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Não tomarei partido porque todos os meus amigos estarão certos

Neste ano eleitoral teremos de optar: manter amizades ou assumir publicamente um candidato a presidente. Um colega e amigo já foi claro: quem não acompanhar o voto dele não será mais seu amigo. Por quê? Porque ele tem absoluta certeza de que está certo em sua escolha.

Como o sol na foto de meu amigo Juarez Lopes, um ano vai e outro vem. E eu estou parafraseando Mel Brooks, que, aos 95 anos, escreveu em sua autobiografia: “Nunca tomo partido porque todos estão certos”.

Neste ano eleitoral teremos de optar: manter amizades ou assumir publicamente um candidato a presidente. Um colega e amigo já foi claro: quem não acompanhar o voto dele não será mais seu amigo. Por quê? Porque ele tem absoluta certeza de que está certo em sua escolha.

O problema – ou a solução – é que nosso voto tem a ver com nossa história de vida. Inclusive, mantê-lo secreto também. O silêncio sobre política pode, sim, na atual conjuntura maniqueísta, significar a opção pelos amigos.

Esse é um dos meus “bons propósitos” para o ano de 2022. Não sei se vou conseguir.

Essa questão me fez lembrar de uma situação vivida em dois momentos: na adolescência e no velório do meu pai. Deu o acaso de eu estar junto quando meu pai – ele foi prefeito por duas vezes – recebeu em sua casa um amigo que fora avisá-lo de que não votaria nele.

Um homem influente em uma vila da cidade achou melhor contar de viva voz do que deixar a informação chegar por outros, na forma de fofoca. Meu pai disse que ele tinha suas razões e que não havia qualquer problema. Seguiram conversando sobre outros assuntos, rindo e se despediram numa boa.

Assim que ele deixou nossa casa, estabeleceu-se uma polêmica: a reação amistosa era a atitude correta? Afinal, havia uma disputa eleitoral.

Meu pai reafirmou em palavras o que havia mostrado em atitude: a amizade tinha mais valor que a disputa política.

Os anos se passaram, muitos anos, e na noite do velório do meu pai, um homem de bastante idade aproximou-se e perguntou se eu era filho do Wolmar e se eu era o adolescente assim assado… “Sim, lembro-me do senhor porque sua atitude provocou debate na nossa família”, respondi. Disse-me ele que conquistou, na época, a admiração de seus familiares e de muitos na vila em que morava: o sujeito que teve a coragem de ir à casa do candidato dizer que não votaria nele.

E assim foi até o dia da votação. Porém, a fila foi andando, andando, e quando chegou a vez de ele depositar o voto na urna… “Não consegui não votar no Wolmar. Votei no Wolmar e isso me fez muito bem, mas não pude contar para ninguém. Ganhara fama… Com que cara contaria?!”.

E com emoção, completou: “Na frente da urna, percebi que o Wolmar e eu éramos muito iguais. Para nós, a amizade tinha muito valor”.

Autor: Jorge Alberto Salton

As árvores aliviam as dores da depressão

Para Kátia Alves que me presentou com uma folha do seu cajueiro e em 04 de outubro de 2021 tirou a sua vida porque não tinha quem compreendesse a sua dor.

Para começar este lindo texto que fala de vida, de amor, de cuidado e de cumplicidade, trago a nossa querida poeta Cecília Meireles em suas lindas palavras “Nunca tive os olhos tão claros e o sorriso em tanta loucura. Sinto-me toda igual às árvores: solitária, perfeita e pura”.

As árvores conhecem a solidão e as dores da alma, por isso elas sabem cuidar de nós e dos nossos sofrimentos de angústia, melancolia e depressão. Escute-as por um minuto ou converse com elas um pouco e descobrirá que não está sozinho no mundo.

No início de 1997, fui diagnosticada com uma forte depressão depois de passar três meses numa grande tristeza, chorando e sem querer sair da cama. A vida tinha perdido o sentido para mim. Viver doía internamente e externamente. Os amigos já não eram boas companhias e o meu trabalho perdeu a graça. Eu sabia que precisava de acompanhamento médico e procurei uma psiquiatra. O diagnóstico veio depois de algumas consultas e eu fiquei perdida.

O tempo passou. Os amigos já não tinham mais paciência para comigo. Todos se foram e fiquei sozinha no mundo. Não parecia fácil lutar sozinha contra uma doença que nos maltrata e que não entendemos o motivo de tanta tristeza, dor e lágrimas. De repente, me vi sem ter com quem falar sobre as minhas dores e os meus desesperos.

Lembro-me que morava, nesta época, num condomínio chamado Parque das Palmeiras e que existiam muitas árvores próximas dele. De frente ao meu prédio tinha uma mangueira enorme! Eu era rodeada de árvores.

Sem amigos, com a vida destruída, coração despedaçado e a alma angustiada eu ficava deitada na cama o dia inteiro. Era difícil levantar-me para ir à cozinha ou ao banheiro.

Rede de Proteção à vida (RPV), divulgação.

Tudo era difícil. Qualquer coisa que exigisse o mínimo do meu corpo eu achava cansativo. A dor só aumentava com o distanciamento dos amigos. Todos se foram porque não suportaram ver o meu fracasso. Sem dar por mim havia as árvores do meu condomínio que faziam um tapete de folhas ao seu redor para que pudéssemos passar.

Era uma quarta-feira nublada, lembro-me bem, e parecia mais um dia como qualquer outro quando desci do meu prédio para ir à médica. Só que olhei para a mangueira gigante de frente para mim. Não havia ninguém na rua. Nunca tinha gente na rua naquele local. Naquele dia eu falei para ela que venceria a depressão. Que seria mais forte do que todos pensavam e sairia daquela situação. Fui e voltei da médica como sempre com receitas de medicamentos nas mãos e conselhos de que ficar em casa só prejudicaria mais ainda a depressão. Eu precisava fazer amigos.

Lá de cima eu via a mangueira, mais precisamente do décimo primeiro andar. Ela parecia sozinha igual a mim. No meio da multidão ninguém ligava para ela. Era apenas mais uma árvore que dava sombra, frutos e espalhava folhas ao seu redor. Eu decidi vir fazer companhia para a árvore naquela noite de outono bonita. Cheguei perto dela com timidez e fiquei quieta. Sem nada dizer. A árvore me olhava. Ela sabia que eu não estava bem.

Como sempre, as árvores conseguem nos entender só pelo olhar. Nada precisamos lhes contar. Eu comecei a chorar. Um fruto caiu perto de mim. Depois mais outro. Folhinhas começaram a cair dos seus galhos. Eu senti que ela queria falar comigo.

Num ato de desespero eu abracei a árvore por um bom tempo. Ficamos ali abraçadas olhando para a noite bonita com céu estrelado. Comecei a chorar e contei todas as minhas dores para ela. Eu não sei o motivo, mas vez ou outra achava a árvore parecida com a minha médica que só fazia me ouvir. A única diferença é que a árvore parecia mais amiga, mais próxima da minha alma, mais necessitada de mim. E pela primeira vez dei por mim que havia alguém com mais solidão e tristeza do que eu.

A árvore precisava dos meus cuidados assim como eu precisava dela. Depois de conversar todas as minhas dores para aquela mangueira frondosa senti um grande alívio no peito e fui me deitar. Daí por diante, começou uma grande amizade entre nós duas. Eu não passava mais pela árvore como antes. Nem ela me deixava passar despercebida. Nos cumprimentávamos.

Peguei o costume de levar um livro para ler embaixo dela quando estava de folga na maioria das minhas tardes. Senti que a árvore queria saber o que eu lia e comecei a ler poemas para ela, mais precisamente poemas de Fernando Pessoa e Florbela Espanca que combinavam conosco.

A árvore começou a filosofar junto comigo. Depois passei a desenhar embaixo dela e senti do alto dos seus galhos e caule grosso ela me pedir para que a desenhasse de várias formas. E fiz vários desenhos da árvore. Quando eu chorava diante dela sentia que queria de algum jeito me proteger e jogava folhas sobre o meu corpo. A partir daquele dia, descobri que aquela mangueira frondosa estava me curando da depressão porque ler um livro, fazer um desenho ou escrever um poema eram coisas que eu não fazia há meses.

