Não é competência minha delinear políticas públicas, mas somar-me ao coro dos que creem que é possível enfrentar politicamente este flagelo. Na imensidão e na riqueza de terras de nosso Brasil.
O tema, o fenômeno, a realidade da fome tem assombrado a humanidade desde seus primórdios. Em pleno 2022, numa era tecnológica e digital, a falta de comida suficiente é uma realidade que atinge mais de um bilhão da humanidade.
Enquanto me pus a escrever sobre este tema (dilema), apareceram-me duas notícias referentes a esta dramática situação. Um dizia que de cada dez viúvas no mundo, uma passa necessidades e fome. A outra, de um bispo do Quênia, dizia que na África, em vários países, as consecutivas estiagens, ataque de gafanhotos, a Covid-19 e agora a guerra na Ucrânia que impede exportação de grãos, deixa estes países em estado crítico de fome.
Mas a realidade da fome não está só longe de nós. Se pisarmos o chão de nossas cidades e bairros, veremos que muitas famílias têm dificuldades em ter seu ‘pão de cada dia’ suficiente.
Há poucos dias, participei de um debate sobre o enfrentamento da fome, aqui em Porto Alegre, e ouvi dos que compunham a mesa que a fome tem rosto, cor e classe social. Os pobres, negros, crianças e idosos são os mais atingidos. As obras sociais da Igreja católica, as que acompanho, revelam esta realidade.
Muitas crianças vão à escola para garantir alimentação. O desemprego e a crise que se abatem sobre os mais pobres, em especial, agravam a fome nos lares. Esta é uma realidade, do mundo e de nossas ruas também.
“Eu tive fome e me deste de comer”. Há um imperativo do Evangelho que coloca todo o seguidor de Jesus Cristo, no caminho dos que se encontram em situação de necessidade. Hoje fala-se em vulnerabilidade. Mas o pobre mesmo, não usa o glossário. Ele diz:” Eu preciso, eu tenho fome”.
Diante desse clamor, as iniciativas pessoais, de ajuda e partilha, têm sido admiráveis. As pessoas são sensíveis, solidárias e generosas. Só em 2021, na arquidiocese de Porto Alegre, foram arrecadadas e distribuídas 896 toneladas de alimentos. Isto é um pouco do que Jesus diz diante da multidão faminta. “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Gestos louváveis, de humanidade sensível e de fé encarnada. São ações urgentes.
Há, porém, passos que a sociedade organizada precisa se mover, com políticas que enfrentem de forma sistemática e prolongada a fome dos cidadãos. Ações planejadas e de longa duração.
Temos organizações na sociedade, que respondem a esta realidade como a experiência do Banco de alimentos, para dizer de uma dessas iniciativas. Mas em nível de políticas que enfrentem a fome, precisamos avançar. Municípios, estados e o poder federal podem incrementar políticas de produção, na experiência da economia familiar e cooperativas, para fazer chegar às escolas, e às famílias de baixa renda, os alimentos necessários. Este ‘know-how” nós temos. E quantos empregos gera-se nesta cadeia de produção e distribuição.
Não é competência minha delinear aqui políticas públicas, mas somar-me ao coro dos que creem que é possível enfrentar politicamente este flagelo. Na imensidão e na riqueza de terras de nosso Brasil.
Como não acreditar?! Que os nossos candidatos não usem a fome como ‘arma’ e números das estatísticas, mas olhem, sintam a dramaticidade da situação. Há fome em nossas cidades. Esperamos que apresentem projetos políticos voltados para amenizar e superar a realidade da fome de tantos lares brasileiros. Lembrando que a ‘fome não espera.
Pesquisa divulgada nesta quarta-feira (8/6/2022) revela que 33 milhões de pessoas estão passando fome no Brasil. Em pouco mais de um ano, foram 14 milhões de brasileiros que entraram para o mapa da fome. O levantamento, realizado pelo instituto Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), mostra, ainda, que 58,7% da população vivem com insegurança alimentar. A situação atual é equivalente ao patamar da década de 1990.Leia mais:https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/brasil/2022/06/33-milhoes-de-pessoas-passam-fome-no-brasil-aponta-pesquisa.html
Acreditamos que a Escola é o lugar privilegiado para a vivência dos valores, e a sala de aula, o lugar por excelência da formação ética.
A maioria das crianças, independente da origem social, entram no sistema escolar atentas e ávidas por aprender, curiosas e confiantes. Depois de alguns anos de escolaridade, muitas delas acham o processo de ensino sem sentido, tornando-se progressivamente mais apáticas e sem esperança.
A própria vivência de valores na escola, presente em todos os discursos, torna-se secundária e até esquecida na maioria das práticas de sala de aula. A preocupação com o conteúdo, muitas vezes sem sentido, torna-se a justificativa de qualquer postura. Por consequência, a cada ano, o sistema escolar despeja no “mundo dos cidadãos adultos” um vasto número de indivíduos que ignoram os mecanismos da sociedade da qual têm de participar, que são céticos com relação às suas tradições e cínicos em relação a seus ideais.
Falar em valores significa algo ultrapassado, velho, desprezível. Que tipo de sociedade nos espera com esse tipo de cidadãos? Que futuro podemos esperar com esse perfil de identidade? Que fazer diante desse quadro?
Acreditamos que não existem fórmulas prontas, nem soluções mágicas que possam reverter essa situação. Não teremos um mundo melhor, nem uma sociedade justa, se continuarmos acreditando ingenuamente que as mudanças passam pelo campo das leis, dos decretos, da forma de governo ou até mesmo dos discursos moralistas que escutamos, há muito tempo, pronunciados por aqueles que se consideram os “perfeitos cidadãos”.
Também seria ingênuo acreditar cegamente que a escola é capaz de educar o cidadão integralmente. Entretanto, a escola ainda possui um papel importante e fundamental. Não é possível pensar que a escola sozinha pode transformar o mundo; entretanto, também é verdade que não é possível pensar em nenhum tipo de sociedade diferente, mais justa, mais fraterna, sem contar com a contribuição da escola.
Paulo Freire, em seu livro Pedagogia da Autonomia, alerta que uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é proporcionar condições para que os educandos, em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora, ensaiam a experiência profunda de assumirem-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador se sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar.
Nessa mesma perspectiva de Paulo Freire, o filósofo americano Matthew Lipman diz que o sistema educacional tem de dar razões para os alunos terem esperanças: a criança deve ter a possibilidade de experimentar o que é viver num contexto de respeito mútuo, de diálogo disciplinado, de investigação cooperativa, livre de arbitrariedade e manipulação.
Acreditamos que a Escola é o lugar privilegiado para a vivência dos valores, e a sala de aula, o lugar por excelência da formação ética. Isso não significa dizer que Escola deve-se omitir de trabalhar com os conhecimentos científicos historicamente produzidos, e, sim, que esses devem ser, discutidos, recombinados, reinventados, reproduzidos, apropriados à luz da Ética. O objetivo não é dar às crianças teorias éticas acabadas pelas quais devam se conduzir, mas, sim, equipá-las com as ferramentas da reflexão dentro de um contexto de investigação – isto é, de um contexto cuja metodologia é de autocrítica e autocorreção.
Robert Coles, em seu livro Inteligência Moral das Crianças, defende a ideia de que o comportamento moral se desenvolve como resposta às experiências morais que ocorrem, dia após dia, em uma família, na relação entre colegas, na interação de sala de aula. Para Coles, a inteligência moral não é adquirida apenas com a memorização de regras e regulamentos, por meio de discussões abstratas nas aulas ou da obediência às normas de casa. Crescer moralmente é uma consequência de como aprendemos a agir com os outros, e nos comportar neste mundo, aprendizado que é facilitado quando levamos a sério o que vemos e ouvimos.
Nessa perspectiva colocada por Coles, a criança é uma testemunha sempre atenta da moralidade dos adultos. Ela procura o tempo todo sugestões de como se comportar e as encontra em quantidade quando nós, pais e professores, cuidamos de nossas vidas, fazendo opções, dirigindo-nos às pessoas, mostrando na prática nossos valores, desejos e opiniões básicos e, desse modo, ensinando a esses jovens observadores muito mais do que imaginamos.
Seguindo essa linha de argumentação de Coles, acreditamos que o processo de produção de conhecimento é mediatizado por um processo significativo de responsabilidade. Não é possível pensar e produzir realmente um conhecimento se este não passar pela dimensão da ética, dos valores, das relações.
Marcos Sandrini, reconhecido educador e teólogo gaúcho, num dos seus depoimentos, dizia que a escola, no seu fazer pedagógico, precisa optar por um dos caminhos: ou ela serve para conservar uma situação de dominação, de injustiça, de exploração; ou ela está a serviço da transformação, da mudança, da cidadania.
Pensamos que a introdução de uma formação cidadã na escola, a discussão dos conhecimentos, da ética, das relações, dos valores, seja um verdadeiro contributo que a escola pode dar, no sentido de transformar essa sociedade na direção de uma vida melhor e na formação cidadã consciente e responsável.
A escola, templo do saber, responsável pela formação da cidadania de inúmeras gerações, no transcorrer de sua existência, representa um farol de luz que alumia a mente do aluno, libertando-o da escravidão da ignorância, dando-lhe um sentido da vida, ensinando-o a ser questionador, autônomo, crítico, responsável por seus atos, apontando o caminho a ser percorrido na vida individual, por própria escolha. (Gládis Pedersen) Leia mais: https://www.neipies.com/a-escola-templo-do-saber/
Cheguei à centésima postagem neste site. Que as águas do meu rio possam chegar até você, querido leitor, e dizer obrigada mais uma vez pelo seu carinho. Sem você não faria sentido escrever todos os fins de semana para um site tão maravilhoso o quanto o de Nei Alberto Pies! Este texto é sobre um dos temas que gosto de escrever: nossas queridas crianças.
Quero começar o texto de hoje com uns versos do poema da nossa querida escritora Ruth Rocha intitulado “Os direitos da criança” que nos diz “Toda criança no mundo / Deve ser bem protegida / Contra os rigores do tempo / Contra os rigores da vida.” A proteção, o amor e o cuidado devem estar sempre nos olhos e nos braços de quem cuida de uma criança.
Não se educa com rigor e sim com amor, não se impõe com autoridade, mas se pede com carinho.
Toda criança quer ser amada e respeitada. Muitas vezes amamos tanto que não sabemos dizer não para elas e acabamos as “mimamos” ao nosso modo, e que bom que ainda existem pais assim que deixam os seus filhos correrem, pularem, brincarem na areia, subirem em árvores e contarem as estrelas. Estamos perdendo este encantamento do mundo natural ao nosso redor e as nossas crianças estão ficando robotizadas presas em telas de aparelhos celulares.
Elas já não têm mais tempo para olhar à natureza ao seu redor. Faz tempo que não vejo um menino ou menina brincando com a lua e as estrelas, querendo ser astronauta para chegar até o planeta Marte ou desbravar a nossa galáxia como um bom homem ou mulher espacial. Não, elas não olham mais para cima e nem para os lados. Elas olham tão somente para baixo onde se encontra uma tela azul que prejudica a visão e o pensamento cognitivo. É triste isso, mas é a nossa verdade.
Alguns pais, preocupados e assustados, lotam os consultórios psicológicos atrás de respostas. Outros, aqueles que chamo de tiranos, tiram os celulares das mãos dos filhos para que nunca mais fiquem com notas vermelhas no boletim escolar, como se isso fosse resolver um problema sério de leitura e contagem no ensino fundamental um e dois. Muitas crianças ainda estão aprendendo a serem disciplinadas e a descobrirem novas coisas, pois o novo atrai e encanta. Sempre foi isso e continuará sendo conosco e com as nossas crianças esse encantamento do novo e talvez por isso elas exagerem tanto no tempo em que ficam atrás da tela do celular.
