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O que a Bíblia diz sobre o armamento da população?

Seria a Bíblia favorável ao armamento da população? E o que diria Jesus acerca disso? Dar ao cidadão comum o direito de possuir ou portar uma arma coibirá ou estimulará ainda mais a violência?

O Brasil está entre os cinco países com maior número de feminicídios no mundo, cerca de 315 mil estupros estimados em menores de 15 anos, o país que mais mata LGBT, e também o país com maior número de casos de depressão da América Latina. Em nenhum outro país, a flexibilização da posse de arma de fogo como forma de combate a violência teve resultados positivos.

Para quem já viveu nos EUA e testemunhou um tiroteio na vizinhança da escola em que estudavam seus filhos, em que um dos seus colegas tirou a vida dos próprios pais, é lamentável ver que isso agora poderá ocorrer no Brasil com frequência cada vez maior.

Seria a Bíblia favorável ao armamento da população? E o que diria Jesus acerca disso? Dar ao cidadão comum o direito de possuir ou portar uma arma coibirá ou estimulará ainda mais a violência?

Pasmem, mas boa parte dos que se apresentam como seguidores de Jesus, o maior pacifista de todos os tempos, é favorável não apenas à posse, como também ao porte e uso de arma de fogo por parte do cidadão comum.

Tal postura se deve em muito ao fato de que muitas das denominações evangélicas brasileiras terem suas raízes nos Estados Unidos, país reconhecido como o de maior distribuição per capita de armas.

Pregadores sacam versos bíblicos para defender o armamento da população com a mesma rapidez com que pistoleiros sacavam suas armas num duelo no velho oeste.

De todas as passagens usadas, a considerada a “bala de prata” é, sem dúvida, a encontrada em Êxodo 22:2-3:

“Se um ladrão for achado arrombando uma casa e, sendo ferido, morrer, quem o feriu não será culpado do sangue. Se, porém, já havia sol quando tal se deu, quem o feriu será culpado do sangue; neste caso, o ladrão fará restituição total, mas, se não tiver com que pagar, será vendido por seu furto.”

Segundo eles, esta passagem autoriza o uso da arma para a defesa da propriedade, bem como da família. O que eles parecem desconsiderar é que tal concessão fora feita a um povo nômade em vias de se estabelecer numa terra sem lei, onde não havia qualquer tipo de policiamento, nem código penal, nem mesmo um governo organizado.

Em outras palavras, era cada um por si. Ademais, se é para cumprir o mandamento ao pé da letra, sugiro que não usem a arma para matar, apenas para ferir, e que o façam à noite, jamais à luz do dia, e que, por fim, vendam o ladrão como escravo para pagar eventuais prejuízos.

Se a bala de prata falhar, os teólogos-pistoleiros recorrem à que poderia ser considerada a “bala de ouro”. Afinal de contas, é o próprio Jesus que lhes dá munição. A passagem está registrada em Lucas 22:35-36:

“Então Jesus lhes perguntou: Quando vos mandei sem bolsa, sacolas de viagem, ou sandálias, faltou-vos alguma coisa? Responderam eles: Nada. Disse-lhes: Pois agora aquele que tiver bolsa, tome-a, como também a sacola de viagem; e o que não tem espada, venda a sua capa e compre uma.”

Quem ousaria contestar Jesus? Foi Ele mesmo quem, não apenas autorizou, mas ordenou que Seus discípulos comprassem armas. Lembre-se de que a espada era a arma mais letal daquela época, equivalente hoje a uma arma de grosso calibre. Mas antes que cheguemos a uma conclusão precipitada, que tal lermos o verso seguinte?

“Digo-vos que é necessário que se cumpra em mim o que está escrito: com os malfeitores foi contado…”

Numa época em que levantes populares eram frequentes, ao portar uma arma, um judeu estava transgredindo uma lei romana e, portanto, era considerado um malfeitor, um fora-da-lei.

Apesar de ordenar o porte de arma aos seus discípulos naquele momento específico, Jesus não autorizou o seu uso. Pelo contrário. Quando Pedro quis dar uma de valentão, puxando da espada e ferindo um servo do sumo-sacerdote que estava na comitiva que vinha prender seu mestre, Jesus o repreendeu: “Guarda a tua espada, pois todos os que usarem a espada, à espada morrerão. Ou pensas tu que eu não poderia agora orar a meu Pai, e ele me mandaria imediatamente mais de doze legiões de anjos? Como, pois, se cumpririam as Escrituras que dizem que assim deve acontecer?” (Mateus 26:52-54).

A razão pela qual os discípulos deveriam estar armados era a mesma pela qual não deveriam fazer uso de suas armas: o cumprimento das Escrituras.

Jamais foi propósito de Cristo endossar o porte, tampouco o uso de armas, mesmo sendo para autodefesa.

Paulo, o apóstolo dos gentios, declara que “embora vivendo como seres humanos, não lutamos segundo os padrões deste mundo. Pois as armas da nossa guerra não são terrenas, mas poderosas em Deus para destruir fortalezas! Destruímos vãs filosofias e a arrogância que tentam levar as pessoas para longe do conhecimento de Deus, e dominamos todo o pensamento carnal, para torna-lo obediente a Cristo…” (2 Coríntios 10:3-5 NVI). Em Romanos 13:12, ele diz que “a noite é passada, e o dia é chegado”, razão pela qual devemos rejeitar “as obras das trevas” e nos vestir “das armas da luz.” 

O arsenal de que dispomos é infinitamente mais eficiente do que qualquer armamento bélico. A única espada que devemos empunhar é a espada do Espírito que é a Palavra de Deus (Efésios 6). O resto, deixemos por conta das autoridades constituídas para prover nossa segurança.

Se as políticas de segurança pública estão falhando, façamos uso de outra arma legítima e poderosa: o voto.

Armar a população não vai resolver o problema, mas poderá agravá-lo substancialmente. Nos Estados Unidos, por exemplo, pode-se comprar armas de fogo em supermercados como o Walmart. Não é à toa que, vire e mexe, ocorrem tiroteios em escolas e faculdades.

Imagine o povo latino, passional como é, tendo acesso às armas facilitado. Imagine alguém que numa briga de trânsito, em vez de contentar-se em xingar, resolve recorrer à arma guardada em seu porta-luvas.

O deputado Peninha (PMDB-SC), integrante das bancadas “da Bíblia” e “da Bala” é autor de um projeto de lei que pretende aumentar a circulação e o uso de armas no país.

Recentemente, o parlamentar fez um post assustador, com a imagem de um revólver em cima de uma Bíblia com a seguinte legenda: “Bandido bom é bandido morto”. Quanto cristianismo numa única imagem! 

Onde é que foi parar o “não matarás”? Como conseguiram suprimir os mandamentos de Jesus de que devemos amar nossos inimigos, oferecer a outra face, abençoar os que nos perseguem?

Alguns argumentam que enquanto a população for mantida desarmada, os bandidos farão a festa. Então, em vez de desarmar a bandidagem, a saída é armar o restante do povo? Vamos apagar fogo com fogo? Como garantir que os bandidos se inibiriam diante de uma população armada? Se eles não se inibem nem diante de policiais exaustivamente treinados para combatê-los, por que se inibiriam diante de um chefe de família qualquer? Talvez isso fizesse com que mudassem a abordagem e já chegassem atirando, antes que pudesse haver uma reação.

que nossa sociedade precisa é de desarmar seu espírito, de modo que possa entender que ninguém nasce bandido. O crime é resultado da injustiça predominante na sociedade. Onde há menos injustiça social, o índice de criminalidade é menor.

Em vez de munir a população com extintores para apagar o incêndio, não seria melhor impedir que o incêndio acontecesse? Medidas preventivas costumam ser mais efetivas do que paliativos usados para remediar.

Por essas e outras que digo não ao armamento. Que a espada esteja nas mãos de quem possua competência para manejá-la e não nas mãos de qualquer um que possa machucar a inocentes e a si mesmo.

Autor: Hermes C. Fernandes

“Doutor, como estão os loucos hoje?”

Uma de minhas netinhas, aos três anos de idade, passou por uma porta de vaivém, eu vinha atrás dela, e me disse: “Que loucura essa porta, né, vovô?!”. Um pequeno exemplo dos inúmeros significados que a palavra loucura tem.

Esse termo não é mais usado na psiquiatria. Antigamente, referia-se ao que hoje se chama de psicose ou estado psicótico: sofrimento do cérebro que leva o paciente a confundir imaginação com realidade. Algumas doenças podem provocar momentos psicóticos: esquizofrenia, transtorno bipolar, dependência química, por exemplo.

Loucura, hoje, refere-se a comportamentos fora do padrão esperado pelo meio social em que se vive. Seu uso é tanto no sentido positivo quanto negativo. Também no sentido engraçado.

Positivo quando se admira determinada ação por ser difícil e de grande risco. “Louco Abreu” foi um jogador de futebol uruguaio que fazia jogadas fora dos padrões, de grande risco de darem errado e que, na maioria das vezes, davam certo. Salvador Dali, para citar outro exemplo, era “louco de bom!”. Lembram da sua famosa frase? “A única diferença entre eu e um louco é que eu não sou louco!”

Negativo quando se refere a comportamentos que provocam espanto, revolta, perplexidade: “Hitler e Stálin eram loucos!”. Os dois, diga-se de passagem, não apresentavam qualquer doença mental.

