consegue estipular metas a longo prazo e segui-las, a não ser que o estímulo seja forte, claro e constante. Portanto, necessitamos compreender a problemática para além da mera discussão da existência de um problema, desmistificando o “fantasma” ambiental que assombra a economia. Não tratando a discussão como uma disputa de setores – o econômico versus o ambiental – mas sim, unir esforços em prol de conseguir encontrar um equilíbrio, com a esperança de beneficiar a todo um de nós.

Sustentabilidade mesmo é sobre isso e: “O próximo grande salto evolutivo da humanidade será descobrir que cooperar, é melhor que competir” palavras de Pietro Ubaldi.

Fica como sugestão: Animação criada em Flash e After Effects olhando relacionamento do homem com o mundo natural.  https://youtu.be/RbpL5xGCXx8?t=17

. . .

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Edipro. 2018.

AURÉLIO, Marco. Meditações: O diário do imperador estóico Marco Aurélio. Temporalis. 2021.

CARVALHO, Fernanda. Os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. 2021. Disponível em: https://www.matanativa.com.br/os-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel/. Acesso em: 25 nov. 2021.

GALIMBERTI, Umberto. A dimensão racional da técnica e a modelagem da vida. IHU On-Line. Disponível em: http:// www.ihu.unisinos.br/entrevistas/536697-a- dimensao-racional-da-tecnica-e-a-modelagem-da vida- entrevista-especial-com-umberto-galimberti. Acesso em: 25 nov. 2021.

GOLEMAN, Daniel. Foco: Atenção e seu papel fundamental para o sucesso. Objetiva. 2014.

JONAS, Hans. Técnica, medicina e ética: a prática do princípio responsabilidade. Trad. GT Hans Jonas (Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia). São Paulo: Paulus. 2013.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70. 2005.

MILL, John Stuart. O Utilitarismo. Iluminuras. 2000.

PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego. Lisboa: Ática. 1982. P.85. 

Rui Artistides Lebre. O sujeito da techne – O problema do desenho da vivência da justiça, e-cadernos CES [online], 23. 2015.

SINGER, Peter. Ética Pratica. Martins Fontes. 2018.

SOUZA, Vinícius Silva de. O homo faber segundo Hannah Arendt. 2013. 85 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) — Universidade de Brasília, Brasília, 2013.

WRI BRASIL. Mudanças climáticas alarmantes: veja 5 grandes resultados do relatório do IPCC. Disponível em: https://wribrasil.org.br/pt/blog/clima/ipcc-relatorio-mudancas-climaticas2021?gclid=Cj0KCQiA47GNBhDrARIsAKfZ2rCYmyl_2qSuwPZ0Q1mydLPaaZsoWJDLyZwEsMDqii3eY_WqZ7QR-tEaAsIeEALw_wcB. Acesso em 02 dez. 2021.


[1] Esse mecanismo natural existe, a fim de que evitamos gastar energia com preocupações de um futuro distante, uma vez que nosso cérebro entende que às ameaças do agora são potencialmente mais letais do que algo que poderá vir a ser. (Goleman, p.141)

Criança amada cresce segura

A criança que é verdadeiramente amada comporta-se com segurança aonde chega. Ela não tem medo de fazer amizades, de falar o que sentir vontade e de brincar com outras crianças iguais a ela.

O amor é inerente ao desejo do Bem, a possibilidade de voltar ao Mundo das Ideias Puras, cabendo ao homem exercitar-se no seu processo de ascendência espiritual, diz Platão no seu livro “O Banquete” e para além disso também nos diz que o amor é belo em si. Se o amor é a possibilidade de adquirir o mundo das ideias, logo ele nos garante o que quero dizer neste ensaio sobre a criança que cresce segura a partir do sentir-se amada.

É a ideia do bem que vai ser buscada nas profundezas dos corações dos pais e responsáveis pelas crianças para ser trazida à tona e reconhecida como um amor real, um amor puro, um amor em substância única e definitiva para o bem-viver do ser que nasce para um mundo estranho e logo recebe o conforto dos seus pais, médicos e enfermeiros.

Sim, o amor pode tudo, o amor move montanhas, acaba guerras, aproxima pessoas e torna o mundo mais bonito. Quando amamos alguém ficamos mais felizes e cheios de vontade de viver. O amor sabe de todas as coisas. Ele é capaz de nos transformar. Só o amor conhece os nossos mais íntimos segredos.