Aquela árvore além de ser a minha única e melhor amiga porque me escutava sem críticas e comentários tolos, porque não achava ruim que eu a abraçasse chorando e vez ou outra quisesse desistir de tudo sabia como ninguém curar as minhas dores. De fato, passados alguns anos eu consegui vencer a depressão. E não foi nenhum remédio, psiquiatra ou psicólogo que me curou, mas o meu diálogo todos os dias com aquela árvore amiga e cuidadosa onde eu me sentava para receber a sua sombra, os seus frutos e limpar as suas folhas secas.

Sim, as árvores sabem aliviar as dores da depressão. O relato acima não é fictício. Eu o vivi. Eu sou a testemunha de que as árvores são grandes terapeutas. Se acaso você se sente triste, solitário e não vê mais sentido na vida procure conversar com uma árvore perto de você. Abrace a árvore. Conte para ela das suas tristezas e dores.

As árvores são grandes amigas quando lhes damos atenção. Elas sabem o momento exato de nos dar uma resposta. Os seus abraços são os melhores do mundo porque podemos abraçar-lhes com muita força que não vão reclamar.

É como uma terapia com um analista conversar com uma árvore. Elas ficam silenciosas e só nos ouvem. Nós acabamos descobrindo as nossas próprias respostas. É preciso saber interpretar os cuidados das árvores. Apesar de também viverem sozinhas e abandonadas, muitas vezes, elas sabem como ninguém do que lhes falamos e contamos.

Claro que não vamos abandonar as pessoas de carne e osso pelas árvores, mas nas horas difíceis em que nos vemos sozinhos no mundo e temos uma árvore perto de casa é com elas que podemos desabafar e falar dos nossos sentimentos e emoções. Elas nunca se cansam de nos ouvir. Não reclamam de que sejamos falantes ou silenciosos. Seus galhos conseguem nos ninar balançando pra lá e pra cá. E se ouvirmos com atenção elas até cantam para nos embalar em seus galhos finos e podermos dormir embaixo dos tapetes das suas folhas ou encostados nos seus troncos grossos.

Dizem que ter um amigo na terra é um tesouro e eu lhes digo mais quando esse amigo é uma árvore o tesouro parece encantado e mágico. As árvores são como as mães, elas se sacrificam por nós. Elas são capazes de morrerem para nos ver felizes. Você não precisa nem conversar em voz alta com as árvores para que não lhe chamem de louco ou maluco, basta ficar perto delas, basta lhes demonstrar carinho e cuidado que em troca elas serão grandes companhias.

O filósofo francês Michel de Montaigne tinha um grande amigo chamado de La Boétie para quem escreveu o ensaio “Da amizade” eu tenho a minha mangueira no quintal da minha casa para quem escrevo todos os dias poemas tristes e alegres conforme o estado do meu espírito. Já o filósofo Cícero nos perguntou “Existirá algo mais agradável do que ter alguém com quem falar de tudo como se estivéssemos falando conosco mesmos?”

Acho que só com as árvores podemos nos sentir assim a não ser que você tenha amigos como os de mamãe que contam sessenta ou setenta anos de amizade. O problema é que não temos mais tempo para os amigos e os laços de amizade agora são líquidos.

Sabe aquele amigo que você queria sempre disponível? Pois bem, assim são as árvores. Elas estão sempre no mesmo local à nossa espera. Nunca estão ocupadas. Nunca estão cansadas. Nunca dormem ou ficam emburradas. Sem contar que entendem muito bem as dores da depressão porque quando estamos muito tristes e não sabem como resolver a nossa tristeza elas acabam ficando tristes junto conosco deixando os seus galhos caírem e as suas folhas secas se espalharem por todos os lugares.

Ah! se soubéssemos o quanto as árvores podem aliviar as dores da depressão, visitaríamos menos os consultórios psiquiátricos e faríamos menos análises. Se valorizássemos essas árvores que vivem perto da gente e estão ali prontas para nos ouvir sem censuras e sem comentários que muitas vezes só doem mais ainda dentro da gente abrindo a ferida cada vez mais tenho a certeza de que haveria menos suicídios e mais pessoas felizes no mundo.

Eu fico triste quando sei que alguém tirou a sua própria vida por causa da depressão quando ao seu lado tinha uma árvore que podia ter lhe salvado, bastava ter sido vista com os olhos de quem necessita de cuidados.

Não! Eu não quero que você largue o seu tratamento psiquiátrico ou a sua análise terapêutica. Isso também ajuda no tratamento da depressão. Eu só quero que você saiba que é possível sentir alívio da depressão conversando com uma árvore todos os dias ou quando sentir vontade. Pois comigo foi assim. Ainda é assim quando chego no quintal da minha casa e converso com o meu cajueiro. Quanto mais formas de tratamento você encontrar melhor será.

Nas árvores a gente sente que é acolhida como o carinho de uma mãe que se preocupa verdadeiramente conosco. A gente pode contar os mais bobos pensamentos para elas, chorar até se cansar ou ficar horas abraçados aos seus troncos que não vão se importar.

E quando abraçamos as árvores recebemos da natureza, da mãe Terra e dos deuses a energia necessária para que possamos viver melhor e se ficarmos em silêncio completo e adentrarmos no espírito da sabedoria da vida perceberemos o quanto essa energia nos traz felicidade, amor, bondade, solidariedade e paciência.

Para quem não tem uma árvore em casa ou perto pode ir até um bosque ou parque ambiental. Apesar de o homem está derrubando as árvores para construir prédios e abrir estradas, ainda assim há muitos lugares onde elas existem e são bem cuidadas. Se você experimentar só por um momento fazer isso que eu fiz acima e proporcionar a si próprio uma conversa com uma árvore verá o quão maravilhoso será este momento.

As árvores nos respondem das suas formas e aos poucos aprendemos a decifrar as suas respostas.

Uma árvore nunca lhe deixará na fila de espera para lhe atender. Nem se mostrará aborrecida quando você a deixar por uns tempos sozinha. Sequer vai questionar o que você anda fazendo que sumiu, de repente. Ah! Essas maravilhosas amigas que a natureza nos ofereceu e não sabemos valorizá-las, elas parecem que foram criadas para nos ajudarem nas horas difíceis quando não temos ninguém por perto e a dor da depressão nos invade.

Se a depressão é o mal do século XXI, as árvores seculares são a cura para essa doença, porque cada vez mais não temos ao nosso dispor pessoas que queiram nos ouvir e saibam nos compreender. Nos jogamos nos tratamentos medicamentosos e precisamos passar o resto das nossas vidas tomando pílulas e mais pílulas para sentirmos um pouco de alegria, sim, um pouco.

Se você conseguir ser amigo de uma árvore verá que não é preciso tomar pílula nenhuma para receber a energia da natureza que invade o nosso espírito e nos leva para outros mundos além metafísica capaz de nos dar vontade de viver além séculos. Ficamos tão motivados a viver que queremos pular para o alto na tentativa de alcançar os galhos das árvores para neles nos dependurarmos. Viramos crianças novamente.

Não há mistério ou segredo para se conversar com uma árvore. Basta se colocar embaixo dela e ficar ali quieto. Sem dizer palavra alguma. Se sentir vontade de chorar, chore. Se sentir vontade de abraçá-la, abrace-a. Faça somente o que sentir vontade. A árvore jamais vai dizer que você não é um bom amigo. Quando estiver muito triste e com vontade de sumir para sempre, antes procure sentir a energia de uma árvore sentando-se embaixo dela e contando tudo o que está sentindo. Você verá que a vontade de sumir desaparecerá em segundos.

Quem dá amor também quer receber, não é verdade?

Pois bem, saiba cuidar da sua árvore. Se ela é a sua melhor amiga seja a melhor amiga dela também ouvindo-a sempre que puder, pois as árvores também conversam dos seus modos. E elas as podem dizer coisas maravilhosas que você nunca imaginou existir ou que elas sentissem. Você pode querer saber se existe árvore ciumenta e a resposta é não. Todas elas são amigas e solidárias. Na mãe natureza só há espaço para as virtudes, pois as árvores não costumam usar de vícios para conquistarem o que desejam.

Sim, as árvores também podem ficar tristes e iguais a nós sentirem angústias e entrarem em depressão, por isso elas conseguem nos compreender tão profundamente, afinal para conhecer a dor do outro verdadeiramente é preciso já ter a vivenciado ou experimentado.

