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Educação e democracia ou a barbárie?

“… desbarbarizar tornou-se a questão mais urgente da educação hoje em dia” (Adorno, 1971/2003).

No contexto atual, precisamos redobrar nossos compromissos com os elementos da educação que mantêm a vitalidade da democracia.

A democracia precisa da educação e a educação precisa da democracia, pois ambas possuem uma grande capacidade libertadora, humanizadora e racional.

Já a educação baseada, fundamentalmente, na lógica dos mercados cria uma estupidez gananciosa que põe em risco a própria existência da democracia e, certamente, impede a criação de uma cultura de cidadania.

Pensar a educação para uma cidadania democrática implica pensar sobre as nações democráticas, pelo que lutam, qual projeto de desenvolvimento se comprometem.

Defensores de antigos modelos desenvolvimentistas geralmente afirmam que a adoção do desenvolvimento econômico trará, por si só, mais saúde, mais educação, redução da desigualdade social e econômica. Na verdade, uma análise profunda revela que esse modelo não entrega o que promete.

Vários pensadores contemporâneos, como Martha Nussbaum (Universidade Chicago), advertem que estamos em meio a uma crise de enormes proporções e de grave significado global: “a crise mundial da educação”.

Edgar Morin, referenda que “não é unicamente uma crise econômica, aquela que começou em 2008, mas é uma crise de civilização, das relações humanas. É uma crise de mentalidades, uma crise da humanidade”.

E o papel da educação, segundo Morin, é de ajudar os estudantes a enfrentar problemas da vida, especialmente nestes momentos de crise.

Ainda neste contexto de crise, o professor António Nóvoa (Universidade de Lisboa) adverte que o “mercado global da educação” quer tirar o máximo de proveito da crise atual. Este mercado da educação ancora-se na lógica do “solucionismo tecnológico” e do “consumismo pedagógico”.

Esta indústria aposta no digital, com ofertas privadas, com produção de conteúdos, materiais e instrumentos de gestão para a educação pública e privada. Empresas educacionais mercantis pressionam, inclusive, para professores tornarem-se investidores no mercado de ações dos próprios grupos que trabalham enquanto educadores.

A barbárie é contagiosa

Este contexto de crises, associada à produção da ignorância e de diversos negacionismos, pavimenta o caminho para a barbárie.

E, evitar a barbárie ou mesmo desbarbarizar, tornou-se a questão mais urgente da educação hoje em dia, afirmava o filósofo Theodor W. Adorno, na obra A educação contra a barbárie, já em 1968.

E ele entendia a barbárie como “algo muito simples, ou seja, estando a civilização no mais alto desenvolvimento tecnológico, as pessoas se encontram atrasadas de um modo particularmente disforme em relação a sua própria civilização – e não apenas por não terem em sua arrasadora maioria experimentado a formação nos termos correspondentes ao conceito de civilização, mas também por se encontrarem tomadas por […] um impulso de destruição, que contribui para aumentar ainda mais o perigo de que toda esta civilização venha a explodir […]”.

Bernard Charlot, professor emérito da Universidade Paris-8 e atualmente professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS), pertencente à “geração de 1968”, pois participou daquele movimento estudantil, lançou recentemente um livro questionador: Educação ou barbárie? Uma escolha para a sociedade contemporânea.

Já nas primeiras páginas enfatiza que se realmente queremos transformar a escola, não será com algumas ilhas de sobrevivência e algumas pessoas admiráveis, mas com os professores “normais”, presos nas múltiplas contradições da sociedade contemporânea.

Critica a falta de importantes debates sobre a educação nesta sociedade contemporânea e o deslocamento das discussões sobre temas secundários, como: o desempenho em ranking internacionais (Pisa), a neuroeducação, o transhumanismo, as técnicas digitais de comunicação e de cibercultura, implementação de chip no cérebro que permitirá ao pós-humano escapar do processo de aprendizagem, entre outros.

O educador francês alerta que, enquanto os discursos que dominam o cenário da educação estão focados na eficácia e no desempenho, outros, mais ou menos fanáticos, inspirados por convicções religiosas, nacionalistas, racistas, procuram impor uma hierarquia do ser humano – a parir de critérios tradicionais de dominação, ou como uma contra hierarquia produzida por aqueles que foram vítimas de discriminação.

Para o professor, sejam presidentes de países ricos, sejam doutrinadores de países pobres, esses novos bárbaros, senhores da definição de quem merece viver, tem um profundo ódio para com a educação.

E adverte: a barbárie é contagiosa.

A fraqueza da moral

Nesta obra, Bernard Charlot, propõe a ideia de que devemos reintroduzir a questão do homem (do ser humano) no debate na educação e propõe uma antropopedagogia contemporânea.

Com base em pesquisas, de forma crítica, defende a ideia de que o “próprio do homem” não é uma especificidade individual, mas a própria existência de um mundo humano, só é possível pelo acúmulo, de geração em geração, que, por sua vez, permite a educação.

Nesta perspectiva do ser humano, em recente entrevista, o filósofo Luc Ferry, ao ser questionado sobre sua afirmação de que o “ódio é talvez maior do que o amor no ser humano” e de que o “século 20 foi genocídio atrás de genocídio”, esclareceu que não acredita na existência do diabo, mas, sim, na existência do diabólico ou demoníaco.

“Sempre me impressionei com a fraqueza da moral baseada na convicção de que o homem é bom por natureza. Os animais ferem uns aos outros, mas não tomam o mal como um projeto. Entre os humanos, pelo contrário, o mal radical ligado ao ódio não consiste em “fazer o mal”, mas em tomar o mal como um projeto – o que é bem diferente”, pontuou.

O filósofo francês cita, como exemplo, que o mundo animal parece ignorar amplamente a tortura.

Por outro lado, há um museu em Ghent, na Bélgica, que nos deixa pensativos: o museu, justamente, da tortura.

Lá você pode contemplar os surpreendentes produtos da imaginação humana nessa área: tesouras, facas, alicates, queimadores, esmagadores de cabeça, puxadores de língua, trituradores de dedos.

O ódio é inútil

Para Ferry, o ódio demoníaco, por ser de outra ordem que não a da natureza, escapa à lógica do utilitarismo. Ele é inútil e até contraproducente.

É essa disposição antinatural que lemos no olho humano: ao contrário da lagosta ou do pássaro, o olho humano não é um espelho que reflete a exterioridade, mas a interioridade. Podemos ler tanto o pior como o melhor, tanto o ódio e como o amor e a generosidade.

Portanto, ao nos questionarmos, para que serve a educação na sociedade contemporânea, lembremos da resposta do literário e ensaísta russo-americano Mikhail Epstein: a educação serve “para educar humanos, por humanos, para o bem da humanidade”.

Teoricamente, ele apelava à humanidade dos estudantes e dos professores, mas precisamos estender a todos os nós, seres humanos.

No Brasil atual, a educação para a cidadania implica compromisso com a efetiva participação e com a democracia. O poder deve não só emanar do povo, mas ser exercido pelos cidadãos diretamente e através de seus reais representantes nas estruturas do Estado.

Portanto, a democracia nos compromete com o bem comum e com a formação de uma nação, de um país, de cidades, comunidades e um Estado onde todos sejam sujeitos e protagonistas.

A educação é para gente, para pessoas, enquanto espécie humana, ou mais precisamente, enquanto gênero humano (homo).

