Vamos falar a verdade de uma vez aos nossos amigos, filhos, crianças e adolescentes? Estamos destruindo tudo: florestas, rios, matas, biomas…tudo. Ainda não há um culpado, claro, pois fica difícil apontar um, quando todos podem ser culpados. Mas como gostaríamos de poder nominar os malfeitores!
Quem tocou fogo e, igualmente, quem viu e não gritou. Quem fotografou um pôr de sol deslumbrante e trágico, mas não se indignou, todos, poderemos ver agora em como será o novo sol em meio a escuridão que nos aguarda.
O sol de cada dia está cada vez mais bonito, E quando ele desce, então, é de um laranja jamais visto. Todos os dias, em seus finais, temos um espetáculo, gratuito, poético. À sua perfeição, ninguém resiste. Fantástico ele! E, igualmente, desesperador.
Nosso sol não brilha como antes, assim como nossa esperança de que ainda é possível colocar um fim nessa sanha destruidora que se abate sobre nós. Talvez sejamos a única espécie que põe fogo em sua própria casa. Como não temos ainda para onde ir, nossos netos e seus descendentes sequer terão um sol para fotografar. Ou terão somente a ele.
Será o ódio incontido? Será o prazer em ver queimar?
Em alguns momentos, estamos vendo como que urnas no horizonte, queimando e arrasando o que tem pela frente. Sequer há prisões que acolham tantos bandidos representados, tamanhos os seus crimes, repetidos, ano após ano. E sou tentado a pensar em seus gritos, em meio as labaredas de urnas torrando no horizonte;
-Queimem todas! Se não fomos nós os vencedores, queimem todas. E aos que venceram, que agora apaguem o fogo.
Mas não creio, não. Volto à realidade e tento me aquietar, pensando que sempre foi assim, períodos de seca e de queima, para, em seguida, nos tempos que antecedem a primavera, em um mês, tudo estar verde e florido, com os campos recompostos de pastos verdejantes. Mas agora sem Pastor.
Mesmo estupefata, assustada ou desamparada, a humanidade, em seu curso, precisa acreditar. Crendo, evita a loucura.
Imaginar que o fogo pode reaver mais brilho em seu verde, equivale a pensar que temos de voltar a andar sobre cavalos nas ruas de nossas cidades. Se o mundo assim o quisesse, estaríamos cobertos de fuligem o ano inteiro. É o que o homem do campo, sempre isolado que foi por séculos, seja pelo desprezo oficial ou pela indiferença de quem já partiu dali, aprendeu no manejo de suas terras, práticas e costumes que não fariam diferença a ninguém, até alguns anos atrás. Mas agora fazem. Porque tudo mudou!
O campo é logo ali, o sol é logo ali, e a fumaça de milhares de quilômetros provoca coriza nos incautos que sempre acreditaram que os problemas dos outros…são dos outros. E isso também mudou. Pelo tamanho do nosso país, jamais pensaríamos que o fogo que nos é alheio, quase alcance nossas janelas. Bem, a fumaça já as atingiu.
Mas e os rios? Onde não se toca fogo e que já dão sinais que estão indo embora? Como explicar que uma natureza exuberante pode dar lugar a um deserto sem vida, seco e cheirando a permanência da morte? Fomos longe demais em nossas intenções de controle e exploração do nosso meio ambiente. Nossos últimos governos e sua legislação, são frágeis e seu controle, sempre insuficiente.
Somos também nós os criminosos do meio ambiente?
Em nosso silêncio. E se já não chove, em algum momento nós mesmos incitamos o clima a não chover. Não há crime anterior que não esteja se manifestando agora. E os mesmos delitos ambientais se avolumam, diante de uma sociedade que se mostra apática e sem reação. As multas gigantes, resultantes desses crimes sequer são pagas. Vê-se o maquinário sendo queimado na floresta, como que nos lembrando de ações enérgicas das autoridades. São fatos isolados. Lá no Congresso, todos sabem que os danos extrapolam o que a mídia tenta nos mostrar, como algo que pareça fiscalização ou Justiça.
O que vemos, no acumulado das agressões ao meio ambiente no país, multipliquemos por 10. A fuligem é apenas um lembrete.
