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Educação e democracia: direitos e valores inegociáveis

“É por isso que a educação é um campo perigoso na visão de conservadores
e liberais e tem que ser acompanhada de perto, sempre que possível, colocada
fora do controle do Estado e nas mãos de agentes seguros ideologicamente,
como os empresários e os sacerdotes” (Luiz Carlos de Freitas – Unicamp)

O processo eleitoral que vivenciamos em 2022, que alguns segmentos perdedores ainda não reconhecem, evidenciou, entre tantas outras, três agendas estruturantes em disputa pela elite junto a sociedade: a democracia, a educação e a insegurança do tal “mercado”.

Algumas indagações precisam ser feitas para pensarmos juntos: qual é a relação e os interesses em disputa? Por que temos esta radicalização? Porque a democracia liberal, depois de seus 200 anos, ainda lida mal com assegurar direitos?

Quais os interesses em disputa que mobiliza técnicos e especialistas das fundações empresariais que dominarem os GTs de transição, inclusive o da Educação atacada quatro anos pelo atual governo?

Qual educação e qual democracia efetivamente queremos para no Brasil? Ou, ainda, que nação e sociedade queremos construir?

Estas questões, complexas, diz o Professor Luiz Cardos de Freitas (Unicamp), não podem ser respondidas reduzindo-se sua complexidade a uma questão de “troca de governo”, liberais ou conservadores, esquerda ou direita.

Foto: Ramón Vasconcelos

Mas é preciso ir além. Para isto, é necessário refletir e buscar compreender o que efetivamente está em jogo com a tal “insegurança dos mercados”, com os acampamentos pedindo intervenção militar e com o não reconhecimento do resultado das eleições.

O Brasil está, efetivamente, ameaçado pela esquerda comunista (fantasmas imaginários) ou trata-se da manutenção projeto do capital, especialmente da elite financeira, que somente em 2021, abocanhou R$ 1,96 trilhão (50,78%) do orçamento federal executado em amortizações de dívidas e juros?

Para o pesquisador da Unicamp, há um grande reconhecimento, hoje, da existência de uma crise da democracia liberal que também nos remete a uma crise do estado de direito que a sustenta.

Esta crise tem origem, por um lado, na própria lógica existencial do capital que, como advertia Schumpeter nos idos da década de 40, terá problemas não pelo seu fracasso, mas pelo seu próprio “sucesso”.

Esta lógica direciona a humanidade para o objetivo de ganhar dinheiro para ganhar mais dinheiro, indefinidamente, e nenhum sistema social pode operar por acumulação permanente sem destruir os seres humanos e o ambiente.

É um sistema voltado para o lucro infinito em detrimento de direitos e, inclusive, de democracias.

Mas qual a relação desta análise com a educação e a democracia, particularmente esta educação que prima pela competição meritocrática como fundamento de um empreendedorismo individualista, ao invés de se falar em “assegurar direitos” e a inclusão das crianças e jovens nas escolas e universidades?

O filósofo liberal americano John Dewey (1859-1952) dizia que “na hierarquia dos problemas de uma nação, nenhum sobreleva em importância, ao da educação”.

A escola participará da mudança social democrática somente “se ela se aliar a algum movimento das forças sociais existentes”. Não nascemos democráticos nem antidemocráticos.

A “democracia tem que nascer de novo a cada geração, e a educação é a sua parteira” afirmava Dewey.

Educação e democracia

Sobre esta relação entre a educação e a democracia, o pensador americano é diretivo ao afirmar: “democracia é liberdade”.

A educação para a democracia requer que a escola se converta em “uma instituição que seja, provisoriamente, um lugar de vida para as crianças, em que ela seja um membro da sociedade, tenha consciência de seu pertencimento e para a qual contribua”.

Para tanto, diz o filósofo, têm de corar um entorno social em que os estudantes assumam, por si mesmas, as responsabilidades de uma vida moral democrática. Porém, advertia o educador, o que aborrece é que a maioria das escolas não foi concebida para transformar a sociedade, mas para reproduzi-la, tanto que “o sistema escolar sempre esteve em função do tipo de organização da vida social dominante” (Dewey, 1896).

As escolas, queiramos ou não, veiculam finalidades educativas. Estamos formando a juventude agora. Tais finalidades educativas que orientam todo o currículo são expectativas extraídas de uma determinada forma de concebermos a sociedade que temos ou que desejamos.

Quando pensamos, portanto, na formação dos seres humanos, é importante indagar, antes, que tipo de sociedade queremos construir e, consequente, que tipo de escola precisamos para isso, pois são estas decisões que orientam a própria formação do magistério.

Aliás, para entender estes atos antidemocráticos, de maioria branca e bem nutridos,  bem diferente das 62,5 milhões de brasileiros na linha da pobreza, e destes 17,9 milhões –  ou 8,4% da população – que estão na extrema pobreza (com fome), é preciso reler Dewey e fazermos a autocrítica da necessidade de fortalecer a formação para a cidadania, para a democracia e respeito a pluralidade humana.

Esta educação sobre nossa formação histórica, social, econômica e política se dá, principalmente, por meio das ciências humanas que estão sendo drasticamente reduzidas e/ou excluídas dos currículos escolares e das universidades, tanto mundo a fora bem como por meio das reformas educacionais em curso no Brasil: BNCC, reforma do novo ensino médio e currículos mínimos de natureza profissionalizante tecnicista.

Por outro lado, as manifestações preconceituosas de estudantes em algumas instituições de ensino, logo após o segundo turno das eleições, evidenciam que estes espaços formativos por excelência não educam para a convivência democrática em sociedades plurais, diversificadas e desiguais como a brasileira, ou seja, não conhecemos o país que vivemos ao acusar nordestinos, pretos e a população LGBTQI+.

Nesta perspectiva, alerta António Nóvoa (Universidade Lisboa), é a diferença que nos educa. A educação não serve para nos fecharmos no que já somos. Precisa servir para aprendermos a começar o que ainda não somos: seres potencialmente sociais, racionais, éticos e políticos.

A vida, acima de tudo, é coletiva (condominial). Se a vida é o lugar onde vivemos juntos, o nosso planeta, o nosso país, a nossa cidade e a nossa escola é onde devemos exercitar e aprender a viver juntos.

Escola, enquanto espaço comum, é um espaço de educação, de convivência e de formação ética.  Aprender não é um ato individual ou privado, precisa dos outros. É na relação e na interdependência que se constrói a educação. Isolados somente na nossa bolha não aprendemos que que nossa potencialidade e riqueza está na pluralidade e diversidade social.

Enquanto muitos segmentos da elite brasileira permanecem contestando a eleição com manifestações antidemocráticas em frentes a quartéis, bloqueando estradas e avenidas urbanas, atentando contra o direito de ir e vir, contra o estado democrático de direito, outros setores, se movimentam e já ocupam os GTs de transição do novo governo, disputando a direção política, intelectual e ideológica da futura gestão federal.

Enquanto o mercado financeiro pressiona e disputa a direção na economia, os futuros gastos e investimentos do país, as Fundações e Institutos Empresariais ocupam espaços nos diversos GTs da transição para prosseguirem com suas políticas educacionais aprovadas a partir de 2016.

O professor Fernando Cássio, pesquisador da UFABC, adverte que O GT da Educação é composto majoritariamente por pessoas que trabalharam na burocracia do MEC nos governos petistas e, por representantes de elites interessadas em ditar as políticas públicas para a educação dos pobres.

Nos interstícios do grupo principal, situam-se algumas pessoas historicamente vinculadas às agendas educacionais do campo popular e outras ao debate educacional interno do PT.