Tentativas foram feitas de enquadrar todas as maldades dentro de patologias mentais. As pessoas “normais” não seriam maldosas. Ao contrário disso, apenas uma pequeníssima parte da maldade praticada no mundo tem por trás uma doença mental. A maior parte é realizada por indivíduos sem diagnóstico psiquiátrico.

Quando me perguntam o que é ser louco ou o que é ser normal, eu não sei responder. Nós, psiquiatras, não classificamos as pessoas assim. O que fazemos é avaliar se há sofrimento e se esse sofrimento vem de uma doença que podemos tratar.

Uma vez fui chamado a dar uma entrevista na TV e o jornalista abriu nosso diálogo em pleno ar me perguntando: “Doutor, como estão os loucos hoje em dia?”.

Eu vacilei antes de explicar para ele o que falei acima. Estava diante de alguém com um comportamento fora do padrão esperado. Fui pego de surpresa. Sim, jamais esperava começar uma entrevista com essa pergunta. Vacilei para responder, pois minha vontade era dizer: “Cara, que loucura essa tua pergunta!”.

Autor: Jorge Alberto Salton

Gratidão!

Use a sua consciência para policiar-se a praticar o exercício de gratidão em suas mais inúmeras tarefas.

Eu sei, gratidão é mais uma palavra da moda e talvez, por isso, você até mesmo tenha relutado ao investir algum tempo neste texto. Caso for o caso, eu lhe entendo e confesso que até eu mesma preciso fazer um esforcinho para bloquear a associação que tenho entre gratidão e aquele infeliz ser humano que irradia uma positividade tóxica e agradece até mesmo a falta de sorte e de visão de ter pisado em um coco de cachorro (sem, é claro, verdadeiramente querer agradecer).

Mas, querido leitor, fora as brincadeiras, gratidão é muito mais que isso, e é justamente o que filosofaremos por aqui hoje. E, então, credita-me algumas moedas de sorte e vamos ler o texto de hoje? Quem sabe você não ganha algo com ele no final!

Você já parou para refletir no que significa gratidão ou muito obrigada?

Ao menos para mim, durante um bom tempo, um muito obrigado, ficou estritamente vinculado a uma formalidade social. Agradecer, portanto, tratava-se de boas maneiras, de uma forma de se comportar socialmente sem necessariamente uma conexão emocional.

Talvez, isso possa ter a ver com a minha e até mesmo a sua educação, quer ver só?! Quem aqui aprendeu a dizer um muito obrigado, até mesmo quando você abria o seu presente de aniversário e eram meias? (deixa um comentário se esse for o seu caso e a assim, a gente dá risada, juntos). Raras as exceções, nenhuma criança gosta de ganhar meias, mas, a sua mãe estava lá para lhe fuzilar com um olhar que dizia: nem pense em chorar ou fazer cara feia!

Mesmo compreendendo que você não havia gostado nenhum pouco daquilo e não estava nada agradecido com o fato, olhava-lhe e dizia: o que se deve dizer filha?! Muito obrigada! Acredito que isso por si só explica um pouco da minha concepção, digamos, deturpada de gratidão, e você leitor, acredita que essa relação faça algum sentido? (Discordar também faz parte do processo, viu).

Mas, esse meu conceito, assim como grande parte da vida, acabou sendo reajustado com o tempo… em um período, não muito distante comecei a enxergar a gratidão com uma certa frequência. Não, não era porque eu estava me sentindo agradecida, mas, porque a moda havia inundado com a palavra gratidão, as canecas, camisetas, ímãs de geladeiras, livros e por aí segue. Eu não entendi bem aquilo, cogitei ser até mesmo uma estratégia forçada de se educar a população com boas maneiras (brincadeira), mas, pensei: um “muito obrigada” quase nunca é demais.

Como curiosidade é um “mal” que atinge a espécie humana, eu não me contentei em apenas observar aqueles exemplares de “gratidão” e procurei compreender mais sobre aquele, digamos, fenômeno. E, surpresa, eu descobri que a neurociência estava fazendo o mesmo. Em um vídeo do Club Saúde da Mente, o Dr. Marco Antônio Abud [1] evidenciava que a atenção plena trabalhava os quatro estados mentais mais estudados como precursores do bem-estar. E adivinha, a gratidão estava lá, ao lado da curiosidade, compaixão/gentileza e perdão.

Mas, às coisas ainda estavam confusas, eu não conseguia compreender como um mísero muito obrigada poderia ter tanta relevância a ponto de ser estudado pela neurociência. Então, eu continuei a minha busca…

Conforme lia mais sobre, ia descobrindo que de novo, mesmo, eram apenas as canecas da gratidão, pois, se tratava de uma técnica antiga, potencializada pela sabedoria de muitos povos de modo a promover o bem-estar. Você talvez já deve ter se deparado com ela no ato de agradecer o alimento ou até mesmo o seu dia ao deitar, como são instruídos os Cristãos, ou de passar alguns minutos fazendo a sua mente recordar de coisas boas, conforme praticam os Budistas.

Mestre Eckhart, por exemplo, (um dos grandes símbolos intelectuais da Idade Média) lembrava que se a única oração que você fizesse na vida fosse muito obrigada, já seria o suficiente.

Suficiente? Com a minha percepção simplista de gratidão, eu ainda me questionava, como ela poderia fazer tanta diferença na vida das pessoas…

Até que a neurociência resolveu me fornecer algumas explicações relativamente aceitáveis. E, tudo começa com àquela história de que o nosso cérebro possui uma tendência natural a focar no lado negativo das coisas (caso você ainda não está por dentro desta teoria, sugiro conferir este texto aqui). Um mecanismo natural que foi extremamente necessário em nosso processo evolutivo e que ainda hoje contribui para a nossa sobrevivência.

O maior problema, é que estamos percebendo que viver constantemente com o foco no que pode dar errado, não é uma estratégia muito saudável de preservar as nossas vidas; isso porque, dependendo da frequência de nossos pensamentos negativos, eles podem elevar, cronicamente, os níveis de estresse e inflamação no organismo.

E, nesses casos, a tentativa de autopreservação é capaz de até mesmo sair pela culatra, quando descalibramos o nosso filtro, aumentamos desproporcionalmente os nossos medos e preocupações, nos isolamos a fim de nos proteger, com isso ficamos suscetíveis a cairmos na depressão ou até mesmo nas garras de uma ansiedade generalizada, além de nos tornarmos suicidas em potencial (credo, falando em negatividade, o que foi esse parágrafo?! Vamos melhorar isso no próximo!).

Contudo, se o viés da negatividade é uma tendência natural, cabe a nós aceitarmos e conviver com ele, não é mesmo? Errado.

A neurociência comprovou a possibilidade de alterar as nossas percepções por intermédio da neuroplasticidade (a capacidade do nosso cérebro em se adaptar e criar novas conexões), utilizando o pensamento consciente. Em outras palavras, você pode ter uma tendência a olhar o lado negativo das coisas, mas, também pode treinar a sua mente a enxergar o lado positivo e extrair todos os sentimentos bons que essa prática pode lhe proporcionar.

Dependendo do seu grau de negatividade, isso, de início pode soar até mesmo impossível. De acordo com a nossa maré de mau-humor, encontrar uma coisa boa, se quer, em nossas vidas, parece tarefa para a próxima encarnação, mas, não é. Você precisa de treino e persistência, acredite.

Com a prática, nós podemos treinar a atenção em focar cada vez mais nos aspectos positivos, nas coisas que estão indo bem e quanto mais praticamos esse olhar, mais fácil fica focar nas coisas boas. E com o tempo, passamos naturalmente a ter um olhar mais positivo sobre o mundo” (Meditopia — meditação da Gratidão [2]).

Talvez, a dificuldade de encontrar coisas boas aconteça, justamente, por termos uma noção um tanto quanto equivocada de felicidade ou até mesmo de bem-estar. Muitos de nós possuímos implantada a ideia de que necessitamos conseguir algo de que ainda não temos para nos sentirmos bem e felizes. O problema disso, é que a nossa felicidade se torna condicionada, volátil, além de lançada para um eterno devir, ou seja, ela nunca chega genuinamente.

É por essas que, aos poucos, fui descobrindo que a gratidão é tão especial, pois, ela possui a capacidade de romper com a nossa compreensão insustentável de felicidade, além de traze-la para o agora. Por exemplo, pare um pouquinho e olhe o pequeno ‘habitat’ em sua volta.

Perceba, você está protegido agora, não há sol, nem chuva ou qualquer algo que possa lhe fazer mal neste ambiente. Além disso, pressuponho que você esteja sentado confortavelmente em algum objeto que recebe todo o peso do seu corpo e lhe permite descansar. A luz e a energia permeiam o seu espaço e lhe iluminam, facilitando as suas tarefas, a sua vida. Falando nisso, muitas pessoas não enxergam, mas, você enxerga. Muitas pessoas não têm condições de tirar um tempo para ler, mas você tem, tem tempo para ler um texto e a possibilidade de se tornar melhor depois de cada experiência, de cada leitura.

E aí, se sentiu um pouquinho melhor, que seja?

Tudo isso, são pequenos exemplos de coisas boas que acontecem o tempo todo com a gente, sem darmos o devido valor, até que a nossa energia falte e precisamos tomar um banho de água gelada no inverno.

