Início Site Página 65

Possibilitar a criação de uma nova realidade: a utopia do educador

Não nos construímos sozinhos e fora da realidade que nos cerca, pelo contrário podemos interferir na sociedade visando fomentar a justiça, a construção de processos democráticos que intencionam a transformação.

“Gatinho de Cheshire (…) Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para ir embora daqui? – Isso depende muito de para onde quer ir – respondeu o Gato – Para mim, acho que tanto faz.- disse a menina- Nesse caso, qualquer caminho serve – afirmou o Gato. (CARROLL, L., Alice no País das Maravilhas, 1865).

Independente do fazer, a ausência de direção, de uma metodologia bem definida conduz a lugar nenhum, ou a lugares que não agregam valores, habilidades e competências para um existir que se deseja humano, dialógico, crítico, criativo, transformador. É nesse sentido que expomos aqui uma concepção de educação que se desdobra numa opção metodológica fundamentada em pensadores da educação, especialmente em Paulo Freire e Elli Benincá.

Em tempos que se caracterizam pela ascensão do autoritarismo, pela violência e ignorância institucionalizada, optamos pelo diálogo mesmo que isso signifique “remar contra a maré”, olhar o horizonte e regar a utopia enquanto nos esforçamos para formar consciências críticas. 

Junto a concepção de diálogo está presente uma antropologia que compreende o ser humano aberto a múltiplas possibilidades para construção do seu ser, em permanente devir.

Numa perspectiva existencialista, Paulo Freire concorda com Heidegger que concebe o ser humano como “ser aí”, um ser no mundo que se constrói ao existir. No entanto, Freire enfatiza nessa construção a tarefa da educação, que consiste em proporcionar ao humano uma consciência acerca da própria realidade, tendo em vista a humanização:

Na verdade, diferentemente dos outros animais, que são apenas inacabados, mas não são históricos, os homens se sabem inacabados. Têm a consciência de sua inconclusão. Aí se encontram as raízes da educação, como manifestação exclusivamente humana. Isto é, na inconclusão dos homens e na consciência que dela têm (FREIRE, 2005, p. 83-84).

A consciência dessa inconclusão é o motor propulsor das ações humanas que podem corroborar ou não com essa antropologia. Não nos construímos sozinhos e fora da realidade que nos cerca, pelo contrário podemos interferir na sociedade visando fomentar a justiça, a construção de processos democráticos que intencionam a transformação.

É objetivo do fazer educativo a formação integral dos humanos, a transformação da realidade, a garantia de vida digna, a afirmação dos direitos humanos e dos direitos do planeta que esses ainda podem habitar.

Este objetivo dificilmente será alcançado se optarmos por relações verticais centradas no poder de uns sobre os outros, se ignorarmos os aspectos sociais, políticos e econômicos que interferem diretamente na forma como gerimos as nossas vidas. Neste sentido Gadotti e Freire nos alertam que:

A educação deve permitir uma leitura crítica do mundo. O mundo que nos rodeia é um mundo inacabado e isso implica a denúncia da realidade opressiva, da realidade injusta, inacabada, e, consequentemente, a crítica transformadora, portanto, o anúncio de outra realidade. O anúncio é a necessidade de criar uma nova realidade. Essa nova realidade é a utopia do educador (GADOTTI, 1996, p. 81).

Se, para uns, o homem é um ser da adaptação ao mundo (tomando-se o mundo não apenas em sentido natural, mas estrutural, histórico-cultural), sua ação educativa, seus métodos, seus objetivos, adequar-se-ão a essa concepção. Se, para outros, o homem é um ser de transformação do mundo, seu quefazer educativo segue um outro caminho. Se o encararmos como uma “coisa”, nossa ação educativa se processa em termos mecanicistas, do que resulta uma cada vez maior domesticação do homem. Se o encararmos como pessoa, nosso quefazer será cada vez mais libertador (FREIRE, 1967, p. 124).

Essa utopia do educador precisa ser retroalimentada no cotidiano da escola, nos projetos que são realizados, no teor dos planejamentos, no modo como são conduzidas reuniões, encontros formativos, confraternizações. A utopia que serve para nos colocar em movimento, a caminho, precisa ser explicitada no modo como a escola faz a sua gestão, quer seja pedagógica, quer seja financeira ou administrativa.

A opção por uma educação transformadora, que possibilita humanização de todos os sujeitos envolvidos, requer a opção pelo diálogo que “na presente abordagem, significa a manifestação recíproca das pessoas por meio da palavra, quem pronuncia a palavra pronuncia-se a si mesmo; mostra sua intimidade; revela o seu interior” (BENINCÁ 210,110).

Ao revelar-se a pessoa coloca-se num processo de transformação de si e do meio, isto porque o ser não se constrói quando fechado em si mesmo, quando privado da palavra que o expõe.

Considerando a concepção exposta acima, entendemos que o diálogo é um processo aberto, que não se encerra em momentos estanques da ação; horas avança-se e horas será preciso avaliar, reavaliar e retornar para a prática tendo em vista a coerência e aperfeiçoamento da mesma.

O diálogo como método e fundamento da ação, requer atitudes de escuta, humildade, abertura para o que vem do outro e pode mexer com convicções arraigadas no sujeito que é resultado de uma cultura, formação, história. O espaço de uma escuta segura precisa ser criado para superarmos os monólogos erroneamente tratados como ação dialógica, visto que:

Os homens têm dificuldades de dialogar, primeiramente, porque pensam que conhecem o íntimo do outro, quando, na verdade, apenas se apercebem da manifestação superficial dele, ou seja, só conhecem parcialmente o outro. A parcialidade do conhecimento não lhes permite penetrar a intimidade do outro e, por isso, não conseguem ouvi-lo como interlocutor. (BENINCÁ 2010, p. 110).

Dentre os empecilhos para o diálogo, destaca-se a noção de autoridade. Inviabiliza o diálogo o professor que se considera pronto após a conclusão da licenciatura e ou a etapa inicial da sua formação, esse tende a agir de forma vertical comportando-se como dono do saber. Essa forma de compreender está em desacordo com a antropologia exposta no início desse texto, visto que na conclusão não há espaço para a novidade, para a reavaliação e retomada da caminhada.

Como seres inconclusos sempre podemos aprender e se colocar a caminho tendo em vista a construção de processos coerentes com o que acreditamos. Considerar-se inconcluso é condição para se colocar em diálogo com o outro, por mais que este outro mecha com minhas convicções e desafie a autoridade da ação que lhe é dirigida.

Por mais estudado que seja o professor / educador, a atitude de escuta e a humildade frente o estudante é condição indispensável para construção de processos democráticos e de aprendizagens significativas. Por vezes, os estudantes não cultivam postura favorável para aplicação deste método, independente das razões para essa ausência, cabe ao professor:

a iniciativa de desencadeá-lo (iniciativa esta não opressora, uma vez que ao opressor não interessa tal atitude) concebendo, para tanto, a sala de aula como um palco de debates e consumindo o tempo que passa nesse palco na alimentação e orientação desses debates” (BENINCÁ 2010, p 113). 

Cabe ressaltar que são condições para o diálogo, inclusive em sala de aula: humildade para se considerar inconcluso, habilidade da escuta atenta que considera o outro um sujeito “aprendente”, já dotado de conhecimentos provenientes do contexto sociocultural que vivencia, bem como formação continuada para superar as contradições inerentes a própria prática.

É indispensável realimentar a utopia e agir no sentido de superar o autoritarismo ideológico que se impõe, de tal modo que nossas teorias sejam nossas práticas e que nossas práticas revelem nossa opção pelo diálogo e pela democracia.

REFERÊNCIAS:

FREIRE, Paulo Reglus Neves. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

GADOTTI, Moacir. Pensamento Pedagógico Brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1995.

BENINCÁ, Elli. A prática do diálogo em sala de aula: princípios e métodos de uma ação dialógica. In Educação práxis e ressignificação pedagógica. Eldon Henrique Muhl (org.).  Passo Fundo Editora UPF, 2010. P 109-124

Autor: Marciano Pereira

Aprender criativamente, fazendo o que é óbvio!

Com os recursos das novas tecnologias, tudo está ao nosso alcance para tornarmos a escola mais viva na aprendizagem. Não somos professores de tecnologia, mas sem elas não podemos mais atuar nas salas de aula.

Resolvi redigir esta crônica por duas importantes motivações: primeiro, para agradecer à homenagem e o reconhecimento da Secretaria Municipal de Educação e do Senhor Prefeito Municipal da minha cidade pela passagem do Dia dos Professores e Professoras. Segundo, para dizer da importância das homenagens aos professores, pelo seu dia, virem acompanhadas de formação, traduzida em conhecimentos pedagógicos e motivacionais para estes seguirem as suas jornadas e desafios diários nas salas de aula.

O melhor presente aos professores e às professoras de uma rede de ensino é o seu reconhecimento. O reconhecimento social, tanto da profissão quanto do serviço público que professores e professoras prestam ao conjunto da população, sobretudo aos que moram, lutam e constroem sua cidadania a partir das periferias. O reconhecimento da dignidade docente, através de justas remunerações, do oferecimento de boas condições de trabalho e da observância de seus direitos.

O Workshop deste último dia 18 de outubro, em homenagem ao dia dos Professores e Professores teve a mediação de José Moran, especialista em metodologias ativas, modelos híbridos de educação e temas contemporâneos da educação. A sua abordagem foi feita a partir da pergunta: Como ensinar de forma mais criativa, hoje?

Assim que acessou o palco, José Moran foi costurando sua postura e fala; absolutamente humanizantes. Aos 76 anos, seus testemunhos, suas histórias de vida, suas palavras demonstraram empatia e solidariedade ao contexto e às realidades vivenciadas por professores e professoras em todo Brasil, inclusive a nós, de Passo Fundo, RS.

