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Cáritas, 60 anos de trabalho, resistência, esperança e profecia!

Em sessão solene, realizada na Câmara de Vereadores de Passo Fundo no dia 22 de junho de 2022, por proposição do Vereador Israel Kujawa, Luiz Costella, Colaborador da Cáritas, manifestou-se pela entidade, como segue.

“Agradecemos à Câmara Municipal de Vereadores, na pessoa de seu Presidente e do Vereador Israel Kujawa pela homenagem aos 60 anos de trabalho da Cáritas. É reconhecido o compromisso e o papel da Câmara de Vereadores no apoio às entidades sociais.

Agradecemos a Bondade de Deus, que permitiu à Cáritas poder existir e fazer o bem para tantas pessoas, grupos e comunidades nestes 60 anos, bem como às milhares de pessoas que dedicaram e dedicam parte de sua vida assumindo a ação da Caridade, solidariedade e compromisso social.

“Cáritas” é uma palavra com origem latina, que se tradução por “caridade/amor”.

Como Organismo da Igreja, existe há quase 80 anos, tendo iniciado na Europa. Foi oficializada pelo Cardeal João Batista Montini, que veio a ser escolhido Papa Paulo VI, e hoje está presente em mais de 200 países, com caráter eclesial e também de assistência social.

A Cáritas se organiza de diferentes formas, de acordo com os clamores sociais, em vista de atender à realidade do local onde ela está.

Por sua maneira de ser e agir, a Cáritas vai mostrando suas diferentes feições, de acordo com a realidade do local onde ela está inserida, seja nas regiões de emergência naturais ou sociais, nas regiões de conflito, na acolhida aos migrantes, na promoção das pessoas excluídas, no combate a fome, nos projetos comunitários…

No Brasil a Cáritas Brasileira está organizada em 12 Regionais diferentes, com aproximadamente 170 Cáritas Diocesanas e Arquidiocesanas.

Na Arquidiocese de Passo Fundo iniciou em 1962, pelas mãos do Primeiro Presidente, o então Bispo Diocesano Dom Cláudio Colling.

Durante algum tempo a história da Cáritas se identifica (e de certa maneira se confunde) com a história da Assistência Social Leão XIII, instituição que coordenou por 16 anos, de 1972 até 1988.

O primeiro Diretor da Cáritas foi o Pe. Paulo Farina, que dividia seu tempo entre a Fundação Beneficente Lucas Araújo, Rádio Planalto e Cáritas.

Durante algum tempo a sede da Cáritas foi junto a Fundação, depois no Centro de Pastoral, depois junto a Leão XIII, até ter sua sede própria na Rua Paissandu, em frente a Escola Estadual Nicolau de Araújo Vergueiro.

Como serviço e organismo pastoral, a Cáritas tem sua atuação na região da Arquidiocese, se insere no planejamento arquidiocesano, tendo seus Bispos e Arcebispos como Presidentes- atualmente nosso Arcebispo Dom Rodolfo Luis Weber.

A sua Missão atualiza de acordo com as transformações e mudanças sociais. Hoje a missão da Cáritas é

“Testemunhar e anunciar o Evangelho de Jesus Cristo, defendendo e promovendo toda forma de vida e participando da construção solidária da sociedade do Bem Viver, sinal do Reino de Deus, junto com as pessoas em situação de vulnerabilidade e exclusão social”

Suas primeiras ações foram voltadas à demanda da distribuição dos alimentos do programa aliança para progresso (também chamado de aliança para a paz), um programa criado pelas Nações Unidas após a segunda guerra mundial, para atender e reabilitar as nações atingidas.  

Desde o início a Cáritas faz atendimento social com alimentos, agasalhos e preparação para o trabalho. Também é lembrança de muitas pessoas em Passo Fundo o caminhãozinho do “Mensageiro da Caridade”, que recolhia donativos, bem como produtos recicláveis, e fazia a redistribuição para as famílias que necessitavam.

No início dos anos 80 depois do Congresso de Cáritas com o tema “Fé cristã e compromisso social”, foi desafiada a dar passos para além disso… a desenvolver o trabalho com uma metodologia inspirada na caridade que promove, que leva as pessoas à organização e ao engajamento nas Comunidades e o compromisso com a solução dos problemas sociais, desafiando ações emancipatórias, sem, contudo, esquecer sua ação permanente junto às emergências sociais e naturais, pois continua fazendo o atendimento às necessidades básicas: alimento, agasalho, moradia, dentre outros.

O incentivo aos projetos de geração de renda, alternativas comunitárias com base no associativismo e na economia solidária. A organização de grupos para a produção e comercialização: hortas comunitárias, produção de panificados, artesanatos, costura, reciclagem, saúde alternativa, agroecologia, agroindústrias e muitas outras formas vão possibilitando que as pessoas tenham alternativas econômicas e sociais.

A Cáritas não quer acompanhar estes grupos para sempre, porque eles devem ganhar vida própria, e possibilitar que se possa ajudar outras pessoas, outros grupos… estando em outros locais, que também precisam de uma ajuda inicial como impulso para ações emancipatórias, participação comunitária e engajamento em projetos de desenvolvimento social.

Através da mobilização e apoio aos movimentos e organizações populares, a Cáritas envolve-se nos debates articulados com a sociedade civil e os poderes públicos, participando na construção de políticas públicas voltadas ao interesse da população mais excluída. São formas de construção da ética e da cidadania que se dão através dos conselhos paritários, fóruns de representação popular. Os principais focos são a saúde, a assistência social, o desenvolvimento, a segurança alimentar, as pessoas com deficiência e os direitos humanos.

Acreditamos no desenvolvimento solidário e sustentável, porquanto propomos programas de promoção e fortalecimento de uma economia solidária, projetos alternativos que buscam fazer frente a falta de trabalho e renda, a preservação do meio ambiente, ao cuidado com a vida, a terra, a água e o alimento, seja pela ação de grupos urbanos ou rurais.

A promoção da agroecologia e da comercialização direta através de feiras, além de fornecer aos consumidores produtos diferenciados, alimenta ações transformadoras, e como resultado concreto está a valorização das pessoas, o respeito e preservação da natureza, a geração de renda e o resgate da dignidade humana.

A organização dos grupos de mulheres nas periferias é uma realidade que faz frente ao desemprego e à falta das condições básicas, que geralmente recaem mais sobre a mulher. Nos grupos, ela busca a valorização pessoal e familiar, o aprendizado, inserção comunitária e conquistas de políticas de atendimento à mulher vítima de violência.

As Equipes Paroquiais de Cáritas, hoje presentes em 18 paróquias de nossa Arquidiocese, cada uma com seu jeito e de acordo com a realidade, realizam a missão da Cáritas junto às populações empobrecidas. São expressões de vivência do Evangelho. As equipes fazem o atendimento da população e ajudam na elaboração de projetos comunitários com recursos provenientes dos diversos fundos solidários disponíveis.

Os agentes voluntários são capacitados para que desenvolvam suas ações, seja através de coletas, projetos ou administração de recursos e bens, organizando e animando as práticas de solidariedade.

Aqui e em todos os locais onde a Cáritas está organizada, ela busca inserir seu planejamento de forma engajada na construção de políticas públicas, animação do serviço de solidariedade, e no atendimento às situações emergenciais.

Junto com a Arquidiocese de Passo Fundo, e com o objetivo de apoiar pequenos gestos e projetos, foi criado no ano de 2000 o Fundo de Solidariedade que já apoiou mais de 250 iniciativas, que beneficiaram 37.000 pessoas, na Geração de renda e economia solidária, educação para a solidariedade, resgate da dignidade humana, saúde, apoio a população em exclusão social, e meio ambiente e reciclagem.

Estes recursos são frutos da partilha das famílias que participaram das comunidades, por ocasião da Campanha da Fraternidade promovida pela Igreja Católica.

Os projetos atendem crianças e adolescentes, idosos, mulheres, famílias, migrantes, indígenas e quilombolas, agricultores e assentados, trabalhadores urbanos e desempregados, dependentes químicos, catadores, organizações, pastorais e movimentos.

Importante ressaltar que todo o trabalho é desenvolvido como Igreja católica, de forma ecumênica e inter-religiosa, sem discriminação de religião, raça, cor ou sexo.

A Cáritas trabalha em parceria com entidades, universidades, cooperativas, poderes públicos.

Destaca-se projetos parceiros com assentamentos da reforma agrária, Feira Ecológica, Associação das entidades do Projeto TransformAção, Feiras de economia solidária, Mostras de Ações sociais solidárias na Romaria Arquidiocesana, Espaço Solidário, dentre outros.

Anualmente, o trabalho da Cáritas beneficia aproximadamente 20 mil pessoas. Centenas de pessoas doam-se voluntariamente nas diversas equipes, nos grupos de geração de trabalho e renda, nas coletas e distribuição de donativos, no auxílio à superação da exclusão social junto a populações empobrecidas, em diferentes realidades e formas, cada uma ajudando e fazendo sua parte.

É uma alegria poder contar ainda com três dos primeiros colaboradores da Cáritas na Arquidiocese, que integravam a equipe coordenada pela Pe. Paulo Farina, no início:

– Srª Nadir Longhi e Srª Celanira Lopes. – Não conseguiram se fazer presentes neste evento.