O interessante da história, é percebermos que, sem o conhecimento de como o nosso cérebro costuma agir, você pode se tornar um refém da negatividade e o resultante disso, é muitas vezes cruel. Sentimos remorso e arrependimento pelo valor que devíamos ter dado as coisas e, principalmente, as pessoas enquanto elas estavam aqui.

Entretanto, obviamente que, eu não estaria retratando a “saga da busca pelo entendimento da gratidão” sem, ao menos, aplica-la em minha vida e comprovar os seus benefícios. Depois de um tempo mostrando para o meu cérebro, diariamente, que a vida tem rosas além de espinhos, eu comecei a identificar alterações importantes na minha percepção de mundo, as quais gostaria de compartilhar com vocês, com um bônus de hipóteses sobre o porquê acho que de fato elas fazem sentido.

(se estiver cansado até aqui, está tudo bem. Este não é um texto curto e estou muito feliz que, mesmo assim, você ainda me acompanha. Caso considerar necessário, faça uma pausa e coloque um lembrete para lembrar de mim e retornar ao texto mais tarde 😉)

A primeira delas, é que me senti mais CONECTADA com tudo a minha volta. Talvez, isso possa ser em decorrência da capacidade que o nosso cérebro tem, em digamos, misturar um pouco as coisas — já explico.

Quando alguém realiza algo muito importante para você, a sensação que muitas vezes sentimos é que aquela pessoa, de alguma forma, sabe do que você está passando. Sentimo-nos conectadas com ela e ao receber ajuda, somos inundados por sentimentos de cuidado, carinho e proteção.

Depois que eduquei a minha mente a pensar que os objetos ao meu redor facilitavam a minha vida (isso parece conversa de louco, mas funciona), eu conseguia sentir a mesma sensação de bem-estar e conexão, quase como se fosse com outra pessoa. Com isso, a impressão que tinha era de que o mundo estava querendo me ajudar de alguma forma. E isso pode parecer bobagem, mas a verdade é que “a nossa mente e maneira de pensar, transformam a nossa realidade, pois a realidade nada mais é que a forma como percebemos o mundo” (Meditopia [2]).

E então, eu acabei comprovando por si o que já havia lido em algum texto de filosofia Budista: o fato de que o mundo em si não é bom e nem mesmo ruim, pois, isso tudo é relativo à forma como nos relacionamos com ele.

O modo como lidamos e como conduzimos os nossos pensamentos é o que o torna algo maravilhoso ou monstruoso. E aqui, entramos em uma questão importante, a qual pretendo fazer um texto especial apenas com este assunto: o poder dos seus pensamentos! (nada exotérico, algo bem pé no chão mesmo).

Por exemplo, você pode olhar para um objeto e considerar que ele serve para lhe servir, e não faz nada a mais que sua obrigação. Pensando assim ou não pensando, observe que é bem difícil conseguir nutrir algum sentimento bom com essa, digamos, relação. Por outro lado, você também tem a oportunidade de olhar para uma simples caneta e sentir gratidão por ela lhe permitir escrever e ajudar você a não esquecer de algo, dar vazão aos seus sentimentos e por aí segue…

E isso é apenas um pequeno exemplo de como a nossa forma de pensar pode ser utilizada a nosso favor — invocando sentimentos que nos tragam bem-estar — ou ao contrário de tudo isso. Falando, ainda, um pouco do lado negativo adotando como base que a nossa forma de pensar acaba permeando o mundo e de que o nosso cérebro parece ter uma dificuldade em dividir algumas formas de tratamento entre coisas e pessoas, gostaria que você notasse o fato de que muitos seres humanos possuem uma mentalidade de que o mundo existe para lhe servir (olha o ego dando as caras por aqui).

Conhece alguém assim?

Em que o pensamento se fundamenta no fato de que as coisas devem lhe servir e quando quebram ou não cumprem a sua função, elas não passam de incompetências ou porcarias? E, como é o comportamento dela com as outras pessoas? Abusivo ou desrespeitoso, com uma tendência em ter sempre razão, em considerar que as coisas devem ser como ela quer, caso contrário, todo o resto, incluindo pessoas, pode ser considerado descartável?

Pois, então, caro leitor. A observação que gostaria de fazer com esses exemplos é que a forma como pensamos e agimos permeia a nossa vida como uma teia transparente, mas pegajosa. E se você não estiver atento, pode, facilmente, confundir as importâncias e colocar tudo na mesma caixinha.

Já se encaminhando para o final do nosso texto, gostaria de expor a você a maior mudança que o exercício da gratidão me concedeu, ou seja, o entendimento de que eu não sou dona de ninguém. Mas, ok. Na verdade, ninguém é dono de ninguém e talvez, você, assim como eu não se sinta dono de alguém. Então, Ana, de que diabos você está falando?

Bem, a impressão que tenho é que tudo começa com um processo de linguagem, ou seja, com a forma como significamos, e as conexões que criamos junto ao termo “dono” e seus semelhantes. Ser dono de algo significa que ele é seu. Essa relação é muito fácil de imaginar quando se trata de objetos. Eu sou dono de um carro, por exemplo.

Quando dissemos “isso é meu”, a impressão que tenho é a de que invocamos um pedacinho de nós que se chama ego. Esse último aí, acaba fazendo com que a gente se aproprie das coisas de tal forma que se constituam como uma parte de nós. O ego é apegado, grudento e egoísta. Mas, tem o seu lado bom. É ele também que nos faz cuidar com zelo e amor aquilo que é nosso…E, afinal, o que tem a ver linguagem, ego e ser dono de pessoas? Na verdade, minha suposição se encontra na forma como o ego se apropriada das coisas utilizando os pronomes possessivos. Ou seja, educamos o nosso ego a se apropriar daquilo que chamamos de “meu”. Note que, são justamente os mesmos pronomes que utilizamos com pessoas próximas, ou seja, meu pai, minha mãe, meu amigo, etc.

E aqui, eu reitero a minha hipótese de que o nosso cérebro não é bom em separar as coisas. E ao relacionar os pronomes possessivos com pessoas, a informação que transmitimos para o ego é a de que, de alguma forma, aquela pessoa faz parte de mim. Nos casos mais extremos, nos sentimos donos, mesmo, de um ser humano, como é o caso da percepção de alguns pais para com seus filhos.

O ponto “x”is da questão, é que essa forma ensinada de pensar e se relacionar com o mundo acaba, também, influenciando em nossos níveis de apego. E é agravada pelo fato de que o ego parece viver na eternidade, e não computa bem a ideia de que nós, as pessoas que amamos e os objetos que nos pertencem também irão perecer. Então, quando perdemos algo ou alguém, a sensação que muitas vezes sentimos, é a de que um pedaço de nós foi arrancado.

Sabe aquela história do “copo meio cheio ou meio vazio”? Pois, bem, depois de um bom tempo praticando a gratidão, eu alterei a minha percepção de mundo de uma pessoa que vivia no futuro, sentindo-se engolida pelo tempo, sofrendo com o fato de que as pessoas que amo vão morrer — e isso pode ser hoje — e, portanto, participando da vida com a ideia de que “um dia vivido é um dia a menos de vida”; para uma ser humano que busca viver no presente, esforçando-se para dar atenção a essas pessoas e se voltando para a ideia de que um dia de vida é um dia a mais vivido.

Eu entendo que ler isso pode parecer besteira e não significativo de ser anunciado como a grande mudança, mas posso afirmar que para mim, convencer-se disso, verdadeiramente, era como fornecer doses homeopáticas para o meu ego e libertador, de algum modo. E, agradecendo, eu insistia em convence-lo do óbvio. Consciente da efemeridade de tudo em minha volta, eu fazia o meu cérebro perceber, dia após dia, de que não viveríamos para sempre. De que eu não tinha o controle do mundo e muito menos a posse de algo ou de alguém.

Era como seu eu pegasse o ego pelo braço e puxasse um pouquinho por vez, fazendo-o soltar das pessoas e das coisas. No início, foi difícil aceitar a ideia, a impressão que eu tinha com isso era a de que eu estava deixando de me importar com elas. Aos poucos, fui compreendendo que era possível amar sem necessariamente se apegar, e que aquilo se tratava de uma forma saudável de lidar com o ego, utilizando a sua capacidade de me sentir conectada, mas, ao mesmo tempo, respeitando e aceitando o fluxo natural da vida.

Por mais que eu me esforce em tentar retratar um pouco da minha percepção de como a gratidão mudou as coisas na minha cabecinha, nada substitui a prática, ou seja, há muitas coisas na técnica que só descobriremos e sentiremos mesmo se tentarmos. Mas, espere. Não saia por aí agradecendo tudo loucamente! (isso vai parecer loucura e você vai desistir em dois dias, sentindo-se ridículo).

Eu tenho uma sugestão para você iniciar, segue uma técnica simples para lhe ajudar nesta caminhada:

Primeiramente, é necessário um esforço e organização de sua parte. Não pense que alguns dias pensando voluntariamente em coisas boas, mudarão o seu cérebro, precisamos de treino e constância, tudo bem? Para começar, sugiro ter um caderninho em mãos e separar dois momentos do seu dia para agradecer a quatro coisas em sua vida, escrevendo-as (gosto de fazer isso ao acordar e antes de deitar).