Moran revelou seus mais profundos e sinceros conhecimentos, associando-os às suas experiências e práticas (práxis).

Começou afirmando que aprendeu a ser professor mais pela prática do que pela teoria. Que, passando por profunda crise profissional aos seus quarenta anos, começou a sentir mudanças significativas com os jovens com quem atuava, seja no Ensino Básico ou na Universidade. Mas que teve se colocar um grande desafio: voltar a sentir prazer ao ministrar aulas ou abandonar a profissão.

Moran relatou que, durante seis meses, teve de se recriar/aprender criativamente a humildade, embora carregasse convicção de que sempre dialogava e tivesse o mais profundo respeito para com os seus estudantes. Ledo engano. Como recriou-se? Deixando de levar tudo pronto aos estudantes, passando a escutá-los, a envolvê-los mais nas questões de conteúdos e na resolução de situações-problema. Como professor, passou a não mais presumir tudo, mas trazer propostas, planejar e dialogar junto e com os estudantes, para que seu interesse pelo conhecimento se traduzisse em envolvimento nas atividades coletivamente acordadas.

Em seguida, abordou a questão que julguei central na sua exposição: o óbvio (fazer o que a gente menos faz). Na sua visão, no mundo atual, o que é óbvio precisa cada vez mais ser dito, apresentado e resgatado.

Referiu a fala do Senhor Prefeito que, antecedendo-lhe, falara sobre a importância de todos os interessados na educação (professores e professoras, sindicatos e administração municipal) sempre travarem o mais franco e aberto diálogo. O que, segundo ele, deveria ser óbvio, mas precisa ser dito, anunciado e exercitado, permanentemente.

Mas, voltando às relações de ensino-aprendizagem, que envolvem professores e estudantes, Moran destacou alguns aspectos (óbvios) que passamos a relacionar.

Como aprender criativamente?

  1. Faça o melhor que você pode fazer, nas condições e nas realidades com as quais você atua;
  2. Você está a serviço dos estudantes, dos seus desejos e de suas necessidades de aprendizagem;
  3. Aprenda que vale a pena estar na escola. O estudante percebe as suas atitudes e as suas motivações como docente;
  4. As crianças são muito hábeis e sábias para fazer uma radiografia da gente, confrontando o que você fala e o que você faz;
  5. A criatividade é uma relação de confiança e verdade (consigo mesmo e com os estudantes);
  6. Busque sempre a coerência entre o que se fala e o que se é;
  7. A criança também pode ensinar e, portanto, também pode propor;
  8. Administre e atenda mais as ânsias do fazer das crianças: por que esperar tanto, se ela deseja fazer e experimentar já, agora.

Na parte final de sua participação no evento, José Moran destacou a importância de haver um espírito de equipe, coletividade e parcerias nas escolas e em uma rede municipal de educação. Afirmou: “quando tem alguém que manda e outro que obedece, tem execução, não envolvimento”. Lembrou, ainda, que educar e criar não são coisas nada fáceis, mas um desafio posto a todos os que acreditam na verdadeira educação.

Ponderou, ainda,  que no pós-pandemia, os desafios se apresentam em forma de dificuldades e possibilidades. Que, com os recursos das novas tecnologias, tudo está ao nosso alcance para tornarmos a escola mais viva na aprendizagem. Que não somos professores de tecnologia, mas que sem elas não podemos mais atuar nas salas de aula.

Partilhou, ainda, o autor Mitchel Resnick e a Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa (https://aprendizagemcriativa.org/ ) como referências de sua fala e de suas aprendizagens. Por fim, Moran disse que, ao experimentar novas possibilidades de aprender e ensinar criativamente, também foi modificando a sua própria vida e existência.

Brindou os presentes ainda com bela frase de Paulo Freire:

Precisamos contribuir para criar a escola que é aventura, que marcha, que não tem medo do risco. A escola em que se pensa, em que se cria, em que se fala, em que se adivinha, a escola que apaixonadamente diz sim a vida”.

Nós, professores e professoras da rede municipal de Passo Fundo, te aplaudimos e nos fortalecemos nos desafios da ação docente com tuas generosas e ricas falas e vivências, José Moran. Seguiremos em jornada, lembrando que tecnologias e metodologias nunca são um fim em si mesmas, mas sempre estarão carregadas de intencionalidade pedagógica (que seres humanos queremos formar?); sempre serão construídas por sujeitos aprendentes e seres humanos, também em formação: os professores e as professoras.

Escrever crônicas, com referências reflexivas, era uma prática do educador brasileiro Rubem Alves. É uma prática de sistematização, que ajuda muito na elaboração de aprendizagens, a partir de eventos ou encontros formativos.

Fotos: Júlio Ferreira, SME Passo Fundo

Autor: Nei Alberto Pies

A diversidade de Marias numa perspectiva subversiva

Amemos a Maria e adoremos o fruto do seu ventre. E ainda que não comunguemos com sua devoção por parte de nossos irmãos católicos, que possamos respeitá-la e buscar compreender o contexto de onde emerge.

É deveras complicado para um evangélico entender a devoção mariana. E a coisa se complica ainda mais ao deparar-se com a multiplicidade de “Marias”. Afinal, quantas mães teve Jesus?

No México, ela aparece com feições indígenas a um índio asteca, sendo chamada de “Nossa Senhora de Guadalupe”. No Brasil, sua imagem com feições negras é encontrada por pescadores e recebe o nome de “Nossa Senhora da Conceição Aparecida”.

Em Portugal, ela surge como “Nossa Senhora de Fátima”, cuja aparição teria sido testemunhada por três crianças. Em nenhum dos casos, ela foi vista por sacerdotes ou nobres.

Sem entrar no mérito dogmático, percebo aí uma busca que julgo autêntica por uma fé engajada e radicada no contexto cultural em que emerge. Essas múltiplas facetas de Maria visam atender ao anseio de rebelar-se contra os padrões vigentes.

Uma Maria negra desafia o flagrante racismo de uma era escravagista. Uma Maria indígena confronta os vergonhosos interesses dos conquistadores espanhóis. Não preciso endossar uma devoção popular para compreendê-la enquanto fenômeno social e psicológico.

As diversas aparições místicas podem ser vistas como projeções do inconsciente coletivo; o que, diga-se de passagem, não diminui em nada a sua importância. Mas de onde o inconsciente coletivo buscou material para dar a Maria as características que lhe são atribuídas? Por que surge negra no Brasil e índia no México?

Ao longo dos séculos, o inconsciente coletivo foi acumulando informações via tradição, bem como anseios e fantasias que, ao se mesclarem, produziram as múltiplas Marias, além de uma considerável diversidade de Cristos: Nosso Senhor do Bonfim, Nosso Senhor dos Passos, etc. Assim como em Israel, Deus era chamado de Iavé Jireh, Iavé Shamá, Iavé Tsedikenu, etc.

Obviamente, há um único Cristo, que por Sua vez, nasceu de uma única e bendita virgem. A tradição protestante não endossa qualquer devoção que não seja dirigida exclusivamente ao Deus Trino. Todavia, como profetizou o anjo que a visitou, Maria deveria ser honrada por todas as gerações.

Não faz sentido adorar ao Filho, negando-se a honrar à Sua bem-aventurada Mãe. E a melhor maneira de honrá-la é submetendo-se a seu Filho, bem como destacando suas inegáveis virtudes, dentre as quais, a humildade e a obediência.

Jesus é o único caminho que nos leva a Deus. Maria foi o caminho tomado por Deus para vir ao encontro dos homens.

O desprezo protestante a Maria é uma reação grotesca e exacerbada à devoção que se presta a ela. Deveríamos, antes, optar por uma postura idônea e equilibrada.

Amemos a Maria e adoremos o fruto do seu ventre. E ainda que não comunguemos com sua devoção por parte de nossos irmãos católicos, que possamos respeitá-la e buscar compreender o contexto de onde emerge.

No fundo, todos somos marianos, pois nos submetemos à instrução que ela deu aos serventes em Caná da Galileia: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (João 2:5).

Autor: Hermes C. Fernandes

A subjetividade das árvores

Elas também pensam. Elas também são capazes de morrer de tristeza ou de alegria conforme a situação. Vejo-as como sujeitos de uma sociedade que não sabe respeitá-las como merecem e que não sabem até mesmo como dialogar e ouvi-las, pois não compreendem a sua linguagem.

Trago o heterônimo de Fernando Pessoa, mais conhecido entre os amantes da literatura, para iniciar este texto que experiencia as árvores com os homens, ambos compartilham de uma mesma alma e das mesmas experiências do mundo. Assim, Ricardo Reis nos diz nos seus lindos versos:

“Rega as tuas plantas, / Ama as tuas rosas. / O resto é a sombra / De árvores alheias. / A realidade sempre é mais ou menos / Do que nós queremos. / Só nós somos sempre / Iguais a nós-próprios.”

A gente tem mania de olhar para uma árvore e pensar: “ah, uma árvore”. E passar por ela como se não fosse nada. Que mania mais feia essa nossa. Não sabemos que as árvores têm os seus sentimentos e são capazes de ficarem feridas com as nossas indiferenças, porque nenhuma árvore é igual a outra. Cada uma tem o seu jeito próprio de ser.

Sim, só nós sentiremos as nossas dores e viveremos os nossos sonhos. As árvores não podem deixar as suas vontades e desejos nas mãos umas das outras ou nas dos homens. Elas devem sentir a vida e vivê-la como melhor lhes couber porque cada um de nós é dotado de um pensar único que nos diferencia e nos atribui a capacidade de sermos iguais e diferentes ao mesmo tempo.