– Sr. Celson Scheffer Salles – Que se encontra aqui conosco.  Em seu nome, Celson, nosso agradecimento a todos os agentes de Cáritas que construíram esta história de 60 anos… Muito, muito obrigado a você e todos.

Obrigado, Vereadores, por este momento! Obrigado aos agentes de Cáritas, autoridades e demais pessoas presentes.

Finalizamos com uma cantiga de Cáritas, cuja composição foi feita por José Magalhães (que já foi Diretor da Cáritas Brasileira, hoje trabalha na Cáritas Internacional) e gravada em quatro idiomas diferentes”.

Acesse aqui: https://www.facebook.com/caritasbrasileira/videos/a-m%C3%BAsica-que-embalou-a-21%C2%AA-assembleia-geral-da-c%C3%A1ritas-internacional-%C3%A9-uma-compo/353780961944314/

Sobre a Sessão Solene:

O Legislativo Municipal realizou na noite desta quarta-feira (22) uma Sessão Solene em homenagem à Cáritas Arquidiocesana de Passo Fundo, em reconhecimento aos seus 60 anos de forte atuação na assistência social, na defesa dos direitos humanos e no desenvolvimento solidário e sustentável de políticas públicas. A proposta foi uma iniciativa do vereador Israel Kujawa (PT), aprovada por unanimidade por todos os demais parlamentares.

Compondo a Mesa Oficial, o presidente da Câmara de Vereadores, Evandro Meireles (PTB), acompanhado do vice-prefeito João Pedro Nunes (MDB), representando o Executivo Municipal, a coordenadora da 7ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), Carine Weber, e os representantes da Cáritas Arquidiocesana de Passo Fundo, o Coordenador Luiz Costella, a Diretora Maria Isabel Teixeira da Silva e o Presidente de Honra, Arcebispo Dom Rodolfo Luiz Weber.

Ocupando a tribuna, o vereador proponente da Sessão Solene, Israel Kujawa, falou da importância da homenagem, que significa a valorização e o reconhecimento do trabalho da Cáritas, que atua em mais de 200 países, “promovendo conexões e reconexões humanas, construindo um novo ciclo, onde a caridade, a solidariedade, o amor, a alimentação, a habitação e a educação tem centralidade na cultura digital”, salientou.

Destacou que a iniciativa de homenagear a Cáritas está em sintonia com os temas que decidiu priorizar durante sua atuação no Legislativo. “Quando chegamos a Câmara, escolhemos algumas temáticas que seriam priorizadas para debater nesse espaço, e um deles é a renda, a forma como lidamos com o meio ambiente, com os resíduos que nós produzimos, a educação, a evolução humana, e avaliando o contexto, a Cáritas simboliza em Passo Fundo, através dos seus 60 anos de trabalho, as ações que a gente acredita, que é olhar para as pessoas, apontar caminhos para elas buscarem a evolução individual, comunitária, a renda e a própria sobrevivência”, enfatizou, reforçando que a Cáritas tem feito um papel muito importante, através da ligação com as cooperativas de recicladores, que faz um trabalho tão importante, que precisa ser valorizado pela sociedade como um todo e pelo poder público. Então, essa homenagem, é uma forma de reconhecer a Cáritas, e reconhecer, sobretudo, o trabalho que ela vem desenvolvendo”, finalizou.

Leia mais: https://www.camarapf.rs.gov.br/noticia/4594/sessao-solene?

Fotos: Comunicação Digital / CMPF

Edição: Alexsandro Rosset

A esquizofrenia na criança

O que mais dói na esquizofrenia é o preconceito dos adultos em admitir que os seus filhos sofrem desse mal e precisam de cuidados especiais.

A esquizofrenia é uma doença grave e crônica, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Na criança, ela pode acontecer precocemente atingindo até mesmo aquelas da tenra idade. Doença séria que precisa de cuidados médicos e terapêuticos, medicamentos para combater os seus sintomas e muito amor por parte dos familiares e amigos.

Considerada a doença mais grave do grupo de tratamentos psiquiátricos, denominados de transtornos psicóticos é a que mais precisa de cuidados especiais.

A criança com esquizofrenia apresenta os mesmos sintomas dos adultos afetando a sua convivência com os amiguinhos e o rendimento escolar. Os sintomas são os mais difíceis e doloridos que se pode imaginar:

– Sentimento de está sendo perseguido por alguém amado ou um estranho;

– Irritabilidade;

– Alucinações auditivas e visuais;

– Falta de higiene com o corpo;

– Isolamento social.

Os pais precisam tomar cuidados quando a criança começar a apresentar algum desses sinais. É claro que nem sempre pode ser esquizofrenia, mas outra doença.

O fato é que sendo uma doença grave tira a criança do seu convívio com as demais deixando-a entregue aos seus pensamentos persecutórios o que lhe causa mais dificuldade de combater a doença. A criança quando se isola e fica irritada chegando a quebrar as coisas dentro de casa, reage daquela forma porque escuta vozes que dão uma espécie de ordem em seus ouvidos, noutras vezes ela poderá ver e conversar com pessoas que só aparecem para ela, ou seja, inexistentes.

A criança em surto sente vários sintomas que devem ser observados e considerados pelos pais, principalmente se na família tem histórico da doença.

Não é fácil conviver com a esquizofrenia. A criança sofre bastante com essa doença, como não é fácil também para os pais lidar com esse problema de saúde. Só medicar a criança não é suficiente, ela vai precisar de afeto e carinho, sentir-se segura dentro e fora de casa, perder o medo de que vai surtar em qualquer lugar, sentir-se confiável diante das pessoas ao seu redor.

Uma das melhores coisas a se fazer para salvar a criança dos surtos que nunca sabemos quando vão acontecer é colocá-la para desenhar, pintar, correr até se cansar, praticar esportes, aprender a tocar um instrumento musical, ler e escrever com frequência. Manter o pensamento da criança sempre ocupado é uma boa terapia. E nunca, nunca mesmo, deixá-la sozinha, principalmente em lugares totalmente fechados ou escuros por muito tempo.

Se a esquizofrenia nos adultos é uma doença incompreendida na maioria das vezes, imagine na criança pequena que não sabe ainda como expressar os seus sentimentos e emoções, não sabe distinguir o real do irreal e nem sabe como lidar com situações de vozes e visões desconhecidas que chegam dando ordens e criando um mundo à parte, um mundo onde as pessoas amadas deixam de amá-las e querem o seu mal.

A criança não compreende assim como o adulto que todos aqueles sintomas são produtos da sua mente doentia, e sofre por não saber o que fazer diante de um sofrimento tão desesperador.

Quando a criança se isola das outras deixando de brincar no parquinho ou não querendo fazer parte do jogo de futebol por se achar que é perseguida pelos amiguinhos, que não é amada por ninguém, que é feia e causa raiva nas pessoas, eis um sintoma que precisa imediatamente de cuidados dos pais e responsáveis.

A criança não consegue saber que aqueles sintomas são de uma doença séria e que precisa de tratamento médico. Um dos sintomas motores que também chamam a atenção é o fato da criança está sempre balançando o pezinho ou mexendo com um dos braços.

A dor da esquizofrenia só é sentida na escuridão do abandono. Quem sofre de esquizofrenia não sabe que é doente, não se dá conta de que é vítima de uma doença séria, por isso é tão importante a presença dos familiares ao longo do tratamento com o psiquiatra e psicólogo. O que mais dói na esquizofrenia é o preconceito dos adultos em admitir que os seus filhos sofrem desse mal e precisam de cuidados especiais.

Ninguém fica irritado de uma hora pra outra porque quer, algo dentro dessa pessoa desencadeou aquela irritabilidade, isso é o que acontece com a criança esquizofrênica.

Quando a criança deixa de se preocupar em estar limpinha diante dos amiguinhos, não liga para a sua aparência física faz-se necessário que os pais ou responsáveis tomem providências e conversem com ela explicando o quanto é importante a higiene pessoal para ficarmos próximos das pessoas.

Nunca obrigar a criança a tomar banho ou falar com uma pessoa que ela está com medo, sentindo-se perseguida, ao contrário o respeito aos sintomas é de fundamental importância para que a criança se sinta segura perto de quem a ama.

Existirá sempre uma pessoa querida a quem a criança vai pedir ajuda dentro de casa, uma pessoa por quem ela talvez nunca venha a sentir medo ou raiva, uma pessoa que transmita amor, carinho e coragem mostrando que por maior que seja o gigante perto de nós ele será combatido e vencido com as nossas próprias forças.

Haverá sempre um adulto que por quem a criança talvez nunca tenha sintomas persecutórios, aquele a quem ela conta seus segredos e medos mais íntimos.

A esquizofrenia não tem cura, isso se sabe, mas os sintomas têm suas pausas e eles podem ser longos se a criança for tratada cedo e não ignorada quando pedir ajuda. Ainda mais, se tiver perto dela quem a escute e compreenda o que acontece consigo. A esquizofrenia precisa de amor, medicamentos e terapia, mais amor, penso eu.

Este texto é do meu livro: “Como amar uma criança”.  Conheça mais: https://rosangelatrajano.com.br/

 

Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alexsandro Rosset

A Escola – templo do saber

A escola, para a criança e o jovem, representa o elo de ligação entre o lar, a família e o mundo que eles vão enfrentar, no futuro e para o qual devem estar preparados.