Amar e ser amado, eis o nosso desejo maior. Amar incondicionalmente. Amar como Jesus Cristo nos ensinou, segundo a música de Padre Zezinho. Amar segundo Camões no seu belo poema onde nos diz “Amor é fogo que arde sem se ver; / É ferida que dói, e não se sente; / É um contentamento descontente; / É dor que desatina sem doer.” É neste amor que a criança se encontra e se sente acolhida e protegida.

Em toda a minha vida eu recebi amor da minha mãe, da minha bisavó e das minhas primas que cuidavam de mim. Sempre me senti amada porque nunca recebi gritos, castigos dolorosos ou coisa parecida. Sempre fui acolhida nos braços da minha mãe que chegava cansada do trabalho com carinho e afeto. Tive brinquedos e estudei na infância. Fui uma criança amada e por isso estou aqui para pedir a vocês, pais e responsáveis que amem incondicionalmente os seus filhos.

É claro que todos nós amamos as nossas crianças, mas amar não é somente fazer o que a criança deseja e nunca dizer não. Amar é cuidar, é respeitar, é aceitar e saber o momento exato de falar a verdade e de confiar coisas à criança que ela nos pergunta.

Conheço uma menininha que leva tanto grito da sua mãe que imita esse gesto com as suas bonecas e nas suas brincadeiras com outras crianças. Será que ela está sendo verdadeiramente amada?

Apesar dos gritos que esta criança recebe da sua mãe ela não tem outra pessoa que a acolha e a ame, pois não há nenhum adulto em sua casa que possa lhe dar o verdadeiro amor que merece. Mesmo recebendo gritos, sendo castigada e muitas vezes levando palmadas, essa menininha é doce e meiga e não consegue ficar um minuto longe daquela que a obriga a sorrir logo depois de levar um puxão de orelhas.

Sim, as crianças não guardam mágoas. Elas logo vão esquecer de que foram maltratadas por você de alguma forma. Será?

Maus-tratos são qualquer coisa que imprima no espírito da criança uma lesão que jamais será esquecida. Ela pode até não demonstrar que lembra e pode até ter esquecido realmente, mas no fundo, no seu pensamento estará lá a lembrança de tudo o que viveu, de toda a educação recebida quando pequenina.

Na infância, vivemos como os galhos das árvores que são seguros pelo tronco e dele recebem cuidado e amor. Se o tronco fraquejar ou vier a morrer, consequentemente, os galhos também morrerão. Também passarão a imitar e fazer as coisas que o tronco faz, pois dele vem a experiência de pai ou mãe daqueles galhos-filhos que necessitam tanto de conhecimentos básicos para crescerem e poderem dar frutos ao mundo.

O grande tronco da árvore é aquele pai ou mãe que está ali sempre presente e ao lado dos seus filhos que seriam os galhos, finos e necessitados de cuidados para não se quebrarem ou para não se machucarem nas suas brincadeiras e, principalmente, para que cresçam seguros de que logo se tornarão troncos de outras árvores gigantes e poderosas.

Costumo comparar a educação necessária que os pais e responsáveis deveriam oferecer às suas crianças às das árvores com os seus galhos que muitas vezes rebeldes não sofrem castigos do tronco, mas são chamados atenção e puxados para cima novamente com a ajuda do vento. O tronco fazendo o papel dos pais e o vento o do professor ou professora.

É preciso unir forças para educar uma criança com cuidado e amor. Sozinhos, os pais imaturos podem não conseguir, por isso é tão importante a presença dos avós, tios, médicos e professores.

A criança que é verdadeiramente amada comporta-se com segurança aonde chega. Ela não tem medo de fazer amizades, de falar o que sentir vontade e de brincar com outras crianças iguais a ela. Na sua pequena idade já sabe distinguir o certo do errado porque aprendeu com os pais na base do diálogo e do respeito.

Muitos pais querem impor aos seus filhos uma educação rude e severa que tiveram quando eram crianças. É preciso saber que estamos em pleno século XXI e que a educação mudou porque as crianças também mudaram.

Vejo gente dizendo que antigamente eram apelidadas na escola, eram xingadas disso e daquilo e nunca tiveram traumas. Tudo bem até aí, mas eram outros tempos. Tempos que mudaram com o advento da tecnologia, dos novos conceitos introduzidos na sociedade, das novas formas de viver das crianças com as exigências e cobranças que lhes são feitas todos os dias e a todo instante.