A subjetividade humana pode dizer respeito ao sentimento de cada pessoa, como a sua opinião sobre determinado assunto, assim acontece com as árvores.  Elas também têm opiniões sobre os homens e o mundo que as rodeiam. Claro que muitos de nós não vamos compreendê-las se não tivermos os sentidos prontos para ouvi-las cuidadosamente. Não é qualquer um que consegue entender uma árvore.

Muitas vezes, as árvores têm temperamentos fortes, ficam aborrecidas ou tristonhas, vai depender de cada uma e conforme são tratadas. Cada árvore tem um jeito próprio de pensar e sentir as coisas. Elas não são iguais. Nunca foram. Cada uma tem a sua opinião sobre este mundo onde vivem. Há árvores que são choronas e outras que são alegres e não se deixam aborrecer por quase nada.

É preciso visualizar e aceitar a subjetividade da sua árvore para que ela continue a dar frutos e sombra ou só de pirraça ela poderá morrer para nos deixar sofrendo porque ela como mais ninguém consegue compreender o seu pensar e forma de agir. Assim como desejam ser compreendidas, as árvores também fazem por onde nos compreender. É uma troca recíproca de seres que sentem a vida de forma intensa.

Enquanto dotado de subjetividade o homem tem a sua opinião sobre as coisas e pensa do seu jeito próprio desejando ser respeitado por todos e não ignorado quando se expressar oralmente ou verbalmente. Gosta de opinar, dizer o que sente, falar sobre aquilo que sabe ou tem curiosidade para conhecer.

A subjetividade nos permite ser diferentes uns dos outros. De igual forma acontece com as árvores. Elas se tornam diferentes umas das outras através da sua subjetividade.

Vocês podem achar que as árvores não têm pensamentos próprios, logo não podem ter subjetividade. Estão enganados! Tolos os que pensam que as árvores por não serem dotadas de órgãos, principalmente de cérebro, não conseguem pensar. Claro que elas pensam e sentem de outra forma. Talvez quem explique isso seja a natureza. Estou aqui apenas para alertá-los de que as árvores são boas pensadoras e em outro momento falaremos dos seus poderes de filosofarem.

A subjetividade é caracterizada como algo que varia de acordo com o julgamento de cada pessoa, consistindo num tema que cada indivíduo pode interpretar da sua maneira, que é subjetivo. Isso ocorre com as árvores. Elas pensam da sua maneira, têm experiências e vivências próprias, guardam histórias únicas de vida e mesmo sendo parecidas umas com as outras jamais serão iguais. Cada uma tem o seu jeito próprio de ser e de pensar.

Nunca paramos para ouvi-las é verdade, por isso nunca prestamos atenção que elas são únicas no mundo assim como era a flor do “Pequeno Príncipe” mesmo ele tendo descoberto um jardim enorme aqui na Terra acabou concluindo que a sua flor era única porque cuidava dele e o amava, era abusada como nenhuma outra.

Tal coisa acontece com as árvores. Elas podem ser uma floresta, mas se você resolver cuidar delas observando-as com detalhes verá que cada uma das árvores dessa floresta tem a sua própria maneira de fazer sombra, de jogar as folhas no chão, de balançar os seus galhos e de espalhar as suas raízes. Eis a forma como elas conseguem expressar que são únicas e o que lhes é subjetivo.

A subjetividade é o mundo interno de todo e qualquer ser humano. Este mundo interno é composto por emoções, sentimentos e pensamentos. Poderíamos dizer que nunca vimos uma árvore chorar ou dar gargalhadas, mas isso pode ser dito para aquela pessoa que passa pelas árvores sem lhes cumprimentar, sem lhes dar a atenção necessária, sem fazer delas algo vivo e que resiste as intempéries do tempo.

Se observarmos cuidadosamente veremos que as árvores costumam chorar e muito com as queimadas e o desflorestamento. Elas sentem falta de cuidados. Elas choram quando levam machadadas e até mesmo quando são podadas de forma errada. Choram também quando são tomadas por pragas iguais as dos cupins que as comem por dentro. É que nós estamos tão preocupados com a nossa sobrevivência que não temos mais tempo para escutarmos a natureza.

Quando as árvores não dão frutos gostosos em uma determinada época de colheita ou quando eles não servem para a produção do doce costumamos atribuir esses problemas a falta de chuvas ou pragas na plantação, mas nunca paramos para refletir que as árvores podem estar passando por problemas existenciais ou até mesmo que as coisas exteriores a elas podem estar interferindo nas suas produções de frutos.

O mundo exterior é o grande vilão de uma boa safra de frutos. Se ele cuidou da árvore como deveria, ela vai saber compensá-lo com a sua alegria, mas se ele apenas a adubou sem os cuidados de com ela conversar e lhe dar carinho, certamente esta se deixará perturbar por essa falta de cuidados produzindo frutos que não servem para ser consumidos.

As árvores também entram em depressão e melancolia e podem até surtar se não forem cuidadas e respeitadas nas suas individualidades.

Na teoria do conhecimento, a subjetividade é o conjunto de ideias, significados e emoções que, por serem baseados no ponto de vista do sujeito, são influenciados por seus interesses e desejos particulares. Tem como oposto a objetividade, que se baseia em um ponto de vista intersubjetivo, isto é, que pode ser verificável por diferentes sujeitos.

Existe o pensamento individual de cada árvore junto com o seu jeito de ser que seria subjetivo, ou seja, próprio de cada uma e o pensamento coletivo aquilo que todas pensam de igual maneira, logo seria a objetividade.

Através da nossa subjetividade, construímos um espaço relacional, ou seja, nos relacionamos com o outro. Este relacionamento nos insere dentro de esferas de representação social em que cada sujeito ocupa seu papel de agente dentro da sociedade.

A relação das árvores com os homens pode ser considerada algo diverso em que nalgumas vezes elas são percebidas e até mesmo aceitas como membros da família e noutras passam desconhecidas sem conseguirem deixar suas impressões subjetivas. Isso ocorre porque o “outro”, ou seja, o homem não está preparado para vê-la como um ser pensante e dotado de emoções.

O homem, em sua ignorância sobre as árvores, se acha completo e para ele nada mais é possível de pensar e sentir emoções senão a si mesmo. Esquece o cientista que pensa assim ter perto de si uma árvore capaz de morrer só porque foi tratada com desrespeito ou nunca mesmo foi vista por quem tanto admirava. Os homens sérios passam pelas árvores como passam pelas pedras com as suas gravatas a voarem no vento. Eles não conseguem absorver delas sequer um sorriso.

Nessa experiência de subjetividade surge a alteridade sua prima ou irmã que busca o tempo todo colocar-se no lugar do outro para sentir a sua dor ou a sua alegria. Para conhecer o outro que tanto nos causa admiração e curiosidade. Nunca vi uma pessoa conversando com uma árvore. Nunca ouvi ninguém falar da subjetividade das árvores, talvez por acharem que elas não têm seus próprios pensamento e sentimentos.

Na questão da alteridade, seria uma utopia falar de que os homens se colocam no lugar dos outros atualmente, quando na verdade cada um luta por si e sozinho numa caminhada árdua de sobrevivência e competição. Nas árvores não existe, ainda, competição, logo a alteridade é sim possível entre elas. As florestas compartilham dos seus momentos de alegrias e tristezas.

Cada árvore é capaz de sentir tudo ao seu redor de uma maneira própria e singular.

Elas compartilham essas vivências e experiências através das suas raízes. Se os homens têm o cérebro as árvores têm as suas raízes onde podem sentir a vida e as emoções que lhes são despertadas de uma forma intensa e própria a cada uma que muitas vezes são mais fortes que a outra e acabam se autoajudando.

As ideias do Iluminismo trouxeram à tona o individualismo, em que o sujeito age segundo a sua vontade, ou seja, com base na razão. E apesar de não terem um cérebro igual ao nosso as árvores também pensam e se pensam, logo existem, como disse o filósofo francês Descartes.

Cada árvore tem uma força divina capaz de compreender o mundo da sua forma. Tudo na natureza tem as suas individualidades. As coisas não são iguais.

É importante afirmar que as particularidades de um indivíduo também são indicativos da sua posição na sociedade. Isso porque as pessoas se agrupam de acordo com as suas semelhanças. Sim, as árvores de uma floresta têm os seus próprios sentimentos em relação ao mundo. Cada uma ajuda a outra a se fortalecer diante das adversidades.

Só para termos uma ideia, um fruto de uma árvore nunca é igual ao da mesma espécie. Ele pode ter um sabor diferente, ser mais doce ou amargo. Assim também ocorre com a sombra das árvores que podem ser diferentes em cada estação do ano, conforme o movimento do Sol. As árvores também podem sentir dores enormes com as perdas de pessoas queridas, principalmente aquelas que cuidam delas. E isso pode ser visto pelo número de folhas murchas ou até mesmo de folhas secas caídas ao chão.

O tema subjetividade varia de acordo com os sentimentos e hábitos de cada um, é uma reação e opinião individual, não é passivo de discussão, uma vez que cada um atribui um determinado valor para uma coisa específica. Isso se considerarmos o pensamento humano.

Se nos determos a falar apenas da subjetividade das árvores veremos que elas têm as suas opiniões individuais em relação ao mundo e que elas conseguem também atribuir valores para algo ou alguém que passam a conhecer.

O que quero chamar a sua atenção, leitor querido, é que as árvores são iguais aos homens, dotadas de sentimentos e emoções. Elas também pensam. Elas também são capazes de morrer de tristeza ou de alegria conforme a situação. Vejo-as como sujeitos de uma sociedade que não sabe respeitá-las como merecem e que não sabem até mesmo como dialogar e ouvi-las, pois não compreendem a sua linguagem.

Compreender as árvores é saber amar com os olhos de quem não apenas ver, mas de quem sente nas profundezas da alma que aquele sujeito tem peculiaridades únicas que lhes são próprias e necessárias para o seu existir, logo precisa de cuidados especiais.