É importante que neste primeiro momento você escreva, mesmo; tira as palavras de sua cabeça e coloque em algo que você consiga visualizar. (No início, eu me deparei com alguma dificuldade em encontrar coisas boas, mas, depois, eu percebi que era só uma questão de treino).

Sugiro fazer isso por 15 dias. Depois, nos próximos 15, você continua reservando os 2 momentos para esse treino, mas, vai alternar entre um dia escrevendo e um dia agradecendo apenas no seu pensamento. Nos próximos 15, a ideia é a de que você vá largando o caderninho e comece a se esforçar para enxergar a gratidão em seu dia-a-dia. Vamos precisar de mais esforço aqui, pois, a tendência de nosso cérebro é voltar aos padrões anteriores!

Eu eduquei-me a “ligar o modo gratidão” principalmente, quando eu estou um pouco desanimada ou algo ruim acontece, por exemplo: um dia fui trocar a torneira da pia, desliguei o registro, mas, a caloura aqui esqueceu de abrir a torneira para deixar sair a água do cano (aham). Resultado: molhou a cozinha inteira!

É claro que eu soltei uns palavrões na hora e também me senti amaldiçoada (não pensem que vivo em um mundo mágico do bem-estar constantemente), mas, logo na sequência, o pensamento que me esforcei em invocar foi: “bem, pelo menos considero que vou me lembrar disso da próxima vez que precisar trocar algo assim (mais um aprendizado). Ah, menos mal que meu piso é vinílico e não laminado, e pode molhar, sem problemas. Logo logo a gente seca tudo e está resolvido!”

Então, use a sua consciência para policiar-se a praticar o exercício de gratidão em suas mais inúmeras tarefas. Se esforce para encontrar algo a agradecer, até mesmo em um elevador (quem sabe só o fato dele ter lhe poupado vários lances de escada não seja suficiente?). Se ainda assim, estiver com dificuldade, pense em como aquele objeto ou aquela pessoa está facilitando a sua vida de algum modo. Vamos, seja criativo!

E, lembre-se, a felicidade é algo que conquistamos por meio de nossos esforços conscientes. Não basta querer mudar, é preciso disciplina e dedicação para que isso aconteça. Além de muito autoconhecimento. Estou orgulhosa por você ter concluído esse textão e espero muito que ele tenha lhe ajudado de alguma forma! A gratidão possa ser, também, o seu ponto de apoio!

Então, chegamos ao final deste texto reflexivo. Caso ele tenha lhe ajudado de alguma forma, compartilhe com seus amigos e amigas, quem sabe ele não os ajude também!

Autora: Ana P. Scheffer

[1] Vídeo do Club Saúde da Mente; mini curso saúde total da mente, Vídeo 01 — Meditação Mindfulness.[2] Meditopia! é um app que amo e que fornece meditações guiadas com vários temas específicos. Cada um deles é acompanhado de uma introdução, com informações relevantes sobre comportamento humano fundamentadas na neurociência.

Simplificar e relativizar: uma nova forma de dominação

Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido. (O Último Discurso, do filme O Grande Ditador, de Charlie Chaplin)

Há uma tendência generalizada, no atual momento histórico, de simplificar a vida, a realidade e os processos de convivência social e de governança institucional. Ao invés de encarar a complexidade das diferentes realidades, procura-se escamotear o que acontece, utilizando-se de sofisticados meios para adaptar às narrativas que se quer contar.

Percebe-se, também, certo desprezo pela representação política de diferentes categorias sociais, quando se tenta a manipulação direta das pessoas, como se não mais precisasse de representação política e social destes.

Acontece, por exemplo, quando, através de enquetes bem direcionadas, procura-se saber da satisfação ou qualidade da gestão de um certo setor do serviço público. De forma maquiada, busca-se respostas direcionadas pelas hierarquias de poder, subordinando os sujeitos diretamente envolvidos apenas a uma consulta genérica sobre a realidade. Com a devolutiva genérica destes dados, elabora-se, então, uma narrativa de que houve consulta com ampla participação dos envolvidos, procurando demonstrar assim uma prática democrática.

Puro engodo! As consultas, as enquetes podem até servir de subsídio, como base para levantamento das realidades, mas estes dados precisam ser submetidos a uma discussão mais ampla a partir daqueles que estão diretamente envolvidos ou interessados.

Se alguém quer conhecer determinada realidade ou grau de satisfação de determinado grupo social, deve também submeter-se ao diálogo, à escuta e à participação direta ou por representação política dos sujeitos. Deste modo, ampliam-se os horizontes de compreensão da realidade, sem a pretensão de esgotar-se o entendimento das complexidades e das variáveis que nela operam.

Acontece também quando se processam discussões sobre o racismo estrutural na sociedade. A simplificação ocorre quando se diz: “os próprios negros e negras praticam racismo e discriminação”. Ou quando se diz que os próprios negros ou negras querem ser tratados de forma diferente, não querem se igualar aos brancos, uma vez que a abolição da escravatura já aconteceu faz bom tempo. Em ambos os casos, transforma-se as vítimas em pessoas culpadas. Quem assim procede, não está disposto a ouvir, a se colocar no lugar de quem sofre o preconceito racial. Não há, neste caso, predisposição de reconhecimento social e nem reconhecimento aos dados estatísticos que reforçam esta discriminação social.

As questões centrais são: como os brancos, que não conhecem discriminação pela cor da pele, irão determinar como os negros e negras deveriam agir diante de uma sociedade que lhes impõe a exclusão e lhes dificultam muito as oportunidades de vida e de realização profissional? Como tratar igualitariamente os que historicamente tratamos desiguais, sem nenhum tipo de reparação?

Acontece, ainda, a partir de afirmativas de que a maioria das pessoas mais pobres não gosta de trabalhar, não aproveita as oportunidades de trabalho que a sociedade oferece. Ou quando se interpretam, friamente, números estatísticos de busca de emprego, por exemplo. E, muitos, que já tem suas teses mesmo sem base científica e sem antes analisar a realidade na qual os mais pobres estão envolvidos historicamente, acabam fazendo afirmações sem nenhum fundamento. Por que? Por que não se precisa fundamentar, na visão destes, o que é certo, o que está visível aos olhos de quem queira ver.

Deste modo, relativiza-se a crueldade e a dramaticidade das relações sociais que, historicamente, foram e continuam sendo muito desiguais e perversas para esta imensa parcela da população. Assim, a realidade deste contingente de pessoas pobres e desassistidas socialmente, nunca é estudada e não é levada a sério para aperfeiçoamento de políticas de inclusão social, cidadania e trabalho. Ou mesmo, para muitos, erroneamente, a questão do trabalho é apenas uma questão de mérito e conquista pessoal.

O perigo maior da simplificação e da relativização ocorre quando as realidades viram apenas números, estatísticas, questionários, pesquisas quantitativas, enquetes. As ferramentas digitais podem, e devem, favorecer o conhecimento superficial das realidades sociais, mas jamais substituirão os aspectos dialógicos, de imersão e de reflexão a que as realidades devem ser submetidas.

Conhecer mais profundamente as diferentes realidades supõe uma postura de abertura, de diálogo, de escuta, de discernimento mais amplo, de comprometimento com mudanças que sejam significativas para quem está diretamente envolvido na realidade. Bem diferente de impor ou maquiar uma narrativa que serve para justificar o que penso e sobre o que pretendo realizar, diante de determinados contextos.

Nunca é recomendável autodeterminar-se democrático ou de espírito colaborativo; mais sensato é colocar-se em busca da compreensão da complexidade que envolve as relações humanas, os desejos e as realizações dos diferentes grupos sociais que compõem toda a sociedade. A democracia se faz no percurso, não é anúncio ou intencionalidade formal de ninguém.

Autor: Nei Alberto Pies

Como lidar com o erro da sua criança

Estamos tão mal-acostumados com crianças certinhas que nunca fazem nada errado que mal sabemos acolher os seus erros quando elas erram e se sentem envergonhadas diante de si próprias e do outro em relação ao que fizeram.

No seu lindo poema “Pontinho de vista” o poeta Pedro Bandeira nos diz nos seus lindos versos “Eu sou pequeno, me dizem, / e eu fico muito zangado. / Tenho de olhar todo mundo / com o queixo levantado. / Mas, se formiga falasse / e me visse lá do chão, / ia dizer, com certeza: / – Minha nossa, que grandão!” É assim que alguns adultos veem as nossas crianças, ou seja, elas são grandes demais e já cresceram muito para continuarem errando. Deixemos que continuem crescendo e aprendendo com os seus erros, pois só se aprende alguma coisa nessa vida quem tenta, quem erra, quem começa de novo.

Pedro Bandeira declama Mais respeito, eu sou criança! Assista: https://youtu.be/CDtSrW-qM-o?t=52

Como você se sente quando erra? Que palavras motivadoras você usa na sua conversa interna? Elas te fazem acreditar que é capaz de agir diferente? Elas te empoderam? Elas te trazem coragem de fazer de novo? Ou, ao contrário, te ofendem e te oprimem passando a sensação de desprezo e de fracasso? É dessa forma que fala com o seu filho?

A sensação de vergonha causa muitos problemas na criança. Procure agir de outro jeito. Se coloque no lugar da sua criança, use da empatia. Muitas vezes errar é necessário para que passemos a nos reconhecer melhor.

