Religião self service

Entra em cena o que chamamos de religião do self service: cada pessoa, como livre passagem pelos corredores desse imenso “centro comercial”, pode escolher o próprio credo, com seus valores, orientações, luzes, palavras – temperando dessa forma o próprio prato religioso.

O processo de urbanização no Brasil e na América Latina, acelerado e desordenado nas últimas décadas do século XX, vem acompanhado de algumas características singulares, de modo particular no que diz respeito à vivência da fé.

No mundo rural, como sabemos, a Igreja Católica, com o templo e respectiva torre situados no centro dos municípios, figurava como uma referência não somente religiosa, mas também sociocultural e mesmo política.

Enquanto no seu interior proferiam-se as orações, novenas, sacramentos e celebrações, em suas dependências ocorriam os leilões, as quermesses, as festas do padroeiro e até mesmo os discursos dos candidatos em vista das eleições. Por outro lado, à sobra do templo e torre, ocorriam encontros de natureza vária, tais como negócios, “jornalismo” boca a boca, contratações diárias para distintos serviços sazonais e, claro, os namoros que depois vinham a ser abençoados no interior da igreja.

No universo urbano, além do cinema e teatro e de uma série de lugares de passeio e lazer, surgem dezenas e centenas de “instituições” que oferecem a mesma “mercadoria” de ordem religiosa.

A religião vai deixando de ser uma herança familiar para tornar-se uma escolha individual. Debaixo do mesmo teto podem abrigar-se familiares de diferentes credos. O pertencimento a determinada confissão religiosa ou paroquial, o qual, no campo, adquiria um imperativo praticamente obrigatório, cede o lugar à busca livre de interesses próprios que dependerão daquilo que cada instituição coloca à “venda”.

No interior do catolicismo, por exemplo, as fronteiras entre uma paróquia e outra, entre uma diocese e outra, borram-se completamente. Primeiro o carro, depois o telefone e agora a Internet e celular permitem participação à distância, sem falar da formação do que poderíamos chamar de “comunidades virtuais”.

Nesse contexto predominantemente urbano da modernidade tardia ou pós-modernidade, três características sobressaem: proliferação e pluralidade dos centros religiosos, trânsito mais ou menos fluído entre eles e a opção livre de temperar o próprio alimento religioso.

Na primeira característica, multiplicam-se por toda a cidade, capitais ou grandes metrópoles, as paróquias católicas, as igrejas protestantes históricas, os templos pentecostais, os centros religiosos de origem africana, o espiritismo, o budismo e o islamismo, com suas mesquitas – sem falar das iniciativas particulares das bênçãos e pregações.

No centro ou na periferia, nos bairros e condomínios nas ruas e avenidas, surgem lado a lado as mais diferentes denominações religiosas. Não é incomum encontrar três, cinco ou mais centros ou templos, enfileirados, cada qual com seus valores, sua visão de mundo e suas orientações específicas.

A segunda característica decorre da anterior. Em lugar de “fiéis” diários ou semanais, como era comum no mundo urbano, as distintas igrejas passam a contar com “consumidores” de serviços. E aqui vale a máxima de que “quem paga escolhe o cardápio”. A estrita pertença a esta ou àquela religião tende a pulverizar-se em um trânsito frequente por várias delas simultaneamente.

Os consumidores do sagrado tendem a buscar aquilo que cada uma pode oferecer: cura, bênção, conforto, consolo, sacramento, prosperidade, auxílio alimentício, organização em vista de melhorias e dos direitos humanos, segurança, sentido de vida, encontros para driblar a solidão urbana, celebrações, cultos, comemorações, oração pelos falecidos, proteção pessoal e/ou familiar, o santo da própria devoção e tantas outras expressões religiosas. Mesmo no interior do catolicismo, os “fiéis” o são não necessariamente com referência a uma determinada paróquia, e sim à busca daquilo do que estão necessitados no momento.

Daí que os movimentos religiosos de diversos matizes, ou até mesmo as pastorais sociais, respondem melhor às suas necessidades imediatas.

A terceira e última característica decorre igualmente das anteriores. Com trânsito livre e frequente entre as denominações e centros religiosos à disposição, os “consumidores” de seus diferenciados serviços passam a escolher naturalmente aquilo que lhes interessa. Isso mesmo, mais uma vez, os interesses pessoais ganham preferência sobre o sentido estrito de pertencimento.

Quase se poderia afirmar que a religião, no universo urbano, constitui um gigantesco shopping center, não concentrado, mas com uma rede capilar por todo o território da cidade, em cujas lojas podemos encontrar tudo o que é necessário desde um ponto de vista do sagrado. Entra em cena o que chamamos de religião do self service: cada pessoa, como livre passagem pelos corredores desse imenso “centro comercial”, pode escolher o próprio credo, com seus valores, orientações, luzes, palavras – temperando dessa forma o próprio prato religioso.

FONTE: www.revistamissoes.org.br/2024/08/religiao-self-service/

Autor: Alfredo J. Gonçalves, cs, assessor do SPM – São Paulo. Também escreveu e publicou no site “Barcos à deriva”: www.neipies.com/barcos-a-deriva/

Edição: A. R.

O que é, afinal, um intelectual?

Nos interessamos em descrever o que é um intelectual e qual o seu papel na sociedade contemporânea. Quando produzimos e editamos conhecimentos, fazemos com intencionalidades, a favor da criticidade e da humanização.

Em entrevista, Umberto Eco foi questionado e esta foi a sua resposta:

“Como definiria o termo intelectual?

“Se por intelectual entendermos aqueles que trabalham com a cabeça e não com as mãos, um bancário seria um intelectual, e Miguel Ângelo, que esculpiu com as próprias mãos, não seria. Nesse sentido, com a chegada dos computadores, qualquer um poderia se considerar intelectual. Mas será que isso faz sentido? Não para mim.”

Para Eco, o verdadeiro intelectual não é definido por uma profissão ou classe social. Ele é aquele que “produz novos conhecimentos através da criatividade.”

O exemplo é brilhante:

Um camponês que descobre um novo enxerto capaz de criar uma nova classe de maçãs está, de fato, realizando uma atividade intelectual. Enquanto isso, um professor de filosofia que repete, ano após ano, a mesma aula sobre Heidegger pode não estar sendo um intelectual de verdade.

A chave, então, é a criatividade crítica: a habilidade de questionar, analisar e reinventar aquilo que fazemos.