Nas nossas sociedades temos muitas desigualdades entre os homens e existem os mais pobres e os mais ricos, os que têm uma educação de qualidade e os que nada têm.

As árvores sabem dessas desigualdades sociais que acometem os homens e participam delas de forma indireta seja vivendo numa região de maiores poderes aquisitivos seja morando numa região pobre. Elas sabem que os homens vivem conforme as suas crenças e opiniões sem se preocuparem com os outros. Isso as entristece, pois nas florestas elas se preocupam e se solidarizam formando uma só família e constituindo uma sociedade justa e igualitária, respeitando as individualidades e a essência de cada sujeito que as constitui.

Nas raízes das árvores estão todos os seus pensamentos e emoções. Através delas as árvores são capazes de ouvir, falar, sentir e comer. São nas suas raízes onde ficam as suas experiências e vivências. É lá também onde se processam os seus pensamentos em relação a nós e ao mundo.

Já pensou se pudéssemos compreender os palavrões que as árvores nos dizem quando lhes causamos mal? Sim, porque elas não são tão certinhas que não possam dizer palavrões. Elas também sentem as coisas e podem se ofender por demais. Existem árvores capazes de perder a “cabeça” por uma simples tolice nossa. Já pensou você sendo xingado por uma árvore? Seria merecido se você é um daqueles que só pensa em tirar vantagem dela sem nunca lhe proporcionar um carinho ou cuidado.

A subjetividade é formada através das crenças e valores do indivíduo, com suas experiências e histórias de vida.  Não sabemos quais as crenças das árvores, mas elas devem ter. Podemos identificar as experiências e histórias que já viveram.

Há árvores seculares que já viram passar por elas reis, rainhas, príncipes, mendigos e cristãos. Árvores que já puderam contemplar a paz e as guerras. Aquelas que guardam histórias de arrepiar cabelos de meninos.

E não pense você que as árvores não têm crenças e valores. Elas crescem observando o mundo exterior, ou seja, como as coisas se comportam ao seu redor. Conforme vão crescendo vão observando a forma como a sociedade se comporta e criando para si essas crenças individuais. Os valores são absorvidos conforme os seus contatos com os homens.

A nossa subjetividade trata-se da maneira como sentimos, pensamos, imaginamos, amamos e odiamos. Nossas experiências são formadas conforme a maneira que vimos o mundo cultural, social e político ao nosso redor. Não me refiro aqui ao mundo das árvores, ou seja, das florestas. Porém, a relação das árvores com os homens, mundos diferentes que ao mesmo tempo se relacionam através da recíproca que ambos compartilham.

Compreender a subjetividade das árvores vai muito além do que um estudo psicológico ou filosófico. É necessário, como sempre digo, se despir de toda construção técnica, de todo conhecimento científico e quando digo ciência faço referência àquela que precisa de experimentos, observações e métodos para ser comprovada.

Não posso comprovar que as árvores têm subjetividade através das ciências empíricas, mas posso dizer-lhe, querido leitor, que você nunca vai encontrar uma mesma árvore em lugar algum do mundo.

A subjetividade das árvores se constrói na sua relação com as demais e com as coisas ao seu redor. Não é uma construção solitária. Ela se forma através das experiências e das vivências que a árvore sofre ao longo da sua vida. Com o passar do tempo as suas opiniões e crenças podem ser modificadas, iguais às dos homens. Nem sempre as árvores nos darão sombras e frutos, elas podem mudar o sabor dos seus frutos como também podem mudar a posição das suas sombras.

Nem sempre seremos os mesmos. Mudamos conforme adquirimos experiência. Somos hoje de um jeito e amanhã poderemos pensar de outro. Vai depender das nossas experiências. Se uma árvore que é cuidada o tempo todo, desde pequenina, de repente passa a não mais receber cuidados claro que terá uma nova forma de pensar e sentir.

As árvores e os homens têm os mesmos sentimentos e emoções, a única diferença é que os homens podem ir aonde quiserem e elas ficam ali, quietas, no mesmo lugar de sempre a nos olhar com ternura à espera de que as compreendamos.

Para finalizar, deixo vocês com os versos do nosso amado poeta brasileiro João Guimarães Rosa que nos diz:

“Eu estou só. / O gato está só. / As árvores estão sós. / Mas não o só da solidão: o só da solistência.”

Que as árvores, apesar de sozinhas nos seus mundos subjetivos que não são solidão, mas solistência, ou seja, solidão em convivência com quem se ama, e aprender a amar-se a si próprio antes de amar o outro, sintam-se abraçadas nas suas subjetividades.

É isso! As árvores sofrem de solistência! Cuide delas!

Autora: Rosângela Trajano

A democracia no espelho: como os predadores fragilizam a democracia expondo-a ao populismo

Vivemos um desprestígio às causas democráticas. O autoritarismo avança. As redes sociais deram vazão aos instintos mais primitivos e exóticos, mormente em países periféricos. O Brasil parece ser o locus privilegiado dessa onda anti-democrática que assola o mundo. (Lenio Luiz Streck).

Ao ocupar coluna no site, desejo, inicialmente, apresentar minha mais recente obra: “A democracia no espelho: como os predadores fragilizam a democracia expondo-a ao populismo”.

A democracia é o melhor de todos os regimes políticos! Essa afirmação, com todas as variações possíveis, é encontrada na argumentação de qualquer um que a defenda. Uma variação, talvez não tão comum, mas importante para a nossa análise, é a de que a democracia promete ser a melhor forma de proporcionar uma vida boa para todos os membros de determinada comunidade política.

Ocorre que essa promessa, quando não cumprida, abre espaço para o ingresso de predadores que, se aproveitando da própria democracia, agem no sentido de se apropriar dela e com isso, se apropriar do próprio Estado, transformando-o em qualquer outra coisa, menos, em um Estado pertencente à uma comunidade política democrática. 

Portanto, deve-se enfrentar questões como: o que é democracia? Por que democracia? Quais são suas justificações e as condições necessárias para o exercício da democracia? Que características deve ter a democracia, para que possa ser assim definida? Por que não outra alternativa? Qual é a sua distinção do populismo? Por que algumas democracias contemporâneas estão se desvirtuando em populismos messiânicos? O que justifica e motiva esse fenômeno? Quais são as alternativas para o seu enfrentamento?

Transcrevo, a seguir, prefácio da obra assinada pelo amigo e jurista Lenio Luiz Streck:

“Contribuições acadêmicas sempre são bem-vindas. É o caso de Édson Luís Kossmann, que apresenta à comunidade jurídica, mas não só a ela, a obra A democracia no espelho, a acosto este prefácio.

Vivemos um desprestígio às causas democráticas. O autoritarismo avança. As redes sociais deram vazão aos instintos mais primitivos e exóticos, mormente em países periféricos. O Brasil parece ser o locus privilegiado dessa onda anti-democrática que assola o mundo.

Utilizando sofisticada argumentação, Kossmann toca em pontos sensíveis de um amplo catálogo de sistemas democráticos espalhados ao redor do globo, procurando esmiuçar não apenas os limites que podem levar à predação desta forma de organização da vida social e política das pessoas – como a economia ou sistemas midiáticos e religiosos, por exemplo – mas, mais do que isso, como essa espécie de corrosão democrática ocorre na sua cotidianidade, facultando um fenômeno político que bem poderia estar já sepultado no autoritarismo tão presente dos Anos 1930: o populismo.

Manejando, portanto, diferentes chaves explicativas para essa espécie de paradoxo democrático, sua proposta não se limita ao assentamento conceitual do problema, recapitulando diferentes enfoques conhecidos e já amplamente consolidados na tradição acadêmica. Ao contrário, Kossmann aponta justamente para os pontos de insuficiência ou esgotamento das democracias contemporâneas, informando as condições de possibilidade para estas tão indesejáveis formas políticas de nossa atualidade.

Lido, então, muito mais como adjetivo – que acompanha e caracteriza a democracia – que como substantivo, desprendido em seu próprio sentido, o populismo que Edson Luís Kossmann desvela ao leitor interessado no tema não é aquele romantizado em Ernesto Laclau – por exemplo – ou filologicamente ligado à experiência russa do século XIX, outro exemplo, embora não ignore as trilhas encobertas destas tradições.

E, nisto, entre outros pontos relevantes, está o mérito de seu empenho acadêmico: permitir conhecer o fenômeno que caracteriza o populismo, mas sem engessá-lo no seu próprio tempo que – como não cansa de mostrar a História das Ideias Políticas – é inexoravelmente uma dimensão plural.

Não por outra razão, diante destas breves reflexões, é que A democracia no espelho: como os predadores fragilizam a democracia expondo-a ao populismo”, a partir da exitosa análise a que se propõe, oferece oportuna leitura a todos aqueles preocupados não apenas com as atualíssimas discussões envolvendo essa horizontalizada forma de vida, com suas tensões e paradoxos, mas, mais que isso, com todo o amplo catálogo de questões em torno do Estado de Direito – instituidor e, ao mesmo, tempo guardião dessa (atual) experiência democrática”.

Para adquirir obra, acesse: https://www.lumenjuris.com.br/filosofia-do-direito/democracia-no-espelho-a-2022-3454/p

Autor: Edson Luís Kossmann

Segundo turno no Brasil: vida ou morte!

Há vários modos de entender o processo eleitoral em curso. O mais importante é nos perguntarmos qual seu significado para os/as mais pobres, para aqueles/as que estão, e há muito estão, à margem da “marcha triunfal do progresso”.

A maioria do povo brasileiro vive sem trabalho decente, sem educação de qualidade, sem saúde básica, sem moradia, sem comida, sem-terra, sem acessar direitos sociais básicos. A invocada liberdade econômica e o empreendedorismo meritocrático são fantasmas que servem para que sejam acusados de falta de iniciativa, culpados de sua condição.