Estamos tão mal-acostumados com crianças certinhas que nunca fazem nada errado que mal sabemos acolher os seus erros quando elas erram e se sentem envergonhadas diante de si próprias e do outro em relação ao que fizeram. Esperamos tanto das nossas crianças como se elas tivessem experiências e vivências para fazerem tudo que é certinho e que nos agrada, como se elas estivessem ali para nos agradar sempre.

Para nós, adultos, as crianças não podem errar nunca. Se errarem, ficarão de castigo, serão chamadas de fracas e desmotivadas a continuarem a fazer o que estavam fazendo e acabaram parando devido a um erro inesperado.

Os erros acontecem conosco a todo instante, só não damos conta de quantas vezes erramos no nosso dia a dia. Mas, os erros das crianças são mais fácies de serem conhecidos por nós que parecemos vigilantes e tiranos prontos para castigar firmemente qualquer vacilo da nossa criança.

Tantas vezes erramos no nosso trabalho, com os nossos amigos e familiares e até mesmo com as nossas crianças e nem damos conta disso. Estamos sobrecarregados de atividades, estressados, perturbados com os problemas do dia a dia e nem atentamos para os nossos erros graves que cometemos na nossa rotina de pessoas apressadas que não têm tempo para nada, sequer para acolher o pranto da nossa criança que chora com medo de ser castigada porque descobriu que errou.

Errar é humano, já diz o ditado. Com os erros aprendemos a crescer, amadurecemos mais rapidamente. Devemos tentar tantas vezes seja necessário para que alcancemos os nossos objetivos e sonhos. Sabemos que vamos errar uma, duas, três ou mais vezes. Estamos dispostos a seguirmos em frente na busca pela perfeição. Afinal, o homem que fugiu da caverna de Platão também cometia erros quando acreditava que aquelas sombras eram reais e ao ver a luz do sol descobriu que viveu o tempo todo enganado, errando, e volta para a caverna para corrigir os seus amigos, mas não é compreendido por eles.

Assim, caminha a humanidade. As nossas histórias são cheias de erros e falhas. Não devemos deixar as crianças envergonhadas por errarem ou desmotivá-las naquilo que erraram. A criança precisa sentir-se acolhida, amada, cuidada. Ela deve voltar a fazer a sua lição, a fazer o seu desenho, a juntar os cacos do vaso quebrado, a calçar o sapato direitinho, a pedir desculpas para a pessoa que chamou de “feia”. Em nenhum momento a criança deve sofrer com os seus erros.

A criança está em fase de aprendizagem assim como os robôs programados com a Inteligência artificial. Elas aprendem conforme o número de acertos e erros que cometem no dia a dia. Um erro nunca será repetido na aprendizagem de máquina, mas com a criança pode ser que aconteça novamente e não a julgaremos por isso, afinal quem está aprendendo necessita ser estimulado a continuar fazendo novas tentativas e chegar até o término da sua tarefa. Mesmo que os seus erros sejam maiores que os seus acertos.

Na escola, a criança deve ser incentivada a fazer avaliações que usem o pensamento crítico e reflexivo e não a responderem questões objetivas que devem ser marcados o certo ou o errado com um X. Esse tipo de avaliação está caduco.

O bom professor sabe explorar o erro da criança e incentivá-la a buscar a resposta correta através do diálogo. Abrir novos caminhos do pensar da criança, fazê-la pensar o motivo pelo qual escolheu aquela resposta que não é a certa para a sua lição, ser crítica diante das suas opiniões e refletir sobre o que escreve buscando interpretar o seu texto.

Os erros das crianças são necessários ao seu bom desenvolvimento. Não reclame com ela ou diga “errou de novo”. Uma criança é um ser em crescimento e descobertas de novas aprendizagens estão em constante movimento assim como o devir de Heráclito. O movimento do pensamento cognitivo, a linguagem, a expressão corporal demonstram como a criança reage ao nosso jeito de lidar com os seus erros.

Nunca obrigue a sua criança a pedir desculpas pelos seus erros, pois ela fará isso apenas por interesse próprio talvez para não ser castigada ou punida, e não porque está verdadeiramente arrependida ou preocupada. O melhor é que você ensine seu filho a ter empatia, a entender o motivo que fez com que o outro se sentisse mal. Contudo, se ele não entender naquele momento, vale dar um tempo e conversar depois.

A criança não nasce com a empatia plenamente desenvolvida. Ela só vai começar a entender o que é isso a partir dos dois anos de idade. Mas, a consciência de que o outro tem sentimentos e histórias começa aos seis ou sete anos de idade. Assim, até os seis anos de idade a criança não consegue identificar se o seu erro é coisa legal ou não e que deve se retratar para com o outro.

Não ter medo de arriscar e errar é fundamental para ser criativo, usar a criatividade na sala de aula ou em casa, criar coisas maravilhosas e encantar-se com o mundo ao seu redor. A criança criativa tende a errar mais porque faz mais experimentos, lida mais com o desconhecido e com o novo. Não podemos sair apontando os seus erros como se eles fossem a coisa mais horrível do mundo.

O erro faz parte do aprendizado, mas, quando apontado pelo outro, humilha. Por outro lado, quando a criança, sozinha, se dá conta do próprio erro, o resultado é aperfeiçoamento, autoeducação e autocorreção.

Ensina a criança a não esperar o outro dizer em que ela precisa melhorar. Só para citar um exemplo: se você vir que a criança vestiu a blusa pelo avesso a leve até o espelho e mostre para ela o seu erro. Ria junto com ela e a ajude a vestir a blusa da forma correta.

Nenhuma criança erra porque quer. Ela erra por não saber direito fazer escolhas ou por não ter compreendido bem o que lhe ensinaram. Quando erra o seu medo é tanto que logo pede desculpas e outras começam a chorar com medo de serem castigadas. Elas sabem que erraram pelo olhar desaprovador que alguns pais lhes dão, pelos xingamentos que ouvem ou pelo desprezo. Sim, porque muitas crianças são desprezadas quando erram.

Permitir que a criança experimente novas sensações, novas brincadeiras e aventuras, faça novos amigos e brinque mais é um exercício para que ela se sinta segura no seu dia a dia e quando errar não tema o que ouvirá por parte dos que dizem lhe amar. Que ela não precise esconder o seu erro de ninguém por medo de ser castigada, que ela procure um adulto e conte o que fez com confiança e a certeza que será acolhida.

O medo de ser castigada devido a um erro causado faz da criança um ser assustado e prejudica o seu desenvolvimento. Ela passa a ser tímida e sente-se potencialmente frágil para tentar novamente aquilo que errou. Vai crescer sendo um adulto que desistirá fácil das coisas, que não saberá ir atrás dos seus sonhos, que terá medo de enfrentar os seus chefes e amigos de trabalho. Vai crescer muitas vezes desmotivada a aprender novas coisas.

Toda criança deve ser incentivada desde a tenra idade a fazer o que gosta, a brincar, a pular e correr. Claro que elas devem ouvir os nossos conselhos, mas se por acaso elas não nos ouvirem vez ou outra causando erros que nos desagradam que saibamos lidar com esses erros mostrando-lhes e incentivando-as a fazerem as coisas de maneira correta, pois assim todos ficarão bem.

Lidar com os erros das nossas crianças exige paciência, amor, cuidado e mais do que isso a sempre presença na sua educação dentro e fora de casa. Os pais estão tão ocupados com os seus afazeres que não acompanham mais o desenvolvimento das suas crianças e quando veem já se passaram vários anos e a criança continua fazendo a coisa errada como fazia na pequena infância. Ninguém a corrigiu. Continua sentando-se de maneira errada na cadeira, continua pegando no lápis de maneira errada, continua fazendo birra por coisas simples. O tempo que passou longe dos pais ao cuidado de avós ou cuidadores não foi suficiente para que eles corrigissem os seus erros porque as encheram de mimos.

Não é tão somente com amor que se educa uma criança. Ela precisa de limites. Ela precisa ser corrigida quando fizer algo errado. Claro que de uma maneira que não amedronte e nem a desmotive a seguir em frente. Todos devemos saber como lidar com os erros das nossas crianças porque também erramos bastante e não gostamos de sermos corrigidos por terceiros. Muitas vezes um erro pode prejudicar uma empresa inteira, do mesmo jeito ocorre na infância que pode prejudicar a vida da criança por inteira se não soubermos como lidar com o seu erro.

Deixe a sua criança fazer o que ela gosta, o que ela deseja. Abra espaço para ela se aventurar experienciando novas sensações e descobrindo novos olhares diante do mundo ao seu redor. Para que ela possa aprender com os erros que a vida é dura, e não será fácil com ela na idade adulta. É preciso desde a tenra idade saber que errar faz parte da nossa vivência.

Se a criança cair, deixe que ela por si só se levante, não seja o primeiro a ajudá-la, pois na idade adulta nem sempre você estará por perto quando ela errar no trabalho ou na prova de um concurso.

Os erros das nossas crianças são um estímulo para a aprendizagem. Elas conseguem produzir conhecimentos a partir deles. Elas descobrem as suas fraquezas e estranhezas diante do mundo, e com isso buscam o aperfeiçoamento dos seus gestos e atitudes. Não devemos nunca rir do erro da nossa criança e muito menos julgá-la. Todos erramos e isso é certo. A diferença das crianças para os adultos é que elas erram e não conseguem compreender o tamanho do problema que os seus erros podem causar para outras pessoas já nós, adultos, temos esse conhecimento.