E a educação não ocorre só nas escolas e nas universidades. Ela ocorre na cidade, na polis e em todos os ambientes públicos, nos diversos espaços e coletivos de convivência, como: nas famílias, nos condomínios, comunidades, empresas e organizações diversas.

No Brasil e no mundo, desenvolvem-se experiências de cidades educadoras. Leia mais: https://www.neipies.com/por-onde-passa-o-futuro-das-cidades-educadoras/

E é justamente no espaço público comum da escola que a democracia precisa estar presente, sendo praticada, vivenciada, respeitando o outro, o diferente, o adversário.

Não podemos sucumbir à ignorância e ao medo. Educação e democracia são a melhor escolha para nossa sociedade. E é necessário fazer esta escolha com consciência e humanidade no processo eleitoral. Ditadura e tortura NUNCA MAIS! “Democracia tem que nascer de novo a cada geração, e a educação é a sua parteira” (John Dewey)

Reflexão originalmente publicada em página do Jornal Extra Classe: https://www.extraclasse.org.br/opiniao/2022/09/educacao-e-democracia-ou-a-barbarie/

Autor: Gabriel Grabowski

A República não compareceu

O desapego pela Constituição e pela lei que Bolsonaro demonstrou neste réquiem de Sete de Setembro, não pode deixar nenhum trabalhador, nenhum democrata, nenhum defensor dos direitos humanos, desatento mesmo com a vitória popular nas eleições.

As manifestações bolsonaristas neste Sete de Setembro foram do tamanho correspondente ao apoio eleitoral de Bolsonaro. A principal dessas manifestações no Rio de Janeiro, organizada com apoio disfarçado das Forças Armadas e do erário público, restringiu-se aos setores abertamente fiéis ao Bolsonarismo. Setores médios, em bairro de setores médios, pautados por bandeiras golpistas e antidemocráticas, eram a quase totalidade dos presentes.

Bolsonaro e suas pautas reacionárias não iludem mais aos trabalhadores pobres do país.

As mulheres pobres, as negras, que vivem o desemprego, a fome e a violência contra seus filhos, não se mostram dispostas sequer a ouvir os argumentos de Bolsonaro. Essa impermeabilidade parece estar assentada no reconhecimento de que durante mais de ¾ de seu governo, Bolsonaro não ajudou a combater a pobreza, a violência e a fome.

As medidas do tipo “Auxílio Brasil” não repercutem eleitoralmente. A mais recente pesquisa de intenção de voto, realizada pelo IPESP e divulgada pela Globonews, demonstra a sólida e ampla rejeição de Bolsonaro entre as pessoas que ganham até dois salários mínimos e entre mulheres.

Este quadro político refletiu-se no desfile institucional, oficial, das comemorações do ducentenário da independência do Brasil. A redução política de Bolsonaro aos seus apoiadores foi expressa pelas gritantes ausências dos presidentes dos demais poderes da República: presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira/Progressistas, do Senado Federal, Rodrigo Pacheco/PSD e do Supremo Tribunal Federal, Luis Fux. A República começa a consolidar o isolamento e confinamento político de Bolsonaro.

As razões das ausências são diferentes, evidentemente, mas confluem para o mesmo sentido. O fato da maioria da população rejeitar Bolsonaro repercutiu nos setores e partidos de centro que começam a separar sua imagem do candidato reacionário, ainda que tenham compartilhado o governo e as políticas econômicas até aqui.

O mergulho que Bolsonaro faz no sentido da extrema direita afastou setores da elite e do centro liberal, que passaram a temer por seu próprio futuro político, empurra várias destas lideranças, como a maioria do STF, no sentido de defender a Constituição e a democracia.

Muito possivelmente este Sete de Setembro marque um ponto sem retorno na derrota política e eleitoral de Bolsonaro. O que para muitos da extrema direita deveria ser um ponto de inflexão, quase desesperado, para reverter o quadro das intenções de voto solidamente favoráveis à candidatura de Lula, se tornou um bloqueio insuperável para Bolsonaro.

O candidato reacionário mostrou-se incapaz de ampliar para além de determinadas frações dos setores médios, setores da cultura militar e das lideranças e organizações da própria direita e do fundamentalismo cristão. Seus discursos foram incapazes de se dirigir ao que não era o próprio espelho de sua política e de seus valores.

Contudo, um terço do eleitorado não é desprezível. Ainda mais sendo um campo político não subordinado às leis e à democracia. O mundo já pagou, e continua pagando, um preço demasiado por desprezar a extrema direita organizada, liderada por psicopatas. O desprezo pela vida, pela lei, faz deste campo político um bando que pode chegar a longínquos pontos uma vez que desapegados de freios ético-morais em relação a vida em comum.

A democracia brasileira, inconclusa e distante da maioria da população em função de que em nome dela muito se lhe tirou, precisa não só derrotar o bolsonarismo como vigiar para que este não venha a lhe golpear adiante.

O desapego pela Constituição e pela lei que Bolsonaro demonstrou neste réquiem de Sete de Setembro, não pode deixar nenhum trabalhador, nenhum democrata, nenhum defensor dos direitos humanos, desatento mesmo com a vitória popular nas eleições.

Fonte: https://www.brasildefators.com.br/2022/09/08/a-republica-nao-compareceu

Autor: Jorge Branco, Sociólogo, Mestre e doutorando em Ciência Política pela UFRGS. Professor. Diretor-Executivo INP e DDF.

Aprender com a timidez

Talvez seja prudente, enquanto educadores, reavaliarmos nossas convicções e prestarmos atenção aos “tímidos” e “introvertidos” que se “escondem” no anonimato das aulas e assim, criativamente, encontrarmos estratégias pedagógicas para aproveitarmos o potencial que se encontra escondido nestes alunos.

Num mundo onde saber falar em público é altamente valorizado, onde a extroversão é algo privilegiado e onde o “aparecer” é a “bola da vez”, dizer que a timidez, a introversão e o anonimato são também características importantes de serem elogiadas, pode soar estranho para a grande maioria das pessoas.

Quem defenderia a timidez como uma virtude? Quem faria um elogio para pessoas que gostam mais de ouvir do que falar? Em que aspectos o ficar quieto e a introspecção poderiam ser mais apreciados do que a exposição e a fala espalhafatosa?

No entanto, num mundo marcado pela excesso de informação, de fala e de exposição, a sabedoria do silêncio aliada com o aprendizado da timidez pode ser altamente importante para viver uma vida prudente e bem conduzida.

A escola, de modo geral, supervaloriza aqueles que possuem um alto grau de inteligência linguística, os que participam ativamente nas aulas, enquanto considera os tímidos e os introvertidos como alunos apáticos, problemáticos e pouco valorizados no acontecer pedagógico.

Num processo de escolarização em que os trabalhos de grupo e a participação ativa dos estudantes são altamente considerados, os “quietos” e “calados” dificilmente poderão ter status de destaque no universo escolar.

No entanto, num estudo recente da escritora e consultora empresarial Susan Cain, formada em direito pelas universidades de Princeton e Harvard, cuja síntese está publicada no livro O poder dos quietos, traduzido recentemente no Brasil (Editora Agir, 2012), defende que a introversão e a timidez podem ser altamente produtivas e de que pessoas com essas características podem ser altamente criativas e importantes no atual cenário social, empresarial e acadêmico.