A ausência de sindicatos, entidades representativas estudantis e associações científicas da educação é patente.

Articulação

Entusiasta maior da reforma do ensino médio, a coalizão empresarial conhecida como Movimento pela Base está presente no GT através de diversos membros de seu conselho consultivo e de suas organizações mantenedoras e parceiras: Fundação Lemann, Instituto Natura, Instituto Unibanco, Itaú Educação e Trabalho, Cenpec, D3e, FGV Ceipe, Instituto Singularidades, Instituto Sonho Grande e Todos pela Educação. Dos 48 participantes identificados na lista inicial de participantes da reunião, 18 (37,5%) são vinculados de maneira direta a dez organizações privadas associadas ao Movimento pela Base.

A grande agenda educacional das elites nacionais é prosseguir exatamente de onde pararam no governo de Michel Temer, uma vez que o governo Bolsonaro lhes bateu com a porta na cara, pontua Cássio.

Para Henrique Paim, que coordena o GT de transição na área da educação, o princípio é que a política educacional brasileira tem de estar associada ao que chamamos de visão sistêmica.

Precisamos pensar da creche até a pós-graduação. Porque, quando falamos em educação básica, existe um elemento muito importante que é a formação de professores, que se dá no ensino superior. É importante uma ação do ministério que envolva todos esses níveis educacionais e, obviamente, cuidando de cada etapa da educação básica e do ensino superior.

O ex-ministro da educação pontua que tivemos um problema muito sério nesses últimos anos que tem a ver com a pandemia, mas também com a ausência de políticas que gerem oportunidade para os jovens. Isso, de certo modo, acabou levando o país a uma distopia.

Temos uma redução enorme de participação dos jovens, daqueles que concluíram o ensino médio, no Enem. Isso é reflexo da desesperança dessas pessoas com a educação. É também reflexo da necessidade de muitos jovens de trabalhar.

O que temos hoje é um quadro de pessoas com mais recursos enfrentando problemas psicossociais, porque tiveram de ficar em casa no período da pandemia, o que gera uma série de dificuldades, e de outro lado, jovens de famílias pobres que tiveram de sair para trabalhar e não estão voltando para a escola.

Temos de ter uma política de oportunidades no ensino médio, na educação de jovens e adultos, no Ensino Superior e na educação profissional para que esse jovem tenha, quando voltar para a escola, ou quando trabalharmos a permanência dele na escola, uma perspectiva junto ao mundo do trabalho, ao setor produtivo.

Já Eliezer Pacheco, um dos coordenadores do Conselho e membro da equipe de transição, afirma que “os brasileiros serão surpreendidos com políticas ousadas na área da educação. Sabemos que temos muito que avançar para ter uma educação de acordo com as necessidades do país e do povo brasileiro”.

Sinalizou, também, que o PNE é uma referência fundamental para a retomada da discussão educacional com a sociedade, numa visão sistêmica da educação e que, programas como Fies, ProUni e Ciências Sem Fronteiras, devem ser retomados para a inclusão de jovens no ensino superior. vres, valores, valores

Para Dewey a “democracia é liberdade” e para Marilena Chauí a “democracia é a única sociedade e o único regime político que considera o conflito legítimo”.

A filósofa lembra que, numa democracia, o “direito” difere da necessidade, da carência ou de um interesse. Mas se distingue fundamentalmente do privilégio, que é sempre particular. Os privilégios se opõem aos direitos.

A democracia não pode se confinar a um setor específico. Ela determina a forma das relações sociais e de todas as instituições, ela é o único regime político que é a forma social da sociedade coletiva. Uma sociedade não é um simples regime de governo porque há eleições, respeito à vontade da maioria e das minorias.

A democracia é uma criação social de tal maneira que determina, dirige e controla o poder dos governantes.

Do ponto de vista político, todos os cidadãos têm competência para opinar e decidir. A política não é uma questão técnica nem científica, mas é a ação coletiva, a decisão coletiva quanto aos interesses da própria sociedade.

Portanto, a cultura e o valores da democracia e da cidadania começam na escola, estendem-se por todas as instituições sociais e educacionais, configurando-se em responsabilidade de todas as gerações e de cada um de nós.

Defender a democracia é defender sua liberdade de educar compartilhando inteligências de nossa condição humana. Direitos fundamentais como educação, liberdade, igualdade e democracia são inegociáveis em qualquer transição ou situação. Quem quer faz a hora, não espera acontecer.

FONTE:https://www.extraclasse.org.br/opiniao/2022/12/educacao-e-democracia-direitos-e-valores-inegociaveis/ores, valores, valores, valores

Autor: Gabriel Grabowski, professor e pesquisador.

Que se abram as bibliotecas

A educação tem tarefa de garantir a participação de cada menina e menino na produção e fruição da imaginação humana. Que se abram pois, as bibliotecas e façamos voar a imaginação!

Em tempos da 68ª Feira do Livro, 2022, perguntemo-nos como se formam leitores, como fazemos acontecer a fome de ler, o amor pelos livros, o prazer de saborear palavras, histórias, como construímos famílias que invistam tempo e recursos no livro e na leitura.

Sim, porque todos nós que passeamos pelas alamedas multicoloridas da Feira, exploramos as caixas das promoções, nos deliciamos com as entrevistas com autores e autoras e seus novos lançamentos, saímos maiores, mais plenos, mais instigados e realizados. Essa dimensão de valor não pode ser subtraída de nenhum ser humano, sob pena de tornarem-se “homínculos” como nos retrata a linda prosa – poema do Patrono da Feira Carlos Nejar em “Carta aos Loucos”.

Nós, adultos, somos responsáveis por essa construção que precisa acontecer ao longo da vida, em especial na primeira infância e na adolescência, quando o processo de constituição da identidade e da subjetividade estão mais abertos e em transformação.  

Imaginem as escolas sem bibliotecas atualizadas, sem profissional qualificado para mediar, estimular, organizar projetos de leitura, sem a acessibilidade à exploração livre e voluntária da meninada nos horários de recreio, de entrada e saída das aulas, de modo a construírem seu percurso de leitura e de aprendizagens para além da indução da sala de aula!

Infelizmente é assim que estão quase todas as mais de 2400 bibliotecas das escolas estaduais do Rio Grande do Sul, desde 2019, quando o governador retirou da política de Recursos Humanos o espaço das bibliotecas.

Desde lá, constituímos na Assembleia Legislativa a Frente Parlamentar pelo direito ao livro e à leitura. Em parceria com o Conselho Regional de Biblioteconomia, fizemos audiências, livraços, seminários, representação no MP, caravanas pelas escolas registrando os espaços das bibliotecas, e agora uma exposição que retrata o abandono, a degradação e perda de acervo, redução de uso e circulação dos livros, e de projetos de leitura. 

Não há como reparar a enorme perda que quase um milhão de estudantes tiveram por essa decisão, mesmo que as escolas, há que se reconhecer, busquem contornar com projetos desenvolvidos por professores.

“Nós, com as palavras criamos uma memória. E com a memória, criamos a imaginação da espécie.” Afirma Nejar, por ocasião da 68ª Feira. 

A educação tem tarefa de garantir a participação de cada menina e menino na produção e fruição da imaginação humana. Que se abram pois, as bibliotecas e façamos voar a imaginação!

