Elas também pensam. Elas também são capazes de morrer de tristeza ou de alegria conforme a situação. Vejo-as como sujeitos de uma sociedade que não sabe respeitá-las como merecem e que não sabem até mesmo como dialogar e ouvi-las, pois não compreendem a sua linguagem.
Trago o heterônimo de Fernando Pessoa, mais conhecido entre os amantes da literatura, para iniciar este texto que experiencia as árvores com os homens, ambos compartilham de uma mesma alma e das mesmas experiências do mundo. Assim, Ricardo Reis nos diz nos seus lindos versos:
“Rega as tuas plantas, / Ama as tuas rosas. / O resto é a sombra / De árvores alheias. / A realidade sempre é mais ou menos / Do que nós queremos. / Só nós somos sempre / Iguais a nós-próprios.”
A gente tem mania de olhar para uma árvore e pensar: “ah, uma árvore”. E passar por ela como se não fosse nada. Que mania mais feia essa nossa. Não sabemos que as árvores têm os seus sentimentos e são capazes de ficarem feridas com as nossas indiferenças, porque nenhuma árvore é igual a outra. Cada uma tem o seu jeito próprio de ser.
Sim, só nós sentiremos as nossas dores e viveremos os nossos sonhos. As árvores não podem deixar as suas vontades e desejos nas mãos umas das outras ou nas dos homens. Elas devem sentir a vida e vivê-la como melhor lhes couber porque cada um de nós é dotado de um pensar único que nos diferencia e nos atribui a capacidade de sermos iguais e diferentes ao mesmo tempo.
A subjetividade humana pode dizer respeito ao sentimento de cada pessoa, como a sua opinião sobre determinado assunto, assim acontece com as árvores. Elas também têm opiniões sobre os homens e o mundo que as rodeiam. Claro que muitos de nós não vamos compreendê-las se não tivermos os sentidos prontos para ouvi-las cuidadosamente. Não é qualquer um que consegue entender uma árvore.
Muitas vezes, as árvores têm temperamentos fortes, ficam aborrecidas ou tristonhas, vai depender de cada uma e conforme são tratadas. Cada árvore tem um jeito próprio de pensar e sentir as coisas. Elas não são iguais. Nunca foram. Cada uma tem a sua opinião sobre este mundo onde vivem. Há árvores que são choronas e outras que são alegres e não se deixam aborrecer por quase nada.
É preciso visualizar e aceitar a subjetividade da sua árvore para que ela continue a dar frutos e sombra ou só de pirraça ela poderá morrer para nos deixar sofrendo porque ela como mais ninguém consegue compreender o seu pensar e forma de agir. Assim como desejam ser compreendidas, as árvores também fazem por onde nos compreender. É uma troca recíproca de seres que sentem a vida de forma intensa.
Enquanto dotado de subjetividade o homem tem a sua opinião sobre as coisas e pensa do seu jeito próprio desejando ser respeitado por todos e não ignorado quando se expressar oralmente ou verbalmente. Gosta de opinar, dizer o que sente, falar sobre aquilo que sabe ou tem curiosidade para conhecer.
A subjetividade nos permite ser diferentes uns dos outros. De igual forma acontece com as árvores. Elas se tornam diferentes umas das outras através da sua subjetividade.
Vocês podem achar que as árvores não têm pensamentos próprios, logo não podem ter subjetividade. Estão enganados! Tolos os que pensam que as árvores por não serem dotadas de órgãos, principalmente de cérebro, não conseguem pensar. Claro que elas pensam e sentem de outra forma. Talvez quem explique isso seja a natureza. Estou aqui apenas para alertá-los de que as árvores são boas pensadoras e em outro momento falaremos dos seus poderes de filosofarem.
A subjetividade é caracterizada como algo que varia de acordo com o julgamento de cada pessoa, consistindo num tema que cada indivíduo pode interpretar da sua maneira, que é subjetivo. Isso ocorre com as árvores. Elas pensam da sua maneira, têm experiências e vivências próprias, guardam histórias únicas de vida e mesmo sendo parecidas umas com as outras jamais serão iguais. Cada uma tem o seu jeito próprio de ser e de pensar.