Estamos realmente preocupados com as nossas crianças? Permitimos que ajam do jeito que quiserem e tenham autonomia para decidir sobre as suas vidas? Sim, porque não é bom que ditamos isso e aquilo para que a criança faça sem darmos um pouco de espaço para ela decidir e escolher o que é melhor para si. A criança precisa poder pensar, refletir, criticar e opinar sobre o que estamos lhe propondo. Faz parte do bem-viver e do seu amadurecimento.
Nas minhas andanças pelo Brasil a fora ainda encontro pais preocupados com o amadurecimento do espírito das suas crianças, aqueles que podem ser chamados de “pais jardineiros”, ou seja, os que cuidam e respeitam a essência da criança. Os que sabem que um ser pequenino ainda em formação não vai compreender muita coisa desse mundo caótico e irresponsável no qual as colocamos. A partir do momento que queimamos e desmatamos as nossas florestas, matamos animais em extinção e proclamamos ódio na Internet deixamos de ser responsáveis para com a humanidade.
Cuidar e amar andam juntos. É preciso saber que aquela criança não está preparada para ouvir gritos, pois os seus ouvidos ainda em formação podem chegar a doer, que o seu espírito não compreende certas ordens que lhes damos porque para elas o mundo é uma brincadeira e tudo serve como brinquedo. Por que crianças quando pegam lápis de colorir saem riscando as paredes e tudo o que encontram pela frente? Elas estão brincando com os lápis. Não têm ideia de que não podem riscar as paredes e que não podem se pintar de tinta. Elas não entendem bem o nosso “não pode fazer isso” e quando repetimos muitas vezes essa expressão para elas começam a nos repetir como se fossem pequenos robôs. Que triste é uma criança que só sabe perguntar “não, mamãe?”, assustada com a repreensão ou o castigo que virá se contrariar as ordens recebidas.
Os “pais jardineiros” estão sempre felizes e são como verdadeiros jardineiros a cuidarem de um jardim frágil e cheio de botões prontos para desabrocharem a qualquer momento. Se não souberem cuidar direitinho as flores vão murchar e até podem fingir-se de mortas só para nos deixar atordoados, contrariados e preocupados ou podem morrer verdadeiramente com a falta de cuidados.
As nossas crianças querem amor e cuidados para sempre. Até nós, adultos e velhos, precisamos disso. Quando somos tratados como flores por jardineiros queridos acreditamos mais na gente, confiamos mais nas pessoas ao nosso redor e não sofremos tanto com as nossas perdas porque sabemos que o jardineiro logo chegará para cuidar de qualquer mal que nos fizerem.
Os pais jardineiros respeitam a essência da criança, o ser da criança que chega vazio ao mundo e vai aos poucos sendo preparado para receber amor e cuidado nos primeiros anos de vida e só depois conhecer outras coisas ao seu redor. São os primeiros dias do bebê que precisa de cuidados especiais e sentir-se amado e protegido nos braços da mãe.
Os pais jardineiros simplesmente amam.
Eles não exigem que as crianças se comportem e se vistam como desejam. Tudo é combinado. Em tudo existe um diálogo aberto e as crianças têm o direito de opinar e tirar as suas dúvidas. Nada é colocado à força no pensamento da criança ou desce goela abaixo sem antes ela mastigar. Esses pais sabem como ninguém que é preciso respeitar a autonomia da criança não educando todas do mesmo jeito, mas sabendo que cada uma delas é dotada de uma essência diferente, de uma subjetividade própria de um ser único no universo.
Durante a infância somos sempre incompreendidos pelos adultos.
Não conseguem descobrir os motivos dos nossos choros e medos. Permitem que as pragas e o sol quente queimem e destruam as nossas folhas e flores sem se darem ao trabalho de sentirem as nossas dores. Esse é um pai jardineiro despreparado. Precisa ainda fazer um curso para cuidar bem das suas flores, mas apesar de tudo sabe que elas, as flores, são frágeis e necessitam dele.
Existem pais jardineiros que não conseguem organizar as suas vidas e deixam as suas crianças ao Deus dará. Elas perdem a hora das refeições, não fazem a lição de casa e vão dormir tarde demais. Eles sabem que as crianças estão felizes e isso é o que importa. Tudo bem, tudo bem, são pais que cuidam e amam, porém todo cuidado e todo amor devem ter limites. A criança não pode sair por aí gritando com todo mundo pelas ruas ou xingando o seu amiguinho.
Os pais jardineiros sabem contar histórias bonitas. Muitos inventam as suas próprias histórias e isso é lindo. Conseguem fazer das lembranças das suas infâncias histórias bonitas para as crianças ouvirem e pedirem para repetir até se cansarem e adormecerem. Esses pais sabem que as histórias contadas não devem amedrontar ou serem moralistas. Elas devem simplesmente distrair os espíritos das crianças para que possam dormir bem e ter lindos sonhos. A interpretação e a compreensão da história ouvida deve ser deixada a critério da criança e não ensiná-la o que é o bem ou o mal como se fôssemos donos da verdade.
Não queira ser um pai jardineiro trazendo para casa brinquedos caros e roupas de grife. As crianças gostam da simplicidade. Se elas forem acostumadas a um mundo que mais tarde você não poderá oferecer para elas a dor será maior. Ofereça apenas o que está ao seu alcance. Procure sempre fazer brinquedos com produtos recicláveis e mostre para a sua criança a importância de cuidar do mundo e da natureza.
Quando possível leve a sua criança para brincar num parque, se sujar na areia e abraçar as árvores. O contato com a natureza faz com que as crianças cresçam mais saudáveis e responsáveis pelo meio ambiente.
Ser um pai jardineiro é cuidar de um jeito bem especial permitindo que a criança participe das decisões da família. Sim, afinal ela é um membro importante da casa e muitas das decisões tomadas afetará a sua rotina. Ela precisa saber por exemplo, por que não pode mais brincar na rua com os amiguinhos e por que a vovó foi morar tão longe. Essas informações devem ser verdadeiras e sinceras. Ou a criança perderá a confiança naqueles que tanto ama.
Na minha criancice a creche era chamada jardim de infância. E eu estudei num jardim.
Depois de grande fiquei a me perguntar por que o nome jardim se não éramos flores e se não tinham flores naquela escolinha de paredes feias e quase sem ventilação dentro dela. Não tinha sequer um vaso de flores em cima do birô da professora, e por isso eu não tinha vontade de ir para o jardim. Sim, eu não sentia vontade de ir para aquele lugar onde eu ficava longe dos meus brinquedos e da minha família amada. Mas, eu amava a minha professora e os meus amigos.
Hoje, descobri que o meu jardim de infância era chamado assim porque nós éramos como flores e precisávamos de cuidados especiais para não crescermos assustados com os problemas do mundo. Infelizmente apesar de todo o cuidado da minha professora, apesar do seu carinho que sempre ficou demonstrado nas brincadeiras e músicas que cantávamos eu cresci assustada com aquelas paredes feias do prédio onde funcionava o meu jardim de infância. Era tudo muito feio e o que havia de boniteza era a gente e a professora. Eu nem dava por isso, pois nunca me achei uma criança bonita, contudo achava os meus amiguinhos belos com os seus sorrisos e sapatos de couro a correrem pelo corredor do nosso jardim de infância.
O meu jardim de infância marcou a minha vida de várias formas, uma delas é a de que existem lugares feios, mas rodeados por uma gente bonita e alegre que só precisa de um incentivo ou empurrão para realizarem os seus sonhos. Assim, aconteceu comigo.
O meu jardim de infância tinha paredes mal pintadas e um banheiro escuro, com pouca iluminação na sala de aula e uma área com areia para a gente brincar sem sequer um balanço ou escorrego. Foi ali onde eu aprendi que precisaria lutar muito para vencer na vida e realizar os meus sonhos de menina de periferia que sonhava em ser uma princesa e a minha mamãe dizia que eu seria o que quisesse porque ela cuidava de mim como se cuida do botão de uma flor.
Creio que as creches, este nome feio e sem graça, deveriam voltar a ser chamadas de jardim de infância, porém com prédios bonitos e cheios de flores humanas e verdadeiras dentro deles. No jardim de infância eu aprendi a compartilhar o meu lanche com o amiguinho e a ter menos medo de tudo o que estava perto de mim.
Eu fui uma flor assustada com quase tudo, mas cresci entendendo que amar ao outro era a única forma que encontraria para curar os meus medos. A minha mãe jardineira fiel cuidava de um jardim com apenas uma flor que vez ou outra se despetalava toda e murchava assim do nada, mas a minha jardineira tinha a sabedoria de adubar com cuidado e diálogo o seu jardim e eu, a flor que a preocupava, com o seu amor cresci pronta para enfrentar um mundo competitivo e desafiador.
Não fui colocada numa redoma. Precisei enfrentar o sol, os perigos das pragas e as tempestades. A mamãe dizia que era preciso conhecer as intempéries do mundo desde a tenra idade.
Os pais jardineiros conhecem as necessidades das suas crianças e respeitam o ser e o não-ser de cada uma delas. Eles esperam pelo devir dos seus filhos com grande paciência. Esse devir-criança acontece a cada amanhecer e nos surpreende com as descobertas e mudanças apresentadas por elas nas suas perguntas e comentários. O existir é tão somente está aqui neste lugar, mas o devir é algo que se movimenta e alimenta a criança de esperança para um crescer potente e fazendo do existencialismo experiência única.
Falamos aqui do existencialismo de Sartre que investiga o ser e o nada, com categorias filosóficas que atendem ao pensar crítico e reflexivo da criança com uma consciência de si dotada de imagens que se formam a partir das suas experiências, sendo agentes das suas vidas e merecedoras de atenção e cuidados comprometidos com o respeito a este ser que desabrocha em cada olhar e palavra aprendida ou com o nada que se forma a partir do que interroga um ser vazio, mas pronto para receber as ideias que o mundo lhe apresenta e processá-las no seu pensamento crítico e reflexivo.
Enquanto os pais jardineiros amam e cuidam das suas flores do jeito que são temos outros tipos de pais que se preocupam em fazer com que os seus filhos sejam parecidos com eles ou pelo menos tentam lapidá-los ao seu benquerer que são os “pais carpinteiros”. Os pais carpinteiros se preocupam em moldar as suas crianças para ficarem parecidas com aquilo que querem ou com o que acham melhor para eles.
Acredito que pelas revoluções que o mundo contemporâneo nos apresenta todos os dias e pelas exigências que nos são impostas cada vez mais, há uma tendência a encontrarmos mais pais carpinteiros atualmente do que jardineiros. Isso porque vivemos num mundo competitivo, num mundo onde as flores não devem ser apenas belas, mas devem ir em busca dos seus sonhos e brigar por eles com todas as suas forças, muitas vezes sendo antiético e infringindo regas e normas.
Os pais carpinteiros também amam e cuidam das suas crianças.
O único problema é que eles querem que elas sejam iguais ao que eles desejam. E as crianças como já disse são autônomas. O ser da criança em formação decide o que vai absorver para o seu amadurecimento e o que vai descartar.
As crianças com pais carpinteiros tendem a crescer preocupadas em grandes conquistas. Muitas vezes essas exigências acabam prejudicando o desenvolvimento emocional da criança. Só para citar um exemplo, conheço um pai carpinteiro que tem apenas um filho e o ama por demais. Pelo seu filho, é capaz de tudo.