“É a única régua capaz de medir a atividade intelectual”, conclui Eco.

Seu pensamento desafia qualquer definição simplista e nos lembra que ser intelectual não é um título — é um compromisso com a originalidade e com o pensamento crítico.

Trecho inspirado na entrevista com Umberto Eco (1932-2016).

Leia mais: Em reflexão publicada no site, professor universitário Altair Fávero analisa a importância da filosofia como antídoto aos idiotas, principalmente os das redes sociais, como já apontava Umberto Eco: www.neipies.com/filosofia-para-nao-ser-idiota/

Autor: Nei Alberto Pies, professor, escritor e editor do site

Edição: A. R.

 Que mundo é este?!

Como textos também dialogam, promovemos aqui uma “conversa” entre dois gêneros discursivos, de dois escritores: a crônica, de Eládio Weschenfelder; e os microcontos, de Roseméri Lorenz. Afinal, se até os textos dialogam, por que todos não podem fazer o mesmo?

Em um mundo cada vez mais polarizado, a experiência dialogal torna-se artigo raro. Entretanto, sua prática é pilar fundamental na busca por uma sociedade democrática, mais justa e fraterna. Sendo assim, em uma época do ano em que a reflexão faz-se mais presente, optamos não só por apontar os problemas que nos rodeiam, mas por “esperançar” dias melhores, em que as soluções nasçam a partir de diálogos que respeitem os múltiplos pontos de vista.

Como textos também dialogam, promovemos aqui uma “conversa” entre dois gêneros discursivos, de dois escritores: a crônica, de Eládio Weschenfelder; e os microcontos, de Roseméri Lorenz. Afinal, se até os textos dialogam, por que todos não podem fazer o mesmo?

 Que mundo é este?!

Por: Eládio Vilmar Weschenfelder

Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo mais vasto é meu coração. (Drummond)

O mundo da mitologia grega era dividido por três reinos e deuses correspondentes: Zeus, que dominava o céu; Poseidon, os mares; e Hades, o inferno, isto é, o submundo da vida e da morte. Lá havia o julgamento das almas em dois grupos: os justos e os ímpios. Os primeiros iam para os Campos Ilísios, mas os ímpios, ao Tártaro, onde eram terrivelmente atormentados.  

Por outro lado, o mundo ocidental moderno parece estar livre dos domínios dos deuses gregos, já que se encontra nas mãos dos humanos.  Quer dizer, saímos do mundo dos deuses – teocentrismo – e entramos no mundo onde o domínio parece estar sob o controle das criaturas humanas, isto é, nos trilhos do antropocentrismo.

Quando se fala de mundo, nos referimos primeiramente ao planeta Terra e a todas as coisas que existem nele, incluindo, é claro, os seres humanos, os animais, as plantas, os ecossistemas em geral, os múltiplos países e suas culturas. É um conceito amplo e abrangente que engloba tudo o que está no entorno. Nesse sentido, por enquanto, a referência é o Planeta Terra, querendo-se dizer que estamos no foco do geocentrismo, tanto que continuamos a nos referir ao sistema solar e ao universo em que vivemos. É o lugar onde ocorrem os fenômenos naturais, como o ciclo das estações, os movimentos dos astros e a existência da vida neste útero denominado Terra.  

Se existe vida tão diversificada noutros lugares, cabe aos cientistas provarem.

O problema é que os homens se julgam muito poderosos, tanto que podem acabar com a vida nesse pequeno lugar em que nascemos e vivemos. Basta que os dirigentes dessa meia dúzia de países apertem os botões do juízo final, tal é o poder de destruição das bombas atômicas e outras ainda mais letais. Dizem por aí que, se uma Terceira Guerra nuclear e mundial houver, talvez sobrem algumas baratas cegas a vagar entre os entulhos. Que barbaridade! 

Poderá haver outra forma mais discreta de destruição do Planeta Terra, também causada pelas mãos do Homo que se diz Sapiens. É por meio do aquecimento global. Basta observar as oscilações de temperaturas extremas, as secas inclementes (inclusive as que atingem os rios da Bacia Amazônica), devido às derrubadas das florestas, aos incêndios devastadores verificados em todos os continentes, as enchentes diluvianas, os tornados, tufões e furacões mundo afora. Isso sem considerar o derretimento das calotas polares e do gelo das cordilheiras. Mesmo assim, dê-lhe consumir combustíveis fósseis, aumentando a quantidade de gás carbônico no ar que respiramos.

Acesse também: O homem (MAN by Steve Cutts) https://youtu.be/RbpL5xGCXx8?t=137

Soma-se a isso tudo, a poluição dos mares, rios e lagos com lixo de todas as espécies, a aplicação de herbicidas e fungicidas nas lavouras, que produzem alimentos também contaminados. Os alimentos orgânicos estão cada vez mais raros e caros, aumentando, por efeito, as doenças, a fome e a pobreza de grande parte da população mundial já tão desassistida.

Quando se imaginava que a maneira de resolver as coisas entre as nações, a volta das guerras, da fome, do genocídio contra mulheres e crianças, vemos o absurdo das guerras entre Israel contra a Palestina, entre Ucrânia e Rússia, tendo-se a impressão de que estamos voltando ao tempo da barbárie em pleno início do Terceiro Milênio.

Quando criança, saudosamente lembro meus pais e professores, médicos e autoridades incentivando a vacina aos filhos, alunos e à população em geral, a favor da saúde e da alegria. Hoje muita gente desacredita do efeito benéfico das vacinas, acreditando nas pajelanças apregoadas e reproduzidas pelas fake news. Assim, velhas e erradicadas doenças voltaram a ceifar vidas de inocentes e incautos. Dá a impressão de que voltamos à Idade da Pedra, acreditando mais em falsos profetas do que nos cientistas e pesquisadores.

Colocando os pés no chão, os modernos meios de comunicação e entretenimento, por mais imparciais que desejem ser, não conseguem ocultar esse mundo contraditório dos conflitos militares com milhares de vítimas inocentes em pleno berço do Cristianismo, a derrubada das florestas, o aquecimento global e a destruição do Planeta Terra, que é a casa dos Homo Sapiens e das demais formas de vida.

Com certeza, isso não é um plano dos deuses. É um desatino dos Homo Sapiens inconsequentes.