Nunca paramos para ouvi-las é verdade, por isso nunca prestamos atenção que elas são únicas no mundo assim como era a flor do “Pequeno Príncipe” mesmo ele tendo descoberto um jardim enorme aqui na Terra acabou concluindo que a sua flor era única porque cuidava dele e o amava, era abusada como nenhuma outra.
Tal coisa acontece com as árvores. Elas podem ser uma floresta, mas se você resolver cuidar delas observando-as com detalhes verá que cada uma das árvores dessa floresta tem a sua própria maneira de fazer sombra, de jogar as folhas no chão, de balançar os seus galhos e de espalhar as suas raízes. Eis a forma como elas conseguem expressar que são únicas e o que lhes é subjetivo.
A subjetividade é o mundo interno de todo e qualquer ser humano. Este mundo interno é composto por emoções, sentimentos e pensamentos. Poderíamos dizer que nunca vimos uma árvore chorar ou dar gargalhadas, mas isso pode ser dito para aquela pessoa que passa pelas árvores sem lhes cumprimentar, sem lhes dar a atenção necessária, sem fazer delas algo vivo e que resiste as intempéries do tempo.
Se observarmos cuidadosamente veremos que as árvores costumam chorar e muito com as queimadas e o desflorestamento. Elas sentem falta de cuidados. Elas choram quando levam machadadas e até mesmo quando são podadas de forma errada. Choram também quando são tomadas por pragas iguais as dos cupins que as comem por dentro. É que nós estamos tão preocupados com a nossa sobrevivência que não temos mais tempo para escutarmos a natureza.
Quando as árvores não dão frutos gostosos em uma determinada época de colheita ou quando eles não servem para a produção do doce costumamos atribuir esses problemas a falta de chuvas ou pragas na plantação, mas nunca paramos para refletir que as árvores podem estar passando por problemas existenciais ou até mesmo que as coisas exteriores a elas podem estar interferindo nas suas produções de frutos.
O mundo exterior é o grande vilão de uma boa safra de frutos. Se ele cuidou da árvore como deveria, ela vai saber compensá-lo com a sua alegria, mas se ele apenas a adubou sem os cuidados de com ela conversar e lhe dar carinho, certamente esta se deixará perturbar por essa falta de cuidados produzindo frutos que não servem para ser consumidos.
As árvores também entram em depressão e melancolia e podem até surtar se não forem cuidadas e respeitadas nas suas individualidades.
Na teoria do conhecimento, a subjetividade é o conjunto de ideias, significados e emoções que, por serem baseados no ponto de vista do sujeito, são influenciados por seus interesses e desejos particulares. Tem como oposto a objetividade, que se baseia em um ponto de vista intersubjetivo, isto é, que pode ser verificável por diferentes sujeitos.
Existe o pensamento individual de cada árvore junto com o seu jeito de ser que seria subjetivo, ou seja, próprio de cada uma e o pensamento coletivo aquilo que todas pensam de igual maneira, logo seria a objetividade.
Através da nossa subjetividade, construímos um espaço relacional, ou seja, nos relacionamos com o outro. Este relacionamento nos insere dentro de esferas de representação social em que cada sujeito ocupa seu papel de agente dentro da sociedade.
A relação das árvores com os homens pode ser considerada algo diverso em que nalgumas vezes elas são percebidas e até mesmo aceitas como membros da família e noutras passam desconhecidas sem conseguirem deixar suas impressões subjetivas. Isso ocorre porque o “outro”, ou seja, o homem não está preparado para vê-la como um ser pensante e dotado de emoções.
O homem, em sua ignorância sobre as árvores, se acha completo e para ele nada mais é possível de pensar e sentir emoções senão a si mesmo. Esquece o cientista que pensa assim ter perto de si uma árvore capaz de morrer só porque foi tratada com desrespeito ou nunca mesmo foi vista por quem tanto admirava. Os homens sérios passam pelas árvores como passam pelas pedras com as suas gravatas a voarem no vento. Eles não conseguem absorver delas sequer um sorriso.