No entanto, o seu filho não alcançou êxito na seleção para uma escola técnica federal da minha cidade e este foi proibido de brincar com os seus amigos e ficar dentro de casa apenas estudando. O garoto se distanciou por completo dos seus amiguinhos e não tinha mais vida própria. Cresceu assustado. Tornou-se um adolescente com medo de participar de exames de seleção e entrevistas pelo fracasso que sofreu na adolescência. Entrou em depressão e só se curou depois de alguns anos.
Esse pai carpinteiro queria que o seu filho obtivesse êxito na vida acadêmica conforme ele sempre sonhou, mas a criança não estava preparada para tal êxito e frustrou toda educação que o pai lhe deu sendo reprovado numa seleção em que o pai tinha a certeza de que ele seria aprovado por ter educado o filho nos melhores colégios da região.
Alguns pais carpinteiros acabam criando um mundo niilista para os seus filhos, ou seja, desprovido de qualquer crença porque estão assustados com tantas cobranças e as crianças acabam não acreditando mais em nada quando começam a ver as suas derrotas e fracassos. Se sentem menos do que os outros. Sentem tristeza e abandono por parte dos pais que se enraivam com eles porque não atendem as suas expectativas.
Não podemos exigir que os nossos filhos conquistem as mesmas vitórias que conquistamos quando jovens, pois as coisas mudaram, tudo está diferente, o mundo globalizado exige que as crianças cresçam muito rapidamente e passem a exercer responsabilidades para as quais não estão preparadas.
As cobranças que fazemos o tempo todo para as nossas crianças, os desafios que as damos, são coisas difíceis de serem processadas nos seus pequenos espíritos. Elas não sabem lidar com um mundo onde é preciso ser o melhor em tudo para ganhar o seu amor, pai ou mãe.
Sim, não demonstrem que amam ou seus filhos apenas nas vitórias.
Eles precisam de amor em todos os momentos e mais ainda quando perdem algo ou não são considerados suficientemente bons para exercer uma atividade. Deixe que eles decidam o que querem fazer. Tenho uma amiga que cuida do seu sobrinho que tocava piano muito bem, mas de uma hora para outra motivado pelos amigos decidiu jogar futebol. Todos na família acharam legal e o incentivaram, mas ele não é um bom jogador e sabe disso. Chega em casa frustrado sempre que tem um jogo e a família está deixando que ele perceba isso e decida fazer outra coisa.
Ninguém pode ser igual a nós, e não podemos exigir que os nossos filhos sejam parecidos conosco ou ficaremos ansiosos e decepcionados quando eles tomarem outros caminhos. É por isso que muitos jovens se tornam rebeldes. A rebeldia é mais do que tudo um grito de alerta para os pais que querem moldá-los do jeito que pensam. As crianças sabem o que é melhor para elas quando vão se tornando maiorzinhas. E o que é melhor para as nossas crianças é um mundo cheio de felicidade, esperança e amor.
Não adianta o seu filho ser o campeão sempre e não ser feliz.
Conheço uma criança que já ganhou várias medalhas na natação e nem por isso se sente feliz diante dos amigos. É tímida, assustada, medrosa e cheia de problemas emocionais. Desde bem pequenina foi incentivada para vencer os seus adversários e quando não vencia os pais não a abraçavam com o riso da vitória. Ela sempre sentiu isso e me falou “gosto quando meus pais me abraçam sorrindo quando ganho, pois quando perco eles nem vem pra junto de mim”. Foi o que ela me disse e talvez seja o que ela sente.
Os pais carpinteiros estão muito preocupados com o futuro dos seus filhos. Eles querem que as crianças cresçam rápido para lhes mostrarem os seus talentos. Parece que as crianças se tornam troféus para esses pais que saem mostrando as fotos dos filhos com os pescoços cheios de medalhas. Não obstante, aquele que não consegue êxito em quase nada é esquecido, fica no canto da parede sozinho e triste por não receber a atenção que tanto necessita.
Alguns pais têm vergonha de falar dos fracassos dos seus filhos. Claro que nenhuma criança pode ser considerada fracassada só porque não se sai bem na matemática ou na leitura. Cada um de nós é dotados de uma essência que nos forma e nos constitui como seres materiais e espirituais ligados um ao outro que precisam estar em completa harmonia. Não é o caso de a criança campeã ser feliz ou o caso da criança que não se sai bem na escola ser triste o tempo todo, somos nós que exigimos que elas se sintam assim.
Já perceberam isso? Somos nós que ditamos o que as nossas crianças devem sentir. Nós, os seus tiranos, os pais carpinteiros que queremos que elas sejam a nossa semelhança quando nunca nos preocupamos no que os nossos pais queriam verdadeiramente de nós que crescemos felizes e livres para fazermos as nossas escolhas.
Só para citar mais um exemplo, outro dia conversando com um amigo advogado ele me disse que o pai sempre quis que ele estudasse direito, mas a sua paixão era letras. E fez o vestibular escondido do pai. Na hora do resultado o pai soube da escolha contrária ao seu desejo e ficou um bom tempo sem falar com ele. O meu amigo sentia-se feliz e realizado no seu curso de letras, o pai seguia enraivado. Depois do pai morto, o meu amigo disse que sentiu algo estranho por não ter realizado o sonho do pai e foi fazer uma faculdade de direito só para agradá-lo na vida eterna.
São essas expectativas que criamos e introjetamos nas crianças que trazem traumas e dificuldades para um viver pleno na idade adulta. O meu amigo só veio sentir-se bem depois de fazer o curso de direito que o pai tanto desejou. Não devemos exigir nada dos nossos filhos. Deixemos que eles decidam o que querem ser quando se tornarem adultos. Deixemos que eles sigam os seus próprios caminhos.
Não é à toa que vemos tantos filhos de médicos e juízes seguindo a mesma profissão dos pais. Muitas vezes é amor e escolha mesmo, mas algumas vezes é imposição dos pais. Você vai dar continuidade ao meu nome. É assim que se colocam os pais carpinteiros.
Nem todos são assim, mas a grande maioria. Isso era muito visto antigamente quando os filhos seguiam sempre as mesmas profissões dos pais, hoje as coisas já estão mudando porque já não existe mais tantas cobranças e que bom que está havendo mudanças porque devemos seguir o caminho para o qual temos amor e assim possamos nos dedicar aos nossos estudos e trabalho com os cuidados devidos e necessários.
Acredito que depois de ter falado um pouco de pais jardineiros e pais carpinteiros vocês tenham entendido a diferença. E que não sejamos nem muito uns nem muito outros, mas um pouco de cada um. Não culpemos os pais jardineiros por amarem demais as suas crianças e permitirem que eles se sujem na areia do parquinho, assim como não culpemos os pais carpinteiros por quererem moldar as suas crianças.
A verdade é que o amor e o cuidado são os mais importantes em qualquer formação da criança. Que a criança possa ter autonomia para decidir o que é melhor para si e possa sempre ser ouvida. O que importa nessa vida competitiva é ser uma flor pronta para as perdas e as vitórias. Que percamos as folhas no outono e as achemos na primavera sempre uma por vez.
Finalizo o texto de hoje com uns versos do poema de Rosana Rios intitulado “Guarda-chuvas” que nos diz “Tenho quatro guarda-chuvas / todos os quatro com defeito; / Um emperra quando abre, / outro não fecha direito.” Não importa quantas crianças nós cuidamos e damos amor, e se todas elas estão florescendo felizes e autônomas ou se estamos moldando-as para que cresçam do nosso jeito.
Deixemos as nossas crianças crescerem como os guarda-chuvas de Rios todos com defeitos ou não, o importante é que os amemos como são e não como desejaríamos que fossem, afinal a chuva sabe como cair na terra.
NOTA:com este ensaio chego ao meu post de número 100 no site de www.neipies.com
Coloco-me como uma colaboradora secular que em cinco anos conseguiu escrever sobre muitas coisas legais, pois no meu meio século de existência conheci árvores que me inspiraram a viver por milênios e vivo a procurar o elixir da longa vida. Eu só tenho a agradecer ao Nei Alberto Pies e aos seus leitores que também são meus pelo carinho de sempre. Comecei escrevendo histórias para crianças, depois sobre educação, meio ambiente, filosofia, sociologia e atualmente escrevo sobre filosofia da infância.
Que esta parceria linda possa continuar por muito tempo e que em breve eu complete o meu texto de número 1000 porque é o meu número da sorte. Grata a todos pelas leituras!
A vida é como um texto que a gente nunca termina de escrever e o ponto final para mim é apenas para dizer a você, querido leitor, que estou indo apreciar o mar, mas logo, estarei de volta cheia de meninos e meninas, árvores, salas de aulas, filosofias e literatura para deixar este mundo mais belo através de uma história que se conta em forma de ensaioliterário. Hoje eu quero ser a sua contadora de histórias secular. Amanhã talvez a milenar se continuar com a saúde e a disposição que tenho hoje para escrever rodeada pelo meu cajueiro e pelo meio rio Potengi que vem desaguar quase nos meus pés.
Que as águas do meu rio possam chegar até você, querido leitor, e dizer obrigada mais uma vez pelo seu carinho. Sem você não faria sentido escrever todos os fins de semana para um site tão maravilhoso o quanto o de Nei Alberto Pies!
Será que o volume brutal de ódio de cunho político, nitidamente instaurado no Brasil, tenderá a funcionar como uma catarse ou como uma cultura? Ou como catarse cultural?
Ódio é um desses conceitos vulgares que dispensam maiores definições. Ao ouví-lo todos sabem com certa precisão do que se trata. Parece mesmo algo intuitivo ou instintivo, que muitos não controlam. Antes, o incentivam. Etimologicamente, catarse (do grego kátharsi) significa purificar, purgar, limpar. Cultura, a rigor, diz respeito àquilo que se cultiva. E, no final das contas, tem-se o que se cria, replica e promove, para o bem ou para o mal.
De par com essas ideias, é possível refletir um pouco sobre práticas em curso. Práticas que, a olhos vistos, crescem dia após dia e se configuram em cultura do ódio, da violência, da barbárie, da incivilidade, da força bruta, da decadência ética, da desumanização.
As palavras parecem não mais dar conta da realidade diabolicamente reinventada todos os dias por todos os lados desse imenso país, em que paradoxalmente muitos chamam de “pátria amada”, ao mesmo tempo em que fomentam a intolerância e o ódio. Realidade que nos encobre, nos amedronta e causa repugnância.
Porém, para quem se propõe refletir com bom senso, a bestialidade não é horizonte. É, ao contrário, ruína a ser superada. A humanização, ou gentificação (ato de tornar-se gente) como dizia Paulo Freire, exige diálogo, respeito à realidade e à dignidade do outro. Requer o exercício quase nunca fácil, mas sempre imprescindível, de colocar-se no lugar do outro/a, de “sentir com”, de ser solidário, de promover o bem viver entre todos.
A cultura que vem se sobressaindo é a do ódio, quando se precisa tanto de paz, resultante da justiça social.
A violência não é uma emergência e nem uma ocorrência recente. Ela está presente em toda a história da humanidade. Agora, contudo, está sendo promovida de forma absurda, tendo as mais diferentes motivações e nuances. Diante dela pode-se ter distintas reações, desde o incitamento, passando pela naturalização, banalização e indiferença até a indignação, a criação de mecanismos para contê-la e o fortalecimento de meios para promover a pacificação ativa.