Em seu estudo, baseado em outras pesquisas de antropólogos, sociólogos, psicólogos, filósofos, biólogos evolucionistas, estudiosos da administração e principalmente em biografias de grandes personalidades, Susan Cain mostra que “é um grande equívoco considerar que os introvertidos não podem ser bons líderes”. Na sua avaliação, “líderes introvertidos produzem melhores resultados que os extrovertidos por serem mais propensos a deixar funcionários talentosos discorrerem sobre suas ideias, em vez de tentar colocar seu próprio carimbo sobre elas”. Com isso Susan combate a falácia do “trabalho em grupo” e argumenta que, em muitos casos, incentivar ou até forçar as pessoas a trabalhar juntas pode reduzir a capacidade de criação e a própria produtividade.

Conforme está expresso em uma bela e instigante reportagem sobre o assunto publicada na Revista Mente Cérebro do mês de junho de 2012, “introvertidos não são necessariamente tímidos, embora traços de personalidade de pessoas com essas características frequentemente se sobreponham.

Os primeiros são, basicamente, atormentados pelo medo da desaprovação social e da humilhação, enquanto que os segundos são marcados pelo desconforto em ambientes excessivamente estimulantes”.

Na minha percepção, acredito que estudos como os de Susan Cain são oportunos para repensarmos o modo como projetamos ou organizamos nosso trabalho pedagógico nas escolas e universidades.

Talvez seja prudente, enquanto educadores, reavaliarmos nossas convicções e prestarmos atenção aos “tímidos” e “introvertidos” que se “escondem” no anonimato das aulas e assim, criativamente, encontrarmos estratégias pedagógicas para aproveitarmos o potencial que se encontra escondido nestes alunos.

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

A importância das tarefas na vida das crianças: autonomia

As crianças precisam de autonomia desde os primeiros momentos em que começam a despertar para o mundo, ou seja, desde cedo. Aos poucos os pais devem ir permitindo que elas façam algumas tarefas sozinhas, que se tornem independentes e façam escolhas ou tomem decisões.

Inicio este texto com um poema da querida poeta americana Emily Dickinson intitulado “O amor aprendemos inteiro” que diz nos seus belos versos “O Amor aprendemos Inteiro – / O Alfabeto – As Palavras – / Um Capítulo – e o Livro todo – / E da Revelação – o segredo – / Mas nos olhos Uma da Outra / Divisou-se a Ignorância – / Mais divina do que a Infância – / Uma e Outra, Crianças – / Buscando explicações – / Nenhuma entendeu – nada – / Ai! Como é largo o Saber – / E a Verdade – que complicada –”.

Buscar explicações é o que fazem as nossas crianças a todo instante nos seus pequenos mundos de incompreensões em que os adultos costumam depositar conhecimentos e darem ordens como verdadeiros tiranos fazendo delas súditas que não podem perguntar ou criticar, apenas aceitarem e dizerem sempre que sim. É preciso deixar a criança viver, experimentar, gerenciar e receber do mundo externo o necessário para o seu desenvolvimento interior.

Educar é uma tarefa difícil e complexa. Cada pai tem a sua maneira de educar a sua criança. Alguns preferem o cuidado exagerado, outros permitem que a criança desde cedo cresça sendo independente. Na verdade, a educação das nossas crianças é algo desafiador, mas que vale a pena ser conversado entre os pais, professores e responsáveis.

Cada pai tem uma opinião diferente em relação a criação do seu filho, cabe a nós respeitar. Assim é com a autonomia, alguns preferem não deixar que as crianças façam nada além de brincar outros permitem e até acham bom que elas aprendam desde cedo a terem responsabilidades.

Neste sentido que discutiremos a questão da autonomia na criança. A autonomia é o poder do ser humano em se governar de acordo com seus ideais e princípios. Logo, uma criança autônoma é aquela que, dentro dos seus próprios limites, ganha responsabilidade e autoconsciência sobre seus atos.

As crianças precisam de autonomia desde os primeiros momentos em que começam a despertar para o mundo, ou seja, desde cedo. Aos poucos, os pais devem ir permitindo que elas façam algumas tarefas sozinhas, que se tornem independentes e façam escolhas ou tomem decisões. Claro que sempre com os cuidados daqueles que cuidam delas.

Sueli Ghelen Frosi, da Escola de Pais do Brasil, afirma que pais e mães sempre são educadores e que devem ser parceiros da escola, para a humanização dos filhos. Os filhos são educados pela linguagem, pelas emoções, pelo respeito e pelos exemplos. Assista:https://youtu.be/LJTBoRNPkBU?t=103

A autonomia da criança é importante para a sua formação enquanto cidadã. É por meio dela que a criança se desenvolve e aprende a tomar decisões para a vida adulta. Adquire vivências e experiências, enrique o pensamento e amadurece o pequeno espírito. Toda criança quer aprender, quer fazer as coisas dos adultos, quer nos imitar naquilo que fazemos além de somente nos imitar nas palavras. Somos espelhos para elas.

Logo as tarefas que podemos atribuir às nossas crianças estimulam um crescimento favorável ao desenvolvimento do pensamento cognitivo, das responsabilidades, da memorização e da rapidez em tomar decisões. As crianças gostam de ajudar em casa. Elas se sentem felizes quando são convidadas a participarem junto com os pais de algumas tarefas como dobrar as próprias roupinhas, tomar banho sozinhas, escovar os dentes, poder alimentar-se sozinha ou vestir-se sozinha para ir à escola.

Há muitas tarefas que as crianças podem fazer dentro de uma casa e que lhes garante a autonomia, tendo-se o cuidado de respeitar a idade de cada uma delas. O desejo de serem autônomas já nasce com elas, mas ao longo da infância os pais por cuidados muitas vezes exagerados preferem evitar que elas façam determinadas tarefas e acabam as inibindo, fazendo com que se tornem dependentes.

Deixar que as crianças vivam as suas próprias experiências é uma tarefa importante e desafiadora para os pais e para elas próprias. Ainda que seja difícil permitir que as crianças sejam autônomas porque as vemos pequenas demais para fazerem tarefas que achamos ser só nossas devemos confiar nelas e aos poucos ir lhes atribuindo algumas delas, tais como: tirar a louça da mesa e levar para a pia, arrumar a cama ou guardar os brinquedos.

Não podemos dar às crianças tarefas difíceis ou que possam prejudicá-las de alguma forma, mas também não podemos fazer tudo por elas. Vivemos num mundo em que a competitividade e o mercado de trabalho exigem que os adultos saibam de tudo um pouco e sejam espertos e criativos. Se educamos as nossas crianças com excesso de cuidados não permitindo que elas façam nada dentro de casa, tendemos a prejudicar os seus desenvolvimentos podendo fazer com que elas se tornem adultos frágeis e inseguros.

O estímulo da autonomia deve começar de muito cedo. Quanto antes a criança conseguir enfrentar os desafios que a cerca melhor será para ela. A questão da cidadania, da solidariedade, da caridade e as diversas funções sociais que regem as nossas vidas em sociedade são importantes para o amadurecimento do espírito e o desenvolvimento da autonomia. Uma sociedade, que se diga de passagem, faz cobranças e exigências ao passar dos anos e que espera encontrar crianças preparadas para enfrentarem a vida desde muito cedo.

Não podemos ter excesso de cuidados, mas estarmos junto com as crianças as ensinando a fazerem algumas atividades que podem vir a ser muito boas para elas na vida adulta.