Nessa experiência de subjetividade surge a alteridade sua prima ou irmã que busca o tempo todo colocar-se no lugar do outro para sentir a sua dor ou a sua alegria. Para conhecer o outro que tanto nos causa admiração e curiosidade. Nunca vi uma pessoa conversando com uma árvore. Nunca ouvi ninguém falar da subjetividade das árvores, talvez por acharem que elas não têm seus próprios pensamento e sentimentos.
Na questão da alteridade, seria uma utopia falar de que os homens se colocam no lugar dos outros atualmente, quando na verdade cada um luta por si e sozinho numa caminhada árdua de sobrevivência e competição. Nas árvores não existe, ainda, competição, logo a alteridade é sim possível entre elas. As florestas compartilham dos seus momentos de alegrias e tristezas.
Cada árvore é capaz de sentir tudo ao seu redor de uma maneira própria e singular.
Elas compartilham essas vivências e experiências através das suas raízes. Se os homens têm o cérebro as árvores têm as suas raízes onde podem sentir a vida e as emoções que lhes são despertadas de uma forma intensa e própria a cada uma que muitas vezes são mais fortes que a outra e acabam se autoajudando.
As ideias do Iluminismo trouxeram à tona o individualismo, em que o sujeito age segundo a sua vontade, ou seja, com base na razão. E apesar de não terem um cérebro igual ao nosso as árvores também pensam e se pensam, logo existem, como disse o filósofo francês Descartes.
Cada árvore tem uma força divina capaz de compreender o mundo da sua forma. Tudo na natureza tem as suas individualidades. As coisas não são iguais.
É importante afirmar que as particularidades de um indivíduo também são indicativos da sua posição na sociedade. Isso porque as pessoas se agrupam de acordo com as suas semelhanças. Sim, as árvores de uma floresta têm os seus próprios sentimentos em relação ao mundo. Cada uma ajuda a outra a se fortalecer diante das adversidades.
Só para termos uma ideia, um fruto de uma árvore nunca é igual ao da mesma espécie. Ele pode ter um sabor diferente, ser mais doce ou amargo. Assim também ocorre com a sombra das árvores que podem ser diferentes em cada estação do ano, conforme o movimento do Sol. As árvores também podem sentir dores enormes com as perdas de pessoas queridas, principalmente aquelas que cuidam delas. E isso pode ser visto pelo número de folhas murchas ou até mesmo de folhas secas caídas ao chão.
O tema subjetividade varia de acordo com os sentimentos e hábitos de cada um, é uma reação e opinião individual, não é passivo de discussão, uma vez que cada um atribui um determinado valor para uma coisa específica. Isso se considerarmos o pensamento humano.
Se nos determos a falar apenas da subjetividade das árvores veremos que elas têm as suas opiniões individuais em relação ao mundo e que elas conseguem também atribuir valores para algo ou alguém que passam a conhecer.
O que quero chamar a sua atenção, leitor querido, é que as árvores são iguais aos homens, dotadas de sentimentos e emoções. Elas também pensam. Elas também são capazes de morrer de tristeza ou de alegria conforme a situação. Vejo-as como sujeitos de uma sociedade que não sabe respeitá-las como merecem e que não sabem até mesmo como dialogar e ouvi-las, pois não compreendem a sua linguagem.
Compreender as árvores é saber amar com os olhos de quem não apenas ver, mas de quem sente nas profundezas da alma que aquele sujeito tem peculiaridades únicas que lhes são próprias e necessárias para o seu existir, logo precisa de cuidados especiais.
Nas nossas sociedades temos muitas desigualdades entre os homens e existem os mais pobres e os mais ricos, os que têm uma educação de qualidade e os que nada têm.
As árvores sabem dessas desigualdades sociais que acometem os homens e participam delas de forma indireta seja vivendo numa região de maiores poderes aquisitivos seja morando numa região pobre. Elas sabem que os homens vivem conforme as suas crenças e opiniões sem se preocuparem com os outros. Isso as entristece, pois nas florestas elas se preocupam e se solidarizam formando uma só família e constituindo uma sociedade justa e igualitária, respeitando as individualidades e a essência de cada sujeito que as constitui.