Afinal, gostar de ler exige uma série de situações pelas quais é preciso passar: a primeira é a descoberta do valor da leitura; a segunda é a curiosidade pelas novidades que os livros trazem; a terceira é ter livros ou impressos ao alcance das mãos. Tais fatores aparecem, principalmente, quando as bibliotecas estão por perto e são facilmente visitáveis, fornecendo livros emprestados. (Padre César Moreira) Leia mais: https://www.neipies.com/ler-prazer-pouco-explorado/

Autora: Sofia Cavedon

Um pai contador de histórias

Sermos pais, mães, tios, padrinhos, madrinhas, ou o que for, contadores de histórias, faz muita diferença. Experimentemos, nem que seja uma vez, dividir o tempo com um pequenino ávido por conhecer novas aventuras. Talvez a viagem imaginária também nos faça.

À beira da cama, sentado ao lado do filho, o pai narra. Não uma, nem duas, mas várias vezes, a mesma história. Sabe de cor cada passo de cada personagem, cada ação, cada movimento. Seria entediante narrar sempre a mesma aventura, se ele não fosse pai, e os pais, bem sabemos, são super-heróis em corpo de gente.

Essa pode ser a história de muitos, privilegiados meninos e meninas que possuem um abrigo para antes de dormir. É, também, a minha história. Eu fui uma dessas crianças apaixonadas por ouvir aquilo que o pai contava. Tinha, como de praxe, a narrativa favorita: a lebre e a tartaruga.

A fábula, tão antiga e difundida, prendia-me de uma maneira inexplicável. Hoje sei que não era exatamente o seu conteúdo que me deixava assombrado e sim o modo com o qual me era apresentado. Hoje sei que o fascínio vinha do modo com o qual o meu contador de histórias favorito narrava.

Dono de uma cadência invejável, meu pai saboreava as palavras e as me entregava numa sonoridade ímpar. Não lia; contava. Contava como quem conversa com um amigo. Contava num ritmo denso, mas sereno. Fazia as vozes dos personagens, dava ênfase nos momentos de êxtase, sussurrava quando havia alguma tensão. Eu o acompanhava, assoberbado, respiração suspensa. Pela minha cabeça passavam todas as cenas, os encontros e desencontros. Até o ponto final eu era todo ouvidos e encantamento. Ele era voz, corpo e gesto a serviço do narrar.

A dedicação empregada por ele fazia surgir seus efeitos. Como toda criança que recebe uma dose de encantamento imaginário, passei a estar, com frequência constante, visitando o “mundo da lua”, como dizem os adultos ou o “refúgio do coração”, nome poético atribuído por mim depois de já bem grande. Essas visitas me tornaram, pouco a pouco, um fazedor de histórias também. Não raro, punha-me a escrever em folhas de ofício dobradas ao meio os meus “livros”. A imaginação fertilizada por aquelas palavras paternas havia me jogado, impreterivelmente, no terreno da livre criação. Foi o princípio de uma das profissões hoje exercidas por mim.

O jogo de quem fala e quem escuta, pai e filho, amigos, enamorados das histórias, durou um longo tempo. Expandia-se por vários contos, fábulas, mas sempre voltava às peripécias de uma lebre espertalhona e uma tartaruga determinada. Talvez estivesse ali um pouco da essência de quem éramos. Certamente se encontrava naquela desventura de Esopo um pouco do que sou hoje: uma tartaruga insistente, obstinada a ganhar a sua corrida, fazendo seu trabalho, acima de tudo.

Hoje, quando percorro escolas, narrando ou dando oficinas para educadores, escuto relatos diferentes. Há muitas pessoas que nunca ouviram histórias com frequência na infância e há inúmeras crianças que também não possuem o hábito em suas residências.

Desabituadas ao contato mais próximo com o universo da fantasia, da imaginação, tornam-se desprovidas de um elemento valioso, fundamental na própria formação humana. Não é um impeditivo de que venham a buscar, futuramente, construir uma boa rede de leituras, vivências, contatos com a palavra. Todavia, o processo se torna, por vezes, mais longo, por falta de referências.

Inexiste um caminho seguro e correto, isso é fato. As diferentes exigências do cotidiano, por vezes, impossibilitam a realização de muitas coisas desejadas. O esforço, porém, é necessário. É em casa que criamos a primeira visão de mundo. É com a família que desenvolvemos as primeiras relações humanas. Povoar essa jornada de histórias, de compartilhamento de ideias e sentimentos, auxilia na compreensão daquilo que somos e seremos.

Sermos pais, mães, tios, padrinhos, madrinhas, ou o que for, contadores de histórias, faz muita diferença. Experimentemos, nem que seja uma vez, dividir o tempo com um pequenino ávido por conhecer novas aventuras. Talvez a viagem imaginária também nos faça.

Aliás, certamente nos fará bem. Afinal, nada melhor do que sair um pouco da órbita de nós mesmos e visitar espaços desconhecidos. Não sei se o Ministério da Saúde recomenda, mas, não custa tentar.

Pennac diria: “é preciso dar de farejar a uma orgia de leitura”. Monteiro afirmou: “um país se faz com homens e livros”. E eu vos digo: “salvem o prazer de ler!” Leia mais: https://www.neipies.com/salvem-a-leitura/

Autor: Gabriel Cavalheiro Tonin

O revogaço ambiental que o Brasil precisa

O novo Brasil de Lula e Marina, e de todos os brasileiros que sustentaram a frente ampla pela democracia, volta a ter compromisso com a realidade, e, mais do que isso, volta a recuperar a imagem do país, especialmente para a luta de todos: o desmatamento zero na Amazônia.

Derrotar o projeto fascista de Jair Bolsonaro, o pior presidente brasileiro de todos os tempos, foi o primeiro – e decisivo – passo para salvar a democracia e o projeto de nação. Agora, a partir de janeiro de 2023, a etapa seguinte: reconstruir ponto a ponto o desmonte implantado em quatro anos de governo Bolsonaro, especialmente a política e a estrutura de governança ambiental brasileira, tema central de nossa discussão aqui.

Diríamos mais: é chegado o momento de reconstruir a política ambiental global, a partir da necessária recuperação da Floresta Amazônica (e seu imprescindível papel na manutenção de serviços ecológicos) e de práticas de desenvolvimento que dialoguem, protejam e respeitem o meio ambiente, com participação permanente com a sociedade.

Com efeito, talvez cada uma dessas ações interligadas – isto é, reconstrução e desenvolvimento social, humano, econômico – sejam, entre tantas outras, as que mais clamam urgência no futuro e tão desejado governo Lula 3.

No âmbito da questão ambiental, o compromisso-chave já está delineado: fazer um amplo “revogaço” ambiental logo de início. Quer dizer, novas regulações, ajustes e mesmo revogação (reversão total) imediata. A começar por resgatar o espaço da sociedade civil no Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) – de 11 cadeiras existentes, a dupla Bolsonaro-Salles reduziu para apenas quatro.

E não é só isso. É preciso voltar a fortalecer os órgãos de proteção ambiental, escandalosamente enfraquecidos durante o desgoverno dos últimos anos. É igualmente importante suprimir de vez aquilo que os ambientalistas (vozes que foram abafadas nesses últimos tempos) vêm chamando de “legado tóxico” da política ambiental de Bolsonaro, o que inclui aumentar a proteção da biodiversidade e instituir uma nova relação com os povos originários e quilombolas. O outro nome disso, assim sabemos, é prosperidade inclusiva, e tem a ver com novos valores e comportamentos.

Na prática, isso não é um mero detalhe. Estamos falando da saúde do planeta, de manter a floresta em pé e de colocar em ação uma verdadeira e consistente política de sustentabilidade, valor capaz de devolver o equilíbrio planetário.

Nessa mesma direção, urge revogar pelo menos 80 medidas antiambientais conduzidas por um governo marcado pelo desapego à realidade socioambiental. Por exemplo: Adote um Parque, política vazia que deixou a cargo do setor privado a gestão de unidades de conservação, mas que, na prática, não aconteceu. Importa ainda revogar em caráter de urgência normas que dificultaram a aplicação e a cobrança de multas ambientais por parte do Ibama.