Saiba cuidar e dar amor a sua amiga árvore. Quem sabe ela está precisando de cuidados iguais a você e ambas podem se curar sendo cúmplices no compartilhamento dos afetos.

Nunca se sinta sozinho e mesmo que perto de você não tenha nenhuma árvore, imprima uma foto de alguma que encontrar na Internet e coloque perto de você. Converse com ela sempre que sentir vontade que mesmo à distância ela vai ouvir a sua voz e transmitirá a energia necessária para o alívio da sua dor.

Jesus Cristo dizia ao homem de pouca fé que ele poderia movimentar uma montanha se quisesse, pois eu lhe digo que você pode se curar através das árvores se acreditar nisso. Claro que é preciso crer com todas as forças da sua alma.

Antes de tentar tirar a sua vida, devido a depressão ou a solidão, busque os cuidados de uma árvore, como último recurso para a cura da sua dor que ninguém consegue compreender. Elas nunca pedirão paciência, nunca dirão que é falta de fé, nunca mandarão você rezar ou coisa parecida e o mais importante nunca chamarão você de fraco, ao contrário elas vão lhe acolher em seus troncos e galhos. E tenha a certeza de que a mãe Terra junto com toda a natureza trabalhará pela sua cura.

Para concluir, deixo vocês com o querido poeta Olavo Bilac e os versos do seu poema “Velhas árvores” que nos diz:

 “Olha estas velhas árvores, mais belas / Do que as árvores moças, mais amigas, / Tanto mais belas quanto mais antigas, / Vencedoras da idade e das procelas… / O homem, a fera e o inseto, à sombra delas / Vivem, livres da fome e de fadigas: / E em seus galhos abrigam-se as cantigas / E os amores das aves tagarelas. / Não choremos, amigo, a mocidade! / Envelheçamos rindo. Envelheçamos / Como as árvores fortes envelhecem, / Na glória de alegria e da bondade, / Agasalhando os pássaros nos ramos, / Dando sombra e consolo aos que padecem!”

Que possamos envelhecer com a vontade de viver muitos séculos e rindo das coisas mais bobas da vida porque a depressão não mata quem tem como amiga uma árvore tagarela.

Autora: Rosângela Trajano

Ver o olhar

Os olhos abertos pode ser que estejam só olhando e vendo pouco. Há muitos olhos que olham bem, mas que não veem quase nada.

Educar a visão é uma tarefa muito exigente e pode levar uma vida inteira para adquirir este aprendizado laborioso. Ver é um aprendizado que exige paciência e habilidade pedagógica. Ensinar alguém a ver é muito mais do que ensinar a olhar.

Aprender a ver, em sua amplitude, está para além do olhar. Pode parecer um paradoxo, mas muitas vezes o olhar não se encerra no ver. “Como me espelho no olhar do outro? Como o outro se espelha no meu olhar?”

Ver é a capacidade de dirigir o olhar para realidade que nos circunda. Um olho “defeituoso” pode impedir o olhar, mas não o ver. O ver é interno. Já o olhar é externo. O primeiro está voltado para apreensão do visto e o segundo está voltado para as apresentações fenomênicas. O ver e o olhar sempre implicam numa densidade intrapsíquica. Acostumamos o olhar e, muitas vezes, vemos pouco.

As descobertas e as criações intelectuais são, em sentido estrito, aprender a ver as mesmas coisas com olhares novos. Já nos ensinava Merleau Ponty que filosofar é aprender a ver o mundo. Isto significa dizer que o ver não é uma questão fisiológica estrita, mas implica uma educação noética.

O ver da inteligência não é um olhar para fora, mas é sempre um ato reflexivo do visto. Olhar duas vezes não significa passar pelas coisas que se nos apresentam fenomenicamente.

A reflexão não é algo espontâneo, mas é um trabalho cognitivo que exige tempo e paciência para filtrar aquilo que “entrou pelas nossas retinas” e que nos traz inquietação espiritual e curiosidade intelectual.

O exercício espiritual exige, “ver com os olhos fechados”. Ver com os “olhos fechados” é ampliar a visão. É ir além da consciência intencional que sempre procura descrever o que viu. Por isso ver não é nominar as coisas do mundo, mas perceber o que as coisas do mundo nos dizem.

O ver não é uma passividade epistêmica frente ao mundo fenomênico, mas uma atividade reflexiva sobre o fora e o dentro das coisas. Uma coisa é olhar as coisas extrinsecamente e outra coisa bem diferente é ver a realidade intrinsecamente.

A relação entre o ver e o olhar exige um “terceiro olho” que é a instância que nos leva a ver o próprio olhar, no ato de ver. Não há nada mais emocionante para a inteligência quando ocorre a proximidade dos olhos para ver os olhares singulares. Ver o próprio olhar.

Olhar falando e falar olhando é o ato contemplativo genuíno da razão apaixonada e da emoção inteligente. Mas isto só acontece quando se consegue ver o olhar numa proximidade infinita entre dois ou mais olhares.

Um olhar penetrante tem muito mais força cognitiva do que uma cifra de muitos silogismos bem articulados e demonstrados logicamente. O ver da inteligência não acontece só com o desempenho da gramatologia, mas acontece quando se abre para a alteridade que vem de fora sem os “laços conceituais.” Aprender a ver significa ler o mundo com “as lentes” do intelecto.

Os olhos abertos pode ser que estejam só olhando e vendo pouco. Há muitos olhos que olham bem, mas que não veem quase nada. É por isso que muitas vezes não adianta limpar as lentes, mas é necessário trocar os óculos.

Há muitos cegos biológicos que veem melhor o mundo do que aqueles que têm os olhos em perfeita saúde. Aprender a ver é recolher para dentro do interior da psique os mistérios insondáveis do mundo, que só enxergamos quando este se mostra. Ver bem é captar o olhar que vê.

Autor: José André da Costa, msf

Primavere-se!

Inspire-se com a estação das flores, das cores e dos amores

Sinta o perfume que está no ar

Curta a liberdade de correr, de andar e de pular:

de bola, de bicicleta e de piscina.

Aprecie como a natureza revela a sua beleza

 e como as pessoas se mostram belas também

Para ter paz e felicidade,

é preciso amar a si mesmo, aos outros e a natureza.

Primavere-se!

*Esta poesia foi uma construção do professor com estudantes do terceiro ano da EMEF Benoni Rosado, em Passo Fundo, RS, na primavera de 2018, Projeto Filosofia.

Autor: Nei Alberto Pies

O silêncio das vilas

Olhando de longe, parece-me que as vilas, neste período eleitoral, estão muito quietas. Apenas alguns poucos eufóricos saíram para o limpo. Fora isso, prevalecem as conversas reservadas ou ao pé do ouvido. Essa silente conduta das vilas é enigmática. E é exatamente nesse silêncio que poderemos encontrar muitas respostas.

Quando há uma bipolarização no cenário político, além de um divisor ideológico, também observamos condutas distintas de parte a parte. Uma turma fala mais alto e expõe os seus pensamentos abertamente. O outro lado fica mais acanhado, como se estivesse sob ameaça.

Isso faz lembrar uma época em que apenas era permitido enaltecer um grupo, enquanto as ações do outro lado tinham características da clandestinidade. Na cabecinha de uma criança, isso pode representar um faroeste com rótulos de mocinhos e bandidos.

Agora, com essa divisão, nos colocaram numa sinuca de bico. E, nesse jogo de bilhar, o risco não é apenas cair na caçapa. Sim, tem gente bicando ou usando o bico para muita trela. Ou treta!

Porém, certamente, a abertura do bico é uma conduta que serve de parâmetro para compreensão do momento. Assim, voltamos àquilo que a qualificação imaginária define como bonito ou feio. Em outras palavras, o que é ou não é politicamente correto no momento.

Ora, a dimensão dos bicos não está na mídia, nem nas redes sociais e muito menos nos debates públicos. O mais preciso termômetro não tem rótulo partidário, imagem preparada ou posição social. É a maneira como os bicos se comportam próximos ao seu ninho. Essa vitrine encontramos nas bodegas da vida e nas conversas pelas cercas entre vizinhos. É o papo informal que corre solto nas vilas. Centro ou periferia, o comportamento é quase o mesmo. Uns falam mais, outros menos.