A capacidade de pensar por conta própria e tomar decisões, de realizar atividades do dia a dia e de ser independente fisicamente são benefícios ligados ao desenvolvimento da autonomia. Só para ilustrar o que estamos dizendo aqui citaremos alguns outros benefícios do estímulo a autonomia da criança: psicomotricidade, autoestima, inteligência emocional, autoconfiança, persistência, habilidade social e desenvolvimento cognitivo. Tudo isso colabora com um crescimento saudável e mais autônomo para a criança.

O importante é que os pais saibam valorizar o desejo da criança querer participar de alguma atividade dentro de casa, que ela possa de alguma forma ajudar, dar a sua colaboração, sentir-se útil e responsável. Todos nós gostamos de fazer alguma coisa pelas pessoas ao nosso redor ou pelo mundo. Incentivar a criança a levar o lixo para fora, a dar banho no cachorro, a aguar as plantinhas também são tarefas maravilhosas.

A autonomia não surge do nada, nem do dia para a noite, para uma criança tornar-se autônoma ela precisa do estímulo e motivação dos pais. Quando uma criança recebe esse estímulo desde os primeiros anos ela costuma ter também: boa memória, rapidez no raciocínio, senso de responsabilidade, poder de achar soluções rápidas, criatividade e habilidades especiais.

São vários os benefícios que a autonomia traz à criança. O mais importante de todos é que ela se sinta feliz sendo útil dentro de casa e para os seus pais. Que faça o que lhe pedirem com felicidade e vontade. Sem que nada lhe seja forçado ou obrigado. Tudo precisa ser espontâneo e gratificante para ela. A tarefa de apanhar as folhas secas da árvore do quintal de casa todas as tardes e a checagem da caixa de Correios todos os dias. O bom é que sejam tarefas rotineiras e que tenham horários para serem feitas, pois isso desperta o lado responsável da criança.

Essa independência vai ajudar a criança a ser um adulto mais preparado para o futuro, pois com o passar dos anos as responsabilidades vão chegando e nem sempre os pais estarão por perto para ajudar. Precisamos educar as nossas crianças não para a gente, mas para o mundo, pois logo elas crescerão e não mais nos terão por perto a todo instante.

Ademais, é bom ver a criança exercendo a autonomia sentindo-se livre para fazer as tarefas da casa que lhe foram atribuídas. O processo de autonomia deve ser gradual e visto pelos pais porque cada idade tem seus limites a serem respeitados. Desse modo, é bom não sobrecarregar a criança e nem esperar que ela faça tarefas das quais ainda não consegue fazer sozinha.

As tarefas dadas às crianças devem seguir as suas idades para que não se sintam sobrecarregadas ou até mesmo não consigam fazer com destreza o que lhes pediram e acabem se sentindo desencorajadas e frustradas. Os pais devem ter o cuidado de saberem quais tarefas os seus filhos estão prontos para fazerem sozinhos.

Na escola, ocorre a mesma coisa que em casa. Os professores devem ter cuidados quando derem tarefas para os seus alunos incentivando a autonomia como já dizia o nosso amado e respeitado educador Paulo Freire em seu livro “Pedagogia da autonomia” como podemos ver nas suas seguintes palavras “Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece de repente, aos vinte e cinco anos. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser.” Que este vir a ser seja apresentado à criança desde a tenra idade, para que possa ser desenvolvido e experimentado enquanto se pode errar sem sofrer desafetos e frustrações prejudiciais ao emocional.

O estímulo em casa ajudará a criança a se adaptar mais facilmente no ambiente escolar. Na escola, os desafios são ainda maiores para os adultos e pequenos. É preciso saber quais tarefas a criança está preparada para fazer sozinha baseando-se na sua individualidade, amadurecimento e habilidades. Por isso, estes dois ambientes devem trabalhar em conjunto para que a criança alcance sucesso no seu desenvolvimento autônomo. Assim, os professores precisam criar um ambiente favorável ao desenvolvimento da autonomia, realizar as atividades no tempo adequado para cada aluno, proporcionar liberdade de escolhas e de atividades, trocar ideias e informações, ouvir a opinião das crianças.

Professor, use as brincadeiras para desenvolver a autonomia dos seus alunos. Elas são excelentes para que as crianças se identifiquem com aquilo que poderão fazer com prazer. É por meio delas que as crianças mais aprendem. Você pode criar brincadeiras ou usar as que a criança já está acostumada.

Possibilite a tomada de decisão entre as crianças, pois com isso elas se sentirão responsáveis e poderão escolher tarefas que sabem desenvolver. Crie situações que as crianças possam resolver sozinhas. Assim, elas se sentirão parte de um todo, terão suas autoestimas elevadas e a autoconfiança mais desenvolvida.

Encorajar a criança também é um dos passos para o seu desenvolvimento autônomo. Afinal, o medo é um mecanismo de defesa do ser humano. Mas, o medo também é um grande limitador que nos impede de seguirmos em frente. Isso acontece porque estamos acostumados a parar diante do medo. Quando os pais são superprotetores essa paralisação diante do medo é ainda maior, por isso você, professor, deve ouvir as questões pessoais dos seus alunos, respeitar as suas escolhas e acolhê-los sempre que for possível.

Despertar a independência difere de deixar que a criança tome decisões e faça escolhas por conta própria. O dever dos pais é motivar os filhos todos os dias, orientando, estando ao lado deles, propondo desafios e dando espaço para que eles errem dentro de um ambiente seguro. Um dos maiores entraves é que muitos pais acabam interferindo, pois não conseguem ver os filhos frustrados ou tristes.

Evite dar broncas frequentes na sua criança quando ela errar uma ou outra atividade. O ideal é sentar-se com ela e conversar, perguntar se está tudo bem ou o que está se passando. Ouvir a criança é fundamental para o desenvolvimento da autonomia. A bronca só paralisa, desestimula, desencoraja.

Sempre que possível incentive a sua criança a lidar com as frustrações, afinal na vida todos temos que saber lidar com as perdas e erros. Não proteja demais a sua criança para que ela não viva essa emoção, pois ela é necessária. Tome cuidado para que ela não se sinta machucada por demais com alguma perde ou um erro que cometeu. Mas, a deixe viver o seu momento.

Com efeito, muitos pais cometem o erro da superproteção e acabam criando filhos inseguros, imaturos e desobedientes, que não sabem lidar com as perdas. Uma boa forma para a criança aprender isso são os jogos e as práticas esportivas em que haverá um vencedor e um participante.

Na verdade, ao longo da vida a criança precisará enfrentar muitos obstáculos, desafios e pedras no seu caminho e nada melhor do que ela esteja preparada para tomar decisões sozinha e sinta-se confiante e pronta para fazer escolhas sábias que poderão decidir o rumo da sua vida. Mesmo que os pais tentem tardar essa liberdade em algum momento da vida a criança terá que fazer as suas escolhas, logo é importante que desde cedo aprenda a ser autônoma.

Finalizo este texto com um poema do meu poeta português predileto e com quem aprendi a escrever não somente poemas para crianças, mas tudo o que me vem ao pensamento transcrevo para o papel, Fernando Pessoa que nos seus versos lindos nos diz “Quando as crianças brincam / E eu as ouço brincar, / Qualquer coisa em minha alma / Começa a se alegrar. / E toda aquela infância / Que não tive me vem, / Numa onda de alegria / Que não foi de ninguém. / Se quem fui é enigma, / E quem serei visão, / Quem sou ao menos sinta / Isto no coração.”

