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O RS é o estado com mais escolas que aderiram ao Programa de Escolas Cívico Militares

Em um cenário de sucateamento da educação pública e desvalorização salarial dos educadores(as), a estruturação das escolas cívico-militares deixa a cargo dos estados os custos com a compra dos uniformes e a qualificação dos espaços. Ou seja, onera ainda mais os cofres públicos. Há dinheiro para tudo, menos para quem mais precisa.

De caráter reacionário e autoritário, o Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim), criado em 2019 pelo governo Bolsonaro (PL), via Decreto nº 10.004, impulsionou o processo de militarização nas escolas das redes públicas de ensino.

Até março deste ano, conforme o Ministério da Educação (MEC), 136 instituições já haviam aderido ao programa. O Rio Grande do Sul é o estado com maior número de adesões.

No total, 14 escolas do Rio Grande do Sul integram o Pecim, seis delas estaduais. Para além dessas, o MEC já prevê implantar o modelo em escolas de Bagé, Canela, Porto Alegre, Quaraí, Rosário do Sul, São Borja, São Gabriel e São Leopoldo. O objetivo do governo federal é o de estruturar 216 escolas cívico-militares em todo o país, até 2023.

Programa é inconstitucional e ilegal

O programa institui a presença de oficiais da reserva ou brigadianos reformados nas instituições para “resgatar princípios como disciplina, ordem e valorização dos símbolos da pátria”. Mas, na verdade, fere a gestão democrática das escolas e leva medo aos(as) estudantes.

Por não estar previsto nem na Constituição Federal e nem na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), o Pecim pode ser considerado inconstitucional e ilegal.

Cultura do medo nas escolas

Casos de agressão, racismo, assédio sexual e assédio moral são rotina em estados que já implantaram o programa.

Na Bahia, uma aluna, ao chegar à escola com o cabelo preso em um coque mas sem estar envolto em uma rede exigida pela instituição, foi impedida de entrar. O monitor disse para ela alisar os cabelos.

Em Brasília, um estudante de 12 anos, foi orientado por um sargento a cortar o cabelo.  O militar teria dito que o adolescente estava “se camuflando entre as meninas”.

No Paraná, estado com número significativo de escolas cívico-militares, casos de violência e assédio a alunos(as) se multiplicam. Em agosto deste ano, um PM foi preso suspeito de abusar de alunas. Menos de duas semanas depois, o monitor de um colégio em Imbituva, teria socado e ameaçado um estudante de morte por causa do desenho de uma folha de maconha e da frase “vida loca” na carteira. Alunos de 14 e 15 anos de um colégio de Curitiba usaram simulacros de arma durante uma atividade cívica. Em Paranavaí, um militar que atua como fiscal de pátio, teria assediado alunas e mostrado uma arma prateada a uma adolescente, ameaçando que caso a aluna contasse a alguém sobre o assédio, ele “acabaria com ela”.

Programa onera o Estado

Em um cenário de sucateamento da educação pública e desvalorização salarial dos educadores(as), a estruturação das escolas cívico-militares deixa a cargo dos estados os custos com a compra dos uniformes e a qualificação dos espaços. Ou seja, onera ainda mais os cofres públicos. Há dinheiro para tudo, menos para quem mais precisa.

Escola é para quem tem formação para educar, não para reprimir

O Pecim coloca militares atuando no lugar de profissionais de educação devidamente qualificados para o processo de ensino-aprendizagem, que uma educação de qualidade requer.

O CPERS reitera: trocar o giz pelo coturno é um desrespeito com a categoria e, cada vez mais, uma ameaça às crianças e adolescentes.

Foto: Jonathan-Campos

Matéria originalmente publicada em: https://cpers.com.br/o-rs-e-o-estado-com-mais-escolas-que-aderiram-ao-programa-de-escolas-civico-militares-pecim/

Autor: CPERS SINDICATO

Edição: Alexsandro Rosset

A filosofia enquanto busca de si mesmo

Quem eu sou? De onde eu vim? Para onde vou? Estas são perguntas que marcam a cultura filosófica em todos os tempos.

Desde os mitos até os mais sofisticados conhecimentos das ciências cognitivas, da psicologia, da psicanálise, da neurociência, tais perguntas não foram plenamente respondidas e por isso permanecem atuais.

O que me define, minhas origens, meu futuro não pode ser expresso com um nome, ou com uma explicação biológica, ou com a projeção de algo que hipoteticamente pode acontecer. Na tradição filosófica não faltaram definições sobre o humano, sobre a gênese, sobre a finalidade do existir.

Em seu livro O homem a procura de si mesmo, publicado pela primeira vez ainda em 1970, o psicanalista Rollo May construiu um conjunto de reflexões significativas no campo psicanalítico que nos ajudam a pensar tempo presente. Apesar de ser um livro escrito a quase 50 anos, suas reflexões permanecem atuais. May inicia perguntando sobre “quais são os principais problemas interiores do nosso tempo?” O próprio May ressalta que há três problemas que nos ameaçam e que estão interligados: o vazio, a solidão e a ansiedade. Vejamos rapidamente cada um deles.

Nas palavras de May a sensação de vazio provém, em geral, da ideia de incapacidade para fazer algo de eficaz a respeito da própria vida e do mundo em que vivemos. Trata-se de um vácuo interior que provoca desespero e futilidade.

O vazio faz com que as pessoas tenham dificuldade de tomar suas próprias decisões e passam a ser governados por autoridades anônimas como a opinião pública e assim cria-se o vazio coletivo. Para May, o uso de drogas, o consumismo, a insatisfação permanente são formas equivocadas de enfrentar o vazio existencial.

A solidão, diz May, é uma ameaça não violenta e penosa para muitos que não possuem a concepção dos próprios valores positivos do isolamento e até se assustam com a possibilidade de ficar sós. O medo da solidão e o vazio geralmente andam juntos e se fazem presentes quando uma pessoa não sabe, com convicção, o que deseja e o que sente; ou quando, numa época de mudanças traumáticas, percebe que as ambições e as metas convencionais que lhe inculcaram não proporcionam segurança e orientação.  