Porém, é nas vilas que encontramos maior autenticidade na maneira de ser. Isso também vale para avaliar o momento político.

Se o resultado não tem valor científico, a lógica coloquial estará sempre acima da sua própria margem de erros. É uma pesquisa empírica embasada na metodologia dos bares da vida.

Olhando de longe, parece-me que as vilas estão muito quietas. Apenas alguns poucos eufóricos saíram para o limpo. Fora isso, prevalecem as conversas reservadas ou ao pé do ouvido. Essa silente conduta das vilas é enigmática. E é exatamente nesse silêncio que poderemos encontrar muitas respostas.

O barulho dos candidatos

Fico abismado ao ouvir buzinas e alto-falantes na campanha política. Nos últimos dias, ocorreram barulhentos desfiles liderados por candidatos a deputado. Além do péssimo exemplo para homens públicos, isso é um desrespeito aos ouvidos alheios.

Para produzir ruídos já temos muitos idiotas por aí. Necessitamos de candidatos com propostas para coibir o barulho.

Políticos, pelo que sei, teriam a obrigação de transmitir educação e respeitar as leis. Barulho é poluição sonora. Candidato que faz barulho é poluidor. E essa contaminação associa a imagem do candidato à degradação. Então, obviamente, meu voto não acompanha a descompostura dessa péssima conduta.

Fonte: https://www.onacional.com.br/opiniao,47/2022/09/28/teclando-28092022,123717

Autor: Luiz Carlos Schneider

Educar para compreender a transcendência

Muito mais que “treinar” para o mercado de trabalho, ou simplesmente fazer de conta que estamos escolarizando as novas gerações, um dos compromissos fundamentais dos educadores comprometidos é pensar a transcendência, para a projeção de um ser humano melhor, para construção de uma sociedade solidária, para a formação de um cidadão comprometido com a vida.

Em seu livro Tempo de transcendência, Leonardo Boff nos diz que o ser humano é um projeto infinito. Apesar da finitude ser inerente à condição humana, pois somos seres que caminhamos para a morte, o homem busca o infinito, e aí reside a dimensão da transcendência.

No dizer de Boff, “somos seres de enraizamento e seres de abertura” (imanência/ transcendência). “A raiz nos limita porque nascemos numa determinada família, numa língua específica, com um capital limitado de inteligência, de afetividade, de amorosidade”. Esta é nossa dimensão de imanência. “Mas somos simultaneamente seres de abertura”, pois ninguém segura os pensamentos, ninguém amarra as emoções, ninguém é capaz de aprisionar-nos totalmente. “Mesmo que os escravos sejam mantidos nos calabouços e obrigados a cantar hinos à liberdade, são livres, porque sempre nasceram livres, e sua essência está na liberdade”. Esta é a nossa dimensão da transcendência que nos possibilita romper barreiras, superar os interditos, ir além de todos os limites.

Poderíamos citar muitas situações de transcendência. Exemplos que emergem do cotidiano, que são narrados na literatura, na poesia, na ficção, na dramaturgia, nas obras de arte, na música.

O próprio Leonardo Boff cita vários na belíssima obra acima referida. Experiências que vão desde o enamoramento até a descrição dramática das memórias de Rudolf Hess, diretor nazista do campo de extermínio de Auschwitz, que mandou mais de um milhão de judeus para as câmaras de gás. Boff capta em suas memórias, escritas antes do seu julgamento em Nuremberg, o momento de transcendência dele. Foi quando mandou para a câmara de gás uma mulher com 5 filhos. A mulher suplicou de joelhos para que ele poupasse as crianças. Ele ficou perplexo por um momento, mas com um gesto brusco mandou que levassem todos. É nesse momento que, no relato das suas memórias, ocorre a transcendência.

Ele comenta: “Aquele olhar da mulher não posso jamais esquecer. Ele me persegue sempre, até os dias de hoje, porque havia nele tanto enternecimento, tanta súplica, tanta humanidade, que eu me senti o inimigo da própria humanidade”. Eis uma profunda e dramática experiência de transcendência, possível, pelo reverso, até no nazismo mais brutal.

Podemos dizer, para finalizar que a transcendência é talvez o desafio mais secreto e escondido do ser humano e, portanto, um grande tema filosófico.

Como nos diz com todas as letras Leonardo Boff, o ser humano “se recusa a aceitar a realidade na qual está mergulhado porque se sente maior do que tudo o que o cerca. Com seu pensamento, ele habita as estrelas e rompe todos os espaços. Essa capacidade é o que nós chamamos de transcendência, isto é, transcende, rompe, vai para além daquilo que é dado. Numa palavra, eu diria que o ser humano é um projeto infinito”.

Pensar a transcendência, compreendida a partir do que foi rapidamente exposto acima, talvez constitua um dos mais importantes papéis de todo aquele que tem a reponsabilidade da formação das novas gerações e uma tarefa intransferível do pensamento filosófico.

Muito mais do que “treinar” para o mercado de trabalho, ou simplesmente fazer de conta que estamos escolarizando as novas gerações, um dos compromissos fundamentais dos educadores comprometidos é pensar a transcendência, para a projeção de um ser humano melhor, para construção de uma sociedade solidária, para a formação de um cidadão comprometido com a vida.

Autor: Altair Alberto Fávero

As nossas crianças não se alimentam bem no Brasil

Eu sofro escrevendo este texto porque sei o que é sentir fome. E quem sente fome não consegue pensar direito, não consegue aprender a ler e a escrever, o seu pensamento cognitivo fica prejudicado e não consegue desenvolver o raciocínio lógico.

Hoje, começo com uma frase da nossa querida escritora Lya Luft que nos diz “As muitas fomes é o que impulsiona o sonho. Fome de nos sentirmos bem na nossa pele de espécie pensante.” Pois bem, penso que quem sente fome como eu senti tornar-se um sonhador ou sonhadora. Concordo com a Luft, as minhas fomes impulsionaram os meus sonhos.

Na infância, senti muitas fomes: a física e a emocional. Eu senti fome de alimento, fome de livros, fome de vestidos, fome de brinquedos e fome de amar. Eu senti tanta fome que cheguei a chorar no meio da sala de aula sem ninguém saber o motivo.

Todas às vezes que sentia fome a minha mamãe mandava eu dormir que passava. Se passava ou não eu não me lembro, mas lembro que sonhava o tempo todo. Eram sonhos lindos para uma menina com a barriga cheia de vermes, apenas. Comida não tinha na barriga.

Até os primeiros meses de vida a criança deve se alimentar apenas do leite materno. É ele que fortalece os laços afetivos da mãe para o bebê assim como lhe traz segurança e conforto. O leite materno é importante não somente para aliviar a fome da criança, mas como fonte de nutrientes e proteção contra doenças que porventura venham a aparecer.

A criança que mama cresce com muito mais saúde. O problema é quando essa mãe não tem leite materno para oferecer ao seu filhinho porque o seu corpo é subnutrido e ela por diversos motivos que incluem a fome e a subnutrição não conseguiu produzir este alimento.

Passada essa fase da amamentação, que vai até mais ou menos os seis a oito meses, tem criança que passa mais tempo, vem uma nova fase que é o alimento do nosso dia a dia que a mamãe ou quem é responsável pela criança vai preparar carinhosamente para que comece a experimentar e sentir o gosto das frutas, papinhas, tubérculos, leguminosas etc.

É importante nessa fase da introdução da nova alimentação que a criança seja respeitada quando não quiser comer o que está sendo oferecido. Há crianças que podem escolher o que comer no Brasil, são poucas, muito poucas, mas há aquelas que vivem em berço de ouro e são criadas com todo o cuidado merecido, aliás cuidado este que deveria ser estendido a todas as crianças do nosso país.

Fica a minha grande questão: e quando não se tem o que oferecer à criança? Nem frutas, nem leguminosas e nem nada. O que ela comerá? Precisará dormir para sonhar com comida na barriga igual eu fazia? Isso não é amor, isso é uma fuga da realidade, um fingimento do ser enquanto essência num mundo cruel onde criancinhas simplesmente morrem de fome porque não têm quem as alimente de verdade. Apenas lhes dão migalhas, como se fossem animais, quer dizer nem animais porque até esses muitas vezes comem bem.