Mas nem tudo está perdido, caros leitores, pois há movimentos como a COP20: Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que foi realizada em Baku (Azerbaijão) em novembro de 2024. Se a COP não alcançar os objetivos propostos, isso colocará ainda mais pressão sobre a próxima conferência, a COP30, que ocorrerá no Brasil. Após anos de discussões difíceis e tímidos avanços, será necessário um compromisso mais firme, com metas claras e uma implementação mais efetiva em defesa da natureza e, por efeito, da vida humana no Planeta Terra.

Lamentavelmente, o resultado da Rio+20 não foi o esperado. Os impasses, principalmente entre os interesses dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, acabaram por frustrar as expectativas para o desenvolvimento sustentável do planeta. O documento final apresentou várias intenções e jogou para os próximos anos a definição de medidas práticas para garantir a proteção do meio ambiente.

Belém, capital do Pará, sediará a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), em 2025. A COP é uma conferência global com representantes de centenas de países. O evento tem como principal objetivo conter as consequências da crise climática causada pelo ser humano.

Enfim, a COP constitui mais uma oportunidade valiosa de colocar a Amazônia como ponto de debate, bem como uma janela aberta para mudar a perspectiva conjunta de salvar os homens do planeta Terra da fome e da insensatez. Quem sabe, pensando e agindo assim, estaremos enveredando mais pelo caminho do antropocentrismo panteísta, pois em tudo está a obra de Deus, especialmente naquele que é feito à sua imagem e semelhança.

Acesse também: Panteísmo Como é?: https://youtu.be/79hdRfQnCjo?t=570

Autor: Eládio Vilmar Weschenfelder. Também escreveu e publicou no site “Da caverna à primavera”: www.neipies.com/da-caverna-a-primavera/

MICROCONTOS

Por: Roseméri Lorenz

Equívoco monoteísta

– Pai, onde está Deus?

– Deus mora no céu, neste imenso vale, no rio, nas árvores, em cada pedra desta montanha!

O menino cresce, derruba as árvores, aterra o vale, polui o rio, implode a montanha e, com a madeira e as pedras, constrói, no centro do vale, um imenso templo, tão alto que quase toca o céu. Tudo para honrar a Deus.

Cena natalina 1

Na Terra Santa, um casal foge. Uma criança nasce. Uma luz brilha no céu. Não, míssil não é estrela-guia!

Cena natalina 2

Na Amazônia brasileira, um casal Yanomani foge de garimpeiros armados. O demasiado esforço antecipa o parto. A criança chora. A mãe também, mas de fome. Estrela-guia?

Como seria possível vê-la em um céu coberto de fumaça?

Cena natalina 3

No subúrbio de uma grande metrópole, a chuva cai torrencialmente e a água vai levando tudo morro abaixo. Nos escombros da casa, um bebê nasce. Três homens aproximam-se.

Reis magos? Não, bombeiros.                       

A defesa de Pandora

– Se não me quisessem curiosa, por que me dotaram de tal dom? Em vez de me proibirem de abrir a caixa, tivessem me informado o que nela havia! – bradava Pandora, furiosa.

– Mas, pensando bem, isso será até benéfico à humanidade. Afinal, a busca por soluções para os males levará os homens à evolução. E ainda lhes restará sempre a esperança!

Autora: Roseméri Lorenz. Mestre e doutora em Letras pela UPF-RS. Atua como professora de Língua Portuguesa e Literatura nos ensinos médio e superior. Também já escreveu e publicou no site outras quatro publicações. Segue link de uma publicação sua no site: www.neipies.com/um-desafio-ao-escritor-e-ao-leitor/

Edição: A. R.

Jesus não combina com preconceito

Jesus só demonstrou intolerância para com os intolerantes, aqueles que se achavam tão santos, que ao subirem ao templo para orar, ousavam declarar não serem tão pecadores como os outros. Estes não foram poupados de suas duras e severas críticas. Com a mesma severidade com que julgaram, foram julgados.

Já no começo, Ele mostrou a que veio. Escolheu nascer numa família humilde e em circunstâncias que poderiam ser, no mínimo, consideradas suspeitas. De repente, sua mãe apareceu grávida, e o filho não era de seu pai.

Poderia ter nascido num palácio, mas preferiu nascer entre os animais, acolhido numa manjedoura em vez de um berço de ouro. De fato, Jesus não combina com preconceito.

Ainda bebê, recebeu presentes de magos estrangeiros que não professavam a religião dos seus pais (“magos” é um eufemismo para “bruxos”). Por que hoje Ele discriminaria quem o quisesse louvar, ainda que não pertencesse ao seu povo? Ora bolas, Jesus não combina com preconceito.

Já adulto, foi inusitadamente banhado pelo perfume de uma dama da noite, adquirido no exercício de sua atividade. Jamais se incomodou por ser flagrado andando publicamente na companhia delas e de outros de moral duvidosa. Será que hoje Ele ficou mais seletivo? Jesus não combina mesmo com preconceito.

Nunca usou termos pejorativos para tratar leprosos, mendigos, excluídos, eunucos. Por que alguns dos seus seguidores insistem em usá-los. Não consigo imaginá-lo chamando alguém de “gay aidético”, ou de “leproso imundo”. Ele sempre foi um gentleman.

Tratava com dignidade a qualquer ser humano. E sabe por quê? Jesus não combina com preconceito.

Ele foi capaz de elogiar publicamente a manifestação da fé de um oficial do exército do império que ocupava sua terra. Mesmo sabendo que aquele homem provavelmente era devoto de muitos deuses, Ele não recriminou, mas admirou sua devoção ao criado enfermo. Tudo porque Jesus não combina com preconceito.

Ele escandalizou seus conterrâneos, ao usar uma figura por eles desprezada para ser o principal personagem de algumas de suas parábolas. Para Ele, mesmo um samaritano era capaz de surpreender o mundo com atitudes dignas e motivadas por amor.

Definitivamente, Jesus não combina com preconceito.

Foi flagrado aos papos com uma “nordestina” de sotaque estranho (Samaria ficava ao norte de Jerusalém) à beira de um poço, e mesmo sabendo de seu estilo de vida promíscuo, não a condenou, mas ofereceu-lhe saciar sua sede existencial. Você ainda acha que Jesus combine com preconceito?

Ao escolher seus discípulos, não os censurou por suas ideologias. De fato, entre eles havia publicanos, zelotes e até fariseus, abrangendo todo o espectro ideológico da época. Por que alguns dos seus seguidores atuais apaixonam-se de tal maneira por certas ideologias, que acabam demonizando os que pensam diferente? Quem dera fôssemos como Jesus que não combina com preconceito.