Assim, passam desesperadamente a buscar em outras pessoas consolo, esperando delas orientação, ou alguma forma de segurança para não se encontrar sozinha diante da solidão e dos problemas que cada um precisa enfrentar. O medo de ficar só deriva da ansiedade de perder a consciência de si mesmo. Por isso a necessidade desesperada da aceitação social, o desejo de “ser estimado”, “o estar cercado de cordialidade”, e com isso a fala sensação de vencer a solidão.

A ansiedade é indicada pelo psicanalista Rollo May como sendo o terceiro problema interior de nosso tempo. A ansiedade não se deve exclusivamente as depressões econômicas, aos desastres políticos ou as guerras, mas decorre das mudanças traumáticas ocorridas nos últimos tempos.

Essa ansiedade faz com que as pessoas busquem desesperadamente “um salvador” que possa nos dar a sensação de segurança. É nesse cenário que geralmente surgem os regimes totalitários e os ditadores.

O totalitarismo, diz May, não surge porque um maníaco assume o poder, mas porque uma sociedade insegura se encontra vazia psicológica e espiritualmente e as pessoas preferem trocar a liberdade pela ilusão de se livrar da ansiedade produzida pela insegurança. A ansiedade se manifesta quando nos sentimos ameaçados sem saber o que fazer para enfrentar o perigo. Assim como numa guerra, quando o inimigo destrói o centro de comunicações, a ansiedade causa no ser humano o sentimento de desorientação e a perda da consciência de si mesmo.

O estado mais grave de ansiedade é quando ocorre a apatia, que significa o fracasso no sentir e no enfrentar de maneira construtiva a própria ansiedade. Se prestarmos atenção as manifestações de ódio que circulam pelas redes sociais, certamente nos daremos conta de que a ansiedade se tornou um sentimento bem presente e ameaçador em nossos dias.

Contribuir para que as crianças, jovens e adultos consigam conhecer a si mesmos e saibam enfrentar o vazio, a solidão e a ansiedade que nos ameaça constitui um desafio não só para a filosofia, mas para todos os que acreditam no poder da educação.

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

Edição: Alexsandro Rosset

A vida das crianças-condomínios

O mundo é doloroso para quem vive numa redoma e põe os pés fora dela pela primeira vez, nunca se sabe o que acontecerá. As crianças precisam estar preparadas para viverem no conforto de um condomínio ou numa casa simples da periferia do bairro.

Antigamente morávamos em casas e podíamos correr nas ruas e brincar de esconde-esconde. Mas, atualmente, a maioria das crianças estão presas por trás de muros altos nos condomínios onde moram.

Esses muros nos mostram todos os dias as grandes desigualdades sociais em que são colocadas as crianças ricas das pobres, as que têm quase tudo e as que não têm nada. Aquela criança que anda no carro blindado e aquela outra que senta do lado da janela do ônibus cheio para acompanhar com o seu olhar perdido os casarões que as separam do mundo de lá, do mundo onde quase sempre elas são rejeitadas.

Essas crianças desconhecem a realidade do país e vivem as suas vidas do condomínio para escola. Muitas delas não sabem o que é um transporte coletivo ou o que é uma comunidade na periferia. Vivem alheias aos problemas da sociedade.

Não precisam enfrentar filas para serem atendidas em postos de saúde e têm ao seu dispor seguranças e professores altamente qualificados. Tudo sem precisar sair do condomínio.

Será essa uma vida válida para as nossas crianças? O que elas aprenderão por trás dos muros? Será que lhes ensinam a verdade sobre o mundo lá fora onde a fome, a violência e a polícia trocando tiros com bandidos matam crianças dos seus tamanhos todos os dias?

Nos seus pequenos mundos são protegidas por excesso de carinho e cuidado não conseguindo desenvolver formas de proteção e confiança às coisas do outro lado dos muros. Não sabem se defender de pessoas e coisas estranhas e necessitam sempre da opinião dos pais ou responsáveis para praticar uma ação.

Presas dentro de quartos de dormir com janelas para os muros altos elas não conseguem saber o que se passa lá fora, muitas delas nem sabe que existe um mundo lá fora. Tomam um susto quando vêm uma criança suja aparecer na televisão.

Elas não sabem nada da vida que dói e mata milhões de crianças do outro lado do muro de concreto e das câmeras de segurança onde estão protegidas. Também elas não têm culpa. É o excesso de zelo e cuidado dos pais num mundo cheio de violência, e nisso eles têm uma certa razão.

Usei o termo crianças-condomínios para diferenciar das demais crianças que, ao contrário dessas, vivem em casas sem muros e proteção demasiada. Proteger é importante, porém precisamos ter limites quando lidamos com criancinhas, pois essas necessitam conhecer mundos, principalmente, o real.

As crianças-condomínios conhecem apenas o mundo atrás dos muros altos que as protegem. Nos condomínios há normas estipuladas pelos síndicos e por aqueles que não gostam de barulhos de crianças. Nem em suas próprias moradias podem gritar, correr ou pular… as crianças-condomínios não podem ser traquinas ou fazer peraltices.

As normas dos condomínios são rígidas e criança que esperneia aborrecida porque tiraram-lhe o brinquedo pode incomodar o vizinho do lado e os pais logo recebem uma reclamação.

Essas crianças nunca andaram pelas ruas da cidade a sentir o vento bater em seus rostos, olhando as vitrines das padarias, os campinhos de futebol ou o vendedor de picolés da esquina. Elas sequer sabem da existência de um outro mundo além dos muros dos seus condomínios.

Vivemos uma realidade difícil diante das nossas crianças. Ao buscar protegê-las pais e responsáveis acabam podando o melhor que podem oferecer-lhes, ou seja, mostrando a vida como ela verdadeiramente é.

As crianças-condomínios desconhecem a violência urbana, pois andam em carros blindados e na escola não comentam sobre a última vítima inocente da periferia. A superproteção dessas crianças acaba prejudicando as suas vivências e quando se tornam adultas não sabem como caminhar sozinhas.