As mamães precisam ter paciência para que a criança vá aos poucos se acostumando com aquele novo alimento e esquecendo o leite materno. Muitas vezes algumas pedem para mamar mesmo estando se alimentando com comidas do dia a dia, principalmente quando estão sentindo algum desconforto como dores de cabeça, cólicas, febre ou até mesmo quando se sentem inseguras por algum problema que desconhecemos. Elas vão chorar e só o peito da mamãe vai trazer conforto e segurança. Isso é normal nos primeiros meses em que a criança está em fase de adaptação.

É preciso saber que, depois dos seis meses de idade, o bebê necessita de outros alimentos para se desenvolver além do leite materno. E por isso a necessidade de introduzir outros alimentos. A introdução gradativa dos alimentos deve ser feita com cuidado e de preferência por um médico pediatra ou por uma nutricionista.

É fato que a criança que tem uma boa alimentação cresce mais forte, inteligente e com desenvoltura para brincar, correr e pular, por isso que desde cedo ela deve entrar em contato com as frutinhas que são excelentes fontes de vitaminas e proteínas sejam elas amassadas ou passadas no liquidificador. Acostumar a criança a comer frutas é muito importante, porque ao passar dos anos ela vai ter o seu apetite preparado para esse alimento tão saudável à vida infantil e adulta.

Educar e acostumar a criança para uma alimentação saudável desde os primeiros anos de idade é de fundamental importância para os pais.

Começando pelo que esses pais comem as crianças tenderão a imitá-los, por isso são eles os maiores exemplos. Não somente as frutas, mas as verduras e legumes também. Pais que só comem comidas industrializadas são péssimos exemplos para os seus filhos. E pais que comem comida do lixo? São o que para os seus filhos?

Infelizmente, enquanto falamos de alimentação saudável, há milhões de crianças neste momento sentindo fome no Brasil e isso é muito triste porque elas não têm nada para comer. Essas crianças não têm escolhas. Comem tudo o que encontram pela frente e algumas vezes passam horas sem comer.

Para mim, é difícil até mesmo escrever este texto quando acabei de dar um pão dormido com uma banana para uma criancinha que passou há poucos minutos pela minha casa pedindo comida. Na verdade, eu gostaria que toda criança tivesse uma alimentação saudável.

A gente vê um baixo nível de aprendizagem das crianças nas escolas do Brasil inteiro pelos índices do IDEB, principalmente nas regiões mais pobres e a mídia televisiva e impressa divulgam essa notícia procurando um culpado sem se dar conta de que o problema é muito maior do que escolas mal equipadas e governos corruptos. O problema está também na alimentação da criança. Sem uma boa alimentação a aprendizagem fica comprometida.

Eu me saía muito mal na matemática na escola. Não que fosse uma má aluna. Era que eu sentia tanta fome que não conseguia compreender direito as continhas que a professora fazia. Quando a professora ensinava algo que exigisse mais raciocínio lógico eu acabava me enrolando e não conseguia aprender porque estava com fome e a fome mexia com a minha mente e o meu corpo.

Uma criança bem alimentada mostra uma melhor disposição para aprender e desenvolver as suas habilidades, ajudando com isso a ter uma melhor concentração. O alimento contribui para um melhor aproveitamento na escola.

A criança precisa ser acostumada a comer feijão com arroz que é o prato preferido do brasileiro, porque segundo crenças populares e isso afirmado pela minha mamãe que tem setenta e sete anos e já criou quatro filhos amamentando e os alimentando logo depois com feijão e arroz fazendo com que todos os quatro crescessem fortes e saudáveis. O problema é que a mãe solo ou os pais assalariados não podem mais comprar feijão com arroz para os seus filhos.

Eu sofro quando falo de alimentação saudável. Eu sofro escrevendo este texto porque sei o que é sentir fome. E quem sente fome não consegue pensar direito, não consegue aprender a ler e a escrever, o seu pensamento cognitivo fica prejudicado e não consegue desenvolver o raciocínio lógico. Gostaria de que toda criança pudesse ser bem alimentada assim que largasse o leite materno. Mas não é isso que vemos no nosso país. E eu sofro com as diversas crianças mexendo em latas de lixo da minha cidade à procura de comida.

Alimentação saudável, querida mamãe ou querido papai, tornou-se na verdade aquilo que você tiver em casa e puder oferecer à sua criança. Não sejamos hipócritas. Não falemos de nutricionistas ou pediatras num país em que há filas enormes para se conseguir uma consulta de urgência num posto de saúde público onde uma criança agoniza nos braços de uma mãe.

A criancinha morre na fila do hospital e logo alguém diz que a causa foi a fome, isso é normal para a maioria das pessoas, é mais uma criança na estatística da fome no país, mas não para mim. Nunca será normal para mim saber que uma criança morreu nos braços de uma mãe na fila de um hospital, de fome.

Como procurar uma nutricionistas porque elas quase não existem em cidades pequenas do nordeste brasileiro? Sequer existe um médico em algumas cidades para atender toda a população de cinco a dez mil habitantes que sofrem com todas as mazelas, quem vai se preocupar com criança com fome? Nutricionista é coisa de rico e ter uma dieta saudável muito mais longe da vida do pobre trabalhador.

Para muitas crianças, o leite materno será o único alimento rico em nutrientes que ela vai receber em toda a sua vida. Quando estiver maiorzinha e puder andar pelas ruas terá que se virá com comida jogada no lixo.

Essas crianças parecem que têm anjos a sua disposição porque nunca adoecem e se ficam doentes a luta pela sobrevivência é tão cruel que não as deixam sequer sentirem que estão doentes, parece que elas não sentem dores físicas, mas apenas emocionais e choram pelas ruas escondidas dos semáforos abertos para os veículos porque não querem mostrar as suas fraquezas. Criança de rua é preciso ser forte e corajosa ou será engolida pela noite que também é faminta.

Num país onde crianças estão morrendo de fome não pode existir diferença de comida saudável para não saudável. Tudo é comida. Acho que deveria ter começado este texto assim. A gente come o que tem para comer, como diz a minha mamãe até hoje para mim.

Escutei muito isso na infância e ainda escuto até hoje com os meus cinquenta e um anos de existência. Dói lá no fundo da alma. Dói querer escrever um texto dizendo que biscoitos recheados, doces e pipocas são prejudiciais à saúde da criança.

O que é mais prejudicial é sentir a barriga com fome. É olhar para um lado e para o outro e não saber a quem pedir comida, porque o papai e a mamãe já disseram que não conseguiram nada naquele dia para trazer pra casa. E por incrível que pareça a comida que é mais prejudicial à saúde da criança é a mais barata e a de mais fácil acesso para ela que são os doces e as demais guloseimas encontradas em qualquer mercadinho perto de casa.

Costumo dizer para a minha mãe que se pudesse voltar para dentro da barriga dela nunca mais sairia de lá. Aqui fora o mundo está difícil para se viver com felicidade e barriga cheia. Quem é feliz com fome, minha gente? Vocês sabem o que significa ter uma panela vazia em cima de um fogão?

A alimentação saudável deve trazer o leite, o pão, o arroz, o feijão, as hortaliças, o peixe, os ovos e tantos outros alimentos diversos para a criança poder se alimentar e se sentir forte o suficiente para sair por aí brincando feliz com os seus amiguinhos, tomando banho de rios, subindo em árvores ou empinando papagaios. A criança que se alimenta bem tem coragem para correr e vive a dar recados para os vizinhos mais velhos.

Vejo muitas crianças pelas ruas comendo pastéis oleosos com refrigerantes porque são mais baratos do que uma vitamina de banana, abacate ou mamão acompanhados por biscoitos integrais. Esta alimentação muitas vezes é o seu jantar. Perto de mim tem muita criança que come essas coisas à noite e depois vai dormir. Seus desempenhos escolares são baixos e as escolas culpam os pais por não as incentivarem nos estudos.

Eu me lembro que na minha infância para matar a nossa fome, à noite, a gente ia para as casas que havia terços religiosos e que depois da celebração as donas das casas serviam lanches. A gente só ia para comer e nem ligava de rezar por uma vida melhor. Enchíamos o bucho de suco com bolo e corríamos para casa felizes.