Que toda criança possa viver a sua infância do seu jeito e com a sua individualidade sendo respeitada a sua vontade de desenvolver a autonomia quando quiser ajudar em casa ou na escola com aquilo que saber fazer e sente-se bem ajudando.

O vir a ser é necessário para o crescer emocional e físico. Que Fernando Pessoa, junto a Paulo Freire, conquistem pais e professores que permitam as crianças a serem autônomas e a desenvolverem as suas habilidades físicas e espirituais.

Autora: Rosângela Trajano

Independência?

Acredite na democracia e acredite no seu poder das tuas escolhas. É ela o único meio que temos para promover a verdadeira mudança, a verdadeira independência, que, no fundo, deve partir e ser refletida por cada um de nós.

Estado de não se achar sob domínio ou influência estranha. Autonomia [1]. Depender, assim como o francês dèpendre, proveio do latim dependere, formado de de-, “para baixo” e pendere, “pender, estar pendurado”. Portanto, “depender” é literalmente “pender para baixo, estar pendurado (em algo ou alguém)” [2]. Já o prefixo IN acaba atribuindo ao termo uma posição contrária, ou seja, aquilo que não depende de algo ou alguém, apresentando, portanto, uma certa ideia de liberdade.

No dia 9 de janeiro de 1822, Dom Pedro I decide acatar o clamor da população, proclamando a célebre frase “se é para o bem de todos e a felicidade geral da nação, diga ao povo que fico”. Alguns meses depois, às margens do Rio Ipiranga, no dia 7 de setembro de 1822, trajado a carácter de si — como um príncipe — montado em um belo cavalo, ele inclina a sua espada aos céus e dá voz a sua alma: “Independência ou Mooooorte”! O que aconteceu depois ninguém sabe… (brincadeira, há indícios que guerras eclodiram em algumas partes do Brasil).

A verdade é que, graças a uma sucessão de fatos, sendo eles os mais realistas ou mitológicos possíveis, hoje somos um país independente. E, ao observar as histórias concernentes às independências, podemos avaliar que, na grande maioria delas, a sua semente germina por meio de um acúmulo de mal-estar coletivo que seguidamente se relaciona às formas de exploração e desrespeito.

A impressão que tenho é que possuímos um anseio, quase que inerente ao humano, por igualdade de direitos e em dignidade, que afronta qualquer tipo de contradição a esses preceitos. Quando reconhecemos isso, alimentamos uma repulsa pelo status quo, que incentiva a mudança, mesmo a alto preço.

Eu olho para a história e fico admirada com a infinidade de pessoas que colocaram a própria vida em risco, superando seus maiores medos em prol de um ideal, ou melhor, em prol daquilo que consideravam ser a justiça e isso se traduz por independência ou morte.

Eu olho para o presente e reconheço esse mesmo espírito, que ainda vive em cada um de nós, brasileiros, e clama pelos mesmos princípios. Nos sentimos seguidamente explorados e injustiçados pela máquina pública, que consome a nossa energia (tempo e dinheiro) para financiar escândalos e a falta de ética. Não confiamos na política, mas é a política quem nos governa. Como podemos viver assim?

Fomos abrigo para muitos imigrantes. Nossas terras férteis salvaram diversas pessoas que abandonaram o Velho Mundo com a esperança de dias melhores, a mesma esperança que ainda pulsa no coração dos brasileiros. Foi 199 anos de “independência”. De famílias que literalmente partiram do zero e ajudaram a construir uma nação repleta de cor, cultura e sabor.

Graças a essa receptividade, é que somos gigantes pela própria natureza, não só a ambiental, mas também humana: que abrange o mundo inteiro e resulta no ser brasileiro. Eu sei, nem só de flores são compostos os nossos campos — tem muito agrotóxico por aqui também!

E, quando tudo parece perdido, ainda mais em função da nossa desestrutura política, eu penso: calma! “Ainda somos jovens” ♪ como nação e a evolução moral se constrói com base nos nossos erros, ou melhor, com base naquilo que aprendemos com eles. E, com isso, muitas vezes precisamos de tempo, acontecimentos, e o principal, discernimento.

Outrossim, é válido alertar que a evolução moral não acontece quando temos fome ou quando não conseguimos o mínimo para sobreviver, nesses casos, na imensa maioria das vezes, o que rege é o instinto de sobrevivência. Só após preenchidas as nossas necessidades primitivas é que conseguiremos nos aprofundar em nossos valores e nas estruturas que nos fundamentamos para gerir o meio social.

Com base nisso, observa-se a importância de capacitar os brasileiros para serem autônomos. Em um primeiro momento, emocionalmente e financeiramente, em um prazo mais distante, intelectualmente. Para que a nossa ajuda sirva para ajudar a quem precisa a não precisar mais de nossa ajuda.

O maior desafio aqui, é justamente, ensinar a pescar, pois, considero não haver nada mais digno para um ser humano que não depender de alguém ou de algo para gerir a sua própria vida e isso se traduz pela verdadeira independência.

Em matéria de Brasil, eu continuo a olhar com esperança para o futuro, reconhecendo e me relembrando constantemente de que uma evolução moral é lenta e gradual. Faço um esforço para identificar, a cada pequeno gesto ou ação os princípios que estão nos fortalecendo e nos unindo como um povo. Assim eu não sucumbo, assim eu me alimento.

E com base nessas ínfimas observações, eu afirmo: a evolução moral está acontecendo. E a prova disso, é o que os seus ancestrais foram e o que você é, e o quanto o que eles construíram ainda têm lhe dado suporte, para que você sane as suas necessidades básicas, e tenha espaço para investir na sua formação, tenha tempo para ler um texto reflexivo como este e cognição suficiente para interpretá-lo, argumentar e até mesmo discordar.

Outro indicativo de tal evolução é a ascensão da Filosofia, aqui no Brasil, e com ela a descoberta de que nem só de exatas vive o homem e muito menos uma sociedade (já alertava o hino rio-grandense: povo que não tem virtude acaba por ser escravo!).

Estamos nos dando conta de que o PIB não se traduz por felicidade da nação e de que o dinheiro nunca comprará os nossos valores. Sentimo-nos exauridos com o sistema de barganha que contamina e degrada o nosso primeiro e fundamental ideal, aquele que Dom Pedro I instaurou a 199 anos: “se é para o bem de todos e a felicidade geral da nação”.

Onde então a felicidade pode ser encontrada? Na prática daquelas coisas que a natureza do homem exige. Como então ele fará tais coisas? Com seus dogmas, ou princípios morais e opiniões (dos quais todos os movimentos às ações se originam) sendo corretos e verdadeiros. Quais são tais dogmas? Aqueles que se relacionam ao que é bom ou mau, visto que não há nada verdadeiramente bom e benéfico para o homem além daquilo que o torna justo, temperante, corajoso, liberal. E não há nada verdadeiramente mau e prejudicial ao homem senão aquilo que causa os efeitos contrários (Marco Aurélio, demonstrando que a Filosofia é atemporal e muito úteis para os tempos atuais).

Diante do exposto até aqui, eu lhe aconselho: recupere a consciência de que o Político deve ser aquele que tem o ideal de justiça. Desmistifica a ideia de que eles são de outra espécie, distantes de nossas realidades e de nossas necessidades.