As crianças-condomínios nunca tiveram o prazer de brincar de gato no pote ou pau de sebo, pois em seus condomínios apenas podem brincar no parquinho ou na quadra poliesportiva.

Há um menino morador de um condomínio que outro dia confundiu um transporte coletivo com um caminhão. Esse mesmo menino a primeira vez que viu um morador de rua pensou que fosse um Lobisomem pela sua barba grande e roupas rasgadas. Esse menino vive num mundo do faz de conta onde tudo parece ser belo e bom.

As crianças-condomínios desconhecem a maldade e, por isso, quando sofrem bullying nas escolas não sabem como se defender. Algumas dessas crianças por não terem espaço adequado para se divertirem brincam com os seus celulares, logo não correm, não pulam, não gritam… tornando-se assim obesos por viverem a maior parte das suas vidas deitadas ou sentadas.

É preciso salvar as crianças-condomínios. Mostrar para elas a realidade do mundo, mesmo que seja dura e difícil.

Levá-las a um passeio na feira ou a uma escola pública da periferia de algum bairro para que assim conheçam e valorizem mais as coisas que têm e sintam de perto como as crianças que com tão pouco são felizes, também.

O mundo é doloroso para quem vive numa redoma e põe os pés fora dela pela primeira vez, nunca se sabe o que acontecerá. As crianças precisam estar preparadas para viverem no conforto de um condomínio ou numa casa simples da periferia do bairro.

Ademais, essas crianças-condomínios não têm quem as ouçam muitas vezes, não têm com quem conversar quando chegam da escola, não têm sequer vontade de brincar com outras crianças. Presas em seus muros, dentro dos seus aconchegantes apartamentos passam o resto do dia assistindo a filmes ou jogando nos seus aparelhos celulares.

Enquanto isso, lá fora depois dos muros no semáforo da esquina há crianças limpando para-brisas de carros para conseguirem dinheiro e ajudar no jantar em casa. As crianças-condomínios não sabem que existem crianças que não estudam, que não têm comida ou roupa limpa.

Algumas crianças-condomínios têm medo de outras crianças das suas idades quando se aproximam delas para pedirem um pedaço de sanduíche ou coisa parecida, porque não sabem como lidar com a situação e foram ensinadas desde cedo a ficarem longe de desconhecidos.

Criamos nossas crianças com medo de que elas enfrentem o cotidiano da cidade grande, e acabamos prejudicando as suas vivências diante da cultura da sociedade, pois elas não foram preparadas para lidar com certas indagações a respeito do mundo real.

As crianças-condomínios vivem das aparências, das sombras, numa espécie de caverna moderna.

E nós, adultos, assustados que estamos com o mundo real esquecemos que as nossas crianças precisam de saberes para o amadurecimento das suas ideias.

Criemos crianças-estrelas para correrem atrás delas diante dos morros das cidades grandes e lutemos por um mundo mais digno para todos.

Antes de escondermos as nossas crianças atrás de muros de concreto com seguranças armados e câmeras espalhadas por todos os corredores e locais deixemos que elas experimentem um pouco do viver perto da natureza, sentindo o mar, os pássaros, as demais crianças e as borboletas conversaram com elas, porque nada é mais bonito e saudável para uma criança do que sujar-se na areia no meio de uma grande algazarra.

Não tenhamos medo de mostrar para elas que o mundo não é igual para todos, infelizmente. Elas vão crescer confiando mais em nós.

Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alexsandro Rosset

O bem viver depende do bem pensar

O melhor que se pode fazer ao longo da existência é viver em função da vida. E melhor ainda é pautar-se pelo bem viver.

Viver para pensar ou pensar para viver? Apenas viver por viver ou tão somente pensar por pensar? Se pensar, refletir e imaginar é bom, viver bem é ainda mais importante. Mas, se conseguirmos pensar para viver melhor, será bem mais interessante.

A pergunta é recorrente a quem pensa: Qual o objetivo desta vida? Viver com intensidade ou viver unicamente para estender a vida o máximo que se puder?

Quando se trata de viver com intensidade, é preciso também definir com intensidade em que. Ademais, quem viver com o objetivo de existir por mais tempo, precisa pensar a que preço e com que qualidade. 

Seguem as indagações na cabeça de quem vive a pensar: Quem viver para si somente, que sentido fará? Se viver for em primeiro lugar para pôr-se a serviço dos outros, com que objetivo o será? Em vista de reconhecimento e recompensa ou por pura abnegação e altruísmo? Quem assenta seu viver só no passado, que significado lhe terá o futuro? E se viver só para o futuro, que valor lhe fará o passado? Se, ao invés, viver no estrito momento presente, não lhe será por demais fugaz esta vida? Quando se vive apenas com vistas a conquistar outra vida, que gratuidade e espontaneidade terá esta vida de agora?

O filósofo e matemático francês René Descartes sentenciou: “cogito, ergo sum”, isto é, “penso, logo existo” ou “penso, logo sou”. Ser é mais do que simplesmente existir ou estar no mundo. Ser diz respeito à essência, enquanto que existir pode não passar de uma ocorrência factual. É complexo ser o que se deve ser neste mundo marcado pela constante destruição do que é essencial e necessário para viver.

Na clássica obra “O Pequeno Príncipe”, Antoine de Saint-Exupéry afirma que o “essencial é invisível aos olhos”. Mas, o que é o essencial e o que é o necessário? A resposta tende a ser muito relativa a cada um/a, a cada grupo social, categoria ou segmento. Muitas vezes o que é tido como necessário orienta-se pela via volátil do desejo. E quando o desejo é o parâmetro único da necessidade, este se torna insaciável.

Assista: 10 grandes lições do livro o pequeno príncipe

Na sociedade consumista, por exemplo, o ponto de equilíbrio entre necessidade e desejo é sempre uma incógnita.