O lar é o primeiro grupo social que a criança participa. Neste espaço, pela imitação das pessoas que o compõe, ela aprende a falar, a expressar suas emoções, a caminhar, a buscar sua relativa independência, a dizer não, no seu primeiro arrobo de individuação. No aconchego da família molda-se o humano na criança, é onde nasce a humanidade da pessoa com suas virtudes, a ética, a religiosidade. Começa o contato com o mundo imanente, material, e o mundo transcendente, representado pela busca natural de Deus, conforme a denominação religiosa que a família adota. Os pais vão representar para a criança a autoridade que norteia a sua vida, nesta fase.

É mais complexo do que se parece educar uma criança. Toda criança é envolvida desde sua tenra idade, por mãos, mentes e sabedorias de muita gente. Muita gente põe a mão na massa na vida de uma criança, mas a responsabilidade maior sempre será das famílias, que são a primeira e a maior referência educativa. Leia mais: https://www.neipies.com/so-uma-aldeia-inteira-pode-educar-uma-crianca/

E a escola?

Será o segundo grupo social que o ser humano vai interagir, encaminhado pela família.  Se à família cabe a responsabilidade de fazer desabrochar o humano no ser, compete à escola formar o cidadão, o sentimento de cidadania, local onde a pessoa que vai aprender a conviver em harmonia com os outros, dividir os espaços, compartilhar atividades, interagir com respeito, compreender que sua liberdade termina onde começa a do outro colega.

A escola é o local onde a criança e o jovem vão desenvolver as habilidades socioemocionais com vistas a construir sua cidadania, percebendo-se como ser integrante pleno de um Estado, com seus direitos e deveres civis e políticos, como um membro ativo da Sociedade.  Eles precisam se reconhecer como seres históricos e sociais, com capacidade de promover mudanças que melhorem as suas vidas pessoais, familiares, escolares e comunitárias.

Na escola, o aluno é reconhecido como um ser complexo, com várias dimensões de sua personalidade: a biológica, a psicológica, a emocional, a social e a espiritual que deverão ser atendidas em todas estas áreas pelos diversos educadores que vão interagir com ele.

Neste espaço social ele vai aprender a observar os fatos, a analisar, a comparar, a refletir e a tirar conclusões sobre os mesmos, em atividades grupais ou individualmente, construindo a sua compreensão sobre o significado da vida social e o seu papel neste contexto.

As atividades no grande grupo, que reúnem o corpo docente e discente, representam momentos pedagógicos  de alto valor educativo: a reverência a Deus seguida pela hora cívica, com hasteamento da bandeira, entonação do hino nacional, a breve alocução sobre a importância daquele momento, ressaltando o significado profundo dos símbolos da pátria, como a bandeira, o ritual de seu  hasteamento, os hinos pátrios, o significado de suas estrofes, estimulam o desabrochar da espiritualidade básica de cada um, quando, individualmente pode sentir-se como um elo integrante do todo, o que ajuda no seu equilíbrio emocional,  promovendo a harmonização íntima. Naturalmente cada turma deve ser adequadamente preparada para participar e contribuir para tal solenidade.

A comemoração do aniversário da escola, a reverência ao seu patrono ou patrona, o conhecimento da história da instituição e sua representatividade na comunidade fazem parte da formação consciente do educando que vai se reconhecer como participante ativo desta história.

As atividades pedagógicas ao ar livre, propostas pelos educadores, são muito especiais para os alunos. Explorar a Natureza oferece condições de maior compreensão do significado da vida.

Eleger, na comunidade escolar, a planta símbolo da escola, por exemplo, cultivá-la com o envolvimento de todos traz gostoso sentimento de pertencimento àquele grupo social, àquela instituição. Quanta atividade pode se desencadear a partir desta ideia. De grande valor educativo, nesta linha de reflexão, é a horta escolar, o ajardinamento do pátio, o plantio de árvores, a organização de pequeno horto de mudas variadas envolvendo a participação ativa dos alunos e do restante da comunidade escolar. Quanto aprendizado prazeroso o aluno pode desfrutar e que levará consigo para o resto de sua vida.

Interessante seria que, no pátio da escola, se pudesse encontrar, desenhada no chão, a rosa dos ventos, com os pontos cardiais para a aprendizagem da localização espacial, o que pode também ser feito com a observação dirigida do movimento do sol no céu, durante o dia e com o uso da bússola.

A vida escolar proporciona a visão ampliada do aluno sobre o bairro onde a escola está inserida, o município, sua organização e as instituições de saúde, religiosas, esportivas, culturais, comerciais etc. que o compõem e amplia a compreensão do nível estadual, federal e universal da vida comunitária.

Na escola vai se formando a cidadania na pessoa do aluno preparando-o para a vida em sociedade. Grande desafio!

A escola, templo do saber, responsável pela formação da cidadania de inúmeras gerações, no transcorrer de sua existência, representa um farol de luz que alumia a mente do aluno, libertando-o da escravidão da ignorância, dando-lhe um sentido da vida, ensinando-o a ser questionador, autônomo, crítico, responsável por seus atos, apontando o caminho a ser percorrido na vida individual, por própria escolha.

Esta escola é composta por corpo docente preparado para suas atividades pedagógicas, profissionais qualificados para exercerem condignamente seu papel social, que trazem nas mãos o conhecimento, que ajudam o aluno a crescer junto com os outros e se perceber como ser extraordinário, único no seu pensar e agir e a penetrar na essência de sua humanidade, construindo uma identidade própria e cultural.

A escola, para a criança e o jovem, representa o elo de ligação entre o lar, a família e o mundo que eles vão enfrentar, no futuro e para o qual devem estar preparados.

Assista também:

Sueli Ghelen Frosi, da Escola de Pais do Brasil afirma que pais e mães sempre são educadores e que devem ser parceiros da escola, para a humanização dos filhos. Os filhos são educados pela linguagem, pelas emoções, pelo respeito e pelos exemplos. https://youtu.be/LJTBoRNPkBU?list=PLDwf2YrZZoEeucIGZqaoL85hi78NKncC2&t=99

Autora: Gladis Pedersen de Oliveira

Edição: Alexsandro Rosset

“Eu quero ver sorrisos”

Após dois anos, o projeto Sorriso Voluntário está de volta às atividades, com professores e estudantes da UPF levando alegria a pessoas em tratamento no HSVP

O silêncio tão habitual deu lugar a gargalhadas e brincadeiras. E quem passou pelos corredores do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) na manhã dessa sexta-feira, 10 de junho, foi recebido com um bom dia inusitado: um grupo vestido de palhaço invadiu o espaço onde predominam os jalecos brancos. O motivo para tanta euforia era especial. Após dois anos “guardados no armário”, os voluntários do Sorriso Voluntário, projeto de extensão da Universidade de Passo Fundo (UPF), estavam de volta.

A palhaça Crisbela é a responsável pelo projeto. Na verdade, por baixo da máscara e da peruca está a professora Dra. Cristiane Barelli, quem conduz, semanalmente, acadêmicos voluntários dos cursos de Medicina e Enfermagem e também de estudantes do Ensino Médio Integrado UPF, pelos corredores do hospital.

O Sorriso Voluntário existe desde 2014, mas nos últimos dois anos foi interrompido pela pandemia. Ficou “escondido dentro do armário com muita tristeza”, como diz a professora. “É um projeto sobre a alegria do cuidar e quando a gente não consegue estar em campo, perde a oportunidade de fazer o bem para o outro e para nós mesmos”, pontua.

Além de fazer o bem para o outro, na perspectiva da formação acadêmica, o projeto é uma grande aula prática. “É muito significante para o estudante passar por esse processo, porque detrás da brincadeira do palhaço, tem uma mensagem. Hoje a gente está levando a importância da higienização das mãos, com uma dança, uma coreografia, então o estudante acaba tendo que desenvolver estratégias lúdicas de se comunicar com o outro”, explica.

Expectativa pela estreia

Nesta retomada de atividades, o projeto visitará os pacientes em hemodiálise e os doadores de sangue no Serviço de Hemoterapia. Todos os voluntários são estreantes. Entre eles está a acadêmica de Medicina Júlia Catharina Henicka. Com seu violão e vestida como a palhaça Canarinha, Julia estava empolgada com a estreia. “Minha expectativa é poder levar um pouco de conforto e de alegria para as pessoas que estão em uma situação tão chata dentro do hospital, por vezes, dolorosa. Então, eu quero ver sorrisos”, conta.

Na opinião da estudante do quarto nível, o papel do Sorriso Voluntário é justamente tornar o processo de cura menos doloroso. “Ninguém gosta de ficar ligado a uma máquina por 4 horas no seu dia ou mais. Então, eu acho que a gente facilita um pouco esse processo, torna menos árduo”, pontua. Mas apesar de voluntário, atuar no projeto tem suas recompensas. Para Júlia, é aprender a se comunicar com os pacientes, habilidade tão importante para um futuro médico. “Acho que esse contato mais íntimo com o ser humano na sua forma mais frágil ajuda a gente a desenvolver essa empatia, essa sensibilidade que precisa ter para lidar com o outro”, completa.

Um dia mais leve

Concretizando a expectativa da Júlia, foram muitos os sorrisos que professora e estudantes encontraram pelo caminho. E não apenas de pacientes. Durante toda a ação, funcionários e visitantes também foram convidados a parar e aprender a coreografia que ensinava a maneira correta de higienizar as mãos.