Outro exemplo é o Programa Lixão Zero, que, apesar de apoiar estados e municípios para a melhoria da gestão de resíduos sólidos, traz retrocessos imensos ao estimular a adoção de tecnologias obsoletas e poluentes, abandonadas na Europa e nos EUA, como a incineração dos resíduos para gerar energia.

De tal forma que esse “revogaço” ambiental marcará triunfalmente o início da nova gestão Lula e Marina Silva (detalhe importante: enquanto escrevemos essas linhas, a ex-Ministra ainda não foi oficialmente anunciada como titular da pasta que a consagrou como uma das principais lideranças internacionais em matéria de meio ambiente).

Ademais, no rol de mais ações esperadas, a atualização (leia-se, uma nova diretriz) do ICMbio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e do próprio Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis) contam com atenção especial.

Ainda assim, a ação/tarefa que mais exige pressa diz respeito, sobretudo, a organizar medidas de segurança humana, de combate às mudanças climáticas e de defesa da maior floresta tropical do mundo, cuja criminosa destruição (queimadas e desmatamentos que batem recordes ano após ano) está em crescimento desde 2017 — foi de 73% a taxa de desmatamento nos três primeiros anos do governo Bolsonaro.

Tema central, inútil dizer às claras que restaurar ecossistemas de alto carbono, como é o caso de florestas, é de fundamental importância como iniciativa internacional para mitigar as mudanças climáticas. 

Para que se eliminem dúvidas, o que estamos dizendo abertamente diz respeito à regeneração do planeta.

Sob esse nobre sentimento, recordemos a mensagem do Papa Francisco, anunciada em abril de 2021, mas sempre atual: “é preciso cuidar da natureza para que ela cuide de nós”.

Por isso, vale observar com cuidado, organizar uma força-tarefa envolvendo outros ministérios, notadamente o da Agricultura e da Segurança Pública, e olhar com mais atenção para os outros biomas do País (especialmente o Cerrado e o Pantanal), integra, de modo prático, um conjunto de ações que vise resgatar de vez o Brasil para a condição que sempre ocupou e que foi perdida diante da chegada desastrosa de Bolsonaro ao poder: protagonista da pauta ambiental global.

Está no radar das próximas ações propositivas retomar as negociações e “recuperar” o colegiado (comitê e grupo técnico) que faz a gestão do Fundo Amazônia, descongelando o montante de R$ 3,6 bilhões repassados por Noruega e Alemanha.

Não menos importante, é a questão urbana, das cidades, onde vivem mais de 80% da população brasileira. É nas cidades onde os efeitos negativos das mudanças climáticas serão mais sentidos – e, principalmente, pela população que já se encontra em situação de vulnerabilidade: quem vive nas regiões periféricas das grandes cidades.

Aliás, pelas mãos de Marina Silva, já foi encaminhado um pedido formal à John Kerry (enviado especial dos Estados Unidos para o clima) para que o país liderado por Joe Biden passe a contribuir com o Fundo. Dinamizar esse Fundo, bem sabemos, é tarefa-chave. De 102 projetos apoiados pelo Fundo Amazônia (criado em 2008), apenas 47 já
foram concluídos.

Há muito ainda por fazer e a hora é essa.

Por último, mas não por fim, superando desafios inéditos e sepultando de vez quatro “trágicos” anos de escuridão de governo Bolsonaro, alimentado por uma militância extremista que mais se assemelha a uma seita de lunáticos que ajudou a transformar a pauta ambiental doméstica em agenda ideológica, o novo Brasil de Lula e Marina, e de todos os brasileiros que sustentaram a frente ampla pela democracia, volta a ter compromisso com a realidade, e, mais do que isso, volta a recuperar a imagem do país, especialmente para a luta de todos: o desmatamento zero na Amazônia.

Justamente por isso, ao reinserir o Brasil na arena internacional, quem sabe sejamos recompensados com a COP30 (em 2025) aqui em nosso pedaço de chão, recebendo as nossas cores e o nosso jeito especial de organizar a questão ambiental.

FONTE: https://envolverde.com.br/o-revogaco-ambiental-que-o-brasil-precisa/

Autora e autor:

Marina Helou,deputada Estadual pela REDE SUSTENTABILIDADE (São Paulo). Eleita para o segundo mandato (2023-2026). Formada em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), com especialização em negócios e sustentabilidade pela Fundação Dom Cabral / Cambridge University.

Marcus Eduardo de Oliveira, economista e ativista ambiental. Especialista em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP). Mestre em Integração da América Latina (PROLAM) pela Universidade de São Paulo (USP). Foi professor do Departamento de Economia da Fundação Instituto Tecnológico de Osasco (FAC-FITO) e do UNIFIEO (Centro Universitário Fundação de Ensino para Osasco). Autor de Civilização em Desajuste com os Limites Planetário” (CRV, 2018), entre outros.

Uma cidade Encantadora!?

Há lugares do mundo onde tudo simplesmente nasce. De um dia para outro, surgem eventos, iniciativas, anúncios e ideias encantadoras. Ninguém viu antes e ninguém entende o porquê de tanta explosão de coisas que parecem ter o propósito de envolver os habitantes numa redoma que brilha, que encanta e que desperta os mais nobres sentimentos de felicidade. Uma cidade assim dura para sempre?

Uma cidade linda? Tudo nela brilha, tudo é tomado de cores, cheiros e sabores. A cidade tem luzes e alegrias para todos. Lá os bebês são tesouros. Há farmácias em todas as esquinas. Lá a educação transforma o mundo e se anuncia referência nacional. Obras e inovações não param de ser anunciadas! Como fogo de palha, tudo o que aparece, logo some deixando vácuos, os quais chamam mais novidades e mais eventos. Qualquer similaridade com a natureza dos foguetes é mera coincidência. Os foguetes não têm marcha a ré e sempre andam rápidos, para frente.

Uma cidade encantadora não é maravilhosa? Ninguém está triste e nem doente. Ninguém reclama mais saúde, educação, segurança e moradia. Todos os problemas de ontem parecem estar resolvidos hoje ou, no máximo, amanhã.

Porém, nem sempre foi assim. Passaram-se mais de 150 anos para esta cidade despertar!

Cidade encantadora agora possui líderes que brilham e falam maravilhas. Possuem boa oratória, tanto que a mídia gosta deles. Conseguem convencer, encantar, promover maravilhas, mesmo que rápidas e passageiras.

A cidade encantadora constrói shoppings e instala muitas farmácias. Abre cursos de medicina, entretanto, fecha livrarias, bares, cafés e cinemas.

A cidade encantadora não tem calçadão para sua gente descansar enquanto toma um café e curte uma boa música. Há poucos lugares para seus habitantes caminharem, andarem de bicicleta, fazerem piqueniques, admirarem a natureza e o murmúrio dos pássaros.

Por incrível que pareça, ciclistas e pedestres desta cidade já descobriram a maravilha de caminharem e andarem por ruas e passarelas. Contudo, o espaço para estes fins precisa ser compartilhado por ambos, mas as dimensões do mesmo nem sempre permitem uma boa convivência.

Nesta cidade encantadora realizam-se eventos culturais de literatura, folclore e shows musicais. Tudo o que é feito é para reforçar encantamento, mas não o pertencimento.

A cidade é apenas encantadora, mas muitos a pretendem mais cosmopolita. Com astúcia e sutileza, outros tentam disfarçar o jeito provinciano desta cidade ser.