O que antes não era bullying hoje pode ser isso porque as sociedades mudaram os seus conceitos, as pessoas criaram novos hábitos, as ciências não pararam no tempo e as crianças acompanham essas mudanças do mesmo jeito da gente. Vivemos uma época em que a violência toma conta das redes sociais onde estão as nossas crianças o tempo inteiro depois que voltam da escola.

Conheço pessoas que dizem que antes eram chamadas de “negrinhas” ou “negrinhos” e nunca se sentiram desrespeitadas. Antigamente, não havia uma mídia impressa e digital para alertar você do racismo que já foi um gigante na sociedade brasileira e hoje reduziu um pouco graças as lutas dos movimentos sociais antirracistas.

Não é que antigamente as pessoas eram mais felizes sem essas coisas de racismo ou bullying, é que antes tudo era tão disfarçado e fingido de uma forma a ridicularizar o ser humano que não se passava pela cabeça da pessoa que estava sofrendo preconceito. Nem mesmo o outro sabia que estava praticando preconceito. Era coisa do sistema, ou seja, eu finjo que não sei e você finge que não se machuca e está tudo bem.

Deixar uma criança viver uma situação ridícula, humilhante ou desrespeitosa pode agravar para sempre a sua vida psíquica e física porque ela traz desde a tenra idade todos esses conceitos de maus-tratos. Não é que ela nasça uma criança cheia de sabedoria, mas vai se formando no decorrer das suas vivências e experiências. As crianças têm contato logo cedo com os conceitos das coisas.

Assista vídeo: Por que todas as crianças precisam de comunidade? https://youtu.be/rWUUYU4xeP8?t=17

O filósofo Platão já mencionado acima tem um diálogo que trata do nome das coisas e é bem interessante para quem tem curiosidade de saber por que as coisas recebem os nomes que têm. Dessa forma, é que as crianças desde a tenra idade despertam para conhecer os nomes das coisas, os seus conceitos, o que significam, do que se tratam, para que servem. Assim é que no livro “Marcelo, marmelo, martelo” a autora Ruth Rocha explica essa curiosidade das crianças no seu personagem Marcelo a querer saber a origem do nome das coisas e fazer uma confusão enorme com isso. Vale a pena a leitura!

No passado, os nossos pais escondiam da gente os conceitos das coisas. Não tínhamos acesso a coisas que eram ditas ser somente para adultos. Crescíamos inocentes em quase tudo, por isso que não sentíamos muitas vezes o preconceito e o desrespeito para conosco.

Lembro-me que há uns trinta anos meu tio era chamado de “Neguinho” isso porque ele era negro, de fato. Meu tio nunca ligou para isso e levava numa boa o seu apelido, mas também ninguém nunca o contou que aquilo soava como racismo contra a cor da sua pele e que, de uma certa forma, o seu apelido estava ligado a cor da sua pele que para algumas pessoas marcava não o ser enquanto ser, mas a cor da pele que o vestia, ou seja, era a cor da pele que o identificava como presença viva entre os seus. E isso era verdade. Mas, para o meu tio era um apelido carinhoso.

A criança merece cuidados e amor, muito amor. Se em toda a sua infância tiver os seus direitos garantidos como diz o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, se tiver casa, comida e direito a brincar e estudar ainda assim será pouco se lhe faltar o amor verdadeiro de uma pessoa. É por isso que eu peço para acrescentarem ao Estatuto mais um artigo, ou seja, que toda criança seja amada incondicionalmente, principalmente as que estão em situação de rua e largadas ao Deus dará.

Vejo, e esta cena se repetiu muito já, andando pelas ruas, pessoas fecharem os vidros dos seus carros para que a criança suja não se aproxime dele. Crianças andando pelas ruas com fome e com sede sem ninguém as ajudar. Crianças sendo exploradas por adultos, muitas vezes os próprios familiares, nos canteiros das cidades grandes levando sol e chuva pedindo comida e roupas. Sabemos que a situação econômica do país está difícil, mas muitas dessas crianças deixam de frequentar a escola e de brincar para serem usadas como iscas de piedade e caridade.

O meu pedido neste ensaio é de que todas as crianças sejam amadas para crescerem seguras e donas de si. Certas de que serão adultos corajosos e prontos para enfrentarem um mundo competitivo que exige a todo tempo mentes inteligentes e com pensamentos lógicos capazes de tomar decisões rápidas e sem titubear. Esses são os profissionais do futuro. Um mundo em que as relações são líquidas e que os nossos jovens estejam preparados para perder amigos e namoradinhos sem sofrerem tanto.