Aproxime-se da política, e escolhe, com cautela, os seus representantes; educa a população. Acredite na democracia e acredite no seu poder de escolha. É ela o único meio que temos para promover a verdadeira mudança, a verdadeira independência, que, no fundo, deve partir e ser refletida por cada um de nós.

Fontes:

[1] Dicionário Online Priberam https://dicionario.priberam.org/

[2] Etimologia https://diariodeumlinguista.com/2020/09/07/no-dia-da-independencia-a-origem-da-palavra/

Autora: Ana P. Scheffer

[3] Meditações: o diário do Imperador Estoico Marco Aurélio. Tradução de Willians Glauber. — São Paulo: Citadel, 2021. P. 107–108.

Todos temos um rio de infância e uma ponte

Muitas coisas referentes ao passado de nosso rio Passo Fundo são difíceis de acreditar. A começar que se dava alguns mergulhos nele e um que outro peixe se pescava. Aos poucos, os peixes começaram a não ser mais peixes. Eram coisas que nem sabíamos definir. E a velha ponte foi coberta por outra, mais larga e sem significado algum.

Na minha infância, junto com meus irmãos e mais alguns vizinhos, construímos uma tosca canoa de difícil manobrabilidade e de fácil afundamento. Por medida de segurança, fixamos dentro da canoa, amarrada por uma corrente, uma boia feita de rolha.

No primeiro dos inúmeros desastres náuticos que viriam a se repetir, quando a água começou a tomar conta, o mais afoito de nós agarrou-se à boia e jogou-se na água. Óbvio que a rolha escorreu por entre seus braços e permaneceu presa pela corrente. A canoa acabou não afundando, e o único que se salvaria acabou sendo o único a naufragar.

Era difícil andar de canoa no rio, porém, quando ele alagava, a criançada imaginava navegar num oceano. Dava inclusive para passear de canoa por baixo da ponte e, forçando bastante a imaginação, ter-se a sensação de andar no rio Sena conforme visto em desenhos e fotos.

Sim, o rio Passo Fundo já teve uma ponte construída à imagem e semelhança das pontes de Paris. Construída com pedras fixadas com cimento vindo da Inglaterra, pois aqui não havia, apresentava três arcos e quatro pilares. Em sua amurada foram colocados quatro candelabros de ferro para a iluminação.

Quando intendente do município, entre 1926 e 1928, Armando Araújo Annes promoveu sua construção com base nas recordações do período vivido em Paris no início do século XX. Ele nascera e vivera a maior parte de sua longa vida às margens do rio. Gostava dele.

Muitas coisas referentes ao passado de nosso rio são difíceis de acreditar. A começar que se dava alguns mergulhos nele e um que outro peixe se pescava. Aos poucos, os peixes começaram a não ser mais peixes. Eram coisas que nem sabíamos definir. E a velha ponte foi coberta por outra, mais larga e sem significado algum.

Continuo morando próximo ao rio. Sou um ribeirinho. E contínuo tendo no meu coração aquele rio navegável, habitado por peixes de verdade, engalanado pela ponte de pedra de três arcos e quatro candelabros.

Dia desses fiquei feliz: vi meu amigo Schneider junto ao rio. Festejava Iemanjá com uma braçada de flores: as brancas pediam a paz e as vermelhas, o amor. Amor ao nosso rio de infância.

Autor:  Jorge Alberto Salton

Incentivar a competitividade é bom para a criança?

Que toda criança possa ser grande na arte de viver e nas competições que a vida lhe trouxer para saber ganhar ou perder, o importante é o existir além da vitória, nas nuvens, nas ondas do mar, num espanto do peixinho na beira do rio a pular para ver o seu olhar assustado.

Trago os versos daquele que é filho de Portugal, país que nos colonizou e tornou este um lugar lindo para se morar se não tivessem massacrado os nossos indígenas seria mais lindo ainda. Mas, sei que se ele estivesse numa daquelas naus de Cabral não teria permitido que nenhum indígena tivesse sido ferido ou violentado, porque ele é e sempre será “O menino da sua mãe”.

Falo do poeta Fernando Pessoa e trago o seu poema intitulado “Havia um menino” que diz “Havia um menino / que tinha um chapéu / para pôr na cabeça / por causa do sol.” Que todo menino ou menina possa ter um chapéu mágico para colocar na cabeça e assim num passe de mágica aprender a amar e respeitar o outro.

Competir nos ensina antes de qualquer coisa que a vida é dura e difícil e que vamos crescer sempre lutando pelos nossos ideais e objetivos. Cresceremos em busca dos nossos sonhos, mas sempre respeitando as regas da vida e os amigos que poderão se tornar os nossos adversários no jogo do tempo.

A competitividade é algo meio difícil entre as crianças. Se por um lado ela motiva e faz com que a criança tenha vontade de ir em frente, de ganhar, de lutar de ser cada vez melhor naquilo que faz por outro ela nos consome as energias muitas vezes e nos deixa tristes quando perdemos e não sabemos como perder. Estamos acostumados a somente ganhar e valorizamos as conquistas.

A infância é o momento de descobertas, de buscas e encontros com o novo. É neste momento que queremos mostrar para nós mesmos e para os amigos que somos fortes, inteligentes, corajosos e que vencemos tudo o que desejarmos. É quando construímos a nossa identidade, formamos o nosso espírito, nos proclamamos seres pensantes e muitas vezes precisamos nos reafirmar perante os amigos e familiares, para isso precisamos ganhar as coisas que desejamos, a nós só importa a vitória.

Ninguém quer ser chamado de perdedor ou fracassado. Muito menos as crianças. Elas não sabem lidar com as perdas. Elas vão sofrer se forem o tempo todo incentivas a competirem para ganhar. É preciso que pais, responsáveis e professores estabeleçam limites e digam para elas que competir é um ato de bravura e de demonstrar que somos iguais aos outros competidores e estamos ali pelos nossos méritos. Se vamos ganhar ou não é uma outra questão.

O fato de querermos competir já nos traz o espírito de campeões na vida, nas lutas, nas batalhas e em nas nossas emoções e sentimentos porque muitos não sabem competir.

E, para competir, é preciso ter um espírito valente e saber aceitar as perdas e as vitórias sem se deixar magoar tanto, sem se deixar sofrer muito e, principalmente, não ficar envergonhado diante dos amiguinhos porque perdeu o pênalti que daria o campeonato para o seu time ou ficou em último lugar na competição da natação da escolinha. Precisamos ensinar às nossas crianças que perder faz parte da vida, nem só de vitórias vive o homem contemporâneo.

Estamos num momento da humanidade em que competir é preciso em tudo. No trabalho, na academia universitária, nas relações afetivas e até mesmo conosco. Nos preparamos durante anos para uma competição e, muitas vezes, no dia da prova não nos sentimos bem, ficamos nervosos demais e acabamos perdendo. Também pode ocorrer do adversário ter treinado mais do que a gente.

Ensinar às crianças que é preciso respeitar os seus adversários também é dever dos pais e professores. Nem sempre ela será a melhor em tudo. Pode ser que apareça alguma criança mais preparada, que estudou mais, que se dedicou mais ou que teve mais sorte do que ela. Uma competição além de preparo psicológico e físico exige sorte. A criança deve respeitar todos os seus amiguinhos da escola mesmo sabendo que é a melhor nas disciplinas, que tem altas habilidades e grande criatividade.