Magias são criadas e impulsionadas pelo glamour do marketing: sempre lindas, coloridas, sofisticadas, mágicas. Este vende mundos que contrastam com a dureza e as lutas cotidianas das pessoas que escolheram esta cidade para viver e morar.

A magia rege um espetáculo de uma vida irreal. Tudo o que é anunciado na cidade fica como se já estivesse feito há muito tempo. Nela, os verdadeiros artistas do espetáculo cotidiano de vida e de trabalho tornaram-se sujeitos passivos e coadjuvantes.

Vamos embora, minha gente, porque a cidade precisa de espetáculos! Neste contexto singular de uma cidade encantadora, os problemas da vida real são manipulados, maquiados e esquecidos. É duro demais acordar, todas as manhãs, sem poções mágicas! Viva os espetáculos! A vida, que espere um pouco mais!

Legal mesmo é que ainda existem pessoas desta cidade que acreditam nos potenciais e na consistência de coisas que possam gerar realidades mais duradouras, mais perenes e mais eficazes. Que acreditam que mudanças verdadeiras exigem mais processos, mais participação, mais envolvimento e pertencimento; e menos eventos passageiros.

O tão propalado encantamento nesta cidade agora sugere que alguns poucos, representando os demais, façam pontes aéreas para conhecer cidades que tenham vocação de “Educadoras”. Para além do encanto, talvez por aqui não existam significativas coisas que mereçam ser conhecidas e reconhecidas. Ou, talvez, muito do que aqui existe, atrapalhe o próprio encantamento propalado.

Enfim, dúvidas pairam na cidade encantadora: até quando os habitantes dela suportarão as ilusões, os espetáculos, as magias e os encantos que não consideram a vida como ela é? Quando esta cidade olhará para si mesma e promoverá o pertencimento, reconhecendo e promovendo os potenciais desta gente que a escolheu como um bom lugar para conviver e ser feliz?

Autor: Nei Alberto Pies

Do cansaço

É preciso voltar a fazer uso do tempo para recuperar o lazer de qualidade e viver o ócio sem culpa. É necessário reservar tempo para a improdutividade, não é fazer pausas para armazenar energias para mais atividades, isto é, já pensando na tarefa do trabalho a ser realizada.

Há um sintoma que paira sobre grande parte das pessoas, que é a queixa de cansaço permanente. O que significa isso?

A resposta a esta pergunta está na revisão de como estamos vivendo na atualidade. Antes tivemos a sociedade da manufatura e de metas tangenciadas pela disciplina externa. Em certo sentido, está ocorrendo uma mudança da sociedade administrada para a sociedade de resultados. Isso atinge a nós todos, independente da função ou profissão.

A maioria das pessoas se torna empresárias de si mesmas, correndo o risco de se esgotar numa correria frenética em mil e uma atividades diárias. Isso é caminho aberto para depressão, para a tristeza e a doença característica do sec. XXI, o burnout que se torna a cada dia a marca do nosso tempo.

Estamos numa época em que não há mais o operário/a revolucionário/a reivindicador, mas pessoas fracassadas, deprimidas e sem ânimo para luta, porque se sente envergonhado pelo seu “não sucesso” de ser empreendedor de si mesmo. Na verdade, existe uma penalização interna do próprio indivíduo quando fracassa no empreendimento de si mesmo. Esses processos de mudanças, isto é, com o surgimento das novas tecnologias produz nas pessoas a aceleração do tempo, levando-as à uma fadiga incomensurável.

E o notável é que as pessoas se sentem culpadas pelo próprio cansaço, porque ficam com a sensação de um cansaço “sem terem feito nada”, apesar de estarem aceleradas 24 horas.

Essa sociedade do desempenho e das metas é caracterizada pelo excesso de positividade, onde tudo é possível, mas o sujeito operador se sente exausto. Assim, aceleração do tempo acarreta as doenças neuronais e de difícil diagnóstico. Isso, acarreta à pessoa impotência e pouca abertura para buscar ajuda do outro.

A afirmação de si mesmo coloca o outro em eclipse. É preciso fazer uso do tempo para recuperar o lazer de qualidade e viver o ócio sem culpa. É necessário reservar tempo para a improdutividade, não é fazer pausas para armazenar energias para mais atividades, isto é, já pensando na tarefa do trabalho a ser realizado.

A aceleração atual está diminuindo a capacidade do encontro gratuito. Precisamos de um tempo de festa, do kairós e do tempo místico. Mas não significa “reza nos lábios e trabalho nas mãos”.

Precisamos do tempo para nós, porque a maior de nossas atividades é só tempo gasto e não é tempo para nós.

O “tempo perdido” é o tempo não recuperado, que resulta em neuroses e angústias. Urge criar nas Igrejas, nas famílias, nas escolas, nos clubes e serviços, o sentimento altruísta para fazer frente aos medos, as frustrações que se encontram em atualização constante.

Em “Viver em paz com as árvores: por que as árvores incomodam?”, escrevemos:

 “temos direito de esperar o futuro para poder julgar, sabendo que estamos pondo em risco a vida dos nossos filhos e netos? O que iremos responder para eles, quando nos perguntarem por que não fizemos nada, apesar de termos sérias dúvidas quanto aos riscos, no presente? Como justificar a nossa violência contra as árvores?” Leia mais: https://www.neipies.com/viver-em-paz-com-as-arvores-por-que-as-arvores-incomodam/

Autor: José André da Costa, msf.

Liberdade religiosa: matéria da TV Globo é ótimo material pedagógico para aulas de Ensino Religioso

Matéria especial da TV Globo, exibida no dia 07/09/2022, é um interessante material que pode ser trabalhado com estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental e estudantes do Ensino Médio em aulas do componente Curricular Ensino Religioso ou da área de Ciências Humanas.

Segue matéria:

“Na série especial de reportagens sobre a Constituição, o Jornal Nacional vai tratar nesta quarta-feira (7 de setembro) de mais um direito que ela assegura a todos os brasileiros: a liberdade religiosa.

Um dos grandes debates da Assembleia Constituinte foi sobre incluir – ou não – no texto uma referência ao nome de Deus. A discussão mobilizou ateus, seguidores de todas as religiões e partidos políticos.

Os representantes do Partido Comunista do Brasil não queriam que o nome de Deus fizesse parte do preâmbulo. Já os constituintes evangélicos queriam que Deus fosse a primeira referência no texto.

O resultado foi notícia no Jornal Nacional“Constituinte: mais de 90% dos parlamentares fecham o acordo e votam na mesma proposta. Eles aprovaram hoje o preâmbulo, que é a apresentação da Constituição.”

Antes mesmo do primeiro artigo, a nossa Constituição começa assim:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.”

“A Constituição Federal de 1988 tem um valor extraordinário. Imagine uma constituição que, no seu preâmbulo, sob a proteção de Deus, promete a criação de uma sociedade justa, com erradicação das desigualdades. Uma sociedade que seja fraterna e que tem entre os fundamentos da república a dignidade da pessoa humana”, exalta o presidente do STFLuiz Fux.

Ao longo da nossa história, nem todas as Constituições garantiram a liberdade de culto. O Brasil já teve uma religião oficial e que até hoje é a maior do país: o catolicismo. Trazido pelos portugueses há mais de 500 anos, passou a conviver com outras crenças ao longo do tempo, principalmente com os diferentes ramos do cristianismo: os protestantes ou evangélicos tradicionais e pentecostais. A liberdade religiosa veio permitir e proteger a construção de todos os templos.