Ao ressuscitar, Ele quebrou todos os protocolos ao aparecer antes às mulheres e enviá-las como portadoras da boa nova aos demais discípulos. Por incrível que pareça, ainda há quem se diga discípulo d’Ele e que pensa que a mulher não deve ter oportunidade no ministério. Parece que Jesus vivia bem à frente do seu tempo e por isso, jamais combinou com preconceito.

Paulo, um dos seus mais proeminentes discípulos, fez eco ao que aprendeu do seu mestre. Tanto que foi capaz de citar poetas seculares em seu discurso, revelando estar desprovido de qualquer espírito discriminatório. Haveria algum erro em citar poetas seculares atuais? Será que isso nos desqualificaria como pregadores? Definitivamente, Jesus não combina com preconceito.

Jesus só demonstrou intolerância para com os intolerantes, aqueles que se achavam tão santos, que ao subirem ao templo para orar, ousavam declarar não serem tão pecadores como os outros. Estes não foram poupados de suas duras e severas críticas. Com a mesma severidade com que julgaram, foram julgados. Para estes, Jesus tinha adjetivos muito especiais, tais como hipócritas, “raças de víboras” e “geração adúltera” (equivalente mais polido de um xingamento muito usado em nossos dias).

Definitivamente, Jesus não combina com preconceito, muito menos com intolerância.

Autor: Hermes C. Fernandes. Também escreveu e publicou no site “Por um amor que vale a pena”: www.neipies.com/por-um-amor-que-vale-a-pena/

Edição: A. R.

O prazer em dar presentes

Para a manutenção da saúde psíquica, funciona a lógica de que é melhor só dar o que se tem ou que esteja ao seu alcance.

Chegados a mais um final de ano, nos deparamos com nossa exigência cultural de comprarmos presentes para trocá-los – ou dá-los – na noite de Natal. Envolvidas em apelos midiáticos, muitas pessoas fazem esforços incríveis para agradar aos seus, mesmo que isto implique em ficar horas em filas e em lojas concorridas disputando mercadorias ou ainda a assumir dívidas que adentrem ao ano novo.

Não diminuindo a importância da humanização que os festejos natalinos propiciam a todos nós, (o que ocorre em boa hora, pois, parece que os acontecimentos diários nos deixam um pouco egoístas e menos sensíveis às dificuldades dos outros durante todo o ano) a valorização que damos para a troca de presentes serve para nos alimentarmos de momentos de prazer e de gratificação. 

Mais do que uma festa Cristã, a noite de Natal, antecedente ao feriado proporcionado, acaba sendo um momento de encontros e reencontros e é usufruída pela grande maioria das pessoas no mundo todo, indistintamente de crença religiosa.

Mas, diferentemente do que o senso comum possa pensar, o Natal não virou uma festa comercial onde o mais importante é a troca de presentes.O ato de trocar presentes ocorre desde que o homem passou a viver em comunidades nos mais variados momentos históricos e é objeto de estudos da Antropologia há anos. Por trás deste gesto, estão implícitos discursos de gratidão, de manifestações de carinho e de amor, de reconhecimento, de desejo de paz, dentre outros.

Tribos e povos muito primitivos há séculos já executavam tais trocas e o continuam fazendo até hoje, tal como presidentes e primeiros ministros quando em suas visitas a outros líderes.

O importante antropólogo francês Marcel Mauss fez um interessante estudo no início do século passado onde, resumidamente, concluiu que as trocas de presentes implicavam em dar, receber e retribuir.Ou seja: dar um presente significa deixar quem o receba na obrigação de retribuir, e isto pode ocorrer com uma nova troca numa ocasião futura (iniciando um ciclo de reciprocidades afetivas) ou nas retribuições de gentilezas daí por diante, pois não é admissível sermos grosseiros com quem nos dá presentes.

E é sobre isto que fundamento a importância das trocas de presentes de final de ano. Até mesmo o endividamento por parte de quem dá é carregado de um significado de necessidade de agradar (mesmo que isto implique em obrigações financeiras por mais algum tempo) mas é um sacrifício que o presenteador entende como válido. O que difere uma pessoa que pelo prazer de dar algo afunda-se em dívidas, de outra, que com parcimônia dá o pouco possível a cada um que lhe é afeto, tem a ver com seus recursos psíquicos. Para a manutenção da saúde psíquica, funciona a lógica de que é melhor só dar o que se tem ou que esteja ao seu alcance.

Mesmo aos contrários às comercializações de presentes nesta época cabe a lembrança de que muitas pessoas vão conquistar seu primeiro emprego em decorrência disto, outras vão conseguir manter suas famílias pelos mesmos motivos, e assim por diante.

O ato de comercializar está inserido em nossa cultura, e o que é mais importante neste momento, é estarmos atentos ao quanto estamos investindo nestas trocas e o que isto tem de significado para nós. Afinal, podemos nos dar durante todo o ano, não sendo necessário esperarmos uma data e uma imposição cultural externa para que façamos algum gesto que signifique que temos consideração por alguém.

Boas Festas!

Que é o Natal? É a ternura do passado,
o valor do presente e a esperança do futuro.
É o desejo mais sincero de que cada xícara se encha com bênçãos ricas
e eternas, e de que cada caminho nos leve à paz. (Agnes Pharo) Leia mais:
www.neipies.com/o-natal-e-da-familia/

Autor: César Augusto de Oliveira, psicólogo clínico. Também escreveu e publicou no site “50 mensagens de final de ano”: www.neipies.com/50-mensagens-de-final-de-ano/

Edição: A. R.

Escola de pensadores

A vida, o conhecimento, é como uma imensa escadaria, em que não conseguimos ver onde termina. Sabemos que a partir de uma altura, poderemos enxergar mais longe.

O conhecimento humano é dinâmico. Sempre foi e sempre será. Uns morrem e outros nascem. Porque?  Porque as crianças satisfazem sua curiosidade perguntando como e para quem? Para seus pais, parentes mais idosos, amigos, professores?

Porque, com o tempo, esta curiosidade vai diminuindo de um modo geral e crescendo em outras? Falta de estímulo? Falta de estimuladores?

A ciência não tem limites de conhecimento. Principalmente, na ciência do saber. Cada um tem suas preferências para conhecer o mundo e seus segredos.