Não era só eu. Além de mim tinham muitas outras crianças com fome nos terços de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, padroeira da nossa Igreja do bairro. Acho que a padroeira sabia da nossa fome porque nunca fomos castigados por participarmos somente dos terços nas casas que serviam lanches. Parece que o povo lá do céu não costuma castigar criança com fome.

Para criancinhas pobres, o bom é que elas possam comer feijão com arroz desde cedo junto com farinha e ovos que ainda são baratos. Se puderem oferecer frutas ou saladas de verduras, para as crianças será muito bom.

Peço para alguns pais que não podem comprar verduras semanalmente que façam uma horta em casa plantando tomates, cenouras, alfaces, cebolas. Aqueles pais que tiverem casas próprias. Sei que muitos não podem plantar porque moram em casas alugadas e vivem se mudando. Nossa! É tão difícil dá uma sugestão porque aí já vem outra que impede o que a gente estava querendo dizer sobre alimentação saudável às crianças.

Para escrever este texto eu fiz algumas leituras e pesquisas na internet sobre alimentação saudável para crianças e vi num desses sites que visitei que na escola os professores deveriam contar histórias sobre crianças que comem bem e não reclamam da comida, mostrar fotos e ilustrações de frutas e pratos às crianças, passar vídeos de comidas saudáveis ou até mesmo cantar músicas com temas sobre alimentos saudáveis. Sim, tudo isso é muito didático e cai bem nas escolas onde as crianças podem ser alimentadas em casa com boas comidas.

O problema é que a maioria das crianças só faz uma refeição bem-feita durante todo o dia que é a da merenda escolar. É essa merenda que ajuda a criança muitas vezes a continuar na escola. A merenda escolar na educação básica não devia ser apenas uma e eu já falei nisso em outros textos meus. A criança deveria comer ao chegar na escola, na metade do horário das aulas e no final das aulas. Assim, ela teria garantido um pouco de energia nutricional capaz de aprender a interpretar um texto ou fazer um continha.

Os nossos alunos da educação básica estão tirando notas ruins no IDEB não é porque não sejam bons ou não tenham bons professores. O problema está na alimentação.

Quem não se alimenta bem não consegue fixar conhecimento, memorizar, raciocinar logicamente. Não é o ensino que é ruim, o professor que é fraco ou a escola que não tem boa estrutura predial para oferecer um bom ensino. Nada disso. O problema começa muito antes da criança chegar à escola. O problema ela traz de casa e vem buscar esperança na escola. Tudo se resume na palavra que mais dói para eu escrever, a FOME.

E no dia que nossos governantes perceberem que com fome nenhuma criança vai conseguir aprender nada de verdade eles passarão a dar mais atenção para a merenda e para a comida saudável da criança que esteja sempre presente na mesa da sua casa. Qual criança vai deixar de comprar um sanduíche gostoso para comprar um livro com uma história linda mesmo que seja o livro que ela sempre sonhou ler se sente a sua barriga roncando de fome e o sanduíche está ali prontinho para ser comido? Não temos a cultura da leitura, mas sentimos fome, e muita.

Alimentação saudável para minha mamãe é tudo aquilo que podemos comprar com o dinheiro que temos depois de pagarmos as nossas dívidas porque pobre não pode além de sentir fome ter o nome sujo no comércio. Neste caso, para a minha mamãe vale mais a dignidade de ter o nome limpo do que está com a barriga cheia.

Charles Darwin dizia que “a luta pelo alimento para a manutenção da vida é um dos principais mecanismos da seleção natural na evolução das espécies. A incapacidade de o homem se alimentar plenamente estaria, então, relacionada aos limites impostos pelo ambiente natural.” É esta seleção não mais natural, mas fonte de desigualdades sociais que dita quem pode comer bem e sobreviver e quem não pode comer nada e consequentemente morrer de fome.

O malthusianismo, fundado na relação homem-natureza, considerava (e ainda considera) a fome e a miséria como resultantes da violência contra a lei natural da vida, motivada pelos próprios pobres. Segundo esse pensamento os pobres são culpados pelas suas fomes por não saber onde buscar os seus alimentos ou por não saber que eles são o necessário para as suas sobrevivências. É como se as pessoas fossem ignorantes ao ponto de não saberem que se não comerem morrerão de fome.

Já para Paul Singer ele nos diz que “A fome endêmica é antes de tudo um problema de falta de dinheiro. As pessoas que sofrem desse mal não se alimentam adequadamente porque não têm dinheiro suficiente pra comprar comida. Há dados abundantes para o Brasil de pesquisas de orçamento familiar.  Todas demonstram nitidamente que existe uma correlação perfeita entre níveis de renda e níveis de alimentação. De tão óbvio, seria até ridículo afirmar aqui, se não fossem as dúvidas muitas vezes levantadas até por especialistas, de que as pessoas não sabem se alimentar bem, e com os parcos recursos compram pinga, televisão, cigarros etc. e assim continuam subnutridos. Tal raciocínio leva à conclusão de que nosso problema não seria a renda das famílias e sim suas falhas na educação, repetindo-se aquela famosa estória de que é pela educação que tudo se resolve.”

Discordo de Singer. Conheço famílias que são tão pobres que não têm dinheiro sequer para comprar uma garrafa de pinga ou uma carteira de cigarros. As suas crianças vivem com a ajuda de pessoas caridosas sejam vizinhos, estudantes universitários, organizações sem fins lucrativos, pessoas voluntárias, que passam todos os dias nessas casas e deixam alguma coisa para que possam comer.

Ao invés de Singer dizer de que é pela educação que tudo se resolve eu diria que não só pela educação, mas pelo sistema que tudo se resolve, sistema esse que envolve a sociedade, os governantes e a cultura dos povos.

A educação é o primeiro passo a ser dado, mas como já falei aqui não é possível aprender o básico que é português e matemática estando com fome. Antes da educação vem a alimentação, ou seja, o prato de comida.

Desculpem-me, meus leitores queridos! Eu queria ter falado sobre alimentação saudável na infância, mas fui tomada por uma onda de indignação, revolta e raiva ao lembrar da menina faminta que passou pela minha casa ainda há pouco pedindo comida. Atrás dela não vinha ninguém, mas lá na frente tem um monte delas que nunca vai fazer distinção entre alimentação saudável ou não, elas só vão querer encher a barriga e parar de sentir fome.

Se um dia a gente conseguir acabar com a fome no Brasil, outra vez quem sabe eu consiga escrever um texto sobre alimentação saudável.

Quero abrir um parêntesis para dizer que não é só a criança largada nas ruas que sente fome. As crianças que têm um lar onde morar e pais carinhosos e amáveis também sentem, sendo que esses ainda têm um pouco de dignidade e forças para trabalharem e buscarem juntar dinheiro para trazer comida para casa. Muitas vezes não conseguem o dinheiro suficiente para o arroz e o feijão, mas se contentam com um pedaço de pão e um copo de refresco industrializado.

Outro dia, eu estava em um mercadinho do meu bairro e vi uma senhora comprar umas coisinhas e ir para o caixa. Eu fiquei na fila logo atrás dela. Enquanto passava as coisinhas ela torcia para que o dinheiro desse para pagar tudo o que estava no carrinho porque faltou colocar muita coisa que estava precisando em casa. Teve que deixar no carrinho dois pacotes de café e duas barras de sabão. Deu prioridade aos itens de comida mais necessários. Havia uma criança com ela que pedia a todo instante para que comprasse um pacote de biscoitos. A mãe parecia não lhe dar ouvidos. A menina começou a chorar.

A mulher cochichou algo no ouvido da criança que a calou rapidamente. Fiquei curiosa para saber o que a mãe tinha dito para a sua filha que a silenciou tão rápido. As duas foram embora cada uma levando uma sacola de compras nas mãos. A moça ao me atender foi logo dizendo “a mãe sempre engana ela dizendo que a fada vai trazer os biscoitos à noite.” Eu achei bonita e triste a mentira da mãe.