Antes de desmotivar a sua criança de que ela não é capaz de fazer nada certo, de puxar as orelhas dela ou de colocá-la de castigo por quebrar todos os seus vidros de esmalte, por quebrar os óculos do vovô ou por riscar as paredes da casa dê uma chance para que ela se explique e diga o motivo pelo qual fez isso ou aquilo. Conversar com a criança sobre algo que ela fez de errado e você não gostou vai passar confiança e despertará o sentimento de não repetição do gesto ou atitude que é considerado errado por quem a ama.

O diálogo ainda é o principal motivador entre o adulto e a criança para que ela confie os seus medos e erros.

Não esconder embaixo da cama o que fez de errado e sim ter coragem para falar, dizer onde errou, pedir desculpas pelo seu erro sem sentir-se extremamente culpada e julgada. Afinal, não existe quem não erre nessa vida de desafios e incompreensões.

O segredo é entender a mensagem que cada falha nos passa. E, principalmente, entendermos o segredo da vida porque a nossa fala vira a conversa interna da criança. Assim como a dos adultos contribuíram na sua formação. Que a sua criança possa ter um diálogo construtivo a partir de você, consigo mesma.

Para finalizar este ensaio que nos leva a reflexão de como lidar com os erros das nossas crianças eu trago a nossa poeta Cecília Meireles com o poema “Para ir à Lua” que nos diz: “Enquanto não têm foguetes / para ir à Lua / os meninos deslizam de patinete / pelas calçadas da rua. / Vão cegos de velocidade: / mesmo que quebrem o nariz, / que grande felicidade! / Ser veloz é ser feliz. / Ah! se pudessem ser anjos / de longas asas! / Mas são apenas marmanjos!”

Assista em vídeo: https://youtu.be/Nw5JPjDX77A?t=14

Que as nossas crianças possam ser felizes iguais aos meninos de Cecília Meireles nos seus erros e acertos, o importante é chegar à Lua ou a outro lugar qualquer onde a imaginação possa voar.

Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alexsandro Rosset

Água – fonte da vida

Trabalhar na escola sobre a água, fonte da vida, abre leque imenso de conhecimentos para todos, a partir de atividades gratificantes elaboradas pela criatividade dos professores. Mãos e mentes à obra!

Trago subsídios para trabalhar este tema em sala de aula do Ensino Religioso e de forma interdisciplinar, envolvendo, por exemplo, as Ciências Naturais, História, Geografia, Língua Portuguesa, provocando no aluno profunda reflexão na dimensão intelectual, sócio emocional e espiritual que motivará a sua conscientização sobre a importância do cuidado em preservar o líquido precioso para a vida.

Os educadores precisam ter em consideração a necessidade de estimular as   várias dimensões da inteligência dos educandos: a racional, as inteligências múltiplas com suas peculiaridades individuais, a emocional, a moral e a espiritual para motivá-los a se interessarem e se envolverem na temática da aula.

A proposta pedagógica de cada aula deve ser desafiante para cada aluno envolvido, daí a importância do incentivo inicial, no primeiro momento do encontro. Provocar impacto, para chamar a atenção de todos e envolve-los, predispondo-os ao aprendizado.

A linguagem simbólica das diversas formas de Arte: a literária, a musical, a dança, o desenho, a pintura, a escultura, o teatro, acionam as emoções e os sentimentos profundos do ser humano e ajudam-no a se abrir para novas reflexões em relação ao conhecimento e compreensão da vida e a se autoconhecer. 

O aluno vai se percebendo como parte integrante do contexto da criação divina, um ser excepcional, único, com grande capacidade e habilidades que precisam ser desenvolvidas no grupo, pois ele é também um ser social e histórico.

A água é recurso natural, de valor inestimável, essencial à existência e a sobrevivência dos seres vivos do planeta Terra.

Ela é um composto químico formado por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. A sua preservação é fundamental para a biodiversidade, ela se apresenta na natureza em um ciclo de etapas: evaporação, condensação, precipitação, infiltração e transpiração, mantendo assim a vida planetária. Ao longo da História da humanidade, nas sociedades primitivas, os grupos humanos se estabeleciam em planícies junto aos rios. 

No Ensino Religioso, por exemplo, pode-se solicitar aos alunos, numa roda de conversa, depois de introduzir o assunto, que cada um explique de que forma a água é cultuada na sua denominação religiosa, qual o seu significado e qual o seu uso.

Para motivar a participação e discussão sobre esta questão, sugerimos a utilização dos seguintes recursos, entre outros:

O poema da música de Guilherme Arantes, Planeta Água, para ser lido com o grande grupo e seguido pela visualização de um dos clips da música que tem no youtube.

Segue sugestão de link:https://youtu.be/oPwnAq2xMUg?t=13

Planeta água

Água que nasce na fonte serena do mundo
E que abre o profundo grotão.
Água que faz inocente riacho e deságua na corrente do ribeirão
Águas escuras dos rios que levam a fertilidade ao sertão
Águas que banham aldeias e matam a sede da população
Águas que caem das pedras no véu das cascatas, ronco de trovão
E depois dormem tranquilas no leito dos lagos, no leito dos lagos
Água dos igarapés, onde Iara, a mãe d’água é misteriosa canção
Água que o sol evapora, pro o céu vai embora, virar nuvem de algodão
Gotas de água de chuva, alegre arco-íris sobre a plantação
Gotas de água de chuva, tão tristes, são lágrimas na inundação.
Águas que movem moinhos são as mesmas que encharcam o chão
E sempre voltam humildes pro fundo da terra, pro fundo da terra.
Terra, planeta Água,
Terra, planeta água
Terra, planeta água.

A música facilita o relaxamento, aumenta a coordenação motora, reforça e proporciona a motivação, a autoconfiança, a autoestima e a independência do aluno predispondo-o a participação ativa nas atividades de sala de aula pois é excelente recurso para manter a atenção pois estimula várias partes do cérebro ativando  memórias e emoções adormecidas.   

No dizer de Franz Lizt “A música é o coração da vida, o amor fala através dela, com ela tudo é formoso.”

A importância da audição de peças de músicas clássicas como as de Mozart, Vivaldi, Brahms, Bach, Villa Lobos, Carlos Gomes e outros, bem como a boa música popular, inseridas no contexto da aula, representa recurso valioso para estimular e motivar as emoções profundas dos alunos e despertar o âmago inerente de cada um de nós o que é bom, belo e verdadeiro.

 O poema Santa Água, do poeta Benedito Rodrigues de Abreu, recebido pela psicografia de Francisco Cândido Xavier, oferece ótima reflexão para ser feita pelos alunos em relação a utilidade da água na linguagem simbólica da literatura que apresenta a Natureza como um livro de páginas vivas e eternas, onde nada permanece sem propósito, sem finalidade justa.

Santa Água

Recordemos as virtudes da Santa Água,
Água da chuva que fertiliza o solo,
Água do mar que gera a vida,
Água do rio que sustenta a cidade,
Água da fonte que mitiga a sede,
Água do orvalho que consola a secura,
Água da cachoeira que move a turbina,
Água do poço que alivia o deserto,
Água do banho que garante o equilíbrio,
Água do esgoto que assegura a higiene,
Água do lago que retrata as constelações,
Água que veicula o medicamento,
Água que é carícia, leite, seiva e pão, nutrindo o homem e a natureza,
Água do suor que alimenta o trabalho,
Água das lágrimas que é purificação e glória do espírito…
Santa água é a filha mais dócil da matéria tangível,
Alongando os braços líquidos para afagar o mundo…
Água que lava,
Água que fecunda,
Água que estende o progresso,
Água que corre, simples, como sangue do globo!…

Outra poesia, desta feita, de Casimiro Cunha, do livro Cartilha da Natureza, são rimas singelas para análise em torno do tema abordado:

A Água
Água que lavas o corpo
De todas as criaturas,
És fonte de bondade
Que dimana das alturas.

Sangue vivo do planeta,
Na forma que aperfeiçoa,
Nos campos do mundo inteiro
Toda terra te abençoa.

O teu impulso amoroso
É vida, perfume, essência,
Mãe das forças da existência.
És em todos os recantos,

Por ti, há pomares fartos,
Doçuras no lar que abriga,
Ventos frescos no deserto,
Orvalho na noite amiga.

Água tranquila e bondosa
Que acaricia o sedento,
Lavas manchas, lavas sombras,
Desde o solo ao firmamento.

Aclaras a imensidade,
Na borrasca, no escarcéu,
Circulas em toda a terra,
Depois de voltar do céu.

Água, água, irmã da paz,
Da abundância, da limpeza,
Garantes o dom da vida
Nas luzes da natureza.

Trabalhar na escola sobre a água, fonte da vida, abre leque imenso de conhecimentos para todos a partir de atividades gratificantes elaboradas pela criatividade dos professores. Naturalmente, a abordagem deve se adequar ao ano escolar, a faixa etária dos alunos e ao trabalho interdisciplinar planejado pelo corpo docente. Mas, não podemos esquecer que a Natureza oferece valioso patrimônio que revela mensagens silenciosas e especiais sobre as quais precisamos refletir com as crianças e jovens.