Entretanto, uma necessidade constante na sociedade desigual e excludente em que vivemos é a da organização sistêmica da justiça, da democracia e da solidariedade. Esses princípios constituem-se em caminho necessário para o bem viver, como afirma o político e economista equatoriano Alberto Acosta. O bem viver representa uma mudança de paradigma em relação à corrida capitalista pelo bem estar. Enquanto o bem estar traduz a compreensão de um modo de vida individualista e efêmero, a dinâmica do bem viver prima pelo coletivo, pelo duradouro e pela visão ecossistêmica da sociedade e da natureza.

O bem viver apresenta-se como uma proposta de vida enraizada no bem comum.

Corresponde a um modo de pensar e a um jeito de viver integrado, equilibrado, respeitoso, sem carências e sem excessos, a fim de que todos/as possam ter o suficiente para uma vida digna. Implica ser e estar no mundo em sintonia e corresponsabilidade com os outros e com o meio ambiente.

Assista: Cosmovisão indígena: uma alternativa a ideologia de desenvolvimento colocada pela modernidade, que junto ao individualismo extremado tem transformado nosso mundo em uma verdadeira distopia.https://youtu.be/i9CoYWtemr0?t=568

O melhor que se pode fazer ao longo da existência é viver em função da vida. E melhor ainda é pautar-se pelo bem viver. O bem viver incorpora racionalidades, pedagogias, teologias e espiritualidades libertadoras capazes de pôr em curso uma nova sociedade. Equivale a um caminho possível e necessário para enfrentar as patologias, as pandemias sistêmicas e as diversas expressões de barbárie atual.

Autor: Dirceu Benincá

Edição: Alexsandro Rosset

Atualizações e Licenciaturas em Ensino Religioso. Por quê? Para quê?

Um padre ou pastor, por mais que seja especialista religioso, se não tiver conhecimento técnico e científico sobre investigação acadêmica, não pode dizer que sabe pesquisar de maneira científica a sua religião.

A legislação estadual do Rio Grande do Sul e as normatizações do Conselho Estadual de Educação sobre o tema apontam que o professor, licenciado em qualquer área do conhecimento, com cursos de atualização, capacitação, qualificação ou especialização em nível de pós-graduação em Ensino Religioso, que contemple a carga horária mínima de 400 horas, pode ministrar aulas de Ensino Religioso nas diferentes redes de ensino.

Hoje, já existe uma norma do Conselho Nacional de Educação que, ao instituir Diretrizes Nacionais para os Cursos de Licenciaturas em Ciências da Religião, define que essa seja a habilitação inicial para os docentes do Ensino Religioso. Nesse sentido, alguns professores têm buscado, enquanto segunda licenciatura, os cursos de Ciências da Religião oferecidos pela UFSM/UAB e EST.

Conhecendo a realidade de muitas escolas e redes de ensino percebemos que, por vezes, quem está em sala de aula como professor do Ensino Religioso nem sempre tem o devido preparo e os conhecimentos necessários, compreensões e habilidades para atuação docente na perspectiva do paradigma inter-religioso.

O Ensino Religioso precisa de uma atenção especial na formação docente, e que implica conhecer os fundamentos e metodologias mais adequadas para que esse Componente Curricular tenha como referência a formação integral do ser humano, o respeito às diversidades religiosas e o estudo das manifestações do fenômeno religioso nas diferentes culturas e experiências religiosas.

Nessa direção, destacaremos a importância da preparação de professores e professoras para um trabalho consistente, estruturado e organizado a partir de habilidades específicas e objetos de conhecimento, apresentados na BNCC e no Referencial Curricular Gaúcho do Ensino Fundamental e do Ensino Médio (RCG).

Acompanhando grupos de professores e a trajetória do Ensino Religioso nas últimas décadas no RS, percebemos a necessidade de uma formação permanente e continuada desses profissionais que atuam nessa Área de Conhecimento, no Ensino Fundamental, e neste componente curricular que faz parte das Ciências Humanas e Sociais, no Ensino Médio.

Nesse contexto, é muito importante percebermos que estão ocorrendo inúmeras iniciativas que buscam apoiar a formação inicial e continuada de professores e professoras no RS. Destacaremos duas importantes iniciativas que aconteceram recentemente em nosso estado.

FORMAÇÃO CONER – RS:  CURSO DE ATUALIZAÇÃO FUNDAMENTOS E METODOLOGIAS DO ENSINO RELIGIOSO

O professor José Adilson Antunes, hoje também Diretor Presidente do CONER-RS (Conselho do Ensino Religioso do RS) apresenta, brevemente, aspectos importantes desta formação ocorrida durante o ano de 2021.

“O curso de atualização Fundamentos e Metodologias do Ensino Religioso foi oferecido na modalidade EaD, considerando a pandemia da COVID-19 que nos conduziu a um processo de isolamento social com o objetivo garantir a preservação da vida. E também, essa modalidade de ensino remoto possibilitou que um número considerável de professores e professores realizasse um momento de atualização nos fundamentos e nas metodologias do Ensino Religioso.

O curso foi de 80 horas, totalmente online, com módulos de estudo e atividades a serem compartilhadas como forma de avaliação do aprendizado. Nesse processo, nosso maior parceiro foi o Professor Doutor Sérgio Junqueira, que já esteve no RS em vários momentos, aproximando-nos do paradigma atual do Ensino Religioso, que parte de uma ciência de referência, a Ciência da Religião, e está fundado na pesquisa, no diálogo e no respeito à diversidade religiosa e cultural de nosso país.

A necessidade de retomar os cursos de formação continuada para professores oferecidos pelo CONER-RS e de oportunizar um momento de capacitação e atualização aos docentes do RS foi a principal motivação para a sua oferta. A parceria com o professor Sérgio que, além dos módulos elaborados a partir da BNCC, incluiu um modulo sobre o RS, convidando os cursistas a refletirem sobre a caminhada do ER em nosso estado e produzirem um vídeo sobre a sua percepção, a partir dos estudos realizados, sobre o ER e sua importância na formação básica dos estudantes.

Nas duas edições realizadas, no primeiro e segundo semestre de 2021, chegou-se a um total de mais de 500 docentes concluintes, considerado um excelente número de perseverantes no ensino a distância.