E onde nasce a curiosidade pelo desconhecido? No passado, foi sendo aluno dos grandes pensadores. Nos dias atuais, sem dúvida, é na escola.

Vamos voltar um pouco no passado.

No Rio Grande do Sul ocorreu a construção das “denominadas brizoletas”. Estas são testemunhas da universalização da educação primária no Rio Grande do Sul. As escolas, construídas em madeira, podiam ter apenas uma ou várias salas de aula. O nome popular está relacionado ex-governador gaúcho Leonel Brizola.

Segundo Brizola, entre 1959 e 1962, foram construídas 5.902 escolas primárias, 278 escolas rurais e urbanas e 131 ginásios, colégios e escolas, totalizando 6.302 novas instituições. Multiplicou as salas de aula, criando uma rede de ensino primário e médio que atingiu os municípios mais distantes, inclusive nas zonas do pampa, de baixa densidade populacional.

Abriu 688.209 novas matrículas e admitiu 42.153 novos professores.

Foi uma autêntica revolução educacional.

Bem, este foi o passado.

O sistema educacional continuou evoluindo pelas formações de novos professores, melhores instrumentos de educação, onde verdadeiros pacotes de conhecimento estão à disposição dos professores e alunos. Esta evolução foi excelente, mas será que está sendo suficiente para o mundo que nos espera e a concorrência com a educação de outros estados e de outros países? Não, absolutamente não.

A vida, o conhecimento, é como uma imensa escadaria, em que não conseguimos ver onde termina. Sabemos que a partir de uma altura, poderemos enxergar mais longe.

A grande maioria só tem chance de subir até uma altura. Muitos destes poderiam subir mais alto, mas as escolas primárias, com pequenas mudanças lhes oferecem um somatório de conhecimentos, com poucas variações.

 Cada vez, com mais frequência, há uma crescente mudança nas variadas áreas do conhecimento, como comunicação, de medicamentos, de locomoção.

Enfim, saltos tecnológicos nas mais variadas áreas do nosso dia a dia.

Pergunta: será que nessa imensa dimensão de revoluções tecnológicas, algumas não poderiam contribuir para um salto na educação?

Educação, educação e mais educação é o caminho a seguir. Mas que tipo de educação?

 Por que não formar turmas de” pensadores”?  Só de alunos, não.

De professores e alunos. A educação básica seria a atual, mas parte importante do tempo na escola seria dedicada a fugir do formalismo. Pensar em qualquer coisa, mas pensar e discutir no grupo a viabilidade das ideias.

 Não se busca ideias milagrosas, mas sim ideias que despertem ideias. Podem não servir para uso imediato, mas acostumarão os alunos a pensar na vida adulta.

Difícil? Sim, mas acostumar a pensar em situações diferentes é como uma receita de pão, só com o trigo a massa não cresce, o “fermento” é que a faz crescer. Os frutos dos pensadores não vão revolucionar o ensino, mas darão a estes alunos condições para subir mais alto na escadaria da vida.

Seriam parte dos futuros líderes, que o país necessita.

(este texto foi produzido a partir de proposta apresentada aos candidatos a prefeito municipal de Passo Fundo, antes das eleições de 2024, durante sabatina realizada na APL (Academia Passo-Fundense de Letras)

Autor: Roque Tomasini, Acadêmico APL (Academia Passo-fundense de Letras).

Tempo: o servo da história

Com frequência ouvimos dizer que o tempo é o senhor da história ou da razão. Mas, esta não é a única interpretação possível. Podemos compreender o tempo também como servo dos que fazem a história. E, todos fazemos história, embora nem sempre a façamos como gostaríamos ou deveríamos.

O nosso tempo individual é limitado e irrepetível. O da história, é muito mais amplo e indefinido. A esta história geral, à qual todos nos inserimos, costumamos nos referir com destaque maior. Até a grafamos com letra maiúscula: a História.

Vivemos influenciados e, em grande medida, condicionados ao nosso tempo histórico. Embora seja um tempo com inúmeras possibilidades que não existiam em outros tempos, só podemos viver no tempo de agora. Mesmo que tenha havido um desencaixe radical entre o tempo e o espaço nessa nossa temporalidade, não conseguimos retroagir, retardar ou acelerar o tempo. Não obstante sejamos obrigados a viver esse tempo, não significa que ele nos determine. Portanto, ele não é o senhor absoluto; não reina de forma total sobre nós. Se assim fosse, seríamos apenas uma peça no tempo, qual ponteiro de um relógio analógico.

O relógio é uma máquina de registrar o tempo cronológico. O relógio de sol já era utilizado pelo babilônicos há 5.000 a.C. Mas, o primeiro relógio mecânico só foi inventado em 725 d.C. pelo monge budista chinês Yi Xing. Consistia em um sistema com baldes, engrenagens e queda d’água que demarcava as horas. Ao longo dos tempos, essa máquina de medir o tempo foi adquirindo os mais diferentes formatos, incluindo o Corpus Clock, construído em 2008, em Cambridge, no Reino Unido. Trata-se de um relógio famoso, tendo em cima um gafanhoto gigante que vai “devorando” o tempo conforme ele passa.  

Na mitologia grega, Chronos ou Kronos era o deus do tempo, representado com uma foice, gadanha ou harpe. Um deus que impunha medo por devorar os próprios filhos a fim de que nenhum deles viesse a roubar-lhe o trono. Ao mesmo tempo em que o Kronos vai nos engolindo qual gafanhotos devoram a plantação, há um tempo de outra natureza. É o Kairós, um tempo favorável e agradável, que nos alimenta a esperança. Na mitologia grega, Kairós era o deus do tempo não linear, da boa oportunidade. Para o cristianismo, o Kairós é o tempo de Deus, tempo da graça. Um tempo de caráter qualitativo e não quantitativo. Entre esses tempos qualitativos, está o Advento, caracterizado como um período de espera ativa.

A grande maravilha de viver no tempo é poder dar rumo e sentido ao nosso tempo individual e coletivo. Temos a capacidade e o compromisso de agir e intervir no curto ou encurtado tempo particular em que existimos e no incerto tempo da comunidade humana sobre a terra. Enquanto seres temporais dotados de consciência atemporal e desejantes de eternidade, não nos é salutar parar no tempo. E também não está ao nosso alcance fazer o tempo parar. Mas, podemos, isso sim, construir tempos melhores. Piores também podemos. Porém, será pior para nós que experimentamos esse tempo e poderá sê-lo inclusive para os que vierem em tempos futuros.