Autora: Gladis Pedersen de Oliveira

Edição: Alexsandro Rosset

A palavra, acima de tudo

Porque narrar é isso: desnudar-se, sem vergonha de ser apontado como falho, entregando-se a um jogo onde, acima de tudo, há um universo de histórias, que merecem ser contadas e que fazem dos seres humanos verdadeiramente especiais.

As histórias compõem o ser humano. Os narradores são os responsáveis por disseminá-las. Todos somos narradores, bem sabemos. Alguns, porém, destacam-se por usarem dessa arte de modo profissional. São artistas da palavra, cuja missão é usar da oralidade para encantar diversos públicos, lançando mão (ou não) de elementos externos, como música, fantoches, objetos. Na atualidade, nascem contadores de histórias a todo instante.

Quem conhece a fundo, sabe que a narração oral vem ocupando espaços antes inexplorados. A pedagogia se apropriou dela para auxiliar no ensino de sala de aula. As ciências ligadas à saúde a inseriram em seus contextos de trabalho como forma de desenvolvimento de terapias mais humanizadas, onde o indivíduo consegue se conectar consigo mesmo e se trabalha com mais eficácia o processo de cura. As empresas a trouxeram para junto de si, como forma de impulsionar o desenvolvimento organizacional, motivar funcionários e criar identidade da marca com seu público alvo. Até em matrimônios as histórias têm pousado. A lista é inesgotável.

À frente disso, um narrador. Alguém que empresta sua voz e corpo e, preparando-se para aquele momento, atua portando todo um elemento mágico junto de si. Eu também sou um contador de histórias.

Já contei histórias em vários dos contextos referidos, mas a minha preferência é pela narração oral em seu modo artístico-cultural. Estar junto de alunos e educadores em escolas, por exemplo. Vibrar com o público nos centros culturais ou nos teatros. Ocupar as bibliotecas e fazê-los ver que o mundo da leitura é digno, gostoso e gratuito. Assim é o meu fazer.

Contar histórias me envaidece, confesso. Faço parte de um grupo de pessoas cada vez mais atuante. O interesse do público cresce junto com as novas atividades por todo o Brasil e o mundo. A cada novo convite, tenho a sensação de estar cumprindo algo único, especial, que durará para sempre no coração de quem me ouvir. Pois, como diz Garzón Céspedes, famoso narrador oral cubano, “a oralidade é sempre com o outro e não para o outro; é plural”.

Esse exercício de pluralidade, de abertura, de partilha, dignifica a nobre arte, engrandece quem dela se utiliza, seja por diversão ou profissionalmente. Diante de tanto encantamento, porém, caio em mim e percebo: eu não sou a estrela.

A caminhada na contação de histórias me fez perceber isso. O trabalho do narrador somente se materializa porque tem algo a mostrar. Ao centro deve estar sempre a história. Ela deve ser a protagonista e a ela deve confluir todo o esforço de quem a conta.

Cada suspiro, cada palavra, cada olhar, estão voltados para a narrativa. O aplauso não é do contador de histórias. Não são para ele as loas quando se encerra uma narrativa e o público se enche de contentamento pelo que presenciou. É inegável o mérito de quem provocou aquilo; todavia, somente existe o êxito porque o profissional estava a serviço do narrar. É pela palavra, com a palavra e para a palavra que ele deve viver e atuar.

A entrega total à arte diferencia os excelentes dos medíocres. A disposição em imprimir uma marca própria, sem perder de vista a essência daquilo que a história contada expressa, conduz artista e plateia no caminho de uma grande descoberta. Porque narrar é isso: desnudar-se, sem vergonha de ser apontado como falho, entregando-se a um jogo onde, acima de tudo, há um universo de histórias, que merecem ser contadas e que fazem dos seres humanos verdadeiramente especiais.

“Atualmente, sei que meu trabalho deve se destinar a um propósito: despertar a fábula que existe dentro de cada pessoa. Fazê-las encontrar a si mesmas em cada texto, cada livro, cada história narrada, cada compartilhamento de vivências. Se, no meio desse percurso, houver uma repercussão, um impacto social, uma ressonância maior, ficarei feliz”. Leia mais sobre minha história nesta entrevista ao site: https://www.neipies.com/quando-a-arte-e-as-historias-se-impoem/

Autor: Gabriel Cavalheiro Tonin

Edição: Alexsandro Rosset

Pais que não cuidam de si, podem cuidar de seus filhos?

Neste mês em que reverenciamos os pais, que eles, por amor aos seus filhos, amem-se também e procurem mais a medicina preventiva.

Vou partir da obviedade de que ninguém pode dar aquilo que não tem, e isso vale tanto para bens materiais quanto para valores morais, éticos, ou mesmo para atitudes. A lógica do título é a mesma: como um pai que não cuida de si próprio pode cuidar de seus filhos?

Um estudo realizado por pesquisadores da Fundação Osvaldo Cruz buscou entender sobre o porquê de os homens procurarem menos os serviços de saúde do que as mulheres. Este estudo, somado a um levantamento inédito da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) e a dados do Sistema de Informação Ambulatorial do Ministério da Saúde, aponta um levantamento de que até a metade deste ano (2022) foram atendidas em consultórios e ambulatórios cerca de 60 milhões de mulheres a mais do que homens. Se olharmos para especializações médicas, veremos que neste ano somente 200 mil homens procuraram atendimentos com urologistas, enquanto que mais de 1,2 milhão de mulheres foram atendidas por ginecologistas, seis vezes mais!

Vários motivos influenciam a isso, e o cultural pode ser um: “…à medida que o homem é visto como viril, invulnerável e forte, procurar o serviço de saúde, numa perspectiva preventiva, poderia associá-lo à fraqueza, medo e insegurança”, aponta o estudo da Fiocruz.

Por outro lado, o ditado popular que diz que “quem procura acha” é muito forte e é seguido por muita gente, o que faz do não ir às consultas médicas preventivas uma forma de autoproteção, uma negação à realidade. Também há, em muitos homens, a vergonha de tirar a roupa, de expor suas partes íntimas em uma consulta ou de permitir a um estranho (ainda que seja um médico) o toque para um exame de próstata.

Já, do ponto de vista de instalações de hospitais e ambulatórios, não há unidades específicas para atendimentos masculinos, o que também serve de alegações, desculpas. Outras tantas evasivas são argumentadas, mas ninguém duvida de que pesam também as dos altos custos para pagamento de consultas, exames e para a compra de medicamentos, ou ainda, de que é muito demorado o atendimento quando agendadas as consultas pelo SUS, o que pode levar meses ou passar de ano.

Muitos são os motivos que o homem pode alegar para justificar seu desleixo nos cuidados com sua saúde, porém, não passam de desculpas egoísticas.

Quantos filhos gostariam de estar comemorando mais um Dia dos Pais junto aos seus? Quantos pais perderam a vida por terem sido negligentes descuidando-se da prevenção e/ou do tratamento de sua saúde?

Neste mês em que reverenciamos os pais, que eles, por amor aos seus filhos, amem-se também e procurem mais a medicina preventiva. Saibam os pais que seus exemplos poderão, no futuro, alterar esta triste realidade fazendo com que seus filhos possam viver mais e com mais qualidade.

Aos pais, nossos cumprimentos.

Autor: César A R de Oliveira

Psicólogo – whats app (54) 99981 6455

www.homemnapsicologia.com.br

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Edição: Alexsandro Rosset

A linguagem simbólica da lenda “O negrinho do pastoreio”

A análise desta lenda abre espaço importante para a discussão dos direitos e deveres da criança e do jovem que hoje tem a seu favor o Estatuto da Criança e do Adolescente que todos devem conhecer.

A narração ou a leitura da lenda “O Negrinho do Pastoreio” na aula do Ensino Religioso abre espaço para ampla reflexão em torno dos episódios que fazem parte deste texto literário e que envolve temas como: preconceito, discriminação, escravidão, autoritarismo, machismo, direitos humanos, respeito, injustiça, a fé, entre outros e que podem ser trabalhados de forma interdisciplinar, além de fortalecer a ideia de pertencimento uma vez que esta proposta pedagógica parte de uma lenda gaúcha.

A lenda tem raízes afro-cristã, surgida no Rio Grande do Sul no final do século XIX, ainda no período da escravidão no Brasil. Toda lenda resguarda um fundo de verdade, algo que realmente ocorreu, mas que foi sendo divulgado de forma oral e, no dizer popular: quem conta um conto aumenta um ponto. Posteriormente, ela foi escrita e existem várias versões.

Assista: https://youtu.be/1iXYsMc_37I?t=65

A linguagem simbólica da literatura possibilita ao leitor ou ouvinte a sua identificação com os personagens, com as suas emoções básicas como o medo, a tristeza, a raiva, a alegria. Na análise dos fatos ocorridos com o escravo adolescente, o Negrinho tinha 14 anos, o professor, na roda de conversa com os alunos, pode questionar: – Que emoções o Negrinho sentia em relação a forma como era tratado pelo patrão?  Como ele encontrou forças para enfrentar tanto sofrimento?  Estas reflexões possibilitam amplo debate de ideias.

A lenda é muito rica na questão da fé que se expressa na simbologia da vela acesa.  Provocar debate em torno da questão: qual o significado da chama, da vela, da luz na denominação religiosa de cada aluno.