Ademais, é possível também criar hipóteses, reflexões e teses. Será que o volume brutal de ódio de cunho político, nitidamente instaurado no Brasil, tenderá a funcionar como uma catarse ou como uma cultura? Ou como catarse cultural? Se como catarse, uma vez expelido o capital represado de ódio bestial, a tendência seria retomar certa normalidade civilizatória. Se fluir como cultura, quanto mais ódio e violência expressos, tanto mais se tenderá a ter o mesmo produto.
Estamos caminhando em qual direção nessa Terra Brasilis, nos seus 200 anos de uma dita independência?
A experiência histórica e societária mostra que a intolerância tende a gerar mais intolerância; ódio e violência, igualmente. De outra parte, como dizia José Datrino (o Profeta Gentileza): “Gentileza gera gentileza”. Porém, sob o império das armas, das macabras palavras e das ações violentas que nos governam, essa (a gentileza) tem sido ofuscada, menosprezada e tratada como “coitadismo”. A educação, a sensatez, a sensibilidade e a dignidade humana, do mesmo modo.
Nesse contexto, haverá ainda utopias a serem perseguidas? Sim, certamente. Muitas, todas! Entre elas, as que parecem tão naturais e que noutros tempos estavam muito mais ao alcance do povo, sobretudo dos mais pobres. Necessário agora fortalecer a luta pelo que perdemos e/ou nunca conquistamos: a justiça social, o respeito, a cultura da paz, a soberania, a democracia; o investimento em saúde, educação, trabalho decente; alimentação suficiente e de qualidade para todos; demais direitos e serviços públicos.
O amanhã haverá de ser aquilo que plantarmos hoje e que cultivarmos sempre. Oxalá sejam reflorestados os desertos do chão e da alma.
Queiramos todos/as que o estágio de estupidez que assola o mundo e, em particular o Brasil, dê lugar a um padrão mais elevado de sensatez! Queiramos igualmente que o bem viver de todos/as se instale como grande utopia (inédito viável – nas palavras do educador Paulo Freire) e que avancemos de fato em termos civilizatórios e humanitários!
Para filósofo Byung-Chul Han é possível adquirir o poder por meio da violência, mas é um poder frágil. “É um erro pensar que o poder remete à violência. A violência tem uma intencionalidade completamente distinta do poder”. Tanto a macrofísica da violência quanto o poder “do soberano” são fenômenos da negatividade. (Altair Fávero) Leia mais: https://www.neipies.com/reflexoes-sobre-a-topologia-da-violencia/
Falo da resistência, da indignação, da “justa ira” dos/as traídos/as e dos/as enganados/as. Do seu direito e do seu dever de rebelar-se contra as transgressões éticas de que são vítimas cada vez mais sofridas. (Paulo FREIRE, Pedagogia da Autonomia (1997, p. 113).
Proteger quem cuida, quem faz a defesa, quem cultiva as causas, quem leva adiante as lutas populares, as lutas por justiça, por direitos humanos, pelos bens comuns é ação necessária, sempre. Mas, afinal, por que é preciso proteger?
É preciso proteger porque aqueles/as que se engajam em processos de luta estão em risco em razão do significado estrutural de sua atuação, mas também em consequência das configurações contextuais.
O antropoceno, casado com o capitalismo predatório, coloca a vida sob risco (com perigos e ameaças) e junto com ela todos/as que a promovem e protegem.
Todos/as os/as que se apresentam contrários/as à acumulação concentradora, que a tudo transforma em “mercadoria”, são tratados/as como inimigos/as a serem eliminados/as. Esta matriz de fundo vai se traduzindo em configurações contextuais e agentes que a realizam nos territórios.
A destruição da floresta, o garimpo ilegal, a pesca predatória, a agricultura devastadora, os grandes empreendimentos, a superexploração do trabalho, as milícias, o crime organizado, as forças de segurança liberadas para matar, o desmonte dos órgãos públicos encarregados da proteção dos territórios e de suas populações, o ataque aos povos indígenas e aos povos e comunidades tradicionais, enfim, estas e outras são suas manifestações, vão variando, mas carregam características comuns e alvos a serem vitimados.
A desproteção não é uma casualidade para a prática ultraneoliberal. É uma ação programada, um método de ação, visto que não cabe em sua dinâmica nem a existência de outros processos planetários que não sejam baseados na depredação, no patriarcado, no racismo e na exploração. Nela também não tem lugar para a diversidade dos/as sujeitos/as e que estes/as são sujeitos/as de direitos – são “atrapalhos” a seus projetos de morte, os/as descartam e destroem, povos, populações e ecossistemas.
Aqueles/as que “não fizerem por merecer” não têm porque serem cuidados/as, pelo contrário, suas precariedades serão potenciadas, não protegidas. Proteger equivaleria a um dispêndio que não cabe à sociedade e nem mesmo no rol das atribuições do Estado, que, ao modo de uma empresa, somente haverá de se preocupar com produzir “resultados lucrativos”. Há, portanto, uma desproteção estrutural em todos os sentidos que vai sendo efetivada de modo programado e sistemático.
A sua efetivação precisa romper com princípios básicos dos direitos humanos como a universalidade (não tem proteção para todos/as), a indivisibilidade (não dá para garantir tudo o que precisa) e a interdependência (vamos ver o que dá para atender) dos direitos humanos. Além destes, também é necessário relativizar direitos, admitir e efetivar retrocessos e, acima de tudo, aceitar a legitimidade de práticas discriminatórias e de dominação. Na prática, a desproteção caminha junto com o descomprometimento com os direitos humanos e com o rebaixamento dos níveis aceitáveis de sua realização.
Defensores/as de direitos humanos, lutadores populares, militantes sociais, são agentes de promoção da proteção integral, universal, de todos/as os/as seres humanos, de todos os seres vivos.
Não aceitam, de modo algum, romper com os princípios dos direitos humanos, exigem que aqueles direitos que ainda são promessa, sejam efetivamente realizados no cotidiano da vida, em todos os lugares, para todos/as. Agem para afirmar novos direitos a partir das lutas dos/as “sem-direitos” e para renovar criativamente todos os direitos já afirmados e instituídos. Lutam contra a acumulação concentradora dos bens comuns e reconstroem valores, reeducam práticas.
Estas posições os/as colocam na mira dos agentes do capital e os fazem potenciais alvos da fúria destrutiva de seus agentes. É por isso que precisam ser cuidados/as e protegidos/as. Porque estão em risco, pelos perigos e/ou pelas ameaças. Mas, os riscos que encontram não são todos iguais e nem se apresentam sempre da mesma maneira, ainda que possam haver certas regularidades e similaridades.
Por isso, é fundamental inserir nas análises da realidade, prática cultivada pela educação popular, além de outros elementos fundamentais para orientar a ação das organizações populares, também análises que possam evidenciar os riscos para a atuação dos/as defensores/as de direitos humanos, os potenciais de proteção popular, as necessidades de proteção institucional, as forças e fraquezas das organizações, além dos cenários nos quais se configuram situações de perigo e de ameaça, e como elas se desenham na correlação de forças estrutural, mas também contextualizada no tempo e no espaço.
A construção de estratégias, o planejamento da ação protetiva e a implementação da proteção contam com requisitos fundamentais para que sua efetivação alcance a finalidade a que se destina: preservar e cuidar da vida e garantir que siga em luta. Neste sentido, a proteção é medida que sempre precisa ser acompanhada da promoção e da reparação para que possa se constituir em atuação integral.
A orientação de fundo é sempre evitar violações (ação de promoção), mas se houver risco de que aconteça (necessidade de proteção) ou já tiver acontecido (necessidade de reparação), faz-se necessário uma intervenção sistemática.
Se é verdade que o risco é parte da dinâmica da vida e, atualmente, cada vez mais, a sua potencialização e sua transformação em efetiva violência ou violação haverão de ser evitadas pela implementação de medidas protetivas adequadas, suficientes e eficazes, capazes de reverter as causas geradoras de sua necessidade, ainda que possam também vir para sua mitigação ou redução. A proteção de defensores/as de direitos humanos é parte da atuação integral em direitos humanos.
A proteção também pode e precisa ser uma política pública, expressão do reconhecimento da sociedade e, portanto, ação de Estado, para garantir que a atuação de defensores/as de direitos humanos seja realizada em ambiente e em condições que lhe sejam favoráveis. Ela também é atuação de relevância pública e um serviço ao bem comum, por isso suscetível de investimento público em programas e ações protetivas especificas, especializadas e profissionalizadas.
A prática da proteção é, acima de tudo, uma herança da ação das próprias organizações de direitos humanos, dos próprios movimentos e organizações populares, que desde sempre a fazem como parte de sua atuação. E a fazem como proteção popular de defensores/as de direitos humanos, dos/as militantes e lutadores/as. Os movimentos, organizações e articulações desenvolvem modos próprios para o cuidado dos seus/suas. Ali é que está a fonte da proteção e é bebendo dela que se criarão as melhores estratégias, os melhores processos, as melhores metodologias e procedimentos para efetivar a proteção que combine práticas de autoproteção com práticas de proteção recíproca e de proteção solidária. Práticas populares não excluem, mas podem se complementar com práticas institucionais.
A prática da proteção de defensores/as de direitos humanos é motivada pela indignação com todas as formas de violência e de violação, mas também pela solidariedade com todos/as que levam adiante as causas populares. Na raiz dela, está a justa ira. É ela uma prática de resistência, própria dos/as que são injustiçados/as, dos/as que são perseguidos/as, traídos/as e enganados/as. A justa ira sustenta um direito, que também se converte em dever: de rebelar-se contra os autores da injustiça, da perseguição, do risco.
A justa ira é motivadora da responsabilização, não estritamente retributivista, mas também a reparação e a restauração.
Construir processos nos quais aqueles que são agentes do risco à vida dos/as defensores/as de direitos humanos e, também, aqueles que dele se beneficiam, ganhando dinheiro direta ou indiretamente com ele, sejam responsabilizados é um dos maiores desafios para que a proteção enfrente as causas de sua necessidade e possa chegar à vida de defensores/as de direitos humanos.
Assim que, proteger a quem protege, defender a quem defende, cuidar de quem cuida é caminho fundamental para que a vida seja promovida com o máximo de força, que seus caminhos sejam empotenciados, que a abundância seja alcançada pela partilha. Sejamos agentes de proteção popular, sejamos agentes de realização do cuidado da vida, de todas as vidas, construindo relações justas e que respeitem e promovam a dignidade e os direitos.
Paulo César Carbonari, Doutor em filosofia (Unisinos), membro da coordenação nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH Brasil), coordenador do Projeto Sementes de Proteção.
Joisiane Sachez Gamba, Advogada, membro da coordenação colegiada da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH/MNDH), coordenadora do Projeto Defendendo Vidas e Garantindo Direitos Expropriados.
O Legislativo Municipal realizou, na noite desta terça-feira (12 de julho), uma Sessão Solene em homenagem aos 15 anos do Projeto TransformAção, atuando na área social e ambiental, promovendo práticas de solidariedade e de inclusão, estimulando a recuperação e a conscientização pela conservação do meio ambiente. A proposição foi de autoria da vereadora Eva Valéria Lorenzato (PT), aprovada por unanimidade pelos demais parlamentares.
“O ano de 2007 foi um período marcante, fruto de um desafio de realidade, ao pensarmos na cidade de Passo Fundo, em nosso meio ambiente e, acima de tudo, nas pessoas que faziam a coleta de materiais recicláveis. Uma situação dramática.