Essa formação foi extremamente importante, dado contexto que a educação estadual vive quanto à implementação dos novos currículos do Ensino Fundamental e do Novo Ensino Médio. Trata-se de compreender um paradigma de Ensino Religioso alicerçado na pesquisa e no diálogo, de forma que todos se sintam respeitados e valorizados no contexto escolar, de forma a contribuir na construção de relações saudáveis para uma educação que se entende humanista e solidária”.

CURSO de Licenciatura em Ciências da Religião na modalidade EaD,  UFSM (Universidade Federal de Santa Maria)

O professor Amarildo Luiz Trevisan é uma das referências deste curso que ocorrerá novamente no segundo semestre de 2022. Atualmente, a coordenação é de responsabilidade de Noeli Dutra Rossatto.

Destacaremos, a seguir, alguns dos fundamentos para a existência e a realização deste Curso de Licenciatura que começou no ano 2017, que nos foram repassados pelo professor Amarildo Luiz Trevisan.

“Entre os objetivos do curso, está a ideia principal de potencializar a compreensão crítica e interativa do contexto, da estrutura e da diversidade do fenômeno religioso. Detalhando melhor esse requisito, os proponentes buscaram formar educadores que exerçam a docência fundamentada no reconhecimento, no respeito, na promoção e na valorização das diversidades históricas, sociais e culturais. Reconhecendo, neste sentido, o direito às diferenças e os valores da liberdade e da tolerância, o curso quis proporcionar o acesso aos conceitos fundamentais do fenômeno religioso a partir da diversidade das tradições religiosas.

A proposta pedagógica do curso deseja capacitar o estudante para a interlocução a partir das experiências religiosas trazidas pelos educandos. Mas, para isso, é preciso desenvolver o senso de criticidade, desmistificando a ideia de religião como uma doutrina de verdades absolutas, descoladas das peculiaridades de cada cultura. Basicamente, busca-se qualificar o formando com vistas a assessorar projetos de caráter ecumênico, inter-religioso, que visassem à diversidade religiosa no sentido de reconhecer, respeitar e valorizar a pluralidade e complexidade das manifestações e experiências religiosas no contexto escolar e social.

Essa proposta veio atender uma necessidade latente na formação profissional de professores no estado do Rio Grande do Sul, pois este ainda aplica a lógica de relegar o ensino religioso aos professores que precisavam complementar a carga horária, ao invés de levar essa unidade escolar com a seriedade solicitada pela legislação brasileira, não só a LDBEN, como também a BNCC. Com isso, em muitas escolas ou o ensino religioso ainda é ministrado de qualquer jeito, por professores que não têm interesse acadêmico na temática, ou é ofertado sem critérios, por docentes que embora sejam preparados para ensinar as suas disciplinas, não tenham qualificação técnica para ensinar especificamente sobre o tema religião em um estado laico.

Acreditamos que o que mundo acadêmico procura manter clara é a distinção entre “pesquisar sobre religiões” e “fazer religião”. Estudar um objeto é diferente de fazer parte dele. O fato de ser adepto de uma religião não é o mesmo que ser cientista. Um padre ou pastor, por mais que seja especialista religioso, se não tiver conhecimento técnico e científico sobre investigação acadêmica, não pode dizer que sabe pesquisar de maneira científica a sua religião”.

Link para inscrições e maiores informações: https://www.ufsm.br/cursos/graduacao/educacao-a-distancia/ciencias-da-religiao/

Ensino Religioso no Ensino Médio do RS

Como registra o Referencial Curricular Gaúcho Ensino Médio, na página 111, “no Rio Grande do Sul, o Ensino Religioso é parte integrante do currículo do Ensino Fundamental e Médio, atendendo ao disposto na Constituição Estadual de 1989, compondo, juntamente com as demais áreas do conhecimento, um todo orgânico e interdisciplinar, com foco na construção efetiva de aprendizagens significativas. Nesse sentido, o RCG afirma o reconhecimento das diferentes religiosidades na formação histórica e cultural dos diferentes povos de toda humanidade e na afirmação de valores que promovam o respeito, a alteridade, a ética e a convivência pacífica como pilares de uma sociedade justa e equilibrada, superando os fundamentalismos dogmáticos que reforçam os anátemas”.

Conheça as 10 habilidades que dialogam diretamente com a execução deste componente curricular no Ensino Médio do RS: https://www.neipies.com/ensino-religioso-no-referencial-curricular-gaucho-do-ensino-medio/

Edição: Alexsandro Rosset

Do outro para o Tu: superando a digitalização da vida

A tecnologia está nos confinando cada vez mais a uma individualidade solitária.

O ser humano é um ser capaz de desenvolver todas as suas potencialidades no encontro com o outro. Há algo tão misterioso nisto, tão grande que muitas vezes ultrapassa quaisquer previsões antropológicas ou metafísicas que possamos arriscar. No encontro com o outro, eu me reconheço como alguém diferente daquele que me precedeu, mas ao mesmo tempo não posso deixar de reconhecer nossa semelhança ontológica.

De alguma forma, quando dou espaço ao outro dentro do meu espectro vital, o outro é capaz de entrar em mim e me transformar. Gabilondo diz: “A irrupção do outro, aquela que não ilude o movimento em direção a ele nem a experiência viva de separação e não possessão, pode chegar a transbordar aquilo que vai precisamente em direção ao outro e se tornar uma busca pelo futuro infinito”
[1].

Sempre que nos abrimos para o outro, pela própria diferença que se revela em sua pessoa, podemos começar um caminho que excede em muito nossas próprias expectativas. O quanto perdemos ao nos fecharmos ao encontro de tantos outros que podem renovar e dar um novo sentido à nossa vida!

Junto com várias dificuldades que temos dentro da cultura neoliberal, que promove o individualismo e a competividade, consideramos a digitalização da vida um desafio complexo.

O mundo dominado pela tecnologia, com o qual convivemos diariamente com nossos telefones celulares, nos separa cada vez mais dos outros. Não procuramos mais nos encontrar para nos enriquecer, mas apenas “contatar” uns aos outros através de redes sociais.