Diante dos senhores da História, muitos se rebaixam ou são rebaixados; se humilham ou são humilhados; se escravizam ou são escravizados.

Há senhores que, no mau uso de seu poder, se apropriam de corpos humanos como se fossem objetos e mercadorias. Fazem o mesmo com a Casa Comum, não respeitando os seus tempos. Ao atentar contra as dinâmicas e os direitos da natureza, acabam por produzir e acelerar o caos para todos.

Maus ou bons senhores do tempo e da História podemos ser todos nós. E nesses tempos tem sido tão difícil parar para pensar sobre isso, inclusive porque, como senhores relativos do tempo, temos atropelado a vida como nunca antes na História. Temos reservado pouco ou nada de tempo (o qual segue a nosso dispor) para fazer o que realmente importa para que sejamos mais humanos e fraternos.

De um modo ou de outro, vem chegando mais um final de ano. Tempo em que nos damos conta que o tempo corre ligeiro e é implacável. Ele nos consome sem perdão e sem distinção. E nós continuamos com nossas mazelas, nossas arrogâncias, nossas injustiças e petulâncias… Seguimos com o ódio nosso de cada dia, a guerra, a fome, as doenças dos nossos e de outros tempos; as desigualdades, a agitação, a ansiedade e a depressão; a falta de empatia e a ausência de utopias.

Eis que o Natal vem e já está aí. “Então é Natal, e o que você fez…” cantam perguntando aqui e acolá. Ainda há tempo para fazer um tempo diferente, como Jesus nascido noutros tempos e renascido nos tempos que permitirmos em nossa história sempre desejou. Feliz Natal com esperança e desejos de tempos mais humanizados, solidários e sustentáveis. Que nenhum tempo nos seja em vão. Que tenhamos sempre motivação e coragem para nos colocarmos a serviço da construção de tempos melhores e felizes para todos!

Autor: Dirceu Benincá, professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e autor do livro “Em tempos de ebulição”. Também escreveu e publicou no site “Indiferença política: um caminho perigoso”: www.neipies.com/indiferenca-politica-um-caminho-perigoso/

Edição: A. R.

Homenagem à CDHPF nos 40 anos

O que alimenta os direitos humanos é um misto de aspiração, de garantia e de luta… Mas, o que sustenta a tudo são as aspirações. Elas é que alimentam o querer sempre mais, o querer ser mais, vocação humana, como dizia Paulo Freire.

Meus agradecimentos à coordenação pelo convite para pronunciar esta homenagem. Obrigado a cada uma e cada um de vocês que está aqui para esta celebração. Obrigado a quem nos legou a possibilidade deste encontro. É maravilhoso podermos celebrar juntos os 40 anos da Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo, a nossa CDHPF.

Era 1984. Ainda em vigor a ditadura militar… no último ano do presidente-general; o ano que traiu a milhões de brasileiras e brasileiros com a rejeição da emenda das diretas pelo Congresso e a frustração de um dos movimentos cívicos mais importantes da história recente – o grande movimento pelas diretas já, que levou milhões às ruas em todo o país, e milhares também em Passo Fundo.

1984 seria o ano de realização da distopia de George Orwell que deu nome a um de seus livros mais famosos (1984), publicado em 1955, que, em nosso país veio, a se realizar, não sem adaptações e parcialmente, 35 anos depois… com o novo fascismo e o bolsonarismo… e que felizmente já começamos a enfrentar, mesmo que nos custe muito derrotar.

1984 foi o ano que consagrou Thriller, de Michel Jackson, com sete Grammy; que viu o lançamento de Like a virgin, da Madonna; de I want to break free, do Queen; de Sonífera ilha, dos Titãs; de Lindo lago amor, do Gonzaguinha; de Raça humana, com Vamos fugir, do Gilberto Gil. Foi também o ano de Karatê Kid, de Caça-fantasmas; do Exterminador do futuro; de Cabra marcado para morrer…

1984 foi também o ano de fundação do Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais Sem Terra, o MST, e um ano antes da histórica ocupação da Fazenda Annoni, aqui na região; da publicação de Mulher Negra, da grande liderança do Movimento Negro Unificado, Lélia González; da greve geral dos “boias-frias”, em Guariba, SP. Foi o ano que deu o Nobel da Paz a Desmond Tutu, pela luta contra o apartheid. Naquele ano foi publicada a lei do segundo Plano Diretor de Passo Fundo – o atual está sem revisão há quase vinte anos. Foi um ano de grandes obras, as perimetrais, que expulsaram centenas de famílias, que formaram o que hoje é o Jaboticabal.

1984, ano de muitos acontecimentos, é também o ano da criação, da fundação, da CDHPF… que ocorreu no dia seis de junho, às dezoito horas, em reunião realizada no Salão dos fundos da Catedral. Dois foram os objetivos registrados na ata de fundação: “promover e defender os direitos das pessoas, famílias e organizações; e assessorar a organização popular na defesa de direitos”. Eles se tornaram obra e são o que caracteriza a CDHPF nos seus anos de atuação.

Era um grupo de vinte pessoas, as que assinaram a ata de fundação. Na ocasião foi eleita a primeira coordenação. Registro seus componentes: Maria Sirlei Vieira, Roque Zimmermann, Elmar Luiz Sauer, Ademar Dal’Cortivo, Luiz Roberto Albuquerque e Helena Andreis Lorenzatto. Nossa homenagem e estas corajosas e estes corajosos. Obrigado por legarem a CDHPF…

Paro com estes registros… os fiz para reforçar a necessidade da memória – é ela que alimenta a história… Haveria muitas outras possibilidades de referências a acontecimentos e pessoas. Rendo homenagem a três que foram pilares desta história e que já nos deixaram: Maria Sirlei Vieira, Roque Zimmermann e Maria de Fátima Zanchin. Presente, presente, presente, agora e sempre.

É porque homens e mulheres acreditaram que seria necessária a organização e a luta por direitos humanos, num lugar excessivamente conservador como Passo Fundo, que existe a CDHPF. Elas e eles nos deram a tarefa de seguir acreditando, de seguir realizando. Nos ensinaram que é preciso fazer, mas também e, especialmente, alimentar o “irrealizável”, o que chamamos de “utopia”. E os direitos humanos têm muito de utópico…

O que alimenta os direitos humanos é um misto de aspiração, de garantia e de luta… Mas, o que sustenta a tudo são as aspirações. Elas é que alimentam o querer sempre mais, o querer ser mais, vocação humana, como dizia Paulo Freire.