Os/mais pobres são atacados/as pela desinformação, pela manipulação religiosa e política, pela massificação cultural. Vivem o medo e com medo, das armas, do crime organizado, das milícias e da polícia, sendo sumariamente eliminados em chacina e rotinas. E isso não é de agora. Mas, essa situação tem piorado nos últimos anos com o atual governo brasileiro.

No segundo turno das eleições presidenciais brasileiras estão em disputa projetos completamente distintos e que impactam com consequências graves a vida e os direitos do povo brasileiro, particularmente daqueles/as para os/as quais direitos e democracia ainda são, na melhor das hipóteses, promessas. Nesse sentido, temos acompanhado o recorrente esforço, de parcela da população adepta que de tudo faz para impedir o fortalecimento do projeto democrático e que quer a materialização de direitos.

O caminho trilhado, conforme manifestações públicas, é o de inviabilizar políticas públicas e liberdades asseguradas pelos pilares da democracia e que tendem a resultar em mais pobreza, mortes, perseguição, ameaça, dando seguimento ao ciclo de pobreza e de violência instaurado pelos protagonistas do projeto da morte.

Por isso, o significado mais profundo deste momento é exatamente esta disputa entre vida e morte. Melhor, entre quem estrutura a atuação da política para a manutenção, a produção, a reprodução e o desenvolvimento da vida, das mais diversas formas de vida; e quem prega à morte, achincalha o sofrimento alheio, age orientado pela necropolítica e o brutalismo que lhe é característico.

O projeto da vida se propõe a cuidar das pessoas, a garantir a efetividade de seus direitos, a preservar o ambiente natural, a valorizar a cultura popular, assegurar liberdade religiosa, a reconstruir laços de convivência, centrando-se na amorosidade e na alegria embasado pelos valores democráticos.

O projeto da morte está preocupado em reproduzir a violência e acumular dinheiro, a qualquer custo, ou melhor, ao custo da vida dos povos indígenas, da Amazônia, do povo pobre, forçando o tempo todo à crueldade do “cálculo do suportável”, para o que mobiliza o ódio e a tristeza, a eliminação do outro.

Os corpos das mulheres, de LGBTIAP+, de negros/as, de indígenas e povos tradicionais, de quilombolas, sem terras, sem teto, enfim, todos os corpos dissidentes, que não se “enquadram” nas normas convencionais e hegemônicas, aquelas próprias do “contrato da dominação”, estão em risco mais do que pelas “pautas de costumes”. E isso não é de agora.

Mas, a se manter o que aí está, os tornará ainda mais “alvo” de quem responde a diversidade com as “armas” da intolerância, do fundamentalismo e da supremacia das maiorias dominantes.

O voto popular não decide tudo nesta disputa. Mas encaminha a abertura de processos e de possibilidades para um ou para outro projeto. O momento é de convencimento para a escolha dos rumos do Brasil pelo livre exercício de direito ao voto. Exige ação para a mobilização ao máximo possível da vontade popular para participar ativa e intensamente do processo e da ação em defesa da vida.

O compromisso e o engajamento dos movimentos e organizações populares para fortalecer os processos de conscientização, organizar o povo, construir lutas tem sido central nessa disputa. E sendo vencedor o projeto da vida na eleição, precisaremos fortalecer ainda mais a participação popular para fazer o enfrentamento concreto das propostas de morte.

Afinal, a montanha de escombros a ser removida é gigantesca e os caminhos novos a serem construídos com redistribuição, com reconhecimento e com participação popular são imensos. Por isso, ao exercício do voto como parte desta luta agonística da qual cada votante é protagonista, já há que se somar fortalecimento da organização e da luta para fazer realidade o projeto popular e democrático de Brasil.

Vamos juntos/as, em Defesa da vida!

FONTE:https://www.brasildefato.com.br/2022/10/13/segundo-turno-no-brasil-vida-ou-morte

Autor e Autora:

*Paulo César Carbonari é doutor em filosofia (Unisinos), membro da coordenação nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH Brasil), pesquisador convidado voluntário NEP/CEAM/UnB.

*Euzamara de Carvalho é mestra em direitos humanos (UFG), assessora da Comissão Pastoral da Terra – CPT, jurista membro da Associação Brasileira de Jurista pela Democracia (ABJD).

Viver em paz com as árvores: por que as árvores incomodam?

Quando o choro de crianças e folhas de árvore passam ser problemas de convivência social é porque estamos todos/as neurótico/as e adoecidos espiritualmente.

Viver em paz com as árvores consiste essencialmente em viver em harmonia com seus elementos: terra, água, fogo, ar e espaço. Esta harmonia é mais essencial do que estamos pensando, pois nós também somos feitos destes elementos.

Se poluímos a terra com agrotóxicos, os nossos ossos serão poluídos, pois são feitos de terra que o nosso corpo absorve através do cálcio dos alimentos. Do mesmo modo se poluímos o ar que respiramos vamos afetar a nossa saúde.

Cortar árvore é abrir caminhos de precarização para o nosso sistema respiratório pulmonar. O que nos nutre e nos hospeda, então terá conseguido a atitude mais adequada para ser um protetor da ecologia.

A tese segundo a qual o Universo é autoconsciente, está caminhando a passos largos nos meios científicos de ponta.

Os programas e a informação genética, assim como a nossa própria inteligência, são a expressão desta consciência e espírito do Universo (logos). Aceitando esta afirmativa, podemos aplicar o mesmo princípio que usamos para a árvore e a vida.

Do mesmo modo, o princípio vital da árvore, é o mesmo sistema de vida dentro e fora de nós. Existe inteligência no plano biológico dentro e fora de nós. Trata-se da mesma inteligência e metabolismo. A “natureza geme e a árvore chora”.

Podemos perguntar: com postura moral, se não será perigoso intervir na programação química da natureza e da genética da vida, pois esta intervenção está desorganizando a programação e interferindo na integralidade do próprio universo?

 As consequências são imprevisíveis para a própria humanidade. O que está acontecendo com a intervenção na programação da flora e da fauna já fala por si só. O que dizer então do sistema ecológico das cidades? Será que os “indiscutíveis benefícios” compensam os riscos destrutivos ainda pouco conhecidos?

Temos direito de esperar o futuro para poder julgar, sabendo que estamos pondo em risco a vida dos nossos filhos e netos? O que iremos responder para eles, quando nos perguntarem por que não fizemos nada, apesar de termos sérias dúvidas quanto aos riscos, no presente? Como justificar a nossa violência contra as árvores?

É o momento do auto avaliação da nossa disposição em relação a vida cultural-ecológica-psíquica para uma contribuição efetiva para a ecologia ambiental. (Quando o choro de crianças e folhas de árvore passam ser problemas de convivência social é porque estamos todos/as neurótico/as e adoecidos espiritualmente).

Talvez seria melhor jardinar as avenidas e ruas de nossas cidades com árvores de plásticos, porque não caem folhas, evitam a “sujeira das nossas calçadas”. A única dúvida que fica é se as sombras das árvores de plásticos refrigeram e colaboram para a fotossíntese.

Meu protesto em nome das árvores assassinadas e por uma ecologia integral.

Autor: José André da Costa, msf.

Mídia deve assumir seu papel na naturalização da extrema-direita no Brasil

Comunicar é repetir. Temos a obrigação de repetir, de nomear as coisas corretamente, de não nos omitir. Esse é o papel da imprensa em tempos de paz, mas é ainda mais em tempos de guerra.

Mensalão e Petrolão são escândalos de corrupção fincados na cabeça dos brasileiros. São, também, diretamente associados ao PT. Foram revelados durante administrações petistas e nós da imprensa demos a eles seus devidos tamanhos.

É inaceitável que dinheiro público seja desviado, especialmente se houver uma organização criminosa para fazê-lo.

Deixa eu falar um pouco do caso que ficou conhecido como Petrolão.

Em 1989, o jornalista Ricardo Boechat ganhou um prêmio Esso com uma reportagem sobre a corrupção na Petrobras.

Em 1993, finalmente uma CPI foi instaurada para investigar o esquema em que um cartel de empreiteiras desviava verbas do orçamento da União corrompendo políticos. Eram “os anões do orçamento”, um nome ruim se a intenção era comunicar o tamanho da roubalheira. Petrolão, por outro lado, é um nome ótimo. Pena que só pensaram nele anos depois. Mas voltemos ao fio de ideias.

A CPI deu apenas em um processo, contra o jornalista Paulo Francis. Ou seja, não deu em nada.

FHC, em 1995, nomeou Geraldo Brindeiro como procurador-geral da República e renovou por três vezes o seu mandato. Dos 626 inquéritos que chegaram às mãos de Brindeiro na PGR, apenas 60 denúncias foram encaminhadas. Por isso ele ficou conhecido como engavetador geral da República.

Diante dessa indecência promovida por FHC, em 2001 membros do Ministério Público exigiram que FHC respeitasse a lista tríplice de nomes. FHC ignorou e renomeou Brindeiro.

Aí entra o PT no governo.

Lula, ao assumir, fez logo de cara uso da lista tríplice e nomeou o nome mais votado pelos membros do MP sem questionar.

Entre 2003 e 2009, com Lula portanto, o número de operações realizadas pela Polícia Civil foi de 18 para 236. A PF passou a se concentrar em crimes contra os cofres públicos.

Em 2007 foram 183 operações e 2800 pessoas presas. Não tinha Lava Jato, não tinha manchetes diárias, não tinha eco na mídia. Por que, você deve se perguntar.

A PF foi reformada durante as administrações de Lula. Autonomia, melhores salários e operações de combate à corrupção.

Outra vez: estou apenas listando fatos facilmente comprovados.

O PT atuou para que escândalos de corrupção viessem à tona. Coisa que nem Sarney, nem FHC fizeram – muito pelo contrário. A mídia não divulgou as coisas desse jeito.