Natural de Fontoura Xavier, o aposentado Selmo Brunhera foi uma das pessoas tocadas pelo Sorriso Voluntário. Paciente em hemodiálise, ele viaja três vezes por semana a Passo Fundo para realizar o procedimento e fica por mais de 3 horas e meia sentado enquanto o processo acontece. Durante a ação, ele conversou com as voluntárias, sorriu e aliviou um pouco o cansaço da viagem e do tratamento. “Esses momentos ajudam a tornar o dia mais leve”, fala.

E do ponto de vista médico, só existem benefícios. “São pacientes que passam 12 horas semanais aqui envolvidos no tratamento dialítico. Então esses projetos que visam melhorar a qualidade de vida deles, vêm a agregar muito, tornando a rotina deles mais leve, mais divertida, mais alegre. Atendemos quase 200 pacientes em hemodiálise que, muitas vezes, vêm de longe, então, ter essa assessoria não só médica, mas multiprofissional, é essencial”, frisa a médica responsável pelo serviço e também professora da UPF Dra. Fabiana Piovesan.

Fotos: Camila Guedes

Autor: UPF (Universidade de PassoFundo)

Edição: Alexsandro Rosset

O bélico e o lúdico – a primazia do sentimento sobre a razão

Opiniões nos impõem. Sentimentos nos expõem. Opiniões nos destacam. Sentimentos nos nivelam. Opiniões provocam divergência. Sentimentos, convergência.

Alguém, por favor, me ajude a entender a razão de sermos tão atrevidos em emitir opiniões, porém tímidos em externar emoções. Por que é mais fácil expor o que se pensa do que expressar o que se sente?

Preferimos nos esconder atrás de raciocínios aparentemente embasados e tomar nossas decisões depois de calcular os custos, os pros e os contras, relegando os sentimentos a um segundo plano. O que nos importa são os resultados! Queremos sair sempre no lucro, ou pelo menos, ilesos.

Nossas opiniões são armaduras com as quais blindamos o coração. Cada peça desta armadura se articula com as demais, garantindo-nos certa mobilidade. Mas se não forem frequentemente lubrificadas, tendem a se enferrujar, comprometendo nossa flexibilidade, e, consequentemente, nossa performance existencial.

Lubrificamos nossas opiniões com argumentos cada vez mais refinados. Sonhamos ser imbatíveis.

Opiniões nos impõem. Sentimentos nos expõem. Opiniões nos destacam. Sentimentos nos nivelam. Opiniões provocam divergência. Sentimentos, convergência.

Reveste-se de armadura quem sai à vida como quem vai ao campo de batalha para brigar. Despe-se dela quem é capaz de transformar este campo minado num playground onde se desce para brincar. Para tal, teremos que nos abdicar do cinismo que nos contagiou a alma, roubando-nos a esperança. Teremos que recobrar nossa ingenuidade essencial, voltando a apostar na vida.

Argumentos se calarão. Pontos de vista serão relativizados. Substituiremos o olhar bélico da vida por um olhar lúdico. Em vez de tanques de guerra, carrosséis. Em vez de bazucas, gangorras. Em vez de granadas e lança chamas, balanços e pipas. O peso da armadura será substituído pela insustentável leveza do ser. Deixaremos de nos sentir ameaçados, para nos permitir amar e ser amados.

Ninguém tomaria banho vestido numa pesada armadura, não é verdade?

Despir-se dela é expor a intimidade, revelando assim quão frágeis e vulneráveis somos. Quem decidir acolher nosso amor, não o fará por outra razão que não seja aquilo que somos, e não o que pretendemos parecer.

Sob a armadura, a alma se sente sufocada. Lágrimas são contidas. Sorrisos inibidos. Gestos calculados. Palavras sofrem a censura da razão que as considera impronunciáveis. O outro, a quem nossos sentimentos se devotam, é visto como um inferno em potencial. Tememos ser devorados por suas inclementes labaredas.

Nossa alma precisa de ar fresco.

Lágrimas desejam ser extravasadas. Sorrisos largos exibidos despudoradamente. Gestos espontâneos. Palavras livres e sinceras. E assim, somente assim, o outro será visto como a possibilidade do céu. Desejaremos ser consumidos pelas chamas do seu amor, das quais renasceremos todos os dias como uma exuberante fênix que abraça a vida com as asas da liberdade.

Autor: Hermes C. Fernandes

Edição: Alexsandro Rosset

Sentido da Docência

Vamos apresentar esta lógica como sendo inexorável dizendo ao aluno: “seja o melhor”, “tenha um diferencial competitivo no mundo globalizado”, “garanta o seu”? Ou vamos ter coragem de despertar os educandos para a indispensável mudança que deve ocorrer?

“Estudar para ser isto que você é?” Alguns alunos chegam a indagar: “Professor, eu vou estudar para ser isto que o senhor é?”. Tal declaração funda-se no valor econômico, que é o hegemônico na sociedade hoje.

O professor que baseava o interesse de suas aulas nesta motivação extrínseca de ser alguém na vida está tendo sua segurança abalada, porque cada vez mais os meninos vão percebendo pessoas que não estudam e se saem bem, e, por outro lado, um grande contingente de pessoas que estudam, porém estão desempregadas ou mal remuneradas.

Há uma progressiva queda do mito da ascensão social através da escola, que foi um grande baluarte desde o início da escola burguesa (final do século XVIII, início do XIX): “vá para a escola e seja alguém (no sentido econômico) na vida”. O problema, a nosso ver, não é tanto o aluno fazer tal indagação, mas o professor, diante dela, não saber o que o responder!

Quando o professor tem claro para si a função social de sua atividade, os motivos de sua opção e permanência no magistério, pode revelá-los aos alunos, ajudando-os a ressignificarem sua presença e trajetória na escola.

Considerando aquela provocação do aluno citada acima, os termos da resposta do professor poderiam ser mais ou menos como os que seguem.

Quando você diz ‘estudar para ser isto que eu sou’, deve estar influenciado pelos valores da sociedade de consumo, que colocam o valor econômico como o maior ou único valor, e referindo-se ao meu salário, não é?

Pois é bom distinguir: uma coisa é o que eu ganho (ou aquilo que muitos professores ganham, fruto de uma relação de expropriação a que vêm sendo submetidos, como estratégia de desmonte profissional), que pode não ser suficiente para adquirir os bens que você considera indispensáveis. Outra, muito diferente, é o meu valor: isto não pode ser comparado com o que eu ganho! Estamos juntos há pouco tempo e você ainda não teve oportunidade de me conhecer melhor. Eu estou aqui por opção e não por medo da vida lá fora, por incompetência.

Note bem: o que estou falando é importante porque também na sua vida, num certo momento de sua trajetória, você terá de fazer uma opção profissional, e qual será o seu critério? Escolher a profissão onde se ganha mais? Será esta a melhor opção? Se o meu projeto fosse simplesmente ganhar mais, eu tenho conhecimento e capacidade para conseguir isto sem ser na escola. Não que eu queira ganhar mal; não é isto, tanto é que estou lutando nas instâncias certas para reverter este quadro. O que quero dizer é que estou aqui inteiro, por opção. Eu sei porque estou aqui, e tenho algo muito importante para vocês, que dificilmente encontrarão em outro lugar. Em outro lugar vocês podem encontrar informações, todavia provavelmente não as encontrarão marcadas por sentido, desejo, projeto, perspectiva, criticidade, totalidade, historicidade, tal como eu e meus colegas nos propomos a trabalhar com vocês, a partir da nossa competência e do nosso compromisso.

Não quero impor projeto algum a vocês, mas ajudar cada um a construir o seu. Tenho convicção disto. A escola compra o meu tempo, mas não compra o melhor de mim. O melhor de mim eu dou a quem eu quero. E é isto que quero partilhar com vocês: a busca de um sentido digno para a existência, através do conhecimento, do desenvolvimento humano pleno e da alegria crítica!”

Que sentido tem a vida se não podemos imprimir na realidade nossos sonhos, nossos projetos?

Que sentido pode ter a vida quando há tanto sofrimento, tanta dor, tanta incompreensão, injustiça? (o problema da presença do Mal). Ora, será que um dos sentidos básicos não é justamente nos colocarmos nesta luta por um mundo melhor?

A opção de ser professor passa por uma concepção de vida, de sociedade! O sistema social é altamente excludente, não havendo condições para que todo ser humano tenha uma vida digna.

Já há muitos anos, Josué de Castro denunciava uma tendência cruel que vem se confirmando: passamos a ter dois tipos de pessoas na sociedade: os que não comem porque não têm o que comer, e os que não dormem, de medo dos que não comem! (cf. 2003: 130).

A questão nuclear não está nesta constatação, mas justamente na postura diante dela. Este é o divisor de águas. Vamos apresentar esta lógica como sendo inexorável dizendo ao aluno: “seja o melhor”, “tenha um diferencial competitivo no mundo globalizado”, “garanta o seu”? Ou vamos ter coragem de despertar os educandos para a indispensável mudança que deve ocorrer?