Assim, palavras e culturas foram se misturando. Doutrinas do Ocidente e do Oriente foram plantadas e deram frutos aqui. Um giro pelas religiões do Brasil parece um giro pelo mundo inteiro. Hoje em dia, a diversidade da fé é um patrimônio de todos e a liberdade de culto, uma realidade protegida pela Constituição.

Essa convivência pressupõe diálogo e respeito. A paz e a compaixão criam pontes, abrem portas e se unem à força da lei na proteção das minorias, garantindo o direito de crer e de não crer. No círculo da fé, a liberdade de um é a liberdade de todos.

“A religião é uma característica que não define as pessoas. O que define as pessoas é o seu caráter, é a sua integridade, é a sua competência. O caminho que cada um percorre é uma escolha individual. Tem gente que medita, tem gente que vai à igreja… A gente deve respeitar as opções de todos”, afirma o ministro do STF Luís Roberto Barroso.

Quem vive no Brasil tem o direito constitucional de não acreditar em nada que não veja diante dos olhos, mas a fé do povo brasileiro é visível em cada esquina.

As igrejas foram o grande símbolo das nossas riquezas e do nosso talento durante a maior parte da história, e não é preciso entrar em nenhuma delas para reconhecer esse brasileiríssimo nazareno naturalizado, com endereço permanente no topo da nossa autoestima: o Cristo Redentor. Símbolos de fé estão gravados na identidade brasileira”.

 Sugestões aos professores e professoras:

Este material pode ser utilizado com estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental (em aulas de Ensino Religioso) ou com estudantes do Ensino Médio (área de Ciências Humanas ou componente curricular Ensino Religioso), destacando habilidades da BNCC e outras que foram construídas nos estados e municípios que convergem sobre a temática Liberdade Religiosa.

Assista a matéria com os estudantes e promova discussões e aprofundamentos do tema: https://g1.globo.com/jornal-nacional/brasil-em-constituicao/noticia/2022/09/07/brasil-em-constituicao-liberdade-religiosa-e-um-direito-garantido-a-todos-os-brasileiros.ghtml

Seguem algumas sugestões de habilidades:

(EF08ER06) Analisar práticas, projetos e políticas públicas que contribuem para a promoção da liberdade de pensamento, crenças e convicções.

(EF08ER06RS-02) Articular           práticas               que reconheçam a diversidade cultural e religiosa na promoção dos Direitos Humanos.

(EF09ER06RS-03) Reconhecer e apropriar-se de valores éticos, morais e religiosos que contribuem para a erradicação de discursos de ódio e práticas de violência.

(EF09ER02) Discutir as diferentes expressões de valorização e de desrespeito à vida, por meio da análise de matérias nas diferentes mídias.

A Ética a Nicômacos de Aristóteles

O ser humano feliz é aquele satisfeito consigo mesmo, que se ama e ama seus amigos de forma generosa e desinteressada. São estes e tantos outros aspectos que nos induzem a dizer que a Ética a Nicômacos, apesar de ter sido escrita há mais de 24 séculos, continua nos dando preciosas lições para pensar os dilemas do nosso tempo.

Aristóteles, discípulo de Platão, é considerado um dos maiores pensadores do ocidente e um dos filósofos mais completos da antiguidade grega clássica. Em sua época, nada ignorou de tudo o que se conhecia. Foi pesquisador, filósofo e fundador de diversas ciências. Sua obra gigantesca desafia até hoje a compreensão dos estudiosos e teve uma imensa repercussão sobre o desenvolvimento de toda a filosofia ocidental. Foi professor, fundador de uma escola (o Liceu) e preceptor de Alexandre, rei da Macedônia.

Aristóteles escreveu sobre lógica, física, biologia, metafísica, política, arte e ética. Seu pensamento é tão importante na história da filosofia que podemos dizer com certa segurança que não é possível realizar um curso de filosofia sem estudar Aristóteles.

A obra Ética a Nicômacos figura como sendo um dos escritos mais amadurecidos do pensamento de Aristóteles. Dividida em dez livros, possivelmente se trata de apontamentos de aulas dadas ao seu filho Nicômacos, a obra trata sobre a excelência moral e a excelência intelectual e busca definir quais são as coisas boas para o homem e determina o sentido do Bem Supremo.

Em outros termos, Aristóteles fala dos princípios da educação do cidadão e a sua maneira, contribui de modo considerável para contemplar a imagem da finalidade da educação da Antiguidade Clássica. Assim, para ele, o objetivo fundamental de sua teoria política e ética consiste em concretizar a noção de felicidade.

Analisando os diversos sentidos em que a felicidade é compreendida, uma vez que, segundo a opinião unânime, todos buscam alcançá-la, Aristóteles acaba por concluir que ela coincide com o prazer decorrente da plena realização das virtudes inerentes à natureza humana. Quando o ser humano consegue afinar os desejos e as ações com seu pensamento, agindo em plena consciência com a própria natureza e realizando os fins que lhes são próprios, ele atinge a plena felicidade que não se limita a honra, o poder, o sucesso ou o prazer. A felicidade plena reside na vida virtuosa.

No entanto, o conhecimento da virtude, por si só, não suficiente para determinar o comportamento do ser humano. A virtude não nasce com o ser humano e também não adquirida definitivamente. É preciso exercício e esforço constante para se aprimorar a virtude. Assim, a virtude, associada às noções do fazer e do agir, torna-se uma das noções mais fundamentais da educação no âmbito de uma pedagogia ativa, que ainda hoje constitui o objetivo principal da reflexão pedagógica moderna.

A virtude, na perspectiva de Aristóteles, reside na capacidade humana de encontrar o equilíbrio, a justa medida. As virtudes morais, portanto, têm como condição a temperança, ou seja a capacidade de dominar a esfera do desejo e das emoções sem se deixar dominar por ela. Enquanto o vício é resultado do excesso ou da falta, a virtude constitui a capacidade de buscar a justa medida, o meio-termo. Assim, enquanto as ações virtuosas geram disposição para a virtude e esta, por sua vez, será causa de atos virtuosas; de outro lado, as ação que resultam numa desmesura ou descontrole dos afetos e dos desejos são a origem dos vícios e que, por sua vez, levam os seres humanos a cometerem atos inadequados, porque reforçam os vícios.

Para Aristóteles, a amizade é uma forma de coroamento da vida virtuosa e a maior fonte de felicidade para o ser humano. A felicidade nessa perspectiva não pode ser comprada em supermercado, nem vir por encomenda por transportadora; também não reside no acúmulo de riqueza e poder; também não está nos títulos honrosos ou no sucesso efêmero divulgado nos meios de comunicação.

O ser humano feliz é aquele satisfeito consigo mesmo, que se ama e ama seus amigos de forma generosa e desinteressada. São estes e tantos outros aspectos que nos induzem a dizer que a Ética a Nicômacos, apesar de ter sido escrita a mais de 24 séculos, continua nos dando preciosas lições para pensar os dilemas do nosso tempo.

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

Salvem a leitura

Pennac diria: “é preciso dar de farejar a uma orgia de leitura”. Monteiro afirmou: “um país se faz com homens e livros”. E eu vos digo: “salvem o prazer de ler!”

Adentro ansioso o portão do local. Situada dentro de uma escola, a biblioteca municipal está resplandecente. Tudo fora preparado com muito zelo naquele espaço diminuto, mas cheio de vida, para que eu, o contador de histórias, pudesse realizar meu trabalho. Cada detalhe devidamente pensado por minha amiga Nilva.