Em Passo Fundo, pelas ruas da cidade, carrinhos iam e vinham coletando materiais das lixeiras e das portas das lojas. Aproximadamente 1.500 catadores e catadoras de materiais recicláveis disputavam espaço pelas ruas da cidade. Eram homens, jovens e mulheres, muitas delas gestantes ou acompanhadas por suas crianças ainda pequenas, que em cima dos carrinhos se misturavam aos feixes de papelão, plásticos, metais e vidros que serviam para a família ganhar alguns trocados, repassando às firmas de atravessadores.
A realidade inquietava e impulsionava pessoas e entidades com pensares de vontade, ações, de diversas formas e com diversos atores.
Foi então que a Campanha da Fraternidade, projeto desenvolvido anualmente na Igreja Católica do Brasil pela CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, no ano de 2007, levantava a polêmica discussão da Amazonia – Fraternidade e Amazônia, com o lema “Vida e missão neste chão”.
Como refletir e pensar ações direcionadas a esta temática na Arquidiocese de Passo Fundo “Vida e missão em cada chão”. Aqui no nosso chão em Passo Fundo, esta temática tem sua maior importância, pois é ainda mais necessário tendo em vista que os impactos ambientais foram e ainda são muito fortes.
Neste contexto, a Cáritas e a Arquidiocese aprovaram um Gesto Concreto da Campanha da Fraternidade, o Projeto TransformAção – Cuidar da vida, cuidar da natureza, cuidar das pessoas.
Na mesma época e situação, buscando dar resposta à difícil situação dos catadores de materiais recicláveis provocados pelo tema da CF Instituições religiosas projetavam e organizavam ações: Congregação de Nossa Senhora (Notre Dame) Congregação das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria Auxiliadora, Congregação dos Missionários da Sagrada Família, Paroquia Santa Teresinha, e Congregação Missionária Redentorista – Instituto Menino Deus.
O projeto nasceu a partir do compromisso e do desafio cada vez mais urgente de preservar e recuperar o meio ambiente em que vivemos, buscando articular a necessidade do cuidado da vida, educar para convivência sadia dos ser humano com a natureza, construir alternativas à exploração do meio ambiente e diminuir o impacto ambiental em nosso meio, ajudando na construção da dignidade humana das famílias, com geração de trabalho e renda através da reciclagem de materiais.
A partir daí abriu-se espaço de diálogo entre as Instituições Religiosas com a Cáritas onde as mesmas uniram esforços, numa ação conjunta, fundando assim o Projeto TransformAção: Transformar – formar e agir. Três verbos do infinitivo que formam a palavra transformação, que possibilitam infinitas propostas e ações.
Desde a fundação o Projeto é mantido com a participação solidária das entidades que o compõem, com uma mensalidade para a manutenção. Além dessas mensalidades as Congregações Religiosas participam com liberação de recursos humanos, colaboração financeira, liberação de carro, telefone, etc. A Cáritas cede o espaço para a Sede do projeto com toda infraesturura necessária para o bom funcionamento do projeto. Muitas outras entidades, empresas e pessoas físicas também colaboraram voluntariamente para que o trabalho pudesse acontecer.
Registramos a Associação das Entidades do Projeto TransformAção, uma entidade com personalidade jurídica própria, formada pelas cinco entidades já citadas.
O Projeto TransformAção concretiza o apelo do Papa Francisco, quando em 2015 escreve a encíclica Laudato Si, que trata do cuidado com o meio ambiente e com todas as pessoas, bem como de questões mais amplas da relação entre Deus, os seres humanos e a Terra. O Papa critica o consumismo e desenvolvimento irresponsável e faz um apelo à mudança e à unificação global das ações para combater a degradação ambiental e as alterações climáticas. No campo da ecologia, a Igreja tem um papel singular, que é promover “um cuidado religioso do meio ambiente, um „profetismo ecológico‟ na formação das consciências e da sensibilidade, uma cultura ecológica ligada à fé e a mística” nós estamos nesta luta.
Parcerias e Programas
A constituição do TransformAção é resultado de parceria, de cinco entidades que sonharam e buscam juntas soluções para a Casa Comum. Contamos com pessoas físicas, empresas, Instituições públicas e privadas que colaboram conosco na realização dos objetivos. Graças ao bom Deus tivemos e temos muitos parceiros engajados e comprometidos conosco nesta construção.
Os 15 anos desta trajetória também se devem a muitos dos nossos parceiros, alguns eventuais e momentâneos, outros por solidariedade e sensibilidade às dificuldades do contexto, outros ainda que são parceiros permanentes e nos apoiam financeiramente. Por justiça, não vamos listar porque nossa nominata é extensa, mas gostaríamos que soubessem que precisamos de vocês, assim como muitas pessoas precisam de nós. Obrigado por estarem conosco nesta caminhada e por depositarem confiança em nosso trabalho que é sério, permanente e comprometido.
O Projeto TransformAção se estrutura em seis programas, sendo quatro com trabalhos e atuação com diferentes públicos (Programa 1 – Educação Sócioambiental, Programa 2 – Cooperativismo, Programa 3 – Crianças e Adolescentes, Programa 4 – Políticas Públicas) e dois que são de caráter e organização institucional, que mostram o que fazemos e criam as condições para nossas ações (Programa 5 – Comunicação e Marketing e Programa 6 – Institucional).
Sumariamente, destacamos o seguinte em nossos programas:
Educação Socioambiental: Promovemos ações formativas de sensibilização e conscientização junto à escolas, empresas, condomínios, igrejas, comunidade em geral para a questão ambiental e social, envolvendo a temática de destinação de resíduos, buscando destacar a importância da reciclagem assim como a sua contribuição para a preservação de recursos naturais e geração de trabalho e renda às cooperativas, construindo cidadania. Também desenvolve a produção de materiais formativos, a exemplo de cartilhas, folder, spots, vídeos e documentários, além de seminários e lives sobre temáticas que problematizem a necessária relação entre o Social, o Econômico e o Ambiental, em consonância com os pactos e agenda de desenvolvimento global.
Ao longo destes 15 anos, muitos projetos foram aprovados e neste ano de 2022 seguimos com Projeto Coleta Seletiva Solidária, com recursos advindos do Fundo Municipal do Meio Ambiente. Para fazer jus a essa trajetória que se põe como desafio permanente e continuado, recuperamos o lema que versa em nossos materiais impressos, repetindo-o: Que Comece Comigo!
Cooperativismo: Estimulamos o desenvolvimento integrado das cooperativas de catadores/as, ofertando condições favoráveis para qualidade de vida no trabalho, com enfoque voltado a potencializar o espírito cooperativo, a produção, a renda e a emancipação dos catadores que trabalham nas cooperativas.
Ao todo, são três cooperativas assessoradas pelo Projeto TransformAção: Cooperativa de Trabalho dos Recicladores do Parque Bela Vista (RECIBELA), a Cooperativa de Trabalho dos Recicladores do Bairro Santa Marta (COOTRAEMPO) e Cooperativa de Trabalho dos Amigos do Meio Ambiente (COAMA). Entre todas as cooperativas, temos, hoje, uma variação que vai de 95 a 100 cooperados e que, por extensão, considerando que o grupo familiar é de entorno de 4 a 5 pessoas, então, são 450 a 500 pessoas atingidas diretamente por essa iniciativa.
As cooperativas mostram sua importância e relevância para Passo Fundo porque elas colaboram com a produção da metade do percentual de reciclagem do município.
Passo Fundo acumula por dia cerca de 150 a 160 toneladas de resíduos, 4.500 toneladas por mês. Deste montante recicla apenas 6%.
As cooperativas reciclagem em média 150 toneladas por mês que resulta em cerca de 3% do percentual reciclado mensalmente no município. Deste montante reciclado, as cooperativas alcançam um resultado financeiro em média de R$ 1.500,00 por mês, com giro financeiro direto em vendas um total de 150 mil reais, sem contar outras rubricas em manutenção, investimentos, entre outros, com giro anual próximo de 2 milhões no município (0,25% do orçamento anual do município).
Com isso, demonstramos ao município de Passo Fundo que as cooperativas de catadores, são viáveis economicamente, são possíveis em seu modo organizativo, são necessárias para garantia da inclusão social e econômica e, sobretudo, colaboram diretamente na preservação e cuidado ambiental em sentido estrito e amplo.
O trabalho de assessoria do Projeto TransformAção junto às cooperativas foi decisivo para sua constituição e continua sendo necessário para sua estruturação, qualificação e ampliação, tanto no volume de resíduos, bem como na busca de parcerias, convênios, contratos e acesso a recursos públicos.
Vida longa às cooperativas, cuidando é que se transforma!
Criança e Adolescente – com o objetivo de oferecer serviços de convivência e fortalecimento de vínculos às crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e risco social através de atividades formativas nas dimensões físico, artístico e culturais, em vista da promoção da cidadania mantemos o Projeto “Transformando a vida com arte” com crianças e adolescentes de 6 a 15 anos desenvolvido na Vila Popular – onde o Projeto nasceu, junto à Cooperativa Amigos do Meio Ambiente
Cuidar da vida, cuidar da natureza e cuidar das pessoas é exigente e quando se trata de crianças e adolescentes a responsabilidade se redobra, especialmente aquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade e risco social.
Apesar de todas as dificuldades vividas, e foram muitas e de diversas ordens, temos muito a lembrar e, sobretudo, nos alegrarmos pelas grandes e valiosas conquistas. Hoje temos pessoas que passaram por nosso projeto e são adultos, trabalhadores/as, pessoas que constroem seus lares, suas vidas com esperança!
O que pode valer mais que ajudar e colaborar na direção para a vida de uma criança e adolescente, incentivando e desafiando na presença diária em processo de formação que orienta, ensina e desperta talentos?
Quantas alegrias em tantas apresentações e momentos e confraternização na sala do programa, empresas, instituições de ensino, abertura de eventos diversos, enfim, na comunidade em geral. Num contexto de desemprego e violência crescente, urge nos renovarmos cotidianamente para seguirmos firmes e fazendo diferença, fazendo TRANSFORMAÇÃO na vida de pessoas.
Políticas públicas: Participamos de modo efetivo em instâncias de proposição de políticas públicas para a garantia de direitos, em especial às crianças e adolescentes, mulheres, famílias e catadores. Ao longo destes 15 anos de atuação, marcamos presença ativa nos Conselhos Paritários (Conselho Municipal de Assistência Social – CMAS, Conselho Municipal do Meio Ambiente – CMMA, Conselho Municipal dos Direitos das Crianças e Adolescentes – COMDICA). Em todas essas frentes, não só ajudamos na composição da mesa diretora dos conselhos, bem como, trabalhamos na construção de documentos estruturantes da política pública do município de Passo Fundo.
Seguimos marcando presença nos espaços de participação e decididos que estar do outro lado da mesa do gestor público, é nosso dever exercer o direito de exigir o cumprimento das legislações em vigor, trabalhando em conjunto e proativamente para enfrentar e ultrapassar dificuldades que se apresentam cotidianamente. Seguimos dispostos a contribuir nesta construção que nos desafia e nos instiga permanentemente.
Oxalá, tenhamos forças para continuarmos perseverantes em nossa missão!
Por fim, nosso especial agradecimento à vereadora Eva Valéria Lorenzato, agricultora, advogada, promotora legal popular, uma mulher engajada e que também é parceira em nossas ações. Com essa homenagem ao Projeto TransformAção, em nome de todas as entidades associadas, nosso muito obrigado e conte conosco para construir e defender bandeiras em prol da garantia e efetivação das políticas públicas. Estamos juntos!
E a todos/as que aqui estiveram e se deslocaram de suas casas, mais uma vez, nosso agradecimento pela presença e apoio e a todos/as a certeza que seguiremos decididos a marcar o tempo e o município de Passo Fundo com nossas ações”.