Para finalizar este texto trago uns versos da nossa linda e encantadora cantora e compositora Adriana Calcanhoto que nos diz “Eu gosto dos que têm fome / Dos que morrem de vontade / Dos que secam de desejo / Dos que ardem…”

E que nós possamos gostar dos que têm fome do saber, da felicidade, do amor e não a fome que dói na barriga e nos faz chorar. Que toda fome seja bem-vinda ao mundo da criança, menos a fome da alimentação porque sem comida a gente não é ser, a gente nem chega a ser.

*Este texto faz parte da obra “As fomes das crianças” de Rosângela Trajano, a ser lançado em março de 2023.

Autora: Rosângela Trajano

A admirável vovó que reduziu a infelicidade de duas famílias

Maria Helena, vou chamá-la assim, a avó, vai buscar o neto de seis anos que mora com a mãe em outro estado. Conforme combinado na Justiça, o menino passará as férias com o pai, filho de Maria Helena. Trata-se de um casamento que terminou mal: os ex-casados brigam por telefone, não podem se falar, as famílias criticam-se asperamente.

Maria Helena desembarca do avião e vai para o local do encontro. No horário combinado, a ex-nora não aparece com o menino. Maria Helena vai perder o voo de retorno, terá de trocar a passagem e pousar uma noite na cidade.

Como a maioria de nós em semelhante situação, sente-se irritada. As decepções e a raiva acumuladas há anos tendem a vir à tona e a explodir numa grande briga. Porém, Maria Helena decide evitar o comportamento habitual e priorizar a felicidade do seu netinho.

Antes de tudo, procura entender que a ex-nora, provavelmente, sente raiva ao lembrar-se das decepções que teve no casamento.

Ela deve ser imatura, no sentido de que não capta a rede de relações em que vivemos. Qualquer atitude nossa afeta muita gente. No caso, transferência de passagem, atraso nos compromissos que teria Maria Helena amanhã, afetando terceiros que nada tinham a ver. Por exemplo, teria de desmarcar horário na dentista, atrapalhando sua agenda, e assim por diante.

Maria Helena coloca-se no lugar da ex-nora e deduz que deve ser difícil para ela entregar, por ordem judicial, o menino para o “ex”, o pai. Sabe o quanto é duro para ela, avó, devolvê-lo no final das férias. Deve ser mais duro ainda para quem é a mãe. Deve sentir a irritação proveniente do sentimento de perda.

No dia seguinte, nova combinação de encontro. Maria Helena já fez o check-out no hotel, mas somente após seis horas do combinado a ex-nora aparece. Joga os cabelos bem escovados para trás e, de seu rosto irretocavelmente maquiado, deixa escapar o sorriso irônico: “Como se seu filho nunca tivesse me feito esperar!”.

Maria Helena abraça calorosamente o neto. Apresenta-se para o novo namorado da ex-nora: “Sem lhe conhecer já lhe quero bem. Meu neto falou por telefone muito bem de você. Sinal de que você é um bom homem e o trata bem”.

Volta-se para a ex-nora e diz: “O que são algumas horas de espera em contrapartida a este presente que você me dá?! Poder conviver nos meus últimos anos de vida com um menino maravilhoso como é o teu filhinho. E ele tem muito de você”.

Maria Helena, antes de falar, buscara dentro de si motivos para ter afeto pela mãe do netinho. Expressou algo que sentia.

A bem maquiada ex-nora e seu novo namorado, constrangidos frente à inesperada recepção amistosa, aceitam o convite para um café. A partir desse momento, uma trégua teve início.

Após muito tempo, o menino vê as pessoas adultas com as quais convivia e tinha afeto se relacionarem sem agressão. Surgira uma flor naquele pântano. “Apenas uma flor”, como na foto de Sérgio de Paula Ramos (foto da capa).

O menino relaxa a ponto de dormir sobre duas cadeiras com a cabeça no colo da vovó. Da admirável vovó.

Autor: Jorge Alberto Salton

Não existe sereia negra?

Nossas raízes mais profundas estão na África. Não faz o menor sentido ignorar a sua história.

 “Onde já se viu uma Ariel negra?”, questionou alguém incomodado com o fato de uma atriz negra ter sido escalada para interpretar uma das mais populares princesas da Disney no filme “A Pequena Sereia.” “Ariel é ruiva”, afirmou convictamente. “Não existe sereia negra”, protestou. Então, proponho que da próxima vez escalem uma sereia de verdade.

Desde o dia em que os estúdios anunciaram que a atriz negra Halle Bailey seria a nova Ariel, a produção recebeu vários ataques racistas.

Não foi diferente agora com o lançamento do primeiro trailer. Na manhã do dia 12 de setembro, o vídeo já tinha nove milhões e meio de visualizações, 344 mil likes e, pasmem, 1 milhão e duzentos mil dislikes.

Mas é melhor que os racistas de plantão comecem a se acostumar. Ações afirmativas são cada vez mais frequentes em produções cinematográficas. Muitas outras produções têm substituído atores brancos por negros, não só para interpretarem personagens fictícios como Doctor Who, por exemplo, mas também personagens históricos tidos como brancos.

O irônico é que a mudança racial só incomoda quando escurece, mas quando branqueia, ninguém se queixa, como aconteceu com figuras históricas como Jesus, Cleópatra e Machado de Assis.

Filmes, novelas e séries têm um grande poder na construção de valores sociais, e boa parte desta construção passe pela representatividade. Quem geralmente discorda disso é quem sempre se viu representado e não imagina como é não se ver em nada que consome.

Esse apego exagerado ao fenótipo de personagens fictícios não passa de racismo enrustido.

A reação de crianças vendo pela primeira vez Halle Bailey dando vida à Ariel foi fascinante e viralizou nas redes sociais. Ao ver o tom de pele da personagem, meninas negras se sentiram representadas.

Reação semelhante ocorreu com o anúncio do novo “Doctor Who.” Depois de 39 temporadas e quase 60 anos no ar, finalmente um ator negro interpretará o personagem principal em uma das mais tradicionais séries da TV britânica. Enquanto alguns celebram, outros se mostram incomodados com a escolha de Ncuti Gatwa, para herdar o manto do Doutor.

O ator, que além de negro, também é gay, nasceu em Ruanda em 1992 e com dois anos mudou-se com sua família para a Escócia fugindo de um massacre em massa que ocorreu durante a Guerra Civil em seu país. Formado em arte cênicas em 2013, ganhou fama mundial em 2018, ao interpretar Eric, um jovem gay descobrindo sua sexualidade e identidade em uma família religiosa nigeriana, na série “Sex Education” (Netflix).

Outra série que deu muito o que falar foi Bridgerton. Ambientada em Londres no período regencial, tem em seu elenco atores de diversos matizes étnicos interpretando membros da aristocracia inglesa. O protagonista da primeira temporada da série é um ator negro.

Recentemente, o alvo das críticas ao elenco multiétnico foi “Anéis de Poder”, série inspirada em “O Senhor dos Anéis” de Tolkien. Para alguns, é admissível ver um elfo interpretado por um ator que não seja branco.

Apoio qualquer ação afirmativa que vise a reparação do prejuízo sofrido por populações minoritárias ao longo do tempo. Porém, acredito que outros passos precisam ser dados além de introduzir atores e atrizes de minorias étnicas ou homossexuais em elencos predominantemente brancos e héteros.

Melhor do que uma “Branca de Neve” ou uma “Rapunzel” negra seria criar princesas que fossem negras desde o início. Melhor do que uma releitura histórica em que personalidades notadamente brancas sejam interpretadas por atores negros seria contar a história de personalidades negras em seus contextos originais. Algo como foi feito no filme “A Mulher Rei” estrelado por Viola Davis.

O filme tem como protagonista Nanisca que foi uma comandante do exército do Reino de Daomé, um dos locais mais poderosos da África nos séculos XVII e XIX. Durante o período, o grupo militar era composto apenas por mulheres que combateram os colonizadores franceses, tribos rivais e todos aqueles que tentaram escravizar seu povo e destruir suas terras.

Conhecidas como as Amazonas Dahomey, ou Agojie o grupo foi criado por conta de sua população masculina enfrentar altas baixas na violência e guerra cada vez mais frequentes com os estados vizinhos da África Ocidental, o que levou Dahomey a ser forçado a dar anualmente escravos do sexo masculino, particularmente ao Império Oyo, que usou isso para troca de mercadorias como parte do crescente fenômeno do comércio de escravos na África Ocidental durante a Era dos Descobrimentos, o que fez com que mulheres fosse alistadas para o combate.