Como dizia o filósofo grego Sócrates “Só sei que nada sei” deve ser ensinado às crianças desde cedo a humildade, a prática da empatia, o amor ao próximo, o respeito as opiniões alheias e ao outro e mais do que isso o respeito pelo resultado da competição tratando o seu adversário com cuidado e gentileza e não como um inimigo.

Os nossos pequenos querem ser os mais inteligentes da sala de aula, os mais queridos pelas professoras, os mais altos das turmas e os primeiros da fila da merenda. Querem se destacar nas brincadeiras e atividades da escola, querem ser escolhidos pelas professoras para fazerem alguma tarefa específica ou ajudá-la em sala de aula, ou seja, querem ser os melhores em tudo.

Aliás, quem não quer ser o melhor em tudo? Até nós, adultos, vivemos atrás disso, imagine as crianças.

Devemos incentivar as crianças a serem boas em tudo o que fizerem, mas nunca ficarem tristes se não conquistarem o que desejavam porque deve sempre ser dito para elas que existirão novas oportunidades, que elas poderão tentar novamente no próximo semestre, no ano seguinte. É necessário deixar claro que uma perda não significa o fim do mundo, que tudo vai passar, que perder faz parte da vida.

Os pais e professores devem atentar para que a competitividade não se torne algo negativo na vida da criança. Afinal, uma coisa é ter motivação para competir sempre e outra é querer ganhar sempre ou ser o melhor em tudo sempre. É neste ponto que se encontra a competitividade saudável e a tóxica.

Se a criança se frustra com qualquer coisa é importante que os pais passem a observar este comportamento e trabalhe com elas uma mudança interior e exterior mostrando-lhes exemplos de atletas e pessoas que vivem ganhando e perdendo competições. A vida é uma constante competição entre o bem e o mal e as crianças assimilam isso desde cedo.

Elas aprendem isso nos contos de fadas ou nas demais histórias que são contadas para elas sobre quem vai vencer no final da historinha, até torcem pelo herói que muito sofre.

Numa competição vencer é bom e todo mundo gosta quando atinge os seus objetivos e conquistas, porém quando a competitividade é exagerada e passa por cima do outro, desrespeita as normas da competição, falta empatia, passam por cima da solidariedade e da cooperação ela se torna algo negativo, tóxico para a criança e para as pessoas que estão ao seu redor.

Nas escolas, ainda que existam competições, os professores devem incentivar a cooperação, a solidariedade e a empatia com as crianças.

Comparar notas, dar estrelinhas para os melhores da turma, desvalorizar os que não vão bem nas disciplinas, sempre colocar um vencedor nas atividades ou procurar sempre um aluno melhor do que o outro pode ser uma competitividade tóxica que tem o feito contrário à motivação, desestimulando as crianças e os colocando um contra o outro, causando transtornos na autoconfiança, autoestima e autocuidado.

Para os pais é importante fazer cobranças exageradas. O importante não é o resultado, mas a participação da criança no evento. A sua coragem e força de vontade de competir sem ter vergonha dos demais amiguinhos.

Comparar a criança a outras crianças pode torná-la insegura e numa situação desconfortável. Transferir os seus desejos e expectativas para a criança pode ser bastante prejudicial. Se a sua criança participará de alguma competição o importante é apoiá-la no que precisar, mas não incentivá-la que só a vitória vale.

Ademais, numa competição o aprendizado e a experiência valem mais do que a vitória e isso é que deve ser ensinado à criança para uma relação saudável diante da competitividade. Muitas vezes o perdedor é alguém que se dedicou muito, se esforçou muito, quis muito, mas não conseguiu por algum motivo que não cabe ficar procurando.

O importante mesmo é sempre competir, dizer para a criança estudar mais, treinar mais que existirão outras oportunidades e que nem sempre vence o melhor. Às vezes o melhor pode não estar num dia bom, afinal todos nós temos dias bons e ruins.

Nós adultos devemos ensinar para as crianças que o espírito de equipe e de cooperação devem sempre prevalecer e que os esforços de todos precisam ser valorizados independente do resultado final. Ensine a sua criança a parabenizar o seu adversário vencedor, isso faz parte da empatia e da solidariedade no esporte.

A criança que é ensinada na escola e em casa a competir com espírito de cooperação e solidariedade crescerá preparada para os desafios da vida contemporânea. Ela não ficará extremamente triste com uma perda.

Na vida, as crianças vão se deparar com muitas perdas e isso precisa ficar claro desde a tenra idade. O melhor é que elas aprendam a competir para superarem os seus medos e ansiedades diante das perdas, e saibam desde cedo que o importante é a participação é o espírito competitivo. A dedicação aos estudos e ao esporte, ou seja, qual for a modalidade da competição não vai torná-la melhor do que as outras crianças.

Uma criança que esnoba do fracasso do seu amiguinho em sala de aula, que se torna logo cedo a “mais sabida” da turma como dizem as demais crianças e passa a ter comportamentos de egoísmo e ambição acaba prejudicando a sua formação enquanto cidadã com valores e virtudes morais.  Toda criança deve ser ensinada a ter empatia pelo outro, seja ele quem for, principalmente se for o amiguinho da sala de aula que não consegue sucesso no ensino-aprendizagem.

O ideal é que o professor ao invés de incentivar competição oferecendo estrelinhas para os melhores da turma, incentive que aqueles que são melhores em determinadas disciplinas ajudem os demais que sentem dificuldades sendo uma espécie de monitores e ajudando na sala de aula o ensino-aprendizagem. Muitas vezes o aluno que não consegue um bom desempenho escolar traz sérios problemas de casa ou até mesmo pode ter algum problema emocional que o impede de aprender o que lhe é ensinado com sucesso.

Na verdade, há diversas formas de ensinar as crianças a serem competitivas. Alguns pais não gostam de expor os seus filhos a coisas competitivas, já tem outros que acham ser uma boa lição de que eles vão levar para a vida adulta. Acredito que todos os pais e professores devem saber a dose certa para uma criança competir com confiança e saber aceitar o resultado. Não basta apenas ganhar é preciso saber participar.

Para finalizar eu deixo vocês com os versos do meu poeta português Fernando Pessoa do poema intitulado “Liberdade” que nos diz “Grande é a poesia, a bondade e as danças… /  Mas o melhor do mundo são as crianças, /  Flores, música, o luar, e o sol, que peca / Só quando, em vez de criar, seca”.

Que toda criança possa ser grande na arte de viver e nas competições que a vida lhe trouxer para saber ganhar ou perder, o importante é o existir além da vitória, nas nuvens, nas ondas do mar, num espanto do peixinho na beira do rio a pular para ver o seu olhar assustado. Viva as crianças!

Jogos cooperativos ensinam crianças a conviver em grupo. Projeto “Jogos Cooperativos” melhora o desempenho escolar dos alunos, unindo Educação Física à Língua Portuguesa. Assista!

Autora: Rosângela Trajano

A dor se transformou em vida

“Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história” Hannah Arendt

A vida é construída de retalhos. De dores que geram histórias. De histórias que povoam as pessoas. De pessoas que contam e compartilham um pouco de si mesmas com os semelhantes. De contos reais ou inventados que ajudam a preservar o grande tesouro humano: a memória.