Nilva, de sobrenome Belo, de vocação docente, cuja missão é contar histórias, é uma companheira que conheci em um festival. Ela, do interior goiano; eu, do planalto gaúcho. Uma verdadeira vencedora em sua vida, dizia-se salva pelos livros. Ultrapassara as condições adversas nas quais havia nascido e, por meio do estudo e da dedicação constante, tornara-se professora e, àquela época, coordenava o programa municipal de livro e leitura da cidade de Alexânia, em Goiás. Foi essa a mulher de trajetória intensa que me acolheu naquele lugar.

Um dos grandes feitos de minha amiga foi ter provocado, em seu município, uma mudança de paradigma. Sabedora da importância da leitura, começou a se questionar como poderia fazer de suas aulas mais atrativas. Foi o ponto de partida para a carreira de contadora de histórias, desenvolvida em um carinhoso projeto chamado Leiturégua – Carroça da leitura, que levava em uma carroça a magia dos livros a diversos cantos. Sua figura irreverente e questionadora conseguiu um feito e tanto: a abertura de duas bibliotecas públicas em âmbito municipal. Uma grande vitória.

Sob esse contexto de um lugar extremamente atencioso com a causa da leitura que me inseri. Meu segundo livro nascera lá, no coração do Brasil, terra de Cora Coralina, e por intermédio de Nilva fui pela primeira vez ao estado para contar histórias. Estava ansioso não apenas para partilhar as narrativas que conhecia e as que eu já havia escrito, como também para reverenciar a movimentação corajosa dos defensores da leitura.

Ao entrar em contato com eles, senti-me em casa. Todos nós, ali, já havíamos viajado muitas vezes para os mesmos lugares, pelas páginas de um livro. Tratava-se, portanto, de uma conexão entre velhos companheiros.

A escrita acima é mais retórica do que qualquer outra coisa, reconheço. O foco da reflexão vem agora.

Era o meu dever, porém, falar dessa experiência, de minha amiga, dessa gente. Principalmente para fazer entender algo de grande relevância: a leitura e sua defesa podem brotar de qualquer lugar. E pessoas comprometidas podem, por conta própria, dar vida a esse apelo, encamparem projetos, moverem iniciativas, fazerem a diferença. Afinal de contas, há um cenário bastante preocupante no que diz respeito ao Brasil leitor.

Segundo informações do Instituto Pró-Livro, em seu tradicional estudo Retratos da Leitura no Brasil, a média de livros lidos pelos brasileiros, em 2019, foi de aproximadamente 5 obras, sendo apenas 2,5 lidas inteiramente. Na média geral, averiguada pelo instituto com os entrevistados, apenas 8% das pessoas leem todos os dias, 12% leem ao menos uma vez por semana e 54%, por exemplo, simplesmente não leem. Entre os leitores de literatura, apenas 38% leram o último livro por gosto.

Se não quisermos nos aprofundar nos números, basta olharmos a realidade próxima. Em meu trabalho como artista da palavra, estando em contato com inúmeras escolas de toda parte, não raro encontro locais com bibliotecas abandonadas, onde falta efetivo de profissionais para cuidar desses espaços, fora o descaso com o material riquíssimos que muitas delas possuem. Ora, se no espaço dedicado à educação e ao conhecimento não há esse estímulo, é sinal de um desvio muito grande na condução daquilo que se almeja como sendo uma formação humana e social de qualidade.

Agora, é preciso tomar parte desse desafio no cotidiano. É preciso ler e compartilhar livros, independente do lugar. Falar de leituras, espalhar obras pela cidade, formar clubes de leitura e debates. Começar de baixo; primeiro em casa, depois em comunidade, dentro do próprio bairro. É preciso que os pais leiam, mas que os professores também o façam. Somente na chamada orgia de leitura, propagada por Pennac, é que se poderá encontrar um caminho para que comecemos a modificar as nossas vidas.

Os livros mudaram Nilva. Nilva, empenhada, ajudou a transformar uma comunidade. O Bartolomeu Campos de Queirós, famoso escritor infanto-juvenil já falecido, criou o Movimento por um Brasil Literário. Diversas pessoas, famosas ou anônimas, estão se movimentando.

Acreditam na palavra. Acreditam no potencial do ser humano. É nessa gente que devemos nos espelhar. Como diz a sabedoria popular, uma andorinha só não faz verão. E também, ainda parafraseando o povo, é junto dos bão que nós fica mió.

Falando nisso, estou mergulhado na leitura de Ortodoxia, de Chesterton. E você? Quais são as tuas novidades literárias?

Autor: Gabriel Cavalheiro Tonin (Gabito)

REFERÊNCIAS

Retratos da Leitura no Brasil. In:  www.prolivro.org.br

Código Florestal: dez anos depois, poucos avanços na área ambiental

Nesses dez anos em que ainda se discute a falta de obediência ao Código Florestal, não cessou o registro de números horrorosos de destruição de florestas.

Nos dias de hoje, fica cada vez mais claro – ao menos para os atores sociais que conseguem perceber com suficiente clareza o nível de desajuste planetário (crise civilizatória) que atingimos – que agregar valores de sustentabilidade é absolutamente central na tomada de decisão das empresas e na elaboração de acordos comerciais, por exemplo.

No cenário internacional, é dado como certo que o País que consegue implementar uma legislação ambiental mais rigorosa logo se destaca e sai na frente na sempre necessária transformação da sociedade em suas dimensões políticas e ambientais. Franca e abertamente, há razões de sobra para dizer aqui que essa é a pauta que define as coisas no mundo dos negócios. E é justamente nessa direção que precisamos avançar.

Criado para estabelecer as áreas de proteção em imóveis rurais, Áreas de Preservação Permanente (APPs), de Reservas Legais (RL – na Amazônia, p. ex., é preciso conservar 80% da vegetação) e de Áreas de Uso Restrito (AUR), o Código Florestal, CF – na verdade, a Lei de Proteção da Vegetação Nativa 12.651, de 25 de maio de 2012 -, uma década depois de aprovado pelo Congresso Nacional, ainda não foi cumprido e há muito por fazer.

Balanço feito, dez anos depois, num cenário desfavorável à agenda ambiental, resta pouca coisa para comemorar. A fiscalização é morosa e os passos (na direção de consolidar as regras de proteção da vegetação em áreas particulares, reconhecendo as áreas consolidadas para regularização dos imóveis rurais, objetivo-chave do CF) são demasiadamente lentos. Falta vontade política, tanto quanto falta mobilização social.

Em outras palavras e em termos gerais, a perceptiva lentidão na implementação do Novo Código Florestal – a nosso ver quase que de forma deliberada – pelo Governo Federal em conluio com a Bancada Ruralista no Congresso Nacional, agravada pela falta de transparência (vide a capacidade de verificação daquilo que está cadastrado, atrapalhando o Programa de Regularização Ambiental, PRA), ajuda a criar um cenário de elevado risco e muita insegurança para o investidor, dois fatores contrários ao razoável equilíbrio socioambiental de qualquer sociedade.

Dito isso, vamos aos fatos. A Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado aprovou o relatório de avaliação de política pública de Regularização Fundiária no último dia 2 de novembro, com foco nos impactos ambientais gerados pela grilagem na Amazônia Legal. Ali avaliou-se a Implementação do CAR, apontando que tem sido utilizado como um corta caminho para legitimar a grilagem em terras públicas em todo país, com destaque para o arco do desmatamento nas franjas da Amazônia; e mesmo sendo um instrumento muito utilizado pelos Governos do Pará e Mato Grosso, não lograram sucesso com esse instrumento de monitoramento e regularização ambiental dos imóveis rurais. “Por isso, a ligação entre a grilagem marcada pelo CAR e a retirada da floresta como meio de comprovar a posse sobre a terra, sem nenhum interesse imediato na produção ou no aproveitamento adequado da área, é um dos principais impulsionadores do desmatamento. Cerca de 66% dos casos ocorreram dentro do perímetro declarado ilegalmente como particular, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia”, assim destaca o documento lido na ocasião pelo presidente da Comissão de Meio ambiente.