 Eticamente, um novo paradigma se impõe: não se trata mais de estudar simplesmente para poder garantir o seu lugarzinho no bonde da história. Trata-se, isto sim, de estudar a fim de ganhar competência, buscar naturalmente seu espaço, mas se comprometer também em mudar o rumo deste bonde, ou seja, ajudar a construir uma sociedade onde haja lugar para todos!

(Do Texto “Para Não Desistir da Docência)

Autor: Celso Vasconcellos, professor, escritor e palestrante

Conheça: http://www.celsovasconcellos.com.br/

Edição: Alexsandro Rosset

Campina das Missões: imigrantes russos no Rio Grande do Sul

“Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia” (Liev Tolstói,1828-1910)

Resumo: Este artigo resgata informações sobre a colônia de imigrantes russos formada em 1909 em Campina das Missões no Rio Grande do Sul. A vinda de europeus para o Brasil foi incentivada por uma política de imigrações a partir do século XIX e início do XX e apesar de haver ampla bibliografia historiográfica sobre os imigrantes alemães e italianos, o registro da vinda de russos não está nela refletida. Um único livro registra as memórias dos descendentes dos pioneiros em terras rio-grandenses.

Palavras chaves: Rio Grande do Sul; imigração; russos; Campina das Missões;

Introdução:

Ao estudarmos as imigrações que ocorreram para o Rio Grande do Sul a partir da política de imigrações do Império brasileiro no século XIX e mantida na República no século XX, encontramos uma série de teses, livros, artigos acadêmicos, temas de encontros anuais relacionados aos alemães e italianos. Esses, sem dúvida vieram em maior número, porém não foram os únicos que deixaram sua cultura viva e até hoje presente nas terras gaúchas. Os russos deixaram suas marcas, principalmente na região noroeste do estado e, seus descendentes através da memória, do folclore, da língua, da religião, alimentação, de alguns costumes e mesmo da cultura material em construções e objetos mantém uma conexão direta com as suas origens russas.

Nesse artigo fazemos um breve relato da relação entre Brasil e Rússia e, a partir do livro e entrevistas de Jacinto Anatólio Jabolotsky[1] e outros descendentes dos primeiros imigrantes, construímos uma narrativa da presença russa em Campina das Missões.

Os russos e o Brasil:  

O primeiro contato entre russos e brasileiros até agora reconhecido ocorreu em 1803. Os navios russos Nadejda e Neva faziam uma expedição de volta ao mundo, quando atracaram em alguns portos do Brasil. Langsdorff, um alemão naturalizado russo, era um dos vários cientistas que participavam da expedição, comandada por Ivan Fiodorovitch Kruzensternos.

Em 1813, após uma estada em Portugal, onde aprendeu a língua portuguesa, o então Barão Langsdorff mudou-se para o Rio de Janeiro, assumindo o Consulado Geral da Rússia no Brasil. Em 1816, comprou uma fazenda e passou a receber cientistas, naturalistas e artistas interessados em conhecer o país. Ele organizou diversas expedições, que além de explorar a flora e fauna, dedicaram-se a pesquisar a etnografia e os idiomas das tribos brasileiras. A grande expedição Langsdorff  a “Terra Brasilis” durou de 1818 a 1822, percorreu cerca de quinze mil quilômetros e foi custeada pelo czar Alexandre I da Rússia, que almejava estender os conhecimentos científicos assim como faziam as outras potências européias. O barão reuniu cerca de trinta e nove pessoas para esse grande evento e entre eles estavam os pintores Johann Moritz Rugendas e Aimé-Adrien Taunay que deixaram inúmeras obras ilustrando a natureza e o povo brasileiro. [2]

Em 1828, em carta oficial a D. Pedro I, a Rússia reconhecia oficialmente a Independência do Brasil e a partir dai iniciou-se um comércio entre os dois países. Nesse primeiro momento, o Brasil enviava açúcar, café, cacau e madeiras e recebia principalmente ligas de ferro.

Durante o século XIX o governo imperial brasileiro estimulou a vinda de europeus para o país. Uma política de imigração foi estabelecida e a historiografia associa a ela várias causas, sendo as principais: a necessidade de substituição da mão de obra escrava, conforme o processo de emancipação encaminhava-se ao fim; para ocupação de áreas consideradas “vazias”, fortalecendo áreas de fronteira; para criar uma classe média na estrutura social brasileira, capaz de desenvolver a policultura e abastecer cidades em expansão[3] e as grandes áreas de monocultura exportadora, como o Vale da Paraíba, produtor de café.

Além disso, na formação do “povo brasileiro”, em paralelo a construção do Estado Nacional, havia um grande debate sobre estimular a miscigenação ou o branqueamento do povo, que culminou com a escolha da segunda opção. Uma política/programa foi criada que contava com agentes no exterior responsáveis por fazer propaganda sobre o Brasil, recrutar e transportar europeus até as colônias que passaram a ser estabelecidas. 

Durante aquele século (XIX), os imigrantes chegaram ao Brasil, principalmente em função da promessa de posse de terras. A Europa passava por uma grande crise econômica, países em unificação, como a Alemanha e a Itália, países em conflito: como a Polônia, ora sob domínio da Prússia, ora sob domínio da Rússia, além do grande processo de industrialização, que automatizava processos e fazia crescer a mão de obra sem trabalho e também sem terra.

Ainda durante o Império, em 1876, D. Pedro II visitou a Rússia, em caráter não oficial, conta-nos o historiador Ângelo Segrillo (SEGRILLO, 2015, p.259). O imperador foi recebido pelo czar Alexandre II e também pela Academia de Ciências da Rússia. Entre as curiosidades a respeito do monarca brasileiro é notório seu interesse pelas ciências, era também poliglota e o russo era uma das línguas que conhecia.

Após a proclamação da República em 1889, “o governo brasileiro comprometeu-se a continuar a custear as despesas de viagem dos imigrantes desde o embarque nos portos europeus até o desembarque no Brasil” [4]. Houve momentos de imigração subsidiada e também momentos de imigração espontânea.

Segundo Fernando Lázaro de Barros Basto vieram mais de 300.000 russos para Brasil entre 1871 e 1968.[5] Em reportagem de 2017, na celebração dos cem anos da Revolução Russa de 1917, a BBC Brasil apontava um milhão e oitocentos mil descendentes russos no Brasil![6]  Já Segrillo indica que “calcula-se que cerca de 200 mil russos ou descendentes diretos de russos vivam no Brasil atualmente” (SEGRILLO, 2015, p.266).

Segrillo estabelece a imigração em quatro ondas: a primeira logo após a revolução de 1905, onde localizamos a vinda dos agricultores que estavam na Sibéria e que chegaram a Campina das Missões no Rio Grande do Sul, foco do artigo; a segunda, pós revolução de 1917, onde vieram os chamados russos brancos (contrários aos comunistas vermelhos), o autor aponta mais de 100.000 russos chegando especialmente em São Paulo; a terceira, que trouxe russos que estavam espalhados pelo mundo após a Segunda Guerra Mundial, incluindo o grupo que estava na China e que fugiu da Revolução Comunista Chinesa de 1949 e; a quarta após a desintegração da URSS em 1991, que escaparam da crise econômica na recém-criada Federação Russa (SEGRILLO, 2015,p.262-265).

As mudanças dos sistemas de governo, tanto no Brasil como na Rússia, interferiram no relacionamento de ambos os países durante suas histórias. Primeiro o Brasil virou uma república, enquanto a Rússia czarista ainda defendia sua monarquia. A partir de 1917, após a implantação do comunismo na Rússia, as relações estiveram rompidas. Na Segunda Guerra Mundial restabeleceu-se a conexão através de ambos os países no grupo de aliados contra a Alemanha nazista. Em 1947, o Brasil voltou a romper com o governo russo, na chamada Guerra Fria e houve perseguição aos comunistas no Brasil. Quando João Goulart assumiu em 1961, as relações são retomadas e não mais rompidas. Segrillo aponta que mesmo durante a ditadura militar houve uma ampliação nas relações comerciais.

Vários presidentes brasileiros visitaram a Rússia desde então: José Sarney, Fernando Henrique Cardoso, Lula (quatro vezes), enquanto o presidente russo Putin retribuiu a visita de FHC em 2004 e Medvedev esteve no Brasil em 2008 e 2010.

Em 1997, Fernando Henrique Cardoso e Boris Yeltsin criaram a Comissão Brasileira-Russa de Alto Nível de Cooperação (CAN), presidida pelo vice-presidente brasileiro e o primeiro ministro russo. A partir dela, vários acordos foram firmados, projetos implantados em conjunto e, principalmente, o comércio entre os dois países deu um salto de bilhões de dólares. (SEGRILLO, 2015, p.260).

Um marco na área cultural foi à abertura de uma filial do Balé Bolshoi em Joinville, Santa Catarina em 2000. Um projeto de inclusão social, onde praticamente todos os alunos estudam de graça, em um turno inverso à escola. (SEGRILLO, 2015, p. 262).