Esses dados nos indicam que o PT não foi o partido que inventou a corrupção, nem mesmo o partido que a organizou no Brasil. Não se trata de tirar sua responsabilidade, mas de colocá-la em seu devido lugar dando a ela seu real tamanho.

Jornalismo, vamos lembrar, também é contexto.

Mas mesmo quem compreende que nenhum desses esquemas de desvio de verba foi montado nas administrações petistas confere ao PT a exigência do desmantelamento – que não foi feito.

Por que quem veio antes de Lula nunca foi responsabilizado pelo não desmantelamento?

Por que FHC nunca foi responsabilizado pelo acobertamento?

Por que os atuais escândalos de corrupção não ganham nomes populares como Mensalão e Petrolão? Por que não estão nas manchetes diárias?

Os nomes escolhidos para nomear os esquemas de corrupção desvendados durante as administrações petistas são ótimos.

Eles comunicam a grandeza dos desvios. A imprensa pegou esses nomes e cravou no noticiário sem cessar por anos.

Uma ida ao Manchetômetro da UERJ, e tudo pode ser comprovado.

Acesse: http://manchetometro.com.br/

O Manchetômetro, aliás, é um site de acompanhamento da cobertura da grande mídia sobre temas de economia e política produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) que não tem filiação com partidos ou grupos econômicos.

Mas voltemos ao encadeamento de ideias.

Diante de todos os prejuízos do Mensalão, é de se imaginar que, havendo qualquer coisa parecida, o peso que nós da imprensa daríamos a isso seria o mesmo.

Vejamos o orçamento secreto, que, para Simone Tebet, pode ser o maior escândalo de corrupção do Planeta.

Veja vídeo: https://youtu.be/sDc7OCuFNQk?t=6

Os números do orçamento secreto deixam, desde já, o Mensalão como brincadeira de criança.

Falemos do nome: orçamento secreto.

O que ele comunica? Nada.

Orçamento é uma palavra aborrecida e secreto não tem rejeição.

Mesmo com esse nome tedioso, a pergunta é: o escândalo está nas manchetes? Não. Deveria? Sim.

Com enorme destaque. Todos os dias.

A família Bolsonaro comprou 51 imóveis com dinheiro vivo. Está nas manchetes? Esteve por menos de uma semana. E aí sumiu.

E se fosse o Lula? O que teria acontecido?

Dá pra gente imaginar dado que a visita a um apartamento em obra levou Lula para a cadeia.

O apartamento em questão, aliás, foi chamado de triplex o tempo inteiro pela mídia. Vocês podem tentar adivinhar por que foi assim nomeado?

O escândalo do orçamento secreto deveria estar em destaque nas manchetes na mesma medida do que foi feito com o Mensalão.

Ou talvez até mais porque estamos diante de uma eleição que pode acabar com o que resta de democracia.

E esse aspecto também deveria ser ressaltado diariamente pela imprensa: Bolsonaro fala em golpe, ameaça o golpe, acha que adversário político deve ser exterminado e é risco real e imediato às nossas vidas.

Mas vamos deixar pra lá a desumanidade em Bolsonaro e falar de corrupção, esse assunto tão importante para definir votos segundo muitos.

Há pelo menos 26 casos de corrupção associados ao governo Bolsonaro: funcionários fantasmas no gabinete do presidente e dos filhos, apoio aberto a milícias no Rio, os repasses para a conta de Michelle, o advogado de Bolsonaro escondendo Queiroz em sua casa, obras feitas pelo ministério da saúde sem licitação, esquema de contrabando de madeira ilegal no Ministério do Meio Ambiente, vacina sendo negociada pelo Ministério da Saúde pelo triplo do preço, pedido de propina de um dólar por cada dose comprada da vacina AstraZeneca.

Seguir usando nomenclatura tediosa para comunicar cada um deles não faz a informação chegar à população com a força que deveria chegar.

Para o orçamento secreto, por exemplo, nomes como “O Mensalão de Bolsonaro” seriam mais honestos.

É o que é: o Mensalão de Bolsonaro.

Por que não estamos comunicando dessa forma?

E as rachadinhas? O que são as rachadinhas?

São o crime organizado institucionalizado. Há três décadas.

A escolha do nome, no diminutivo e usando um verbo que comunica solidariedade (o que é rachar?) não ajuda na divulgação e compreensão do tamanho da roubalheira.

Esquema de corrupção, crime organizado, extorsão? Um pouco de criatividade nos faria encontrar um nome que pudesse comunicar todo o horror do que é esse esquema institucionalizado por Bolsonaro e seus filhos (leiam o livro de Juliana Dal Piva, “O negócio do Jair”).

Veja: O Negócio do Jair – bate-papo de lançamento com Juliana Dal Piva e Fernanda Mena.
https://youtu.be/0sLpEZOT4EA?t=254

Ninguém mais pode questionar o fato de que Lula e sua frente ampla são os únicos atores capazes de nos livrar da ameaça de um segundo mandato de Jair Bolsonaro – um mandato que como ensina o livro “Como as democracias morrem” sacramentaria o golpe, o fim da Amazônia, das instituições, dos direitos humanos etc.

Por que o noticiário ainda se refere a essa frente como “Lula” ou “O PT” apenas? Por que não chamar de Frente Ampla Democrática?

Comunicar é repetir. Temos a obrigação de repetir, de nomear as coisas corretamente, de não nos omitir. Esse é o papel da imprensa em tempos de paz, mas é ainda mais em tempos de guerra.

Existe apenas uma força mobilizando o campo fascista nessas eleições, e ela se chama antipetismo. O antipetismo é uma paranoia delirante que foi incansavelmente promovida pela imprensa.

O já igualmente histórico e infame editorial do Estadão do “Uma escolha muito difícil” fez coisa demais pela naturalização da extrema direita nesse país.

A cada absurdo não confrontado dito diante das câmeras por Bolsonaro estamos naturalizando a extrema direita.

A cada mentira não verificada dita em debate, idem. Não são mentiras sobre o número de escolas abertas em seu mandato. São mentiras que visam instalar paranoia, medo, bloqueio da imaginação e depressão. Não combatê-las é, proposital ou acidentalmente, naturalizar o fascismo que pulsa em Bolsonaro e em seus métodos.

Não bastaram 13 anos de governos democráticos para que o PT fosse aceito. A esquerda segue sendo demonizada, enquanto a extrema direita é naturalizada pela mídia.

Nós da imprensa precisamos assumir nosso papel na legitimidade da extrema direita no Brasil.

Aceitar sem questionar que nomes como Paulo Guedes (colunista de O Globo por dez anos), Kim Kataguiri, Helio Beltrão, Merval Pereira, Augusto Nunes, Alexandre Garcia etc sejam vozes normalizadas e centrais nos maiores veículos e que não encontram contra-argumentação nos trouxe até aqui.

Quando Guilherme Boulos foi contratado como colunista da Folha, os mesmos que sempre aceitaram os nomes acima – que hoje vão sendo desmascarados como sendo de extrema direita – berraram em revolta e indignação.

Boulos não!

Por que Boulos não? Kataguiri pode, Beltrão pode, Nunes pode, mas Boulos não?

Merval pode, mas Boulos não?

Essa semana, o governador Romeu Zema foi entrevistado na GloboNews e disse que Bolsonaro não representa ameaça à democracia. Não foi questionado. Sua palavra ficou como a palavra final.

Silenciar diante de uma declaração mentirosa como essa é compactuar.

Não estamos aqui falando de achismos ou de desejos. Estamos falando de fatos.

Em dois minutos podemos listar vinte motivos para contra-argumentar Zema. Não foi feito.

Todo mundo pode não gostar de Lula, do PT, do petismo, da esquerda.

Democracia comporta conflitos e disputas.

Direita e esquerda são campos válidos. Mas seria preciso começar a dizer em alto e bom som que a esquerda que o PT representa nunca pregou o extermínio do campo adversário.

E a extrema direita que Bolsonaro representa prega isso todos os dias há quatro anos.

Não estamos falando de simetrias. É hora de a imprensa assumir um lado nessa história.

Agora mais do que nunca precisamos nos agarrar aos fatos e não a crendices e preconceitos porque a ameaça de colocarmos os dois pés num regime fascista está no horizonte.

Derrotar Jair Bolsonaro e seus métodos milicianos de gestão e de institucionalização de assédios é a missão de qualquer pessoa que acredite em democracia. E é a da imprensa.

Não é preciso muita coisa. Basta as palavras certas, manchetar os escândalos de corrupção, confrontar as mentiras ao vivo e repetir, repetir, repetir.

No dia 2 de janeiro de 2023 poderemos voltar a fazer oposição justa, coerente e honesta ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva com a certeza de que nossas vidas não serão submetidas a nenhum tipo de assédio ou de extermínio institucional.

Preciso ressaltar que se por um lado a imprensa tem papel decisivo na naturalização da extrema direita, ela também tem papel decisivo em abrir as frestas para que os escândalos de corrupção sejam trazidos à luz do dia.

Foi assim no Mensalão, no Petrolão, no esquema de distribuição de fake news de Bolsonaro em 2018 por Patricia Campos Melo e agora, com Juliana Dal Piva, com sua investigação de quatro anos sobre quem é Jair Bolsonaro e sobre seus métodos de atuação.

Reforço a recomendação para que leiam o livro “O Negócio do Jair” enquanto é tempo.

FONTE: https://racismoambiental.net.br/2022/10/07/midia-deve-assumir-seu-papel-na-naturalizacao-da-extrema-direita-no-brasil-por-milly-lacombe/

Autora: Maria Emília Cavalcanti Lacombe, conhecida por Milly Lacombe,  jornalista, escritora e roteirista brasileira. 