Escrevemos frases, colocamos fotos onde marcamos outras, enviamos mensagens escritas por wasap, mas não temos contato: não tocamos uns nos outros. Somos até preguiçosos para fazer ligações telefônicas.

Os emoticons tomam o lugar dos sentimentos. A tecnologia, que poderia nos fazer conhecer muito mais sobre os outros como um primeiro passo, acaba nos distanciando. Isso nos habitua a não fazer um esforço para enfrentar o desafio de estar no mesmo lugar durante o mesmo período de tempo e nos conhecermos melhor. Estamos nos acostumando a viver juntos.

Há vários anos, Ivan Illich disse: “Dependendo se eu o domino ou ele me domina, a ferramenta ou me amarra ou me separa do corpo social”[2].

A tecnologia está nos confinando cada vez mais a uma individualidade solitária.

Favorecido pelos telefones celulares, o ser humano é transformado em uma máquina dominada e manipulada por aqueles que criam sistemas de computador. Eles são humanos sem humanidade desenvolvida, são pessoas com pouca personalidade semeada neles. Eles são seres com poucos ou muito poucos laços, convencidos de que ter “amigos” nas redes sociais é suficiente.

Como Byung-Chul Han afirma: “Hoje em dia não queremos estar apegados a coisas ou pessoas. Os anexos são inoportunos. Eles tiram possibilidades de experiência, ou seja, a liberdade no sentido consumista”[3]. Isto se refere ao desejo de consumismo que nos domina e que não nos permite ver no outro alguém que pode me enriquecer, mas apenas algo que eu devo consumir, como outro produto.

Como os telefones celulares ou as roupas que compramos, as pessoas são escolhidas momentaneamente de acordo com o que é vantajoso para mim, mas assim que elas se tornam desnecessárias, eu as descarto. É a cultura descartável.

Consumimos pessoas até que nosso apetite esteja satisfeito, seja sexual, intelectual ou simplesmente no sentido utilitário.

Se nos deixarmos enriquecer pela presença dos outros, se aprendermos a tomar consciência de sua presença, então nossa vida tem a possibilidade de mudar e seremos capazes de superar a digitalização da vida que levamos.

Não mais andaríamos como seres itinerantes buscando ser valorizados, porque o reconhecimento do outro me leva a ser reconhecido por eles. Quando há esta troca de olhares, quando há um encontro, há um relacionamento. Não há relação com objetos tecnológicos, nem com aqueles que estão em contato com eles. Nisto há uma coisificação do outro através de um intermediário mecânico.

Por outro lado, quando o outro entra na minha esfera de preocupação, há um relacionamento. Nesse relacionamento há uma troca onde o outro me estende a mão e onde eu posso ir até ele. Como disse Martin Bubber: “O Tu vem ao meu encontro. Mas sou eu quem entra em relação direta e imediata com ela. Assim, relacionamento significa escolher e ser escolhido; é tanto um encontro ativo quanto um encontro passivo”[4].

Quando deixamos o outro entrar em nossas vidas de forma ativa, quando o encontro desejado acontece, não é mais apenas outro: é um Tu que me reconhece como um eu. E neste reconhecimento há a possibilidade de superar a coisificação. E neste reconhecimento surge a possibilidade de superar a coisificação.

Ante do Tu há olhares, há vozes, há carícias, abraços, beijos, que me fazem experimentar o calor na pele. O que não é experimentado através das redes sociais. “O mundo de hoje é muito pobre em aparência e vozes. Não olha para nós nem fala conosco. Ela perde sua alteridade. A tela digital, que determina nossa experiência do mundo, nos protege da realidade”[5].

O Tu que fala comigo, faz ressoar sua voz dentro de mim e exige uma resposta que me capacita a ajudá-lo e a colocar-me à sua disposição.

A tecnologia nos remete ao não reconhecimento do outro. Colocando-nos frente a frente, no mesmo espaço ou lugar, recebendo o outro, convertido por minha vontade em um Tu, podemos reverter a solidão em que nos encontramos. A partir disso, sou um Eu reconhecido por ele. Devemos reaprender a nos relacionar, a nos encontrar e a nos reconhecer. Nisto, podemos superar a digitalização em que vivemos hoje.

Fruto de um sistema capitalista, a única resposta que a tecnologia pode trazer é mais tecnologia. Ela é só uma ferramenta, não há consciência nela. Tudo que ela faz é fruto de ideias de gente como você. ( Luli Radfahrer,  professor-doutor da USP) Leia mais: https://www.neipies.com/voce-e-um-so/


[1] Gabilondo, Ángel, La vuelta del otro. Diferencia, identidad, alteridad, Madrid: Trotta, 2001, p. 204.

[2] Illich, Iván, La convivencialidad, Buenos Aires: Tierra del Sur, 2019, p. 31.

[3] Han, Byung-Chul, No-cosas, Madrid: Taurus, 2021, p. 26.

[4] Bubber, Martin, Yo y tú, Buenos Aires: Galatea Nueva Visión, 1960, p. 16.

[5] Han, Byung-Chul, Op. Cit. p. 71.

Autor: Diego Pereria Ríos

https://orcid.org/0000-0002-2202-915X

https://www.linkedin.com/in/diego-pereira-rios-62917713b/

Edição: Alexsandro Rosset

Conhecimento, cuidados e vacina no braço!

Devemos combater as notícias falsas e as muitas inverdades para garantirmos uma maior eficácia no combate à Covid-19, evitando a morte injustificada de milhares de pessoas.

Vacinas! Criadas e desenvolvidas pelos humanos como formas de proteção contra vírus e bactérias causadoras de doenças letais, capazes de erradicar doenças como a varíola. No entanto, nos últimos séculos e nas últimas décadas, tornaram-se alvo de questionamentos sobre eficácia e sobre eventuais efeitos colaterais e nocivos ao ser humano. O movimento anti-vacina e negador da ciência estaria sustentado em quais razões? E uma destas razões não poderia ser o senso comum deturpado irradiado pelas diferentes redes sociais?