Imigrantes russos no Rio Grande do Sul: Campina das Missões

No Rio Grande do Sul, os primeiros russos chegaram em 1909. Eram famílias de colonos que estavam na Sibéria em busca de terras para cultivar, oriundos de várias regiões da Rússia, sendo que alguns também fugiam de conflitos a partir da Revolução de 1905.[7] Segundo o IBGE, quase 20.000 russos entraram no Estado até 1912. Assim como a maioria dos imigrantes que chegaram ao Brasil, eles vinham atrás da “terra prometida”, abundante e com solo fértil. Não encontraram mais o gelo, como na Sibéria, mas densa vegetação, coberta por cobras, escorpiões e aranhas e outros diferentes animais. Além disso, passaram a conviver com os charruas, o que causou estranhamento inicialmente, mas aparentemente de forma pacífica.[8]

Os imigrantes localizaram-se inicialmente na Região de Santo Ângelo, Santa Rosa e Campina das Missões, que era parte do município de Santa Rosa até 1963. A viagem durava cerca de três meses em navio. Em 1909, eles desembarcaram ou no porto em Santos ou no Rio de Janeiro, de lá seguiram de trem até Cruz Alta, estação mais próxima a Campina das Missões, depois seguiram de carroça até a colônia. [9]

Jacinto Zabolotsky, advogado e político de Campina das Missões, publicou o livro “A imigração russa no Rio Grande do Sul” em 1998. Esse é o único livro até o momento, que trata do tema, já foi reeditado quatro vezes e encontra-se esgotado, sendo que em 2009 a edição foi escrita também em russo, no centenário da imigração ao estado. A data comemorativa da imigração é dia nove de outubro e o governo do estado do Rio Grande do Sul estabeleceu essa data como o Dia da Etnia Russa no Estado.[10]

Na narrativa desse autor podemos identificar as dificuldades dos recém chegados para preparar a terra. Desmatar a densa área coberta por pés de cedro, louro, angico e canela pareceu um trabalho demasiado pesado para alguns. Os que tinham melhores condições financeiras voltaram à Rússia, ou seguiram até a Argentina. Entre os que ficaram, trabalhando sobre o calor intenso e o ataque de mosquitos, logo após a primeira colheita, enfrentaram mais um problema. O trigo que haviam guardado em rolos apodreceu com um ataque de carunchos e formigas. Eles passaram muito trabalho até se adaptarem.

Uma das características que distinguia as famílias russas dos outros imigrantes no Rio Grande do Sul era que as mulheres também faziam os serviços do campo, participando tanto da semeadura como da colheita, não se restringiam ao serviço de casa. Uma das descendentes da família Orizenko[11] conta que sua mãe explicava que as mulheres russas eram tão mandonas e voluntariosas pelo fato de terem que cuidar da casa e da lavoura, enquanto os homens estavam na guerra.

As mulheres são homenageadas em um dos artesanatos mais tradicionais da Rússia, as matrioshkas. “Essas bonecas representam a fertilidade da mulher do campo e também a permanência da cultura ao longo das diferentes gerações” conta Zabolotsky.

Os primeiros imigrantes pertenciam a Igreja Católica Ortodoxa Russa e uma das primeiras construções que ergueram foi o prédio da igreja. Ela está localizada na Linha Paca em Campina das Missões, a cerca de cinco quilômetros de onde hoje está o centro da cidade e foi fundada em 1912. Esta é a primeira Igreja Ortodoxa Russa do Brasil[12]. O patrono da igreja é o apóstolo São João Evangelista, que dá o nome a mesma.

Alguns costumes ainda são seguidos nos ritos da Igreja: o padre reza de costas para o público, que se divide em mulheres de um lado e homens de outro; a liturgia é em russo e as mulheres seguem usando lenços cobrindo os cabelos para não serem vistos pelos homens. Em frente à Igreja há um cemitério das famílias ortodoxas, onde a tumba mais antiga é de 1913, mais de 500 imigrantes estão enterrados lá. No local também se pode encontrar uma cruz ortodoxa de madeira, resistindo ao tempo desde a década de 1920. A cruz ortodoxa possui duas travessas horizontais e uma travessa na diagonal, próxima a base, as travessas horizontais lembram as da cruz missioneira.

Campina das Missões é o local de maior concentração dos descendentes de russo no estado do Rio Grande do Sul. Logo após os russos, chegaram imigrantes alemães ao local.

Atualmente, vinte por cento da população da cidade são descendentes de russos. Zabolotsky é um dos que tentam manter as tradições e costumes da Rússia. Ele comenta que os jovens já estão perdendo o idioma, mas a religião ainda é um ponto forte de conexão. O alfabeto cirílico que era ensinado nas escolas nas primeiras décadas da colonização é praticamente desconhecido dos campinenses hoje em dia.

Na casa de Zabolotsky, a televisão fica ligada em canais russos e a cozinha, apesar da mulher ser descendente de alemães, mantém pratos da culinária russa, tais como o blini, massa recheada similar a panqueca e o kotlete, um bolinho de carne. Ele também coleciona o samovar, utensílio tradicional utilizado para aquecer água e servir chá. Outra forma de manter as tradições se dá através do grupo de dança Troyka. Fundado em 1992, apresenta danças folclóricas com indumentária especialmente desenhada para reproduzir os trajes típicos russos, complementada por adereços e bijuterias importadas. O grupo já exibiu suas raízes por todas as regiões do país, além da Argentina e Paraguai.

A vodka, tradicional bebida da Rússia, também chegou a Campina das Missões. Os avôs de Marta Zabolotsky trouxeram um alambique de cobre, adquirido em 1894, junto na viagem ao Brasil. Marta herdou o alambique e fabricou a bebida até 2002. Na Rússia utilizavam beterraba ou batata para produzi-la, aqui os avôs substituíram esses insumos por cana de açúcar. (Castro, 2009).

Com pouco mais de 6000 habitantes, Campina das Missões tem um monumento na praça principal dedicada a São Vladimir, que batizou a Rússia. Ao lado de São Vladimir está o busto de Alexandre Zabezuk, mártir dos imigrantes. Zabezuk era um professor que foi arrancado da sala de aula e torturado até a morte pela polícia do governador Borges de Medeiros, em 1924, acusado de ser comunista.

Outros dois momentos de tensão que ocorreram na comunidade foram referentes à Segunda Guerra Mundial e a ditadura civil militar de 1964. Até a segunda guerra, colonos alemães e russos conviviam bem na região. Uma das descendentes lembra-se da chegada de novos moradores que começaram a difundir uma ideologia “macabra” na cidade, era o nazismo. Casamentos que eram comuns entre os imigrantes começaram a rarear, conta Ana Heleno Lins(LUCCHESE,2018,p.21).

Um padre alemão, que gostava de Hitler, passou a divulgar suas ideias. Ana é a outra pessoa, ainda viva, descendente dos primeiros imigrantes. Mesmo com a segregação e o purismo das raças pregado na época, Ana casou-se com um alemão, assim como Zabolotsky casou-se com uma alemã.

Quanto ao período do golpe militar de 1964, lembrado por Nina Orizenko, foi um momento de perseguição aos comunistas. Ela recorda dos parentes enterrando relíquias deixadas por pais e avós, assim como interrompendo a comunicação por cartas com a então União Soviética. Eles tentavam esconder qualquer ligação que pudesse ser interpretada como conexão com os comunistas. 

O pórtico da cidade tem a escultura de uma família de imigrantes. “A mulher carrega um feixe de trigo, a filha traz uma porção de girassóis, símbolo da pátria que deixaram, e o homem fita o horizonte com uma enxada nos ombros” (LUCCHESE, 2018,p.18), símbolo dos primeiros colonos, os pioneiros.

A título de conclusão

Campina das Missões durante os últimos meses tem sido o foco das atenções, justamente por ser o berço dos imigrantes russos no Brasil e por manter costumes e tradições do povo e da cultura russa.

Ao pesquisar sobre a imigração russa ao Brasil e, em especial ao Rio Grande do Sul, nota-se que há uma grande oportunidade de se estudar e aprofundar mais sobre esse tema, a bibliografia aponta uma produção acadêmica escassa, praticamente inexistente.

Assim como várias etnias indígenas, suas culturas e memórias ficaram invisíveis nos livros e artigos de história e só recentemente vem sendo resgatadas, há espaço para novos estudos nas imigrações e em especial a imigração russa, pois ela tem representatividade nos descendentes dos pioneiros que aqui chegaram e que, apesar de abraçar a nova terra, seguem com laços na cultura de seus ancestrais.

Lembrando Hanna Arendt[13]: “não devemos relegar a herança de nossos antepassados ao jovem, devemos mantê-la e deixar que eles a utilizem com suas novas ideias de forma a transformar o mundo”. As “pérolas do passado”, fragmentos do mundo precisam ser preservados e através da educação temos como manter o legado cultural vivo.

Leia também entrevista, de 2018, com casal de brasileiros que vive, no cotidiano de suas vidas, a história, a cultura e a religiosidade no Brasil, mas com um pezinho na Rússia:  o advogado Jacinto Anatólio Zabolotsky e a professora Ilse Ana Perius Zabolotsky. Leia mais: https://www.neipies.com/uma-russia-num-quintal-do-brasil/

Sobre o texto:

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

LET02080 – Cultura Russa

Professora: Tanira Castro

Semestre: 2018/1 – Turma U

Autora/Aluna: Rosângela Corrêa Alves

FOTOS: Capa da matéria-cidade Campina das Missões/Cemitério Comunidade Russa/Igreja Ortodoxa Campina das Missões/Portico Imigrantes Russos: Luis Frey / Agencia RBS

[1] ZABOLOTSKY, Jacinto Anatólio. A imigração russa no Rio Grande do Sul: “os longos caminhos da esperança”, 1998.