Autora: Irmã Silvania Ioner, em nome do Projeto Transformação.
Sobre a Sessão Solene:
Proponente da homenagem, a vereadora Eva Valéria Lorenzato ocupou a tribuna, oportunidade em que relembrou a origem e trajetória do Projeto TransformAção, desde sua formação, em 2007, passando pela criação da Associação, em 2010, realizando um trabalho de cuidado com a vida humana e com o meio ambiente.
“Em seus 15 anos, o Projeto TransformAção alcançou reconhecimento por sua ação transformadora na comunidade, contando hoje com uma ampla rede de parceiros, que envolve pessoas físicas e jurídicas, instituições de ensino, condomínios, empresas, entidades sociais e poder público, que buscam educar para uma convivência sadia do ser humano com a natureza, ajudando na construção de alternativas de preservação do meio ambiente, diminuindo o impacto ambiental em nosso meio e ajudando na geração de renda e inclusão social de diversas famílias por meio de trabalho digno e sustentável”, salientou Valéria, lembrando que, “dezenas de pessoas desenvolvem suas atividades nas cooperativas de trabalho assessoradas pela entidade, gerando renda e inclusão social e econômica aos catadores e catadoras de Passo Fundo, sendo que, em média, 130 mil quilos/mês de resíduos são triados pelas cooperativas de catadores de Passo Fundo”.
Eva Valéria informou que o projeto faz parte de sua vida, “foi muito marcante a vivência no espaço do Projeto, especialmente, quando descobri que praticamente todas as cooperativas são coordenadas por mulheres, por mulheres negras, por mulheres que sofrem e na maioria são chefes de famílias e tiram sua renda da reciclagem. É um espaço importante de dignidade, de vida, onde as pessoas vivem de forma coletiva, e naquele momento me comprometi que os recicladores teriam vez e voz na Câmara de Vereadores e aqui estou e fazendo esta homenagem”, ponderou a parlamentar. Eva Valéria encerrou parabenizou todos os envolvidos pela manutenção do projeto e desejou vida longa ao TransformAção.
Elas crescem tendo que aprender tudo sozinhas sobre as suas emoções e sentimentos. Pouco nos preocupamos com o que as crianças sentem em relação a nós e as coisas ao seu redor.
Casimiro de Abreu, poeta brasileiro, escreveu um lindo poema para crianças intitulado “Meus oito anos” e nos seus bonitos versos ele nos diz “Como são belos os dias / Do despontar da existência! / – Respira a alma inocência / Como perfumes a flor;” que a inocência da criança possa ser respeitada e amada no seu jeito de ser sem querermos mostrar para elas como gostaríamos que fossem dizendo-lhes “veja como o seu amiguinho é comportado. Seja igual a ele.” As crianças têm as suas individualidades, também.
Falar de criança é sempre como um voltar à infância e brincar de amarelinha ou ciranda com os meus amiguinhos. É nunca deixar de ser criança para as coisas mais sérias que a vida nos desafia e nem sempre estamos preparados para lidar com elas. São tensões e sentimentos que nos tomam a alma e ficamos sem saber o que fazer.
Se para nós adultos essa correria da vida contemporânea nos provoca sentimentos e emoções que não temos a menor ideia de como conviver com eles imagine para as nossas crianças. Quando chegamos na idade adulta todos acham que devemos estar preparados para enfrentar os nossos medos e tristezas, as decepções e ingratidões que muitos nos provocam, mas não é assim.
Nunca estaremos preparados para perdas, principalmente se essas são de parentes próximos ou amigos que tanto amávamos. Choramos feito crianças. Ficamos tristes e questionando a vida. É um voltar a tenra idade de forma metafórica com emoções que vão tomando conta da gente sem nos deixar respirar um pouco de alívio de tantas explosões de sentimentos que nunca sentimos antes.
Ficamos assustados com emoções fortes que nos pegam quando acontece algo de surpresa. Isso porque não nos foi ensinado a nos conhecermos bem e sim conhecermos a parte artificial do mundo ao nosso redor. O famoso ensinamento de Sócrates “conhece-te a ti mesmo” não está sendo ensinado às crianças em casa e nem nas escolas.
Elas crescem tendo que aprender tudo sozinhas sobre as suas emoções e sentimentos. Pouco nos preocupamos com o que as crianças sentem em relação a nós e as coisas ao seu redor. Sabemos que logo a raiva e o medo passarão, que é coisa boba, coisa de criança que não precisa se preocupar muito. E isso vai se passando até chegar na fase adulta.
Não temos ideia de como lidar com a raiva de uma criança.
Sim, porque criança também tem o direito de ter raiva, de bater o pé e dizer que não quer isto ou aquilo, de ficar de cara fechada e de se negar a falar com alguém. Criança tem todo o direito de dizer não quando sentir vontade. A verdade é que não estamos preparados para enfrentar essas raivas. Como nos achamos “donos” da criança queremos que aja sempre conforme desejamos.
A raiva da criança é sempre vista como algo desafiador ao adulto, uma peraltice, uma birra ou muito mimo como se a criança não precisasse ser paparicada por nós com as suas bonitezas que desabrocham todos os dias ao alcance dos nossos olhos e nem nos damos conta dessas coisas lindas. Toda criança tem o direito de ter raiva e ficar abusada o tempo que quiser. Como tem o direito também de não aceitar o que nós, adultos tiranos, queremos lhes impor.
Imagine você com raiva no meio de uma reunião de trabalho. Muitas vezes acaba explodindo diante do seu chefe que não lhe compreende, que não aceita as suas ideias e sugestões. Assim são as crianças no meio de uma reunião familiar. Elas não querem apenas abraços, beijos e carinhos. Elas querem ser ouvidas, elas querem poder dizer não na hora que acharem vontade e ficar com raiva de você ou daquele parente chato que costuma beliscar as suas bochechas com perguntas bobas.
As crianças de hoje têm uma aprendizagem mais rápida devido o contato com outros meios de informação e mais pessoas do que as de antigamente.
Da mesma forma é a criança que sente medo. Todos nós temos medo de alguma coisa. Não adianta obrigar a criança a dormir no escuro e não querer que ela chore por isso. Para muitas delas a escuridão é assustadora. Se permita deixar o abajur aceso até a criança adormecer ou uma meia-luz ligada.
Não obrigue a sua criança a enfrentar um medo que ela nem sabe como conceituar. O medo é uma coisa terrível para os seres humanos.
Não ache que só porque o seu filho é um menino que ele vai se tornar um “homenzinho” logo e precisa enfrentar o medo sozinho. Essa história de que homem não sente medo não existe mais. E as coisas não são assim como as pessoas costumam dizer hoje em dia “se der medo vai com medo mesmo”.
Ninguém consegue sair do lugar quando sente medo. É preciso ajuda alheia. É preciso que os pais saibam cuidar das suas crianças enquanto elas não começam a materializar esse medo em forma de xixi na cama no meio da noite ou dores de cabeça, febre e outros sintomas físicos que logo se apresentam.
O contrário acontece com uma das emoções que mais apreciamos nas nossas crianças que é a alegria. Sim, na alegria todos compreendemos e achamos bonito os sorrisos e gritinhos que as crianças dão pela casa correndo de um lado para o outro. Ficamos contentes ao ver que elas estão crescendo felizes e cheias de energia. Com isso, não nos preocupamos em saber delas o que estão sentindo em relação a forma como as tratamos e como estão sendo tratadas pelas pessoas próximas.
A criança não guarda rancores igual aos adultos. Ela tem a ingenuidade e a imaturidade em relação as experiências dolorosas que vive. Não é que ela esqueça as coisas difíceis e as incompreensões que sofre. Está tudo guardado dentro do seu pequeno espírito e pode aflorar a qualquer momento. Essas coisas saem do instante presente para se apresentarem em qualquer outra fase da vida em forma de sintomas físicos e emocionais.
Se a criança fica encantada com algo que você não gosta não a proíba de sentir essa emoção. Deixe-a viver completamente. Apenas interfira se for algo ruim ou que lhe cause mal. Senão deixe que ela decida se vai continuar encantada ou não pela pessoa ou pela coisa ao seu redor. Na infância surgem muitos encantamentos.
Uma criança que sorrir e demonstra alegria também pode sentir-se desprotegida, muitas vezes incompreendida pelos seus pais e professores. Está ali brincando sorridente não significa que ela não precisa de menos cuidado que as outras. A alegria é momentânea. Ela também tem as suas dores e dúvidas. Quando tomamos dela algo que gosta ou negamos-lhe alguma coisa logo vai desencadear uma outra emoção que é a raiva e por isso nem sempre a alegria é sinal de felicidade plena na criança.
Para muitos pais deixar as crianças brincarem e estudarem sem muitas cobranças e que elas possam fazer o que bem gostarem está tudo bem. Não terão preocupações se permitirem que as crianças façam tudo o que bem quiserem. Afinal, é só coisa de criança. Seus filhos crescerão fortes e saudáveis, sem traumas e medos na vida adulta. Estão enganados os pais que pensam assim.
Toda criança precisa de limites e de ser ouvida. Por mais que tenha a liberdade de fazer tudo o que quiser vai chegar um momento em sua vida que ela vai necessitar aprender a lidar com as perdas, a saudade, a distância, as mudanças e, principalmente, a separação dos pais. Se as suas emoções não foram bem trabalhadas não saberá como enfrentar isso tudo. Poderá tornar-se uma criança ansiosa ou desenvolver a depressão.
Uma das emoções mais difíceis de lidar para nós adultos é o desprezo. Quando somos desprezados por quem mais amávamos sofremos bastante porque não fomos preparados para essa dor terrível. Na criança essa emoção se multiplica cem vezes mais. Ela não consegue entender por que foi largada na rua ou por que os pais não lhes dão atenção.
Sentir-se desprezada por aqueles que deveriam cuidar e nos amar. Ser largada aos cuidados de pessoas estranhas o dia inteiro. Nunca ter o carinho dos pais porque estão sempre ocupados. Só os ver nos fins de semana e muito raramente. Não ter alguém de confiança para contar os seus segredos e sentimentos. Sentir-se sozinha no mundo como muitas crianças se sentem. Eu mesma já ouvi uma criança me dizer que se sentia sozinha e que era doloroso se sentir assim.
Uma outra emoção que precisamos trabalhar com as crianças é a surpresa. Não estamos preparados para perdas repentinas ou para mudanças. Quando nos surpreendemos com alguma coisa tendemos a ficar desconfiados. A surpresa quando é boa causa alegria, mas quando ela assusta a criança tirando-a da sua zona de conforto é necessário que se fale sobre ela.
No mundo contemporâneo somos surpreendidos todos os dias com notícias dolorosas, mudanças de endereços dos nossos pais que foram transferidos para trabalharem em outras cidades, mudanças de escolas, distanciamento dos avós e dos amiguinhos. Também podem ocorrer surpresas com o adoecimento ou a perda de um animal doméstico. Os pais devem saber o que fazer com os seus filhos nestes momentos inesperados.
As crianças nos oferecem surpresas todos os dias. Com o crescimento elas vão descobrindo coisas maravilhosas. E mais agora com o uso de aparelhos eletrônicos elas estão crescendo e desenvolvendo o pensamento mais rapidamente. As surpresas surgem de si mesmas e do mundo exterior. Estamos rodeadas por surpresas boas e ruins. O importante é que saibamos educar a criança para o momento do inesperado.