Foto: Divulgação

O Velho Testamento e a Cultura Ocidental

Não resta dúvida que o Velho Testamento é parte constitutiva da cultura ocidental. Para onde caminharemos enquanto civilização, talvez possa ser melhor clarificado se tivermos a lucidez de aprender com a tradição que ainda continua nos inspirando e desafiando.

Estamos na terceira década do século XXI, mas alguns acontecimentos e comportamentos nos levam a pensar que ainda vivemos no passado colonial, na sociedade patriarcal com todas as suas chagas e limitações.

A mentalidade de certas pessoas manifestadas nas redes sociais e em outros espaços evidenciam preconceitos, formas de racismo, machismo, xenofobia, misoginia, aporofobia e tantas outras enfermidades da estupidez humana que acreditávamos ter superado.

A falta de tolerância, o fundamentalismo religioso alienador, a idolatria fanática e cega a certas formas de vida estão se tornando uma rotina em plena “sociedade tecnológica”.

Diante deste cenário desolador nos perguntamos: por que essa regressão moral? O que deu de errado na sociedade que em pleno século XXI, repaginamos mentalidades e comportamentos que acreditávamos ter passado? Estamos regredindo a barbárie? A cultura letrada ainda tem algo a nos ensinar de humanidade?

Trabalho aqui com a hipótese que a instantaneidade da comunicação afastou as pessoas dos livros e produziu a incapacidade de pensar reflexivamente. Mesmo que hoje exista um certo entusiasmo com a cultura digital, facilitada pelas tecnologias e pela revolução da informática, os livros continuam sendo as grandes pilastras que marcaram a cultura ocidental em todos os aspectos e tem algo a ensinar ao nosso tempo.

Um olhar cuidadoso para estas obras monumentais nos possibilitam perceber que, mesmo sendo escritos em outros contextos, possibilitam entender melhor nossa civilização. No entanto, não podem ser descontextualizados e interpretados instrumentalmente para propósitos pelos quais foram escritos. Dentre os exemplos podemos citar um dos livros mais conhecidos.

A Bíblia é considerada pelo livro Guinness dos Recordes o livro mais lidos de todos os tempos com mais de 5 bilhões de cópias vendidas e distribuídas. Como todos sabem, Bíblia, derivada do latim e do grego, significa “livros” e é composta por duas grandes partes: o Velho Testamento e o Novo Testamento.

A formação histórica dos textos da Bíblia, principalmente do Antigo Testamento, é altamente complexa e controversa. Foi escrita quase toda em hebraico, com exceção de algumas passagens no Gênesis que foi escrita em aramaico.

Os cinco primeiros livros do Velho Testamento, também chamados de Pentateuco, são a pedra basilar da religião judaica. Tudo inicia com Abraão. Após obedecer ao chamado de Deus, Abraão, o patriarca da fé, saiu da sua terra e foi para Canaã, onde constitui sua família e gerou seus filhos Ismael (filho de Agar) e Isaac (filho de Sara). Deus colocou a prova Abraão e pediu que sacrificasse seu próprio filho Isaac no Monte Moriá (hoje Jerusalém).

Ao provar sua fidelidade, Deus prometeu a Abraão que teria uma grande nação, mais numerosa que as estrelas do céu. Isaac teve dois filhos: Isaú e Jacó (também chamado de Israel). Este último teve doze filhos. Um deles José foi vendido pelos próprios irmãos a uma caravana que passava em direção ao Egito. Depois de um tempo como servo, José passou a ter um lugar especial na corte do Foraó.

Devido a uma grande seca na região a família de Jacó (em torno de 70 pessoas) se mudou para o Egito. Os descendentes de Jacó por mais de 430 anos permaneceram no Egito. Neste tempo multiplicaram-se como as estrelas do céu e tornaram-se um povo numeroso e fortalecido, mas acabaram sendo escravizados. Moisés foi chamado por Deus para tirar seu povo da escravidão.

A saída do Egito na direção da terra prometida é longamente narrada no livro do Êxodo. É nessa passagem que ocorre a revelação mais direita feita pelo Deus judeu a Moisés no Monte Sinai. É no Sinai que Moisés recebeu as Tábuas da Lei (os 10 mandamentos) e por isso, ao longo dos séculos, foram sendo construídos sobre o monte à sua volta vários locais de culto e foram sendo acumulados tesouros de três grandes religiões: judaísmo, cristianismo e islamismo. É neste mesmo monte que o profeta Elias, século mais tarde vai buscar refúgio para fortalecer suas forças para enfrentar o rei Acab e sua esposa Jezabel,

Muitos séculos nos separam dos acontecimentos do Velho Testamento e das manifestações de Deus no monte Sinai. No entanto, ainda hoje certas interpretações destes acontecimentos podem ser compreendas tanto de forma fundamentalista quanto de forma revolucionária.

De qualquer forma, não resta dúvida que o Velho Testamento é parte constitutiva da cultura ocidental. Para onde caminharemos enquanto civilização, talvez possa ser melhor clarificado se tivermos a lucidez de aprender com a tradição que ainda continua nos inspirando e desafiando. No entanto, temos de ser vigilantes para não fazermos leituras apressadas e descontextualizadas da própria tradição que podem produzir crueldades em nome de Deus e da religião.

Não podemos esquecer que na tradição cristã, Deus é amor, compaixão, vida em abundância. Tal compreensão antagoniza não é compatível com discurso de ódio, violência e morte.

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

O belo das árvores: estética

Sim, é difícil para nós humanos identificarmos o belo das árvores vestidos de arrogâncias e de conceitos estipulados pela sociedade mesquinha e que não é igualitária uma com as outras, criando guerras de intensa batalha entre o bem e o mal.

É com alegria que trago o nosso querido poeta Manoel de Barros com os seus neologismos e exercícios de ser nos versos em que nos diz:

“Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa / Com janelas de aurora e árvores no quintal – / Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores / E ao crepúsculo fiquem cinzentas como a roupa dos pescadores.”

Sim, árvores belas não porque estão cobertas de flores, no que concerne a beleza exterior, mas na sua essência e ideia de bem e justa para com os que dela necessitam e as olham como se fossem pequenos investigadores a descobrirem pela primeira vez uma coisa que sempre esteve ali e nunca foi percebida.

Temos o costume de passar pelas árvores e ignorá-las porque não falam como nós, mas esquecemos que elas têm os seus próprios sentimentos e emoções. Ai de quem faz mal a uma árvore e ai de uma árvore que é machucada pelos “cegos” da beleza.

O mundo é belo e ponto final. Poderia dizer isso e não mais continuar a escrever, mas há particularidades na beleza do mundo. No que diz respeito a natureza, é verdade, tudo é belo e tudo se constitui de um segredo maravilhoso que cuida dessa beleza como quem cuida de um filho. Vale a pena contemplar a beleza da natureza só por alguns instantes do seu dia.

No caso da etimologia, a palavra “belo” vem do latim “bellus”, que significa “lindo, bonito, encantador”. Muito usado na época clássica apenas para mulheres e crianças, enquanto para os homens tinha sentido pejorativo e um ar apolíneo, de Apolo, o deus da beleza e da guerra.

Contudo, o termo, antes de sua definição latina, pode ter vindo também do indo-europeu DW-EYE, aproximando-o de outros termos, como bônus, de “bom”, e bene, de “bem”. 

Nos dias atuais, o dicionário “Houaiss” da Língua Portuguesa define o belo como algo “que tem forma ou aparência agradável, perfeita, harmoniosa. Que desperta sentimentos de admiração, de grandeza, de nobreza, de prazer, de perfeição.” Ao longo do texto discutiremos mais esse conceito de belo com outros teóricos e filósofos.

E essas são as principais ideias que vêm à mente da maioria das pessoas em relação ao significado de beleza. Termos como beleza, estética, harmonia, proporção, equilíbrio entre outras, são vocabulário permanente no discurso e trabalho de muitos, inclusive os profissionais da indústria da moda.

Tire um tempo para estar entre o verde, de preferência, as árvores e olhe para elas não como quem olha apenas para ter a certeza de que algo existe, mas com a alma limpa e pronta para enxergar o belo dos troncos, das raízes, das folhas caídas no chão, dos galhos e dos seus frutos, o belo das árvores que estão nos roubando pouco a pouco com a chegada da tecnologia nas grandes cidades.

Experimente conhecer este belo das árvores que nos tranquiliza o espírito e nos acalma diante dos problemas do cotidiano.

Respire profundamente e deixe que o ar anime todos os órgãos do seu corpo. O belo das árvores é que elas sabem como ninguém nos amar sem nos pedir nada em troca, elas são humildes e solidárias às nossas necessidades de amor, cuidados, atenção e gratidão.

A estética das árvores é toda representação de belo que pode ser sentida através da audição, olfato, paladar e visão. Sendo um ramo da filosofia que estuda a beleza das coisas não poderia deixar de falar da estética das árvores uma vez que poucos ainda as olham com esse olhar curioso e resplandecente que identifica beleza e singularidade nos seus troncos grossos, nos seus galhos que se estendem pela terra e saem invadindo corpos externos do outro lado do muro que tenta impedir o crescimento da árvore, mas ela é maior do que o cimento e tijolo feitos pelo homem.

Os filósofos da Grécia antiga costumavam contemplar o belo nos seus jovens assim como podemos ver no diálogo platônico “Hípias Maior”. Hípias é um livro em diálogos que tem como objetivo a investigação sobre a natureza do belo. Este diálogo escrito por Platão, mas que tem como principal interlocutor e personagem o filósofo Sócrates, pretende através do princípio da dialética definir o belo em si. No entanto, o que se percebe é que essa possibilidade se frustra, pois um dos interlocutores, o sofista Hípias, procura estabelecer a questão do que é belo pelo particular e as questões sobre o belo desembocam em um relativismo e em aporias, até mesmo porque, Sócrates também não tinha uma teoria sistematizada como, muito depois, Aristóteles apresentará.