Importante destacar que as primeiras manifestações públicas contrárias à vacina datam do século XVIII, ou seja, não é algo recente. Porém, com a propagação de doenças infecciosas ao longo dos séculos como a Peste Negra, a Varíola e a Febre Amarela, a eficácia das vacinas consolidou-se vital para a diminuição do número de óbitos. Mesmo assim, a população, por vezes, manifestou-se desfavorável a esse tratamento, como na Revolta da Vacina, em 1904, no Brasil, contra a obrigatoriedade da vacinação e contra a varíola e contra as campanhas de saneamento da cidade do Rio de Janeiro, lideradas por Oswaldo Cruz. Nesta situação específica, com a influência de grupos com ideias radicais contra as vacinas, a falta de escolarização, as mentiras e um senso comum deturpado contribuíram com certo êxito deste movimento que negava a ciência. Deste episódio, resulta que o Rio de Janeiro suspendeu a obrigatoriedade das vacinas e, em 1908, quase 6.400 pessoas perderiam a vida para a varíola.

A Revolta da Vacina comprova que o negacionismo sempre tenta exercer influência na sociedade e que agora, com a revolução digital, durante a pandemia da Covid-19, demonstrou novamente sua força.

Mais recentemente, “politização da pandemia”, um presidente e um governo negacionista, a radicalização e o uso da religião para afirmar as “vacinas como um pecado contra Deus”, o excesso de informações, as fake news, utilizaram dos meios digitais para negar a ciência e para manipular as pessoas através de questionamentos de outros conhecimentos científicos que salvam vidas. Na prática, este movimento negacionista já afeta o calendário de vacinação das crianças no Brasil, afrontando inclusive o Estatuto da Criança e do Adolescente que, em parágrafo único afirma: “é obrigatória a vacinação das crianças nos casos indicados pelas autoridades sanitárias”.

A ciência, através de seus avanços e das descobertas de novas vacinas, é a razão de já termos erradicado diversas doenças letais. Sem a ciência, a humanidade ainda estaria sofrendo catastroficamente por conta de muitos vírus destruidores de vidas. Negar a ciência é tolo, atitude fútil e pode levar a graves consequências num futuro próximo.

Infelizmente, o negacionismo, que já existia, se fortalece com as novas mídias e redes sociais, substituindo o senso crítico por um errôneo senso comum.

Devemos combater as notícias falsas e as muitas inverdades para garantirmos uma maior eficácia no combate à Covid-19, evitando a morte injustificada de milhares de pessoas. O que deveria nos mover é: conhecimento, cuidados e vacina no braço!

Assim como o conhecimento, a ignorância é uma construção. Ignorância não é simplesmente falta de conhecimento. Pelo contrário, a ignorância tem sido ativamente construída e produzida socialmente dentro de determinados contextos e processos políticos. Compreender a produção da ignorância é essencial para saber como enfrentá-la com conhecimento e informação. (Autor Richard Parker) Leia mais: https://www.neipies.com/covid-19-e-a-producao-da-ignorancia/

Autor: Luís Gustavo Dalchiavon Pies, Estudante terceiro ano Ensino Médio.

Edição: Alexsandro Rosset

UPF incentiva as Cidades Educadoras

“A Cidade Educadora se constitui em atos que vão desde a participação da criança na esfera pública até a organização de espaços e tempos para que as pessoas vivam a cidadania plena em todos lugares da cidade”, ressalta a professora Adriana Dickel.

Um grupo liderado pela Universidade de Passo Fundo (UPF) e composto por representantes de prefeituras da região realizou uma viagem técnica para o município de Rosário, na Argentina, na última semana. A visita ocorreu em preparação ao III Encontro das Cidades Educadoras da Região Norte do RS, marcado para os dias 19 e 20 de maio, em Marau. A viagem teve por objetivo conhecer o modelo implementado que inclui as crianças nos processos de pensar e participar ativamente da vida na cidade argentina. A UPF é uma das mais importantes instituições no debate das cidades educadoras no Brasil.

Rosário, na Argentina, é considerada a protagonista das Cidades Educadoras na América Latina e integra a Associação Internacional de Cidades Educadoras (AICE) há 26 anos.

Entre os motivos estão ações como trabalhar integradamente na perspectiva de melhoria da qualidade dos espaços públicos que foram ressignificados; melhoria da educação formal e integração entre escola e cidade; além da descentralização de iniciativas culturais. Também entre as ações que desenvolve está o Tríptico da Infância.

A professora Dra. Adriana Dickel destaca que, em Rosário, o grupo pode conhecer experiências bastante significativas relacionadas à participação das crianças e jovens nos destinos da cidade. “Conhecemos o Tríptico da Infância que se constitui em três locais bastante planejados e organizados para que crianças e familiares possam, de forma bastante espontânea e monitorada, brincar”, pontua. Os três espaços que constituem o Tríptico são a Granja da Infância, a Ilha dos Inventos e o Jardim das Crianças. “Esses três espaços têm um princípio básico em comum que é permitir que a criança vivencie, no âmbito da cidade, experiências sensoriais, emotivas e cognitivas as mais diversas. Situações que dificilmente vivenciariam apenas na escola enquanto ambiente formal de ensino”, destaca. A professora pontua ainda que muitos dos projetos conhecidos na visita podem servir de inspiração e serem adaptados à realidade das Cidades Educadoras da região.

Foto: Arquivo pessoal

UPF incentiva as Cidades Educadoras

Nos últimos anos, a Instituição contribuiu para a disseminação do conceito e no apoio às experiências das cidades da região norte do Estado no processo de adesão à Carta da AICE, elaborada em 1990 e revista em 2004. Com o apoio da UPF, os municípios de Passo Fundo, Carazinho, Guaporé, Marau, Sarandi, Soledade e Camargo integram o movimento internacional. A região Norte do RS é a região em que se concentra o maior número de Cidades Educadoras do país, com sete municípios.

Conforme o vice-reitor de Pesquisa, Pós-Graduação, Extensão e Assuntos Comunitários da UPF, Dr. Rogério da Silva, isso é um desdobramento direto do papel que a Instituição protagonizou nessa construção.