A lenda da mãe preta é assim. Narrativa popular mais conhecida de Passo Fundo, surgiu da boca do povo. Como patrimônio oral de uma comunidade inteira, foi sendo contada e recontada; por vezes esquecida, exaltada em outros momentos. Para não se perder a sua essência, ergueu-se um monumento em sua homenagem. O concreto simbolizando uma história da tradição folclórica, que resiste firme, apesar dos pesares.

Resgatar, recontar, relembrar. É com esse intento que nasceu o projeto A lenda da mãe preta: resgate de uma Passo Fundo viva, pelo escritor e contador de histórias Gabito. A ideia surgiu de um outro projeto, intitulado Conta Gaúcho, que está levando a escolas municipais contações de histórias e exposição de artes visuais com temática regionalista. https://www.neipies.com/a-lenda-da-mae-preta-resgate-de-uma-passo-fundo-viva/

A narrativa, envolta em aspectos históricos, ambientais e até mesmo místicos, traz a saga de Mariana, escrava do Cabo Neves, um dos pioneiros na fundação de Passo Fundo. Mãe preta, dada a sua origem africana, tinha em seu único filho o grande tesouro de sua existência. Certo dia, porém, o menino fugiu para longe. Mariana, como toda mãe em desespero, chorou. Do seu pranto desconsolado nasceu uma fonte. A dor se transformava em vida.

É interessante notar os efeitos que um conto da tradição oral provoca sobre os ouvintes e as mensagens contidas nele. Usando quase sempre de um simbolismo metafórico, reporta consigo lições de vida, dramas, questões humanas essenciais, numa construção onde o mágico e o sobrenatural prevalecem. Essa forma de suportar a própria dor é o que oferece a segurança para continuarmos em pé. Narrar é, portanto, uma forma de sobrevivência diante do caos, do inesperado, do desconhecido.

O caso da mãe preta, cuja dor foi aplacada pelo próprio Cristo, segundo a lenda, exemplifica de maneira clara essa questão. Quando uma lágrima encharca o solo e, unida a um pranto sincero de saudade forma uma fonte, há uma mensagem explícita de resistência e de esperança. É a subversão da lógica, a negação da morte; não é o fim de uma mãe ferida pelo destino e sim o seu renascimento, a sua metamorfose. É também um ato de doação, onde a protagonista abdica de si mesma, afirmando: “e como lembrança quero deixar essa fonte. Assim, quem dela beber sempre retornará a esse local”.

Hoje, o projeto A lenda da mãe preta: resgate de uma Passo Fundo viva, busca recontar e difundir essa história.

Publicada em livro, a narrativa agora não estará apenas na memória de poucos, mas na mãos de muitos. Circulará entre jovens e adultos, será objeto de estudos e debates; há de se sentir orgulho dela. Pois a oralidade popular nada mais é do que um ato de protesto contra o fim. Quem relembra o percurso de seus antepassados, não se perde jamais. Quem conta suas histórias não morre nunca.

Curiosidades sobre os monumentos das duas mães de Passo Fundo: Assista: https://youtu.be/O7m4FSBp_sw?t=108

Fotos da Praça da Mãe Preta: obtidas do vídeo Nexjor UPF: https://youtu.be/O7m4FSBp_sw?t=91

Autor: Gabriel Cavalheiro Tonin

Quando a vaidade toma conta da vida

Mas, o que é a vaidade? Como ela se manifesta na vida das pessoas? Por que constitui-se uma das principais características da sociedade pós-moderna? Como age o vaidoso?

A vaidade é considerada um dos sete pecados capitais ao lado da preguiça, luxúria, avareza, gula, inveja e ira. Certamente é uma das características que marcam o modo de ser de muitas pessoas na nossa sociedade considerada pós-moderna, por alguns autores.

O homem pós-moderno, segundo esses autores, vagueia pela vida de fragmento em fragmento, tem dificuldade de encontrar uma identidade duradoura, vive como um “eterno turista”, fica indiferente perante os problemas sociais, é alheio com as injustiças e maldades que cruzam sua existência, possui escassa formação humanística, tornou-se entusiasta da superficialidade, do consumo, da diversão sem limites e da permissividade.

Na expressão muito bem cunhada pelo pensador francês Gilles Lipovetsky, o homem pós-moderno vive acometido pelo crepúsculo do dever. No entanto, uma das suas principais características que marcam o modo de ser do homem pós-moderno é a cultura da vaidade.

Mas, o que é a vaidade? Como ela se manifesta na vida das pessoas? Por que constitui-se uma das principais características da sociedade pós-moderna? Como age o vaidoso? Onde reside sua perversidade que causa um desalento moral contemporâneo? Que escolhas e atitudes alimentam a vaidade? Enfim, por que a vaidade é a escolha do caminho invertido na escolha de uma vida ética?

Se formos ao Aurélio, encontraremos a seguinte definição de vaidade: “qualidade do que é vão, ilusório, instável e pouco duradouro; desejo imoderado de atrair admiração ou homenagens; coisa fútil ou insignificante, frivolidade, futilidade, tolice”. Pela definição do dicionário encontramos de imediato diversos traços que levam a indicar a vaidade como característica do nosso tempo e identificá-la como algo negativo que deturpa a busca de um comportamento moralmente aceitável.

Alguém pode objetar dizendo que vaidade é algo positivo, pois significa amor próprio, gostar de si, valorizar suas qualidades, cuidar da aparência, buscar a auto-afirmação. Mas é exatamente aqui que reside o grande problema: o senso comum confunde vício com virtude.

Para Yves de La Taille, reconhecido estudioso da psicologia do comportamento moral da Universidade de São Paulo (USP), “o conceito de vaidade é estranho à dimensão moral, pois não faz sentido dizer que alguém é generoso ou justo por vaidade”.

Uma pessoa vaidosa costuma atribuir valor a aparências, não a virtudes. Por isso, o vaidoso cuida de forma excessiva do espetáculo de si mesmo, pois para ele é “essencial” convergir para si o olhar e a admiração dos outros, exibir e ostentar uma suposta imagem mesmo que temporária e ilusória.

Há uma moral heterônoma no comportamento do vaidoso porque reduz o juízo do outro a uma dependência unilateral. O outro, não é reconhecido pela alteridade e sim pela possibilidade de ser um adulador capaz de expressar elogios, um subserviente espectador que aplaude e reconhece a identidade superficial do vaidoso.

Exagero! Nem tanto. Se prestarmos atenção aos constantes apelos publicitários que diariamente invadem nossas vidas, se vasculharmos os diversos conteúdos implícitos que comandam o império do consumo, se analisarmos as razões que levam milhões de homens e mulheres realizarem intervenções cirúrgicas em seus corpos por motivos puramente estéticos, então compreenderemos que a vaidade se traduz na grande marca de nosso tempo.

A escola também pode se tornar um dos tantos espaços em que a vaidade pode ser caprichosamente alimentada e inflamada. Não estar atento a este fenômeno hodierno é perder uma rica oportunidade de pensar filosoficamente sobre essa importante temática que caracteriza fortemente nosso cotidiano, inclusive escolar.

Certamente é por isso que numa das cenas derradeiras do famoso filme O advogado do diabo, quando Kevin Lomax (principal protagonista do filme) pergunta a John Milton (interpreta o diabo) sobre as razões que o levaram a tomar decisões moralmente tortas, Milton responde que foi por causa da vaidade, e que esta é um dos seus pecados prediletos.

Autor: Altair Alberto Fávero

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