Decorrido todo esse tempo desde sua criação, de acordo com o relatório da CMA, denúncias apontam que o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural tem recebido registros sobrepostos de propriedades ilegais em terras públicas destinadas e não destinadas. Trata-se, no mais das vezes, de registros sobrepostos a Florestas Públicas Não-Destinadas (FPND), Terras Indígenas (TI) e Unidades de Conservação (UC) que não poderiam ser aceitos no sistema como propriedade privada ou mesmo posse legítima; portanto, com direito de registro no CAR.

Indo direto ao ponto crítico: não avançar na regularização ambiental das propriedades rurais (por conta de travas de gestão) resulta favorecer o desmatamento ilegal, um de nossos reconhecidos dramas. Da mesma forma, não avançar na remuneração pelos serviços ambientais, outro ponto bastante vulnerável, dificulta manter os benefícios (recuperação da cobertura vegetal, combate à fragmentação de habitats e assim por diante) que os ecossistemas desempenham para os seres humanos.

Colocado às claras, vamos aos números com mais detalhes: do total de 6 milhões de imóveis cadastrados, apenas 29 mil – ou 0,4%, (2% da área) – foram analisados com sucesso, informa o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural. Todavia, até agora, nenhum estado brasileiro superou a marca de 4% dos cadastros validados. Logo, não é exagerado afirmar pontualmente que o sistema funciona de forma irregular.

Se, de um lado, São Paulo, Pará e Mato Grosso avançam no método e na forma de análise, Alagoas e Sergipe, do outro, sequer regulamentaram o Programa de Regularização Ambiental. Por conseguinte, esses números escandalosamente baixos não permitem qualquer sinal de comemoração. Sendo rigoroso na análise, foram poucos os avanços, ainda que, hoje em dia, se saiba como o meio rural brasileiro está ocupado, qual o seu tamanho, onde estão as áreas degradadas e as que ainda estão conservadas.

Mas parece mesmo que o Sistema está sendo usado para garantir que as questões fundiárias tornem o problema ambiental brasileiro maior ainda, uma vez que não deixa de garantir, guardadas as proporções, as mesmas regras das oligarquias rurais e, quem sabe, capitanias hereditárias e sesmarias, com concentração de terras e exclusão social, senão vejam: grosso modo, mais de 80% das propriedades rurais detém 20% das terras, enquanto 20% das propriedades rurais tem o inverso, com grande concentração de terras.

Em números gerais, o Brasil tem 860 milhões de km2, sendo 60 milhões km2 para agricultura e 200 milhões km2 para a pecuária, e declarados mais de 560 milhões km2 em áreas com propriedades privadas, sendo 300 milhões km2 sem produção declarada, apenas para ocupação e especulação, base para os crimes fundiários. Decerto, isso torna a situação ainda mais perversa, afinal, grandes proprietários são irrigados pelo crédito agrícola como justificativa para garantir o agroexportador e superávit primário.

Nessa mesma direção, não podemos deixar de destacar ainda as agressões do grupo de ruralistas que ajudou a promover esse Código Florestal com o claro desejo de se desobrigar dos compromissos com a proteção do meio ambiente, como se não tivesse obrigação constitucional com a presente e às futuras gerações, e nem mesmo com o equilíbrio essencial à qualidade de vida e bem-estar das populações, deixando de lado o principal, a Função Social da Terra.

De qualquer maneira, que fique claro: todos temos obrigações nas propriedades urbanas, com áreas institucionais e proteção nos loteamentos, recuos nas construções urbanas, calçadas, arruamentos e etc. E uma vez apontado isso, fica a pergunta: nesse particular, como poderiam os proprietários rurais se desobrigarem desses importantes instrumentos da Reserva Legal e APP´s na proteção do nosso grande patrimônio natural Brasileiro?

Para todos os efeitos, esclareçamos algo mais: ainda sobram “consequências” marcadas pelo inaceitável retrocesso na preservação das florestas devido à anistia (perdão) concedida (especialmente a ruralistas, é claro) a infrações ambientais (leia-se desmatamentos) cometidas até julho de 2008 (com base de valores da época, a estimativa era de até 8 bilhões de reais), o que também faz aumentar – e muito – a sensação de impunidade.

Seja como for, queremos enfatizar o seguinte: nesses dez anos em que ainda se discute a falta de obediência ao CF, não cessou o registro de números horrorosos de destruição de florestas. Serve de exemplo: de 2012 a 2020, 32 mil quilômetros quadrados foram destruídos, o que prontamente exige um modelo de economia de restauração.

E tem mais: não bastasse a lentidão já mencionada, é lugar-comum a forte pressão para alterar radicalmente o conteúdo do CF que, se implantado 100%, tem potencial de conservar mais de 150 milhões de hectares de vegetação nativa. De acordo com pesquisadores do Climate Policy Initiative / Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/ PUC-Rio), há, atualmente, 56 projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que pretendem alterar o Código Florestal. Um deles, num total desapego à realidade, defende a retirada do estado de Mato Grosso da Amazônia Legal, o que eliminaria de imediato a necessidade de restauração de 3 milhões de hectares apenas nesse estado.

Resistir e enfrentar esse específico tipo de pressão, bem sabemos, é a ordem do dia. Disso não podemos fugir. Inútil dizer, no entanto, que, o que mais chama a atenção, foi o tempo perdido, dada a justificativa da urgência de se corrigir a insegurança jurídica do Código Florestal de 1965, mesmo sabendo que a Bancada Ruralista queria a todo custo anistia às multas e embargos de áreas referentes ao período final dos anos 1990 e início dos anos 2000, quando o desmatamento estava em níveis estratosféricos.

De qualquer maneira, oportunidades foram perdidas. Por exemplo: agregar valores à produção agropecuária brasileira, agregar a biodiversidade contida na Reserva Legal, da proteção das águas e corredores de conexão florestal, e ainda em relação às áreas de Preservação Permanente, valiosos instrumentos de gestão territorial e ambiental que os outros países agroexportadores não possuem e sequer poderiam ter.

Detalhe: mesmo que em um primeiro momento não tivesse maior valor de prêmio pela agregação desses citados valores, ao longo do tempo, certamente, poderíamos “marcar” a produção agropecuária brasileira como sustentável. Falando em marcas, vale lembrar o outrora Café do Brasil – produto que faz parte da nossa história.

Por fim, traduzindo outros valores essenciais que ajudam a entender o mundo de hoje, estamos convictos que o futuro (ainda a ser escrito) nos perguntará que tipo de atitude fomos capazes de ter diante das causas maiores da Humanidade: a preservação do meio ambiente e a conservação da floresta e da natureza, parceiras inseparáveis da vida.

Autores:

(*) Marcus Eduardo de Oliveira, economista e ativista ambiental. Especialista em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP, 1995) e mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP, 2005). Autor de Civilização em Desajuste com os Limites Planetários, (ed. CRV, 2018), entre outros. prof.marcuseduardo@bol.com.br

(**) Mário Mantovani, geógrafo, especialista em recursos hídricos e ambientalista. Um dos responsáveis pela criação da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente e pela implementação de Consórcios Intermunicipais de Meio Ambiente.
Atualmente exerce a presidência da Fundação para a Conservação e a Produção Florestal do Estado de São Paulo (Fundação Florestal)

FONTE: https://www.ecodebate.com.br/2022/11/11/codigo-florestal-dez-anos-depois-poucos-avancos-na-area-ambiental/

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