Não sei se vamos conseguir preparar as nossas crianças para este mundo contemporâneo que exige demais da gente. Não é que estejamos formando uma geração mimimi. É que o mundo se tornou chato mesmo para as nossas crianças e jovens. É que estão cobrando demais deles quando só deveriam brincar, estudar e ser amados. O amor vem antes de tudo. O amor vem do primeiro momento em que o filho entra em contato com a sua mãe na hora do parto.

Muitas crianças nascem com transtornos mentais e quando não são abandonadas pelos pais, são largadas dentro de casa sem receberem a atenção que necessitam, os cuidados básicos, uma escola que esteja preparada para recebê-las.

Tenho uma amiga, adulta já, que me contou outro dia que nunca recebeu amor dos médicos do posto de saúde onde se consultava quando criança. Nem amor e nem atenção. No posto não havia quem soubesse compreender o que ela queria dizer sobre as suas dores e sentimentos, pois era surda e ninguém ali sabia libras ou sabia como lidar com um surdo.

Desse mesmo jeito vejo crianças com esquizofrenia, autismo, depressão sofrendo nos postos de saúde, nos consultórios de médicos do SUS que muitas vezes estão ali para cumprir a carga horária e receber os seus salários, mas não têm nenhum afeto ou cuidado por aquela criança que tanto necessita de ajuda. Aos pais cabe a indignação silenciosa porque se for reclamar é capaz até de perder a consulta do filho ou filha.

A falta de amor às nossas crianças não acontece somente dentro de casa, ela extrapola as paredes do lar e vai para a rua junto com a criança que chora e faz birra para não ficar na casa da tia que a maltrata sem que ninguém saiba e a ameaça se contar para alguém. A falta de amor começa quando você conversa com uma criança sem se abaixar para ficar na altura dela e poder olhar nos seus olhos enquanto conversam.

Não se ama uma criança apenas porque ela é bonitinha e comportada. Se ama uma criança porque ela é um ser especial em formação e que diferente de nós está aprendendo a viver e a conhecer o mundo do jeito que o apresentarmos para ela. Infelizmente, não podemos mentir-lhe e este mundo está muito chato para a criança viver alegre e sorridente o tempo inteiro. Em algum horário ela vai abrir o bocão e chorar reclamando de alguma coisa que lhe desagrada e é neste momento em que precisará de apoio e amor.

Para que a sua criança cresça segura de si e possa se tornar um adulto pronto para enfrentar a realidade ela precisa não somente de que você faça tudo o que lhe pede, mas de amor, sim, amor incondicional. Aquele amor que faz a gente acordar no meio da madrugada só para ver se ela está dormindo bem, aquele amor que faz a gente ficar plantada horas na frente da escola à espera de que ela seja liberada e, principalmente, aquele amor pelo seu desenho que ninguém consegue compreender, mas que ela diz ser você.

Aquele que recebe amor está sempre voltando ao mundo das ideias e reformulando o seu jeito de ser e de pensar tornando-se uma pessoa melhor em busca de um futuro grandioso, por isso é tão importante que a criança sinta-se amada o tempo todo para quando tornar-se adulta estar pronta para enfrentar os “dragões do tempo”, ou seja, as vagas num mercado de trabalho que é tão competitivo ou um relacionamento onde as pessoas quase não se falam mais umas com as outras.

Seja o amor da sua criança dando para ela a segurança necessária para um viver bem.

Assista vídeo “O amor pinta o cinza do mundo”, com a participação do Papa Francisco. https://youtu.be/8ChTGOQeO1s?t=69

Faça um carinho quando ela menos esperar, diga-lhe algo motivador quando ela mais errar no que tenta fazer, seja o herói ou a heroína da sua criança. Mostre para ela que com você pode contar sempre que precisar. Deixe bem claro que você é capaz de tudo para protegê-la e amá-la mesmo ela fazendo as coisas mais atrapalhadas do mundo.

E para terminar deixo você papai, mamãe ou responsável com a música de Caetano Veloso intitulada “Sozinho” que nos seus belos versos nos diz “Quando a gente gosta / É claro que a gente cuida”.

Que possamos gostar mais um pouco, na verdade, amarmos todas as crianças ao nosso redor e até mesmo as que não conhecemos mostrando para elas que apesar de adultos chatos e com pressa para tudo podemos ler a sua historinha com letras garranchadas e adoraríamos receber um desenho que nos represente.

Ame a sua criança interior e a criança que está ao seu lado. Seja ela quem for.

Autora: Rosângela Trajano

Veja também