Considerado um dos grandes sábios da Grécia, Hípias tinha grande fama por onde passava. Ganhou popularidade e muito dinheiro, como era de praxe entre os sofistas. A cidade de Lacedemônia foi onde resolveu as questões mais importantes. “Hípias Maior” relata o debate entre Sócrates e um dos sábios mais bem pagos dentre os sofistas da antiguidade. Uma “luta” dialógica em torno da questão do belo.

A questão principal, o foco da discussão, é apresentada quando levantada a questão a Sócrates: “Mas como é que tu, Sócrates, distingues o que é belo do que é feio? Olha lá, saberás tu dizer-me o que é o belo?” Esta questão leva Sócrates à procura de um dos maiores sábios para desenvolver e definir o problema da beleza. É em Hípias que Sócrates buscará uma interlocução para tal questão.

A primeira definição apontada por Hípias é de que o belo é uma bela rapariga. Hípias não vê nessa definição nenhum problema, pois se tal definição fosse apresentada a uma assembleia não haveria objeção, pois toda gente pensa assim. No entanto, Sócrates rejeita tal definição, pois para ele a questão do belo não pode ser respaldada por uma questão de caráter particular.

Algo particular não pode ser belo. Para Sócrates uma coisa particular seria relativa. Por exemplo, uma bela rapariga é feia perante uma deusa ou “o mais belo macaco não passa de feio, comparado com a espécie humana”. 

Uma segunda definição para Hípias é a de que o belo é o ouro. Mas novamente Sócrates refuta dizendo que a estátua da deusa de Atenas que foi esculpida por Fídias, portanto bela, é feita de marfim. Uma terceira definição é de que o belo é aquilo que é apropriado.

Mais uma vez o sofista é ridicularizado, neste momento aparece o exemplo da colher de madeira. O que seria mais conveniente, ou seja, apropriado para cozer um purê, uma colher de ouro ou uma colher de madeira? Sócrates demonstra que em se tratando de cozinhar um belo purê de legumes, a colher de madeira seria mais apropriada e, portanto, mais bela. Lembrando que para o sofista, o apropriado tem a ver com o aparecer, com o sensível. Sendo assim, o apropriado é o que faz parecer belo. Em todas as definições do belo apontada pelo sofista Hípias, o belo é perpassado pelo sensível.

Depois de todas as rejeições das definições sofísticas, Sócrates então parte para sua definição do belo.

O belo, afirma o filósofo, é aquilo que é útil, portanto o inútil é feio. O belo é aquilo que tem dýnamis, isto é, potencialidade. Nesta altura do diálogo de Sócrates, percebe-se que o belo se relaciona ao que é ético, pois é só quando a dýnamis é usada para o bem que se pode dizer que há o belo, logo o feio é a falta ou mal uso de dýnamis. O belo então é aquilo que pode ser entendido como vantajoso e proveitoso.

Como podemos ver sobre a diálogo de Hípias com Sócrates o belo é aquilo que pode ser entendido como vantajoso e proveitoso e então as nossas árvores podem ser consideradas com estas duas definições, pois além de nos serem vantajosas são por deveras proveitosas chegando a nos proporcionar momentos de êxtase e saída do mundo externo para o particular quando aproveitamos para descansarmos nossos corpos em seus troncos largados das nossas gravatas, sapatos de salto altos e batons. Ali experimentamos o que há de proveitoso nas nossas árvores.

Ao perceber as insuficiências dos conceitos elencados por Hípias, e após várias abstrações, Sócrates define o belo como aquilo que provoca prazer pela visão e audição. Ou seja, o belo é aquilo que é atravessado pelos sentidos, em especial, pela visão e audição. Portanto, se conhece o que é belo pelos sentidos. E, eles existem porque existem a música, a arte plástica, a arquitetura, etc.

No finalzinho do diálogo, no desfecho, o leitor é surpreendido e a questão não se resolve, pois nas palavras de Sócrates “o que é belo é difícil”. Sim, é difícil para nós humanos identificarmos o belo das árvores vestidos de arrogâncias e de conceitos estipulados pela sociedade mesquinha e que não é igualitária uma com as outras criando guerras de intensa batalha entre o bem e o mal.

Se comparamos as árvores como uma arte da natureza poderemos chegar próximos do conceito de belo mesmo sendo este difícil aos nossos olhos e sentidos, segundo Sócrates.

E se costumamos apreciar obras de artes com o olhar de quem critica e sabe diferenciar o feio do belo veremos nas árvores a mais perfeita definição de belo, pois assim como nós homens e mulheres elas são dotadas de partes que as constituem necessárias para o seu bem-viver quer sejam elas: raízes, tronco, galhos e folhas. Sendo cada uma dessas partes necessárias à vida da árvore.

A estética que procura enxergar o belo nas obras de artes caracteriza-se pelo olhar diferencial de cada homem que contempla o objeto a ser aclamado pela crítica valioso ou não dependendo da sua beleza. Sim, as árvores não vão à leilões. Não se compram árvores, pelo menos nunca vi. O que se pode comprar é o chão onde elas vivem e aí se ganha de presente uma delas.

Na essência e subjetividade das árvores, elas nunca terão um só dono, mas pertencerão à humanidade, aos deuses, aos animais que precisam delas para se alimentarem ou construírem as suas casas.

As árvores são o belo que se metamorfoseia todos os dias dependendo da estação do ano em outras linguagens que vão além dos nossos sentidos respondendo a indagação de Hípias com Sócrates que não é somente pelos sentidos que descobrimos o belo, mas também pela alma despida de todos os pré-conceitos que nos constituem o ser enquanto presente neste lugar de ódios e malvadezas.

Em “Hípias Maior”, Platão expõe as suas concepções estéticas sobre o belo e as artes, que, em “A República” (livro sobre política que demonstra um modelo utópico de cidade ideal), serão rechaçadas pelo filósofo e retiradas de seu modelo ideal de cidade.

O escritor italiano Umberto Eco fala o conceito de belo em seu livro “História da Beleza” e, lá, ele nos diz que o belo junto com gracioso, bonito ou sublime, maravilhoso, soberbo e expressões similares é um adjetivo que usamos frequentemente para indicar algo que nos agrada.

Assim sendo poderíamos dizer que aquilo que é bonito é igual àquilo que é bom e, de fato, em diversas épocas históricas criou-se um laço estreito entre o belo e o bom, como vimos pela própria origem da palavra.

As reflexões do autor sobre o belo ao longo da história nos convidam para uma viagem para além do entendimento entre beleza e bondade, como idealização de uma perfeição estética. Antes, abre caminhos para entendermos como o belo é importante nas relaçõesartísticas, sociais, políticas, religiosas, espirituais etc.

Como podemos constatar as coisas podem ser belas e boas ao mesmo tempo, logo as árvores são bonitas porque também são boas para nós. Elas nos dão frutos e sombras, embelezam as nossas casas e ruas, deixam o ar mais puro retirando dele toda a sujeira e alimentam os pássaros e outros animais. Logo, podem ser consideradas boas e se assim as são tendem a ser belas.

Quem olha para uma árvore com o olhar de uma criança vai enxergar nela muito mais beleza porque as coisas boas que podem ser encontradas ali são muito maiores do que o olhar de um adulto. Na verdade, as árvores são belas porque são criações da natureza que tudo o que faz é bom, justo e belo.

Sim, para ser belo algo tem que ser bom e justo. Não consideramos bonita uma pessoa que pratica maldades ou que agride outras pessoas inocentes e indefesas. O justo deve sempre ficar do lado do que praticou o bem, do que é certo, mesmo que este não seja o seu amigo.

Assim é a justiça, e com ela caminha também a ideia do bem que, numa sentença transitada em julgado, pode ser tida como ideia de belo se a pessoa acusada foi inocentada ou não, dependendo das provas e do pensamento do juiz.

Como podemos ver falar da estética das árvores nos leva a diversos caminhos investigativos. Primeiro nos compomos com as ideias já existentes dos filósofos e teóricos da antiguidade e da contemporaneidade para descobrirmos as nossas próprias ideias.

Uma vez imbuídos do nosso pensar, acreditamos que o belo está nas árvores assim como elas estão no belo. Não é à toa que elas estão nos desenhos da maioria das crianças e nas pinturas de diversos artistas assim como o pioneiro do impressionismo, Monet criou sua própria abordagem para a pintura de paisagens. Amante da natureza, inspirou-se em árvores e plantas ao longo de sua vida.

Não há dúvidas de que as árvores são belas e possuem uma estética própria. Com isso, podemos fotografá-las, pintá-las ou desenhá-las como se fossem deusas ou personagens que precisam ser imortalizados para guardarmos a ideia de bem não somente no nosso pensamento, mas nas diversas formas materiais onde elas podem ficar registradas.

Sendo esse belo das árvores o que as constituem nas mais complexas investigações a respeito das suas vivências e experiências de estarem sempre ali no mesmo lugar, no entanto terem conhecimentos e sapiências de mestres e doutores sobre o mundo através das suas raízes que se interconectam com outras e formam essa rede que troca conhecimentos e nos ajuda a identificarmos o segredo das suas relações íntimos com a Terra. Do chão vem o mundo que não podemos enxergar a olho “nu”.

Para finalizar, deixo vocês com o poema do meu querido poeta português Fernando Pessoa que nos diz:

“Segue o teu destino…
Rega as tuas plantas; / Ama as tuas rosas. / O resto é a sombra
de árvores alheias”.

Que nesta sombra de árvores alheias possamos enxergar o belo em tudo o que está nas árvores e as constituem não somente fisicamente, mas subjetivamente, naquilo que é impossível absorver sem o desejo de encontrar-se com o espetáculo da sua essência.

Autora: Rosângela Trajano

Veja também