É porque muitas e muitos acreditaram que o que a vida pede da gente e coragem, para promover a alegria no meio da alegria, e ainda mais alegria no meio da tristeza – como nos ensinou João Guimarães Rosa – e olha que são tantas as tristezas e as violações a enfrentar – que seguimos, que precisamos seguir…

Que bom estarmos aqui. E estamos aqui para dizer que estaremos aqui pelos próximos 40 anos, pelos próximos 40 anos vezes sete… Certamente neles já não estaremos muitos de nós… por isso, o nosso maior compromisso hoje é de seguir seduzindo e convencendo a corações e mentes, especialmente da “guriazada”, convocando pés, mãos e ombros, a empenhar a vida pela vida, a vida pela luta!

Nunca foi e nem será fácil defender a vida – e, só com palavras, então, será ainda mais difícil, como dizia João Cabral de Melo Neto – num mundo com cada vez mais retrocessos, ataques, corrosões, inversões graves dos direitos humanos; num mundo que insiste em forçar trocar direitos por negócios (disponíveis só para quem pode pagar, diferente dos diretos que são de todos e todas e para todas e todos).

Afirmar direitos humanos é promover mundos nos quais caibam todos os mundos, como defendem os zapatistas, promover mundos nos quais caibam todas as pessoas, todas as vidas…

Muito Obrigado.

(Intervenção no ato que antecedeu ao jantar de celebração dos 40 anos da CDHPF, ocorrido em Passo Fundo, no Lalau Miranda, na noite de 14 de dezembro de 2024)

Autor: Paulo César Carbonari, Doutor em filosofia (Unisinos), associado da CDHPF, membro da coordenação nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), ao qual a CDHPF é filiada.

Edição: A. R.

Douglas Pereto: mais um professor na Câmara de vereadores

Douglas Pereto é um colega professor da rede estadual que, a partir de 2025, integrará a Câmara de Vereadores de Passo Fundo. Será um entre os 17 vereadores e 04 vereadoras eleitos/as para a nova legislatura.

Há cinco anos atrás, em 2019, entrevistávamos Pereto para repercutir interessante texto de sua autoria, recém publicado à época, no site, intitulado “Matam os professores aos poucos”. (Segue link: www.neipies.com/por-que-matam-os-professores-aos-poucos/)

Na ocasião, Douglas Pereto assim se manifestou sobre a conjuntura da educação à época: “Nossa situação é como um desastre, para o qual concorrem diversas falhas: governos incompetentes e covardes, descontinuidade de linhas pedagógicas, disputas internas e trampolins políticos. Hoje, olhamos desconfiados para qualquer um que diga ser nosso defensor, até porque o acirramento político nacional tem nos rotulado pejorativamente”.

Em 2024, queremos repercutir a eleição do professor Douglas Pereto vereador. Douglas Pereto elegeu-se suplente de vereador pelo PSD, mas assumirá cadeira na Câmara de Vereadores já a partir de 2025, uma vez que seus colegas de partido assumirão secretarias junto ao governo municipal. Queremos repercutir seus propósitos no trabalho legislativo e a importância da representatividade de seu mandato junto aos professores e professoras da rede pública e privada.

***

Conte-nos um pouco da tua trajetória e dedicação à educação.

Pereto: iniciei minha trajetória como bolsista da Socrebe da Santa Marta, entre 94 e 96, para pagar a licenciatura em Letras da UPF, atuando em oficinas de futebol, redação, teatro e reciclagem de lixo. Em 2000, fui nomeado para o Instituto Estadual Cecy Leite Costa, como professor de Literatura. Estou lá até hoje, em sala de aula e na vice-direção. 

Também atuei onze anos como coordenador de turno do Colégio Marista Conceição. Já lecionei em cursinhos preparatórios pré-vestibulares na região Norte e Nordeste do estado, além de Passo Fundo.  Tive uma rápida passagem na então IMED, hoje Atitus.

De que forma a política foi fazendo parte da tua vida e tua trajetória pessoal e social?

Pereto: Desde criança admirava a figura de Pedro Simon,  depois Brizola.  Meu primeiro voto foi em 1989, com 16 anos de idade.

Vindo de Porto Alegre para cá, em 1994, me filiei ao PMDB, tendo sido por quatro anos presidente da Juventude partidária. Em seguida assumi a assessoria de imprensa do prefeito Júlio Teixeira, com o qual aprendo muito até hoje. Ainda naquela gestão fui Coordenador das Associações de Bairros. Paralelo a isso, na UPF, participei da reorganização do Diretório Acadêmico América Latina Livre, no IFCH e, posteriormente, do DCE, durante todo período acadêmico, conhecendo e atuando junto a diversas matizes partidárias.

Em 2000 concorri pela primeira vez a vereador, obtendo 316 votos, algo relevante para quem era um desconhecido. Já em 2004, como professor e vice-diretor da escola, encarei o desafio novamente, obtendo 958 votos.

A expectativa nesse ano era quebrar a barreira dos mil votos.  Mesmo assim, a segunda suplência e os 879 votos foram suficientes para chegar ao Legislativo.

Quais serão as maiores bandeiras do teu mandato parlamentar?

Pereto: Pretendo atuar, por óbvio, pela educação, partindo dela como instrução e chegando a todas possibilidades que ela descortina, já que a cada unidade monetária investida, valores maiores retornam em segurança, saúde, emprego e renda, principalmente.

Alguns projetos, pedidos e indicações já estão sendo preparados, como: lei dos grêmios estudantis, Escola de líderes, Bairro-base, atenção ao interior.

Como será a relação com as demandas da comunidade e as demandas dos profissionais da educação, bem como da educação, de modo geral?

Pereto: Sei que sou um entre outras duas dezenas, dentro de um dos três poderes municipais, com limitações de atuação e orçamentos. Pretendo atuar nas necessidades básicas e urgentes para, com o aprendizado junto a todos atores envolvidos,  representar e atuar em temas de maior complexidade, pela categoria da qual faço parte.

Isso não exclui as redes estadual e particular, visto que todos moram no município. Para tanto, conversar e chegar a um ponto de convergência com toda legislatura será fundamental.