Hollywood está em polvorosa! O eurocentrismo está cedendo a uma leitura mais pluralista da história, levando em conta a existência e a rica história de outros povos como os que habitaram a África antes que fossem explorados, saqueados e escravizados por nações europeias.

Nossas raízes mais profundas estão na África. Não faz o menor sentido ignorar a sua história.

À medida que nos afastamos do paraíso, símbolo da integração com o Criador e com o restante da criação, empalidecemo-nos. O frio das longínquas terras para as quais migramos nos clareou a epiderme, mas também resfriou nossa alma. Nossos cabelos ficaram escorridos, pois não precisavam mais reter a água que refrigerava nossas têmporas durante os dias de sol escaldante das regiões áridas do velho continente.

Perdemos o tônus muscular quando deixamos de correr pelas savanas para escapar das feras. Passamos a nos refugiar em cavernas para nos proteger do frio. O fogo agora não nos servia apenas para assar nossa comida, mas também para aquecer nossas noites e preservar a rica herança negra que carregávamos na alma. Os tambores jamais deixaram de rufar. Mesmo sem entender direito o que efeito que causavam na constituição de nosso ser, deixávamos que seu som nos seduzisse e nos pusesse a dançar. Cada canto, cada passo de dança, cada ritual, era um tributo que prestávamos às nossas raízes.

Se nossa mente é grega, nossa fé é judaica, nossas leis são romanas, nossa moral é vitoriana, nossa alma é africana. Se a Mesopotâmia é o nosso berço, a África é o útero no qual fomos formados. Não há como negar!

A melanina que nos falta à pele pigmenta nossa alma. Não é possível disfarçar por muito tempo nossa latente negritude, pois ela ainda vibra ao som dos tambores, se delicia pelo encanto dos sabores e se inspira nos ideais de heróis como Luther King e Mandela.

Nem mesmo a escravidão foi capaz de sufocar o espírito aguerrido que nos habita. Como a fênix, a África renasce das cinzas através de sua arte, para brindar a civilização com sua desaforada musicalidade.

Somos todos filhos da África. Mas numa espécie de Édipo planetário, ensejamos matá-la e nos apoderar de tudo o que ela produz. Queremos sua arte, sua jinga, sua fé, sua fibra, mas rejeitamos sua gente. Cobiçamos as curvas de seus corpos, mas desprezamos os traços de seus rostos. Invejamos sua virilidade, ambicionamos sua força e destreza, mas rejeitamos sua companhia.

Nosso preconceito nos entrega. Revela nossa face mais cruel e indigna. Expõe nossas vísceras fétidas, carregadas de excremento racista.

Fizemos a eles o que Dalila e os filisteus fizeram a Sansão. Vazamos seus olhos quando lhes oferecemos uma educação tacanha, incapaz de fazê-los enxergar criticamente o arranjo social no qual são inseridos. Tosquiamos seus cabelos ao convencê-los de sua suposta fraqueza e inferioridade. Pusemo-los a trabalhar em nossos moinhos, tornando-os meras engrenagens de nosso sistema, lubrificado pelo seu sagrado suor. E por fim, cedemos-lhes (não sem resistência) a ribalta, proporcionando-lhes a ilusão de serem o centro das atenções enquanto nos divertimos à sua custa.

Iludidos são os que pensam que não haverá uma reação. Tal qual o herói hebreu, abraçaram os pilares de nossa cultura, mas em vez de derrubá-los, passaram, na verdade, a escorá-los.

Se quisessem, derrubariam nosso templo, e nos soterrariam sob os escombros de nossa vaidade. Mas surpreendentemente, preferem nos poupar, abençoando-nos com sua presença no mundo, ensinando-nos a resiliência capaz de sorrir e festejar mesmo em face da dor.

Para riscar a África do mapa, teríamos que rasgar os poemas de Machado de Assis, esquecer os solos psicodélicos de Jimmi Hendrix, a voz rouca de Ray Charles, o balanço de Tim Maia e Jorge Benjor, a genialidade esportiva de Pelé e Tiger Woods, os passos de Michael Jackson, o caráter de Joaquim Barbosa, a envergadura ética de Desmond Tutu, o carisma de Barack Obama, o idealismo de Nina Simone e Bob Marley, o empoderamento de Beyoncé, a extensão vocal de Whitney Houston, o humor de Eddie Murphy, o engajamento de Oprah Winfrey, o brilhantismo da atuação de Sidney Poitier, Denzel Washington, Will Smith, Milton Gonçalves, Lázaro Ramos e o inesquecível Grande Otelo, o talento musical de Cartola, Milton Nascimento, Djavan, Alcione, Emicida e tantos outros.

Definitivamente, o mundo não seria o mesmo sem esses ilustres filhos da África.

07 coisas que você precisa saber sobre a África. Assista: https://youtu.be/xx0E5i32uJQ?t=8

Autor: Hermes C. Fernandes

Em busca do sagrado que habita em cada um de nós

“Minha alma, onde estás? Tu me escutas? Eu falo e clamo a ti – estás aqui? Eu voltei, estou novamente aqui – eu sacudi de meus pés o pó de todos os países e vim a ti, estou contigo; após muitos anos de longa peregrinação voltei novamente a ti.”

Este diálogo acima Carl Gustav Jung trava consigo e está descrito em O Livro Vermelho nos leva a muitas reflexões, pois fora escrito por ele em outubro de 1913 numa época em que aos 40 anos de idade já havia alcançado fama, dinheiro, poder, saber e considerava-se muito feliz.

Mesmo tendo presidido por um período a Sociedade Médica Internacional para Psicoterapia e sido um psiquiatra de renome, sempre lhe incomodaram questões da ordem do sagrado, do religioso, e, por incluí-las em sua psicologia, acabou rompendo suas relações com Sigmund Freud. Ainda hoje há, infelizmente, quem diga que religião e ciência não podem andar juntas.

Se fizermos uma leitura deste lindo texto entendendo por “alma” o Eu interior, teremos aí a formulação de uma grande busca à nossa consciência e o enriquecimento em autoconhecimento. 

Este novo encontro – depois de tirarmos o “pó” daqueles lugares por onde andamos e que nos impregnou – sugere que é preciso nos livrar das impurezas que agregamos por onde passamos, dos maus hábitos, das más ideias, maus pensamentos, de toda aquela carga inútil que nos dificulta na jornada. 

Quantas vezes nos afastamos de nossos desejos – de brincar com os filhos, de ficar com a pessoa amada, de descansarmos – em detrimento de exigências do trabalho e de compromissos os quais, no final, não nos levaram ao sucesso, ao dinheiro ou ao crescimento que almejávamos? 

Tempo perdido; é preciso que voltemos ao nosso Eu para um recomeço, e nunca é tarde.  Segue Jung em seu diálogo interior: 

“… mas uma coisa precisas saber, uma coisa eu aprendi: que a gente deve viver esta vida. Esta vida é o caminho, o caminho de há muito procurado para o inconcebível, que nós chamamos divino. Não existe outro caminho. Todos os outros caminhos são trilhas enganosas. Eu encontrei o caminho certo, ele me conduziu à ti, à minha alma.” 

Há um conceito universal chamado “A Jornada do Herói”, o qual caracteriza-se por aquele que sai de suas origens (casa, vila, cidade) e, após partir, submete-se a uma iniciação e vive uma aventura para só depois retornar ao convívio com os seus.

Grandes vultos da história, da mitologia e da literatura vivenciaram este reencontro proposto por Jung, e isto sugere um desafio muito interessante a nós mesmos, partirmos para nossa jornada com a finalidade de nos encontrarmos.

O mundo nos envolve com sua rotina, com os compromissos, com as contas a pagar, a eterna sensação de falta de tempo, e tudo isto nos afasta do sagrado que há em cada um de nós e que muitas vezes fica esquecido. E o que acontece? 

Na maioria das vezes, só paramos e olhamos para nós quando estamos doentes, cansados, com uma vida sem graça.  

É preciso dar o mínimo de atenção a nós mesmos procurando encontrar o equilíbrio que nossa saúde merece para bem vivermos esta vida.

Autor: César A. R. de Oliveira

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