[2] Resumo das informações de CÂNDIDO, Luciana de Fátima. Expedição Langsdorff: a [re] construção do conhecimento através dos relatos de viagens. Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. Luciana Cândido é graduada em Letras (português/alemão) pela USP. Acesso ao site em 08/06/2018 as 14:20 hs: https://www.bbm.usp.br/node/80 . Informações sobre esse primeiro contato também podem ser encontradas em SEGRILLO, Ângelo. Os russos. São Paulo: Contexto, 2015.

[3] Oberacker Jr APUD CUNHA, Jorge Luiz da. Imigração e colonização alemã in República Velha 1889-1930. Tomo 1. Passo Fundo: Méritos Editora, 2007. p.279-300

[4] WENCZENOVICZ, Thaís Janaína. A Imigração Polonesa in República Velha 1889-1930. Tomo 1. Passo Fundo: Méritos Editora, 2007.

[5] Russians brazilian. Wikipédia. Referência ao livro: Síntese da história da imigração no Brasil (1970) de Fernando Bastos citado no site acessado em 25/05/2018 às 16:30 hs: https://en.wikipedia.org/wiki/Russian_Brazilians.  

[6] BERNARDO, André. Os russos que vieram para o Brasil fugindo da revolução comunista de 1917, reportagem da BBC Brasil de 07 de novembro de 2017. Esse dado apresenta muito contraste com outros e o autor não comenta as fontes utilizadas para chegar a este número tão expressivo de descendentes. Necessita maior validação, mas está publicado na BBC Brasil. Já Ângelo Segrillo, que é historiador e professor na USP, aponta 200 mil russos no Brasil, mas também não indica a fonte desse dado.

[7] LUCCHESE, Alexandre. Os russos do Rio Grande, reportagem de Zero Hora, sábado e domingo, 12 e 13 de maio de 2018.

[8] Nota da autora: Carece de maiores estudos sobre esse contato.

[9] DORNELES, Felipe. Reportagem do Correio do Povo de 20/07/2009 com informações de Zabolotsky.

[10] DORNELES no Correio do Povo de 20/07/2009.

[11] LUCCHESE, depoimentos de Nina Orizenko e Maria Orizenko, 2018, p. 19.

[12] Esse é uma das poucas referências que Segrillo também faz a imigração no Rio Grande do Sul(p.265). Quando indica as regiões do Brasil que receberam russos nesse primeiro período, logo após a revolução Russa de 1905, ele restringe-se a indicar Paraná, Goiás e Mato Grosso

[13] ARENDT, Hannah. A Crise na Educação in ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2011.

Edição: Alexsandro Rosset

A criança que sente fome não consegue aprender

Muitas vezes, as crianças precisam daquela comida que a escola lhes oferece. Os estudos ficam em segundo plano. A fome não nos deixa pensar em outra coisa senão em comida.

O Brasil tem 33 milhões de pessoas no mapa da fome no dia de hoje e só crescem os números. Dessas pessoas, milhões são crianças que não têm o que comer ou comem mal. Muitas delas vêem na escola uma forma de receber alimento e é lá onde conseguem encher a barriga para sobreviverem.

Mas, sei que apenas uma refeição para cada criança na escola ainda é pouco, pois no início da aula ela não conseguirá absorver quase nada com a sua barriga vazia, e só depois de se alimentar se sentirá pronta para o ensino-aprendizagem, no entanto quando chega a hora de ir para casa creio que deveria ser servida outra alimentação para que esta criança pudesse chegar em casa alimentada e com disposição para fazer as suas tarefas de casa, brincar e se divertir como faz toda criança e é direito seu.

Eu já senti fome. E sei do que falo. Na minha infância senti vontade de comer e não tinha nada em casa. Nada mesmo. Quando falo de fome não é teoria, mas a experiência de quem teve que ir às ruas à procura de comida como qualquer criança pobre brasileira. E foi uma experiência tão marcante e dolorosa que hoje tenho medo de ficar sem comida na minha geladeira.

A dor da fome vai matando aos poucos.

A barriga vazia, a dor de cabeça e a fraqueza no corpo. Senti fome não porque moro no Nordeste e devido a falta de água. Senti fome porque tive um pai irresponsável que largou quatro filhos com uma mulher doente e que não podia mais trabalhar para dar de comida às suas crianças. Se procurarmos famílias assim pelo nosso país encontraremos aos montes.

Há crianças com mães solos, crianças com pais alcóolicas, crianças que vivem sozinhas pelas ruas e nunca experimentaram um bolo de chocolate ou um sanduíche. Catam comida nas latas de lixo dos restaurantes e das padarias. Pedem comida às pessoas de casa em casa. E o que é pior trabalham para comprarem um pão para comerem ou pregam os rostos nas vitrines das docerias para sentirem o cheiro que vem lá de dentro como se esse cheiro pudesse matar as suas fomes.

Quando senti fome tive que trabalhar como faz a maioria das crianças brasileiras. Não larguei a escola porque lá eu tinha a merenda garantida. Vi a minha mãe chorar ao colocar os pratos na mesa com uma sopa feita de água e cheiro verde pra gente comer num fogão à lenha porque sequer o carvão ela podia comprar.

A fome é o pior mal que pode acontecer a uma criança. Ela não sabe dizer o que sente, ela não quer brincar, ela se sente fraca e sem forças para andar pelas ruas. As suas costelas vão aparecendo aos poucos, começa a desnutrir-se e acaba morrendo de fome. É triste ver alguém morrer de fome, porém é o que estamos vendo acontecer no nosso país todos os dias.

Os ricos cada vez mais ricos, o ódio aumenta cada vez mais, as desigualdades sociais, o medo, a inocência, a estupidez e a opressão aos negros tudo isso tem desencadeado um processo de transformação na cultura e qualidade de vida dos brasileiros que moram em periferias. O desemprego, a criminalidade, a violência, a ignorância têm levado às pessoas para o fundo do poço, para procurarem ossos nos carros de lixo ou nas caçambas de ferro onde alguns açougues costumam jogar os seus restos.

Parece que não estamos mais preocupados com a vida dos nossos irmãos pobres. Pensamos somente em nós. Talvez por estarmos vivendo uma situação parecida com a inflação cada vez maior e o aumento dos preços da cesta básica todos os dias, o corte de alguns alimentos que antes tínhamos nas nossas mesas e agora não podemos mais comprar. Os alimentos mais básicos têm aumentado bastante nos últimos tempos.

Eu me lembro bem que até seis meses passados comprava um pão por dez centavos, hoje um pão na minha cidade custa cinquenta centavos. O preço do tomate, da cenoura, do feijão e da carne subiram muito nos últimos tempos. E quando podemos comprar algum desses alimentos nos falta o dinheiro do gás de cozinha.

A criança que sente fome não dorme direito, tem pesadelos, faz xixi na cama e não consegue aprender como deveria.

Ela tem os olhos fundos e a cabeça é desproporcional ao seu corpo. Tem delas que com três ou quatro anos de idade nunca viu um prato de feijão, não sabe o que é um pedaço de bife de carne. É doloroso. É revoltante. Isso não deveria ser mais permitido acontecer.

Eu sofri na minha infância com a fome. Eu chorei com a fome. Devia existir uma lei internacional para que nenhuma criança sentisse fome em nenhum lugar do mundo porque é muito sofrimento. Como não sabemos direito ainda o que é a morte a gente fica esperando que caia do céu algo para comermos. Que apareça alguém que nos dê uma fruta ou um pedaço de pão para nos alimentarmos. A gente não deseja nada porque não temos forças para desejar. Ficamos quietos ali sentados no chão à espera de que algo nos aconteça sem saber o que exatamente.

Nove crianças morrem a cada minuto devido à falta de nutrientes essenciais em suas dietas.

O cenário continuará o mesmo a menos que a ajuda alimentar chegue a quem precisa. Quando crianças sofrem de desnutrição grave, seus sistemas imunológicos ficam tão debilitados que se amplia imensamente o risco de morte. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a desnutrição é a maior ameaça ao sistema de saúde público mundial, com 178 milhões de crianças desnutridas no mundo.

Morrem milhões de crianças desnutridas no mundo e essa desnutrição ocorre por falta de alimentos básicos ao pequeno corpo. Na minha casa a gente tinha uma geladeira com garrafas de água dentro, mas quando a mamãe não pôde mais pagar a conta de luz a gente ficou somente com a geladeira para olharmos para dentro dela na esperança de que um dia ela estaria cheia de novo.

Sempre fui defensora de três merendas escolares.

Uma na entrada outra na metade da aula e uma última no fim da aula porque sei que tem criança que vai à escola somente comer. Ela precisa daquela comida que a escola oferece. Os estudos ficam em segundo plano. A fome não nos deixa pensar em outra coisa senão em comida. Eu mantinha meus olhos fechados quando sentia o cheiro da comida que vinha da casa da vizinha e se senti alegria um dia nesta vida foi quando mamãe ganhou um caldeirão de feijão preto para que comêssemos no almoço. Os meus irmãos neste dia pegaram caranguejos no mangue que tem perto da minha casa até hoje e venderam alguns na feira. Com o dinheiro mamãe comprou feijão e arroz e podemos depois de dez meses ter uma refeição sadia.