Qual é, na sua visão, a importância da representatividade de professores na política (seja no legislativo ou executivo)?

Pereto: Vejo a necessidade de mais parlamentares com formação acadêmica e serviços prestados. A boa vontade sem estudo constante são limitadores em processos a exigir celeridade e criatividade. Não se pode desperdiçar tempo e verba em projetos, falas, ações que sejam inconstitucionais ou irrelevantes.

Como será sua atuação específica junto aos jovens/estudantes, uma vez que recebeste número expressivo de votos deste segmento?

Pereto: A atuação será junto às famílias, como um todo, valorizando a célula fundamental da sociedade.  O diálogo franco e permanente se dará com o Mandato Interativo, proposto na campanha, usando canais digitais para que o cidadão possa opinar sobre projetos e votações, sendo parte atuante do processo, em enquetes e fóruns, para que, ao final do mandato, mantenha-se o compromisso mútuo pelo bem comum.

Qual é sua mensagem aos que desacreditam na política?

Pereto: Que estão certos. Diante de tantos detentores de cargo que só fazem atuar para grupos cada vez menores, a sociedade sente-se excluída do processo.

Há também que mudar a visão de que políticos não fazem nada, deixando de lado falas preguiçosas como “não gosto de política”. Creio que se queira dizer que não gostam de política partidária. E mesmo assim está errado. Não podemos ser plateia, que assiste, mas povo, que participa, já disse o Lima Barreto.

O que gostarias de acrescentar nesta entrevista?

Pereto: Que pretendo honrar os votos recebidos, por ter sido uma campanha que abraçou a esperança de um mandato interativo, amplo, além dos rótulos. Vou atuar com diplomacia e diálogo, de forma clara e constante. A experiência pluripartidária da política estudantil, aliada ao conhecimento adquirido em diferentes educandários, vai me guiar neste mandato de vereador.

Para quem quiser acompanhar o mandato, basta seguir: www.instagram.com/douglaspereto

Edição: A. R.

Papel da educação na construção de oportunidades de vida e de trabalho

Destacamos, nesta publicação, dois textos de uma centena que foram produzidos ppor estudantes do segundo ano do Ensino Médio no Instituto Estadual Cecy Leite Costa.

Trabalhamos, com estudantes de segundos anos, em 2024, o tema da educação relacionando-a com oportunidades de vida e de trabalho, no componente curricular Projeto de Vida. Um dos objetivos do Componente Curricular Projeto de Vida é relacionar os esforços pessoais dos estudantes na relação com as realidades do mundo em que estão inseridos.

Nesta perspectiva, utilizamos o filme “Nunca me sonharam”, documentário produzido em 2017 para subsidiar as propostas de um Novo Ensino Médio. O documentário traz histórias de estudantes no Brasil, com suas perspectivas de vida e sonhos de futuro, alicerçados no trabalho incansável e qualificado de professores e professoras da escola pública.

Conheça mais: https://youtu.be/wNkB7RVXLJw?t=25

Destacamos, nesta publicação, dois textos de uma centena que foram produzidos ppor estudantes do segundo ano do Ensino Médio no Instituto Estadual Cecy Leite Costa.

“Não é de hoje que se fala na importância da educação mas, na prática, este reconhecimento deveria ser infinitamente maior.

Falando não apenas no quesito intelectual, podemos reconhecer o quão significativas e e marcadas as vidas de estudantes e professores no quesito emocional. Consideremos que ficamos pelo menos dezoito anos de nossas vidas em uma escola, podemos reafirmar a tese que reconhece a suma importância, não só da educação em si, mas também dos educadores.

A educação, assim como desenvolve o intelecto, também é capaz de transformar fragmentos de moral na vida das pessoas. Automaticamente, estes fragmentos se juntam na essência humana, demonstrando o poder de influenciar nas escolhas, estas que, diretamente, afunilam ou ampliam as oportunidades de cada um.

 Na minha visão, o desenvolvimento intelectual como ler e escrever é realmente indispensável, mas também acredito que muitos conhecimentos, valores e habilidades como autoconhecimento, inclusão, eliminação de preconceitos, entre outros, também são transmitidas para cada um através dos profissionais de educação.
Em resumo, os valores intelectuais e éticos ensinados na escola são fatores decisórios para afunilar ou ampliar decisões e oportunidades na vida de nós, jovens.

(Estudante Anna Luíza B. Mendes)

“Muito se discute sobre a importância dos estudos para o futuro. Desde muito cedo, somos instruídos a estudar para alcançarmos uma vida boa e consideravelmente satisfatória.

Surgem, também, muitas preocupações com relação ao que conseguiremos alcançar para nós mesmos, com o passar do tempo.

Muitos jovens questionam se os estudos podem realmente proporcionar boas oportunidades para o futuro. O fato é que, para aqueles que não nascem com boas oportunidades já à sua disposição como dinheiro e status, realmente dependem do conhecimento e dos estudos para conseguir bons empregos ou um trabalho melhor.

Algo que se pode afirmar a partir do Documentário “Nunca me sonharam”, documentário que retrata o ponto de vista de muitos jovens e profissionais brasileiros, é que o estudo é, sim, muito importante para que os nossos objetivos sejam alcançados. Uma vez que nos faltam recursos financeiros e materiais, tudo o que pode nos impulsionar na vida é justamente o estudo.

Como jovem, acredito que o conhecimento é a base do desenvolvimento pessoal, social e financeiro, por mais difíceis que sejam as adversidades que enfrentamos. O estudo estabiliza o nosso conhecimento de mundo e nossa perspectiva social.

Podemos concluir que os estudos são a principal forma de construirmos maiores e melhores oportunidades para nós mesmos. Ao meu ver, no aspecto pessoal, a educação contribui para a autonomia, confiança e bem-estar das pessoas. Oferece conhecimentos e informações que melhoram a saúde, a cidadania e o entendimento das responsabilidades sociais, o que contribui para a construção de oportunidades mais fortes para o futuro.

Investir na educação é investir numa vida melhor, com mais oportunidades, estabilidade e conforto na vida de todos nós.

(Estudante Letícia Vargas Amaral)

Autor: Nei Alberto Pies, professor, escritor e editor do site. Também escreveu e publicou no site “Sala de professores: que lugar é este”: www.neipies.com/sala-de-professores-e-professoras-que-lugar-e-este/

Veja também