E o mundo assiste impotente o que era o seu pulmão vir a degenerar-se, com que um gigante que sucumbe diante do vício de um bilhão de cigarros medonhos. Seus pulmões, a continuar suas queimadas, logo não vão mais poder ceder à respiração que o planeta precisa. Então, será tarde!
Ainda há esperança para que os vestígios cheguem à Miami e estraguem o piquenique. E até o fim de semana, sem fuligem, ainda está garantido na Key Biscayne. ¹ Por enquanto. Mesmo que o fumacê atravesse o Atlântico a faça tossir nossos patrícios, os protestos de fora poderão demorar a chegar em Brasília. E se chegarem, quem se importa em pegar a palavra?
Por que na capital, nada pode ser feito a partir de seus parlamentares? Duvida-se! Ali estão os interesses cruzados e por isso, poucos protestos ou mesmo ideias surgirão. Há muitos deles que toleram a sujeira toda, pois possuem terras, gado, fazendas, tudo. Como vão se insurgir contra seus interesses? Eles não entendem que ao exaurir a terra até o seu limite, não haverá retorno e que seus latifúndios, um dia, poderão arder em chamas.
“As pessoas raramente acreditam que a origem de seus problemas é a sua iniquidade e estupidez. A culpa é sempre de alguém ou de alguma coisa externa.” ² Nada a esperar, portanto, de um Congresso decidido a somente espezinhar e emparedar um governo ainda titubeante. Os outros é que tem culpa.
Os outros poderemos ser nós agora, já que respiramos o mesmo ar. O fogo ainda será uma arma política de descrédito; anotem! ³
Assim que o Rio Madeira, ou mesmo o Rio Paraguai secar, nossos programas turísticos nestas paragens irão desaparecer. E nem os turistas endinheirados de fora poderão se refestelar, uma vez que as pousadas viraram carvão.
Teremos ainda de mudar levemente o verde de nossa bandeira, porque já não moramos em um país tão verde assim. Talvez colocar ali uma pequena chama de fogo ardente, para nenhum de seus habitantes do futuro, esquecer que neste país havia uma floresta imensa. Que o fogo e a indiferença consumiram.
_Brasil, estas nossas verdes matas…e este lindo céu azul de anil. E não é que a Aquarela Brasileira terá de mudar sua letra! Alguém pode falar para o Martinho da Vila?
Aos que ainda tem esperança, pequem suas vassouras e tentem ajudar. Nem se para isso, sejam elas representadas pela sua voz, gritos, protestos, indignação. Vamos jogar água neste fogo abjeto e levar nossas crianças para que nos ajudem apagá-lo, nunca permitindo a sua repetição. Vamos tentar explicar a elas que o homem não é tão ruim assim e que tudo pode voltar à normalidade, neste jardim que já foi do Eden. Temos de nos esforçar e dar respostas; com o mínimo de esperança.
Teremos de conviver ainda com o nariz escorrendo e com aquele amigo querido de infância, que se tornou negacionista, sabe-se lá a mando de quem. Falando de que não há nada de mudança climática a se preocupar… (Aí já foi demais! Quando comecei a espirrar, pedi licença…e sumi.)
Aos nossos filhos, crianças e adolescentes, vassouras simbólicas para apagar os fogos do desgosto de agosto. E sempre a verdade!
Aos negacionistas, a fumaça.
Saudades de quando estes Trópicos eram somente tristes!
Breves observações:
1) Kay Biscayne é um bairro chique de Miami
2) Robert Greene, as 48 Leis do Poder, pág 342
3) Uma das fazendas que mais queimam, é a Fazenda Bauru, quase na divisa do Amazonas. Em 2022, foi descoberto um esquema para copiar o “dia do fogo”, ação descrita por fazendeiros do PA, via Whatsapp, para realizar protestos contra as políticas ambientais. Todos impunes até hoje. (Bruno Fonseca e Gabriel Gama;
4) Segundo o MapBiomas, quase 6 milhões de hectares já queimaram, um Estado da Paraíba inteiro.
Autor: Nelceu Zanatta. Também escreveu e publicou no site “O fim da empatia é o fim da civilização”: www.neipies.com/o-fim-da-empatia-e-o-fim-da-civilizacao/
Edição: A. R.