Nas raízes das árvores estão todos os seus pensamentos e emoções. Através delas as árvores são capazes de ouvir, falar, sentir e comer. São nas suas raízes onde ficam as suas experiências e vivências. É lá também onde se processam os seus pensamentos em relação a nós e ao mundo.
Já pensou se pudéssemos compreender os palavrões que as árvores nos dizem quando lhes causamos mal? Sim, porque elas não são tão certinhas que não possam dizer palavrões. Elas também sentem as coisas e podem se ofender por demais. Existem árvores capazes de perder a “cabeça” por uma simples tolice nossa. Já pensou você sendo xingado por uma árvore? Seria merecido se você é um daqueles que só pensa em tirar vantagem dela sem nunca lhe proporcionar um carinho ou cuidado.
A subjetividade é formada através das crenças e valores do indivíduo, com suas experiências e histórias de vida. Não sabemos quais as crenças das árvores, mas elas devem ter. Podemos identificar as experiências e histórias que já viveram.
Há árvores seculares que já viram passar por elas reis, rainhas, príncipes, mendigos e cristãos. Árvores que já puderam contemplar a paz e as guerras. Aquelas que guardam histórias de arrepiar cabelos de meninos.
E não pense você que as árvores não têm crenças e valores. Elas crescem observando o mundo exterior, ou seja, como as coisas se comportam ao seu redor. Conforme vão crescendo vão observando a forma como a sociedade se comporta e criando para si essas crenças individuais. Os valores são absorvidos conforme os seus contatos com os homens.
A nossa subjetividade trata-se da maneira como sentimos, pensamos, imaginamos, amamos e odiamos. Nossas experiências são formadas conforme a maneira que vimos o mundo cultural, social e político ao nosso redor. Não me refiro aqui ao mundo das árvores, ou seja, das florestas. Porém, a relação das árvores com os homens, mundos diferentes que ao mesmo tempo se relacionam através da recíproca que ambos compartilham.
Compreender a subjetividade das árvores vai muito além do que um estudo psicológico ou filosófico. É necessário, como sempre digo, se despir de toda construção técnica, de todo conhecimento científico e quando digo ciência faço referência àquela que precisa de experimentos, observações e métodos para ser comprovada.
Não posso comprovar que as árvores têm subjetividade através das ciências empíricas, mas posso dizer-lhe, querido leitor, que você nunca vai encontrar uma mesma árvore em lugar algum do mundo.
A subjetividade das árvores se constrói na sua relação com as demais e com as coisas ao seu redor. Não é uma construção solitária. Ela se forma através das experiências e das vivências que a árvore sofre ao longo da sua vida. Com o passar do tempo as suas opiniões e crenças podem ser modificadas, iguais às dos homens. Nem sempre as árvores nos darão sombras e frutos, elas podem mudar o sabor dos seus frutos como também podem mudar a posição das suas sombras.
Nem sempre seremos os mesmos. Mudamos conforme adquirimos experiência. Somos hoje de um jeito e amanhã poderemos pensar de outro. Vai depender das nossas experiências. Se uma árvore que é cuidada o tempo todo, desde pequenina, de repente passa a não mais receber cuidados claro que terá uma nova forma de pensar e sentir.
As árvores e os homens têm os mesmos sentimentos e emoções, a única diferença é que os homens podem ir aonde quiserem e elas ficam ali, quietas, no mesmo lugar de sempre a nos olhar com ternura à espera de que as compreendamos.
Para finalizar, deixo vocês com os versos do nosso amado poeta brasileiro João Guimarães Rosa que nos diz:
“Eu estou só. / O gato está só. / As árvores estão sós. / Mas não o só da solidão: o só da solistência.”
Que as árvores, apesar de sozinhas nos seus mundos subjetivos que não são solidão, mas solistência, ou seja, solidão em convivência com quem se ama, e aprender a amar-se a si próprio antes de amar o outro, sintam-se abraçadas nas suas subjetividades.
É isso! As árvores sofrem de solistência! Cuide delas!
Autora: Rosângela Trajano