Algumas emoções são difíceis de serem compreendidas pelas crianças e nem todo adulto sabe como lidar com elas. O bom seria que estivéssemos sempre atentos no desenvolvimento das nossas crianças. Que lhes déssemos um pouco de atenção todos os dias mesmo por poucos minutos. As exigências desse nosso novo mundo são grandes demais. Não podemos perder, não podemos chorar em público, não podemos demonstrar fraquezas ou medo. São cobranças que vêm de todos os lados.
A criança está o tempo todo competindo consigo nos mais diferentes sentimentos. Tem que fazer a lição de casa escolar, ir para aula de idiomas, depois praticar o esporte e por último estudar para uma olímpiada que participará em breve. São muitas cobranças que fazemos cedo demais às nossas crianças.
Quando se sentem exageradamente cobradas as crianças não sabem o que fazer porque nos seus pequenos mundos gostariam de apenas brincar e estudar. Mas, os pais querem que elas sejam as melhores em tudo. Desde cedo as nossas crianças já vão para escola pensando no que serão mais tarde. Damos para elas profissões difíceis e que exigem competitividades junto aos amigos.
O amiguinho que deveria ser amado passa a ser visto como um adversário que precisa ser vencido. A criança não entende por que o seu amiguinho é melhor do que ela nas notas escolares da escola e começa a sentir tristeza. Também pode desencadear aversão pelo amiguinho que é outra emoção nada legal que podemos sentir ao logo da nossa infância.
Uma das emoções mais bonitas encontradas na criança e que é extremamente sincera é o afeto. Se soubéssemos aproveitar esta emoção para aprendermos com ela a como amar as pessoas ao nosso redor do jeito que ela nos ama talvez sofrêssemos menos.
O afeto das crianças é verdadeiro, sincero, ela se doa por inteiro.
Ela aprende a amar os seus pais desde os primeiros dias de vida, depois vai aprendendo a amar quem lhe dá carinho e atenção. Com o tempo ela passa a amar as pessoas com as quais mais convive. Um afeto despido de qualquer interesse ou coisa parecida. Ela ama simplesmente por amar. Ela ama porque se sente querida e respeitada naquele lar e por todos.
Vejamos o exemplo do menino que ama uma árvore no livro “A árvore generosa” do escritor Shel Silverstein. Um clássico da literatura infantil. O menino ama tanto a árvore que pede tudo para ela porque confia que ela vai lhe dar tudo o que pedir e a árvore em troca por amar tanto o menino faz de tudo para atender os seus pedidos até que vai se desfolhando aos poucos quando o menino sem compreender direito começa a fazer pedidos difíceis e que ela não sabe como atender. Assim são as crianças quando nos amam, elas nos pedem coisas intrigantes e muitas vezes que não podemos lhes oferecer.
Devemos conversar sempre com elas sobre os seus pedidos para que não percam o amor pela gente ou fiquem desconfiadas de que não estamos lhes dando o que pedem porque não queremos. O amor deve ser sincero um para com o outro.
Já pensou se a árvore se rebela contra o menino e lhe diz um monte de coisas desagradáveis ou se ela deixa de amá-lo? O que o menino sentiria? A árvore prefere morrer a machucar o menino. É assim quando amamos, ou seja, nunca machucamos quem amamos verdadeiramente.
A criança que se sente acolhida e amada dificilmente terá problemas emocionais. No seu pequeno mundo tudo se apresenta de maneira correta e o seu imaginário será povoado por personagens felizes e sempre cheios de vontade de ajudar uns aos outros. Assim como ela é tratada quando precisa de ajuda. O afeto é uma das emoções mais bonitas de sentirmos.
Para amar incondicionalmente a criança precisa sentir outra emoção bastante significativa ao seu amadurecimento que é a confiança. Esta emoção que está tão difícil de encontrarmos nas pessoas grandes hoje em dia. Mas, a criança confia nos pais e em quem lhe dá carinho, por isso temos que ter cuidados com certos estranhos que se aproximam delas oferecendo-lhes presentes e um mundo perfeito.
A criança que sente confiança nos seus pais e responsáveis poderá falar sobre os seus sentimentos e até mesmo contar as suas coisas mais íntimas para um adulto. Ela sabe que não será julgada e nem castigada se abrir o seu coração porque quem está ali do seu lado merece a sua confiança. Lembrando que o afeto só se torna verdadeiro quando a criança confia em você. Afeto e confiança são duas emoções que andam juntas. Não adianta dá amor e não confiar na criança ou não passar confiança para ela.
Precisamos nos acostumar com a ideia de que uma criança não é uma máquina programada para se comportar do jeito que desejamos. Muitas são completamente diferentes do que gostaríamos que fossem. Elas se rebelam, quebram as coisas, fazem birras, chutam o pau da barraca, gritam, xingam e até mesmo mordem quando perdem o controle das suas emoções. Isso ocorre principalmente nas crianças que não se sentem completamente amadas pelos seus pais.
Você pode dizer que ama o seu filho verdadeiramente, mas será que o compreende? Será que na hora da sua raiva você não grita ou faz medo para o seu filho? Será que na hora da raiva você não o castiga ou bate nele? Na hora da raiva devemos controlar as nossas emoções para saber o que fazer com aquela rebeldia que a criança apresenta.
Cito para vocês um exemplo próximo de mim. Convivo diariamente com uma menininha de três anos de idade que a sua mãe diz amá-la de todo coração, mas sempre que essa menininha faz algo de errado que roube a paciência da mãe acaba recebendo gritos e puxões de orelhas. A menininha é muito carinhosa e pede desculpas para a mãe pelos seus erros. Aos três anos ela já aprendeu o que é pedir desculpas, mesmo que não saiba direito esse conceito ou talvez esteja imitando o que viu alguém fazer.
Será que essa mãe está sabendo lidar com as emoções da sua filha?
Quando a criança chora e quer ir brincar na rua recebe gritos e xingamentos. Não! Ela não pode brincar com os outros amiguinhos quando deseja. Somente vai brincar quando a sua mãe acha que é o momento. É assim sempre.
Nós adultos não respeitamos os desejos das crianças. Não as compreendemos, por isso muitas sofrem de problemas emocionais e estão lotando os consultórios psicológicos. No lugar de estarem em filas de psicólogos eram para estar brincando em praças e parques públicos correndo, pulando, se jogando no chão e sendo feliz sem medo daquele momento tão logo acabar.
O maior medo das nossas crianças é que as deixemos sozinhas um dia. Elas confiam tanto na gente que sabem não faremos isso, mas ao menor sinal de distância entram em desespero. A confiança na maioria das crianças nos seus pais é tão grande que quando eles as deixam em um determinado lugar elas gritam “eu quero a minha mãe” ou “eu quero o meu pai”. Elas vão sempre lembrar de quem ama e de quem lhes dar amor.
Existem outras emoções que podem ser discutidas pelos pais e professores das crianças. As que citei aqui são as mais importantes. Antes de julgar a sua criança ou se colocar como um tirano diante dela dê-lhe a oportunidade de poder mostrar o motivo pelo qual está agindo daquele jeito, chorar é a nossa primeira emoção de espanto diante do mundo e por isso o bebezinho é colocado nos braços da mãe para se acalmar. Continue acalmando a sua criança do mesmo jeito que fez na hora do seu parto.
Deixo vocês com o poema de Rosana Rios intitulado “Guarda-chuvas” que diz os seguintes versos “Tenho quatro guarda-chuvas / todos os quatro com defeito; / Um emperra quando abre, / outro não fecha direito. / Um deles vira ao contrário / seu eu abro sem ter cuidado. / Outro, então, solta as varetas / e fica todo amassado.”
Que possamos abrir o guarda-chuvas da infância com o cuidado necessário para que as emoções das nossas crianças sejam compreendidas e aceitas como expressões de quem deseja crescer sem ser amassado.
Defender a profissão docente é dar a cada criança, jovem e adulto as possibilidades de expandir suas potencialidades, no âmbito pessoal e profissional.
Há muito as universidades comunitárias gaúchas alertam para o “apagão de professores”. Das primeiras preocupações, passando pelas diferentes ações em defesa das licenciaturas já deflagradas por nossas instituições, chegamos ao tempo em que a carreira docente mostra visíveis sinais de alerta. Com poucos licenciandos e com cursos na iminência do encerramento de suas atividades, vemos ameaçado o processo formativo pleno e digno que as atuais e futuras gerações necessitam.
A profunda crise na educação fica evidente nos dados nacionais, que revelam que a falta de professores já é realidade para atender à demanda de educação básica no Brasil. Estudos indicam que docentes com 50 anos ou mais representam a maioria em exercício, enquanto que aqueles com até 24 correspondem a uma pequena parte, em declínio. Em sintonia, o último Censo da Educação Superior (2020) mostra que as licenciaturas receberam o menor ingresso de acadêmicos.
A reviravolta neste cenário, de modo a preservar a qualidade no processo de formação inicial e continuada dos professores, é um grande desafio, que implica a todos: poder público, universidades, sociedade civil, toda a rede de educação. Recuperar o interesse de nossos jovens pelas licenciaturas, seu apreço pelo ensino, pela pesquisa, pelo conhecimento, é imprescindível e inadiável.
Valorizar a profissão docente significa dar viabilidade a um projeto de grandeza maior, que envolve, diretamente, o processo formativo das pessoas e o desenvolvimento da nação.
Reconhecer a essência docente e o seu papel no desenho de um futuro digno, como indispensável ao fomento social, cultural e à construção de sociedades mais justas e solidárias, é fundamental para o pleno desenvolvimento das capacidades humanas.
A humanidade se faz na convivência, na reflexão, na contraposição de ideias, no diálogo. A relação pedagógica, especialmente aquela entre professores e alunos, é a alavanca para a superação dos conflitos, para o acolhimento das diferenças, para o pensamento ético e crítico, para o bem-estar social, para a construção das soluções necessárias aos dilemas da vida contemporânea.
Defender a profissão docente é dar a cada criança, jovem e adulto as possibilidades de expandir suas potencialidades, no âmbito pessoal e profissional.
Quando o professor tem claro para si a função social de sua atividade, os motivos de sua opção e permanência no magistério, pode revelá-los aos alunos, ajudando-os a ressignificarem sua presença e trajetória na escola. (Celso Vasconcellos) Leia mais:https://www.neipies.com/sentido-da-docencia/
Sendo a educação um direito de todos e responsabilidade do Estado, da sociedade e da família, cabe-nos exigir o cumprimento desse direito, responsabilizando legalmente aqueles que descumpriram esse direito, e como cidadãos, devemos exercer nossa cidadania nos manifestando e elegendo representantes políticos que estejam comprometidos com a educação, a ciência e a cultura.
O Brasil tem 50 milhões de jovens. Em um país com esse perfil, priorizar investimentos na formação é condição imprescindível para viabilizar o futuro das atuais e novas gerações em condições dignas de vida.
Porém, na contramão dessas demandas inadiáveis, no atual governo federal a execução orçamentária do Ministério da Educação (MEC) atingiu os menores valores da última década, R$ 147,56 bilhões em 2015 e R$ 119,96 em 2021, valores liquidados, corrigidos pelo IPCA para janeiro de 2022.
A Proposta de Lei Complementar (PLP) 18/2022, que estabelece teto para cobrança de ICMS dos combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo reduziu, na prática, a alíquota do ICMS para 17%. Estudos apontam para uma redução de receitas de R$ 83,5 bilhões, o que implicaria uma perda mínima de R$ 21 bilhões para as despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), que correspondem aos 25%.
Essa perda de recursos atingirá, principalmente, a educação básica, lembrando que o ICMS responde por 60% da receita do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Por outra perspectiva, faltando menos de três anos para o final da vigência do Plano Nacional de Educação (PNE), a quase totalidade das suas diretrizes e metas (86%) são descumpridas e 45% são alvos de retrocessos e é enorme a falta de dados e de informações atualizadas.