Todos vão poder expressar suas emoções em relação aos acontecimentos da lenda, e lidar com elas, fazer relatos de suas experiências, criar vínculos com o professor e colegas.  Trabalhar a devoção à Maria, mãe de Jesus, entidade feminina, maternal que acolhe quem sofre injustiça mas tem fé, esperança, e percebe o sentido profundo da vida, sempre de acordo com a crença de cada um.

Para enriquecer esta proposta educativa, os alunos poderão trazer representantes das suas denominações religiosas na sala de aula, em outro momento previamente planejado, para conversarem e responderem perguntas sobre as peculiaridades de cada religião ali representada.

É interessante proporcionar, na sala de aula, a audição da música que é uma página clássica do folclore gaúcho e a visualização de um dos clipes do youtube, sugerimos com a cantora Alana Moraes e com Renato      Borghetti na gaita. O poema é de autoria de Barbosa Lessa e poderá ser lido no grupo.

Negrinho do Pastoreio
Acendo esta vela para ti
E peço que me devolvas
A querência que eu perdi.
Negrinho do Pastoreio,
Traze a mim o meu rincão
Eu te acendo esta velinha,
Nela está meu coração.
Quero ver meu lindo pago
Coloreado de pitanga
Quero ver a gauchinha
A brincar n’água da sanga

Quero trotear pelas coxilhas
Respirando a liberdade
Que eu perdi naquele dia
Que me embretei na cidade.
Negrinho do Pastoreio
Acendo esta vela para ti
E peço que me devolvas
A querência que eu perdi.
Negrinho do Pastoreio,
Traze a mim o meu rincão
A velinha está queimando
Aquecendo a tradição

A análise desta lenda também abre espaço importante para a discussão dos direitos e deveres da criança e do jovem que hoje tem a seu favor o Estatuto da Criança e do Adolescente que todos devem conhecer.  Questões como: violência e abuso infantil, exploração de menores, negligência familiar, podem emergir merecendo tratamento adequado por parte do professor. Cabe à escola formar o cidadão consciente, crítico e responsável.

Enfoques com base em texto literário, como nesta lenda, proporciona a conclusão no grupo, em sala de aula, sobre a importância do respeito ao outro, o quanto o convívio saudável com os outros proporciona o desenvolvimento de aptidões adormecidas no âmago de cada um, tornando-o mais tolerante, compreensivo, bondoso e gentil.  

Hans Christian Andersen, o grande escritor dinamarquês voltado para a infância, escreveu belo conto que trata de tema semelhante à lenda em foco, A Pequena Vendedora de Fósforos, em 1875, onde ele traz as cenas do impiedoso mundo da fome, da miséria, do abandono e da solidão que algumas crianças viviam naquela época do século XIX, na Europa.

Narrou   Andersen: “Fazia um frio terrível, nevava e começava a escurecer. Era a última noite do ano, véspera do Ano Novo.  Em meio à escuridão caminhava pela rua uma menina pobre” …. O belo e triste conto A pequena  vendedora de fósforos – conto Clássico Fantástico de Hans Christian Andersen, está à disposição neste link: https://www.contosdeterror.site/2019/12/a-pequena-vendedora-de-fosforos-conto.html

A narração deste conto de origem dinamarquesa, oferece perceber situação semelhante entre o aconteceu com os dois personagens principais, a menina, na Dinamarca e o menino, no Rio Grande do Sul, na mesma época. Ambos sofrem sentimentos e emoções dramáticas que os educandos vão se identificando e educando suas próprias reações face aos desafios da vida cotidiana, dando-se conta que os adultos também se equivocam. 

Os dois textos, na linguagem simbólica da literatura, uma lenda e um conto, representam situações emocionais simbolizando o que ocorre na fase infanto-juvenil e como a dimensão espiritual da inteligência, que nos remete às experiências transcendentes da vida, apresenta solução para situações extremas através da fé e da confiança na divindade referente à religiosidade básica que é inata no ser humano e que independe de qualquer religião convencional.

Nos dois textos, a luz da chama da vela e dos fósforos mostra o caminho transcendental que promove o autoconhecimento, amadurecimento e a habilidade de buscar solução para os problemas da vida individual e o controle de suas emoções e sentimentos.

A nossa sugestão representa uma trilha pedagógica, um caminho seguro que pode ser conduzido pelo professor, em sala de aula, utilizando a linguagem simbólica da Arte que vai proporcionar, além de conhecimento, aprendizado ao aluno de como lidar com as suas emoções, expressá-las, desenvolver a sua autoconfiança para a tomada de decisões, trazer à tona conflitos pessoais e busca de possíveis soluções, melhorar o raciocínio, a memória e a concentração.

Autora: Gladis Pedersen de Oliveira

Edição: Alexsandro Rosset

 

Cidades educadoras: o que temos a ver com isso?

Pretendemos construir respostas para a pergunta acima – o que temos a ver com isso? – ao longo deste VII Congresso dos Professores Municipais de Passo Fundo. Do mesmo modo, é nosso desafio refletir sobre o papel da escola numa Cidade Educadora.

O embrião do movimento “Cidades Educadoras” foi originalmente lançado em Barcelona, em novembro de 1990, no I Congresso das Cidades Educadoras. As cidades presentes pactuaram a luta em prol de um objetivo: trabalhar juntas em projetos e atividades para melhorar a qualidade de vida dos habitantes.

O documento norteador para as cidades que fazem parte do projeto, a “Carta das Cidades Educadoras”, foi lançado nesse mesmo Congresso e contou como principais referências: a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), a Declaração Mundial da Educação para Todos (1990) e a Declaração Universal sobre Diversidade Cultural (2001). Dentre os princípios da Carta, destacam-se:

  • Trabalhar a escola como espaço comunitário;
  • Trabalhar a cidade como grande espaço educador;
  • Aprender na cidade, com a cidade e com as pessoas;
  • Valorizar o aprendizado vivencial;
  • Priorizar a formação de valores.

Esse movimento cresceu e, atualmente, está presente em cerca de 479 cidades de 35 países, distribuídos em seis continentes, que formam a Associação Internacional das Cidades Educadoras (AICE). Na América Latina, aproximadamente 80 cidades de 10 países fazem parte do projeto. A Argentina é a nação com mais associados (32), cabendo a Rosário a supervisão da delegação desse continente. No Brasil, no ano 2000, surge a Rede Brasileira de Cidades Educadoras, que conta com gestão itinerante. Atualmente, cabe à cidade de Curitiba a presidência da Rede.

Em nosso país, 25 cidades aderiram ao projeto, sendo grande parte delas gaúchas: Camargo, Carazinho, Gramado, Guaporé, Marau, Nova Petrópolis, Passo Fundo, Porto Alegre, Santiago, São Gabriel, Sarandi e Soledade.

Desde o início, o debate sobre as cidades educadoras se fez presente na sociedade sul-rio-grandense, embora alterando momentos de maior recrudescimento com relativo ostracismo. A experiência inicial de Porto Alegre, nos anos 90, através de sua política do orçamento participativo, e de diferentes políticas sociais e educacionais cidadãs, deu consistência e referência ao tema.

Por volta de 2016, através da UPF, com o Programa UniverCidade Educadora e Inteligente, observou-se a irradiação desses princípios pela região, o que resultou na adesão de 4 cidades ao projeto. A partir de então, o movimento se amplificou, passando a contar com a participação de Passo Fundo recentemente. Diante do que está posto, fica um questionamento: o que temos a ver com isso?

A Diretoria Colegiada do CMP Sindicato buscou se apropriar do tema de diferentes maneiras: participamos do III Encontro das Cidades Educadoras, ocorrido em Marau; realizamos uma reunião com o Comitê Gestor do Programa UniverCidade Educadora, da UPF; fomos a Soledade conversar com a Secretária de Educação, Ádria Brum, e sua equipe.

Registros das iniciativas e participações:

A diretora Geniane Dutra e o Diretor Nei Alberto Pies participaram, também, do programa Educação e Debate na TV Câmara de Passo Fundo para discutir e divulgar a temática e a programação do VII Congresso dos Professores Municipais de Passo Fundo.

Link do programa: https://youtu.be/3CauaoFjLGg?t=533

Longe de exaurir o tema Cidades Educadoras, essas conversas reafirmaram algumas percepções sobre o projeto das Cidades Educadoras:

  1. Objetiva-se a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, jamais a disputa e/ou conquista de prêmios por parte de políticos.
  2. Trata-se de políticas públicas articuladas, que demandam continuidade. Devem ser ações planejadas pelo Estado, durante um período de longa duração, não atividades feitas por governos esporadicamente.
  3. A tolerância e o respeito às diferentes vozes devem acontecer para que nossas cidades sejam verdadeiramente espaços democráticos, nos quais o contraditório seja acolhido e não perseguido.
  4. Cidades Educadoras não é um projeto que se vincula exclusivamente a uma Secretaria de Educação, mas a cidade não pode ignorar ou prescindir da participação efetiva e estratégica das escolas do seu território, especialmente as escolas da rede municipal, que participam dos contextos das diferentes comunidades da cidade.

Pretendemos construir a resposta para a pergunta acima – o que temos a ver com isso? -ao longo deste VII Congresso dos Professores Municipais de Passo Fundo. Do mesmo modo, é nosso desafio refletir sobre o papel da escola numa Cidade Educadora.

Bom congresso a todos(as)!

Registros do VI Congresso dos Professores Municipais 2019.

Edição: Alexsandro Rosset

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