A minha história com a fome foi de lutas e de vontade de que o tempo da infância passasse rapidamente para eu poder crescer e ajudar a minha mãe e os meus irmãos financeiramente. Com onze anos comecei a trabalhar vendendo vestidos de bonecas para as minhas amigas. O que ganhava trazia para casa. Era pouco, mas já dava para ajudar a comprar o pão. Uma vizinha amiga e pessoa de bom coração nos cedeu água potável para tomarmos banho, fazer a comida e bebermos.

Eu tinha um cajueiro no quintal da minha casa que era quem matava a minha fome. Eu chupava os seus cajus, mamãe fazia sopa de caju para a gente e comíamos ele cozido. Era uma delícia as várias receitas que mamãe inventava. Foi o meu cajueiro que matou a minha fome na infância. A gente também criava bichinhos que foram todos sendo mortos para que pudéssemos comer. Quando acabou tudo e já não tínhamos mais nada para comermos começamos a chorar de fome e deixamos mamãe desesperada.

A miséria caminha lado a lado com a fome no Brasil.

Uma em cada três crianças está com anemia no Brasil neste momento. Muitas mães para salvarem os seus filhos da fome infelizmente as deixam sob a guarda de outras pessoas, dos companheiros dos quais estão separados faz algum tempo, dos avós ou dos familiares que possam dar um prato de comida para eles. Algumas crianças são largadas nas ruas e sobrevivem sob os cuidados de outras pessoas em situação de rua que têm amor por elas e não as deixam sentirem tanta fome.

Em 2014 o Brasil era apontado pelas Nações Unidas como um país exemplar para os demais e ficamos fora do mapa da fome.  O tempo passou, as coisas mudaram e hoje os governantes não conseguem mudar o cenário político-econômico-financeiro que se estabeleceu no país. A inflação está alta, os empregos formais deixaram de existir, o preço da cesta básica cresceu assustadoramente e o salário-mínimo não acompanha as necessidades básicas da vida de um pai de família.

Mesmo com os auxílios oferecidos pelo governo federal, depois da pandemia do Coronavírus, ainda assim a fome só tem aumentado no nosso país. O problema está cada vez mais complicado.

É triste ver uma mãe entregar os seus filhos a desconhecidos para que eles não morram de fome.

O mais triste é vermos crianças desesperadas, com as mãos para cima ou estendidas pedindo um pedaço de pão ou um prato de feijão nas grandes cidades brasileiras. Tivemos uma redução de crianças que mendigavam de porta em porta em anos anteriores, mas já é possível vê-las novamente pedindo comida e carregando sacos nas costas pelas ruas das cidades onde as pessoas ainda abrem as portas das suas casas para atenderem um chamado ou um bater de palmas.

Não estou criticando aqui ninguém, mas alguém é responsável por toda essa fome e desigualdade social que vem ocorrendo no Brasil. Alguém que pode fazer alguma coisa por essas crianças e pelas famílias pobres moradoras de periferias deve descer do palanque das eleições e salvá-las antes que a fome as mate covardemente. É preciso logo que façamos alguma coisa ou teremos uma nova pandemia no país dessa vez de fome generalizada porque até as pessoas de classe média estão cortando os seus orçamentos imagine as que vivem de empregos informais e mal ganham para se alimentarem.

Atualmente, a cesta básica consome 65% do salário-mínimo, conforme o Dieese. Porém, 18,8 milhões de crianças com menos de 14 anos vivem em lares com renda per capita inferior a meio salário-mínimo, mostra a PNAD de 2019, e isso tem crescido muito nos últimos 03 anos. São dados que podem ser considerados desatualizados, é só para termos uma ideia da gravidade do problema.

Como se diz a frase “quem tem fome tem pressa”.

Não deixemos para dar um pão a uma criança amanhã se podemos ajudá-la a matar a sua fome hoje. Amanhã talvez seja tarde demais. Não deixemos de ajudar as crianças do nosso país preocupadas com crianças de outros continentes mais pobres, porque a fome é uma só. Ajudemos a quem pudermos. Do jeito que pudermos. A fome mata. A fome é uma coisa triste.

Creio que o poema de Manuel Bandeira nunca foi tão necessário à nossa leitura o quanto os dias de hoje onde ele nos diz

“Vi ontem um bicho / Na imundície do pátio / Catando comida entre os detritos. / Quando achava alguma coisa, / Não examinava nem cheirava: / Engolia com voracidade. / O bicho não era um cão, / Não era um gato, / Não era um rato. / O bicho, meu Deus, era um homem.”

E para que não vejamos mais nenhum homem catando comida em latas de lixo ou caçambas de caminhões à procura de ossos façamos a nossa parte doando um pouco do que temos para quem sente fome. Porque o homem com fome pode se transformar num bicho selvagem à procura de comida e atacar outro bicho homem atrás de comida.

Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alexsandro Rosset

A fome

A fome não está só nos que morreram/ e nem apenas nos que não comeram/A Fome também está nos que foram enganados:/ nos que pensam que sobreviveram.

A Fome é um menino magro

de barriga inchada.

Tem pernas finas como dois gravetos

insistentes e tímidos

que teimam sustentar a carne

Viajada, a Fome Faminta,

mora por toda a parte

mas passa férias no Biafra.

E é de lá que envia postais

sem nenhuma arte

para a National Geographic.

A Fome

é uma senhora gorda

e cheia de plásticas.

Tem os braços enroscados

em argolas caras

e um pescoço duro

de colares de diamantes raros.

Ávida e sempre azeda,

traída por flatulências,

esta Senhora coleciona todos os tipos de bolsas

mas prefere as de valores.

A Fome é linda

quando aparece no Cinema

e essa beleza mata

(enquanto ganha um Oscar)

Com os olhos inflados de glórias

e distribuindo autógrafos

ela, a Fome, escreve suas memórias.

A Fome é farta

nas longas mesas de banquetes

onde se pede que a precedam,

em doses miúdas e bem educadas,

por aperitivos e canapés.

Ela, a Fome Cerimonial,

está em cada um dos cem convidados

e em cada um dos milhares de garfos

eternamente ausentes

de todos os deserdados

A Fome cutuca os ricos

duas ou três vezes por dia

mas no Pobre gruda

como um carrapato

Paradoxal, a fome também está

em uma estranha epidemia americana:

a Gordura

Ela grita de obesidade

pelos poros dos que dominaram o mundo

A Fome está no açúcar que foi queimado

e naquele que já não foi.

Viscosa, ela escorre pelo ralo

para atender ao Mercado.

Lá vai ela, sorrateira,

entre caixas de tomates não comidos,

sob a triste forma de leite derramado

Traiçoeira, a Fome é vingativa.

Está nas prostitutas que venderam seus corpos

para terem o que comer;

mas é Ela, somente Ela

a Grande Prostituta

anunciada pelos profetas que morreram

em longas greves de fomes

A Fome é indecente,

mas se veste bem.

Como o Diabo, veste Prada

e como um duende se esconde

no caroço de uma empada.

A Fome é alta costura:

perfeita para poucos,

mas pesando sobre muitos outros,

ela rebola de bunda murcha

e finge estar na moda.

Lá vai ela, a Fome

rolando pelas estradas

espiando pelas viseiras

seletiva nos seus destinos

Ela vive, quando se diz

que há muito já se acabou

(e até sorri com isto)

A Fome, covarde e cínica,

esconde-se nas estatísticas

manipuladas

e arranha teus rins e tuas entranhas

através de complicados cálculos

matemáticos.

A Fome está (ou estava)

nas oito pessoas que dela morreram

quando tu lias este poema

Não há como escapar da Fome:

ela está na miséria e na opulência

Escapa-se, sim, através da Morte

quando ela se torna mais um número

no Ministério do Planejamento

Mas a fome não está só nos que morreram

e nem apenas nos que não comeram

A Fome também está nos que foram enganados:

nos que pensam que sobreviveram.

Assista esta poesia em vídeo: https://youtu.be/H0kTNoSxARA?t=95

NOTA: Pesquisa divulgada nesta quarta-feira (8/6/2022) revela que 33 milhões de pessoas estão passando fome no Brasil. Em pouco mais de um ano, foram 14 milhões de brasileiros que entraram para o mapa da fome. O levantamento, realizado pelo instituto Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), mostra, ainda, que 58,7% da população vivem com insegurança alimentar. A situação atual é equivalente ao patamar da década de 1990. Leia mais: https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/brasil/2022/06/33-milhoes-de-pessoas-passam-fome-no-brasil-aponta-pesquisa.html

FONTE: file:///C:/Users/VAIO/Downloads/POESIA%20FOME.pdf

Autor: José D’Assunção Barros, professor e poeta

Edição: Alexsandro Rosset

Em tramas e claro

Um poema aos enamorados!

Para mim, do sol és lenha

e desfibras minha alma como ao linho.

Entre mim e ti, tear tecendo,

teia natural como um sorriso,

luz no abrir de bocas.

No varal, toalha de auroras, o amor se quara.

Ao ir-se a tarde,

a ternura trama pães pra ceia.

Sente-se e fique.

Um pátio à porta,

de azul luminescente.

Em luz e linho, o amor,

quarando-se na tarde

desfia e tece

outro sol nascente.

Autor: Pablo Morenno

Edição: Alexsandro Rosset

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