É o que demonstra o 8º balanço anual da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, divulgado no dia 20 de junho. Nesse caso, é um evidente descumprimento da Lei nº 13.005/2014 que aprovou o PNE, inclusive, por unanimidade, no Congresso Nacional.
Quanto ao Plano Estadual de Educação (PEE-RS), em cumprimento ao PNE, instituído pela Lei estadual 14.705/2015, não temos relatórios de monitoramento nem informações públicas desde 2016.
No artigo 5º da Lei do PEE-RS está expresso que o “cumprimento de suas metas serão objeto de monitoramento contínuo e de avaliações periódicas”, realizados pela Secretaria Estadual da Educação (Seduc), União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, seção do Rio Grande do Sul (Undime/RS), Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (CECDCT), Conselho Estadual de Educação (CEEd/RS), União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação, seção do Rio Grande do Sul (Uncme/RS) e o Fórum Estadual de Educação (FEE/RS), que sequer teve funcionamento regular nos últimos quatro anos.
Enquanto o PNE descumpre e, inclusive, retrocede em algumas metas e, o PEE-RS segue sem monitoramento e avaliação, o MEC e as secretarias estaduais da Educação ocupam-se com programas específicos de governo sobre “passivos e impactos da pandemia, déficit na aprendizagem, reformas curriculares decorrentes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)”, em detrimento dos planos e políticas de Estado, amplamente discutidos pela sociedade e aprovados pelos parlamentos.
PNE: Retrocessos alarmantes
Entre agendas paralelas e exemplos desse atravessamento de prioridades estão a implementação da BNCC da educação básica (restrita à reforma curricular) e a reforma do novo ensino médio. Em detrimento das metas e estratégias estabelecidas nos planos, a BNCC tornou-se o epicentro das políticas educacionais a partir do governo Temer, em 2016.
A própria qualidade social da educação e o direito à aprendizagem dos estudantes foram descuidados, conforme já consta na meta 7 do PNE e PEE: Fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a atingir as médias nacionais para o Ideb.
Esta meta já era um mecanismo político-pedagógico preventivo ao que se sucedeu, seja com a pandemia ou mesmo com uma BNCC implementada virtualmente durante o período de distanciamento social entre 2020-2022.
No 8º balanço do PNE, as metas que tiveram retrocesso são justamente as vinculadas à expansão e universalização do ensino fundamental e do ensino médio (metas 2, 3, 6, 10 e 11); as metas de expansão do ensino superior (12 e 14); a meta de gestão democrática (meta 19) e, a meta 20 do financiamento da educação.
Entre as metas que apresentam retrocessos, é alarmante que a Universalização do ensino fundamental de 9 anos para toda a população de 6 a 14 anos (meta 2) evidencia que o número de crianças nessa faixa etária que não frequentam nem concluíram a etapa quase dobrou de 2020 para 2021, saltando de 540 mil para 1,072 milhão.
Como, também, houve queda no percentual de jovens concluindo o ensino fundamental na idade adequada.
Enquanto isso, a meta 3, que prevê universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar a taxa líquida de matrículas no Ensino Médio para 85% apresentou queda na taxa líquida de frequência ao ensino médio em 2020 e 2021, interrompendo uma sequência de altas que ainda não era suficiente para o cumprimento do dispositivo no prazo.
Enquanto a Lei 13.415/2017, que instituiu a reforma do ensino médio, se propõem a fomentar uma política de expansão da escola em tempo integral, a meta 6 do PNE, que prevê oferecer Educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, apresenta queda nos níveis entre 2014-2021.
Além de uma contradição e falácia, a reforma do novo ensino médio descumpre tanto a lei do PNE como seus propósitos, como já ocorre no estado do RS, que apresenta a terceira pior proporção de alunos em tempo integral matriculados na rede pública: somente 4,8%.
No ensino superior não é diferente. A meta 12 prevê elevar a taxa bruta de matrícula na Educação Superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% das novas matrículas, no segmento público.
O primeiro objetivo da meta já exigia um aumento do ritmo de avanço observado até 2020, o cenário ficou ainda pior com a diminuição de 1,5% em relação ao ano anterior.
A situação é similar para o segundo objetivo, que caiu de 26,9% para 25,8% entre 2020 e 2021, além da alta concentração de matrículas na rede privada.
A meta 20 é fundamental e estratégica para o cumprimento do Plano Nacional de Educação na sua totalidade.
Esta meta prevê: ampliar o investimento público em Educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do País no 5º ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB ao final do decênio.
Para 2019, o PNE previa uma destinação de 7% do PIB para a educação, o que dificilmente terá sido atingido, já que os gastos estiveram em torno de 5% de 2015 a 2017, tendo uma queda ao invés de subir.
A austeridade fiscal que se aprofundou nesse período não saiu de cena desde a aprovação da PEC-95 do Teto de Gastos.
Cabe relembrar que o Brasil já investia em torno de 5.5% ou 6% do PIB (dependendo dos cálculos) quando o PNE foi aprovado por unanimidade pelo Congresso nacional em 2014.
Além de descumprir o que o PNE determina, o MEC encerrou o exercício de 2020 com a menor dotação desde 2011, R$ 143,3 bilhões.
A educação básica encerrou 2020 com R$ 42,8 bilhões de dotação, 10,2% menor em comparação ao ano anterior, marcado pela crise sanitária e calamidade pública.
As atuais avaliações de diagnóstico e desempenho de aprendizagem dos estudantes estão diretamente relacionadas às condições de estudo e ao investimento que o país realiza ou deixa de realizar.
Cabe destacar que o gasto por estudante da rede pública brasileira de educação básica representa cerca de um terço do valor das mensalidades de escolas privadas e a metade do gasto médio dos países da OCDE (US$ PPC 1.000/mês); a relação de estudantes/professores nos anos iniciais do ensino fundamental da rede pública é o dobro da média da OCDE (26 x 13) e o salário inicial dos docentes corresponde a 42% da média da OCDE (US$ PPC 13.983 x US$ PPC 33.016/ano).
Tais cifras e comparações indicam a distância entre o praticado no Brasil e o encontrado no conjunto dos países que têm servido de parâmetro para análises econômicas e educacionais realizadas pelo mainstream.
Considerando esses desafios que impactam diretamente na qualidade do ensino, acrescidos das demandas por ampliação do acesso na educação básica e superior – em especial das crianças e jovens das famílias mais pobres, da população do campo, dos negros e indígenas –, foi aprovado o Plano Nacional de Educação (Lei n. 13.005/2014).
O PNE estabeleceu a meta de ampliação dos gastos públicos em educação pública para 7% do PIB até 2019 e 10% do PIB até 2024.
Apesar disso, o último dado disponibilizado pelo INEP, para 2018, aponta um percentual inferior a 5% do PIB.
Uma avaliação séria evidenciará que a crise da educação básica e superior no Brasil e nas redes estaduais tem a pandemia como causa principal, mas o descumprimento das metas dos planos de educação nacional, estaduais e municipais.
Crise e revogação de políticas
A pandemia apenas acentuou e evidenciou uma crise existente na educação que se agravou por decisões políticas e econômicas que se materializaram na revogação das políticas públicas e dos programas de apoio as instituições de ensino e aos estudantes brasileiros.
Sendo a educação um direito de todos e responsabilidade do Estado, da sociedade e da família, cabe-nos exigir o cumprimento desse direito, responsabilizando legalmente aqueles que descumpriram esse direito, e como cidadãos, devemos exercer nossa cidadania nos manifestando e elegendo representantes políticos que estejam comprometidos com a educação, a ciência e a cultura.
Precisamos todos, enquanto educadores/as, estudantes e sociedade civil, exigir o cumprimento integral da Lei 13.005/2014, do Plano Nacional de Educação, e a construção, com ampla participação social, de um novo Plano Nacional 2024-2034, assim como os estaduais e municipais subsequentes.
Aprendi com a minha filha que ser pai é navegar pelo desejo dos filhos, ainda que eles vacilem, sem ter o objetivo de satisfazê-los como norte. Muitas vezes eles só desejam que nos interessemos pelos interesses deles.
Minha pequena, três anos, pediu durante seis meses um brinquedo de presente. Neguei, sem pestanejar, por ser caro e não ter tanto a ver com o que desejo para criação dela.
Nenhum argumento refreava o ímpeto consumista da Lua e eu não tinha um dia de paz. Passava por lojas de brinquedos e um quase barraco era armado. Quando sabia que as colegas e a prima tinham o tal presente era aquele escândalo.
O desejo obstinado era daqueles inabaláveis até que me dei por vencido: prometi dar o presente no dia das crianças. Deixei meu sintoma de não gostar de gastar com coisas desnecessárias e embarquei no sonho da minha filha.
Desde então, tive de fazer contagem regressiva para controlar a ansiedade dela. Ela fazia tudo na expectativa de ganhá-lo. Até doar a sua amada chupeta para fada do dente. A expectativa do presente ajudou a emprestar os brinquedos, a guardar os brinquedos e organizá-la nas birras.
Reservei a tarde de ontem e embarquei num shopping lotado para resolver a pendência. Sentindo que era um superpai por conseguir cumprir a minha palavra. Comprei o danado com dor no coração, dividindo em três vezes no cartão, mas já que era pela felicidade dela, mergulhei no desejo da criança e me afastei dos meus traumas infantis. Tive de esconder o pacote ao chegar em casa já que Lua pedia sem parar o presente e acordou de madrugada falando no objeto mágico.
Hoje, pela manhã, acordei cedinho e coloquei o presente embaixo da cama. Ansioso, conferia a cada cinco minutos se a pequenina havia acordado, mas ela permanecia “assistindo sonhos”, como bem diz. E eu queria realizar o dela como forma de me sentir um pai melhor, aguardando em algum lugar a alegria como retribuição.
Ela acordou e eu, efusivo, parti para a caça ao presente. Fiz toda aquela novela para dar a emoção que o momento pedia. Quando achamos, abri a embalagem e lá estava o presente que atendia a todas as especificações da pequena ditadora. Ela olhou para a caixa, não esboçou nenhum sorriso e começou a brincar com os embrulhos. Brincou por menos de dois minutos com o desejado brinquedo. Por fim, não deu um pingo de valor para o objeto pelo qual implorou durante meses.
Admito que fiquei chateado e demorei um tempo para aceitar que sentia aquilo. Senti-me ridículo, mas senti uma certa raiva. Uma frustração grande por não ter agradado.
Passamos a vida ouvindo que devemos dar a falta aos nossos filhos, que devemos frustrá-los. No entanto, pouco ouvimos que os filhos também servem para isso: frustrar os pais. Que eles devem escapar do nosso desejo para ter uma vida própria.
Aprendi com a minha filha que ser pai é navegar pelo desejo dos filhos, ainda que eles vacilem, sem ter o objetivo de satisfazê-los como norte. Muitas vezes eles só desejam que nos interessemos pelos interesses deles.
Que possamos sonhar juntos sem, necessariamente, precisar da realização.
Nossos filhos querem a viagem e o destino, muitas vezes, pouco importa. Mas, durante a viagem, eles desejam atenção, afeto e curiosidade, enquanto aprendemos juntos sobre os nossos desejos, traumas e sobre como devemos frustrar uns aos outros, como forma de sobrevivência e autonomia. A partir das frustrações mútuas nascem as possibilidades do novo, o limite e o respeito, nascendo também a possibilidade para os nossos filhos de uma vida própria e livre.