Além da divulgação da ideia-força das cidades educadoras na região, quando os municípios aderem ao movimento internacional e à AICE, a Universidade trabalha de forma ampla na assessoria, com ações desde a formação de gestores; organização de eventos como o Encontro Regional – que acontecerá em Marau neste ano -; formação de professores; assessorias pontuais às prefeituras a partir de outras dimensões de políticas públicas, como saúde e assistência social; debate e formação na relação criança e cidade; e uso da cidade para todos os ciclos da vida. 

Comprometimento dos municípios

O prefeito de Marau Iura Kurtz destaca que, desde que Marau aderiu ao documento, houve uma mudança nas práticas. “Todas as ações e investimentos do município passaram a ter um olhar voltado aos objetivos da Carta”, comenta. A intenção com a participação na comitiva foi conhecer de perto as experiências de um dos principais exemplos de sucesso de ações práticas relacionadas à Carta das Cidades Educadoras.

Marau já identifica avanços. A secretária de Educação Simone Costenaro Ribeiro pontua avanços na área social e educacional com implementação de programas de acesso aos marauenses com foco nas questões raciais, de valorização e proteção da mulher, e de qualificação dos estudantes; ainda melhora na qualificação e valorização dos profissionais por meio da oferta de momentos de reflexão e esclarecimentos sobre os princípios da Carta das Cidades Educadoras.

Ações intersetoriais

Soledade aderiu à Carta das Cidades Educadoras no ano de 2019. O movimento que teve início na área da educação hoje se expandiu e é tratado de forma intersetorial na gestão do município.

Conforme a secretária de Educação Ádria Brum de Azambuja a prefeitura realiza conversas e acompanhamento permanente do andamento das ações como a criação e manutenção de canais de comunicação entre a comunidade e a gestão municipal, a formação continuada de professores, ações que estimulem o protagonismo de crianças e jovens, e de desenvolvimento integrado do meio rural.

Ainda, um dos grandes objetivos do município é envolver toda a cidade no processo de educar. “Queremos que as crianças possam ter o currículo desenhado não apenas como escolar, mas de cidade que contribui para o desenvolvimento integral das crianças e dos demais sujeitos da cidade, sempre com vistas a um processo de humanização nos diferentes espaços de convivência”, complementa. Para a secretária, a ida a Rosário possibilita conhecer a experiência da cidade argentina e compreender o cenário a fim de mobilizar experiências semelhantes em Soledade.

O que é ser uma Cidade Educadora?

A proposta das Cidades Educadoras é, por meio da educação, fazer das cidades um espaço de cidadania livre, responsável e solidária. Para isso, três grandes princípios norteadores são estabelecidos: o direito à cidade educadora, o compromisso da cidade, e o serviço integral às pessoas. A partir destes princípios, há o desmembramento de objetivos, dentre eles a educação inclusiva ao longo da vida; acesso à cultura; governança e participação dos cidadãos; sustentabilidade; promoção da saúde; promoção do associativismo e do voluntariado; e educação para uma cidadania democrática e global.

“A Cidade Educadora se constitui em atos que vão desde a participação da criança na esfera pública até a organização de espaços e tempos para que as pessoas vivam a cidadania plena em todos lugares da cidade”, ressalta a professora Adriana.

A partir da adesão à Carta, os municípios, por meio do poder público, entidades e instituições, se comprometem a colocar em prática os objetivos e princípios presentes no documento. O Rio Grande do Sul é o Estado brasileiro com mais cidades na Associação Internacional das Cidades Educadoras, tendo atualmente 12 municípios membros, sendo que muitos deles contaram com o apoio da UPF para o ingresso na AICE.

Assista: Como tornar uma Cidade Educadora? – por Márcio Taschetto

Fotos: Divulgação UPF

Edição: Alexsandro Rosset

Alienação parental: não coloque o seu filho contra quem o ama

É preciso respeitar a criança e nunca tirá-la do convívio de quem ama. O amor e cuidado são importantes às criancinhas.

Alguns pais quando se separam, um fica com a guarda da criança e o outro só a visita em tempos combinados ou determinados pela justiça.

Ocorre que existem pais ou mães que costumam colocar as crianças contra o outro genitor, aquele que não tem a guarda. Falam coisas desagradáveis à criança sobre o outro genitor, diz que ele não merece confiança, que não a ama, que não veio buscá-la para passear porque não quis e por aí vai. Os pais e avós que fazem isso estão causando um mal irreversível na criança que só será percebido quando ela estiver maiorzinha.

A pequena criança acredita naquilo que lhe dizem e passa a desgostar do outro genitor de quem tanto amava anteriormente, passa a vê-lo como uma pessoa estranha e até mesmo aparece o medo de estar com o outro genitor porque ele oferece risco a sua vida.

De tanto que foi colocado no seu pequeno pensamento de que o outro genitor é uma pessoa ignorante, agressiva, incompreensiva e maldosa, a criança passa a fugir dele evitando passeios, festas ou ficar sozinha com ele.

Esse é um problema sério e que machuca muito o genitor que vive distante da criança e que vê as possibilidades de aproximação cada vez diminuírem pela alienação parental provocada por quem está com a guarda da criança.

Precisamos amar as crianças como elas merecem. Não podemos colocar os nossos filhos contra os seus próprios pais ou avós. Eles devem ficar perto de quem amam sempre que desejarem.

É inconcebível provocar medos numa criança sobre o genitor que já não convive mais dentro de casa, que pediu o divórcio e foi morar em outro lugar ou que por algum motivo precisou se separar do seu filho ou neto.

As crianças sofrem quando dizem para elas que aquela pessoa que tanto amavam passou a ser uma espécie de monstro.

Assustar a criança com mentiras em relação ao seu genitor distante é um ato de violência contra as suas emoções e amor aqueles que tanto amam e admiram.

A criança além de sofrer com a separação do genitor que tanto ama ainda passa a sofrer alienação parental. No seu pequeno mundo ela sente-se abandonada pelo outro, rejeitada e esquecida. Vive sentimentos de desconforto quando está próxima do outro genitor quando vai visitá-la.

Em certos casos, as crianças passam se tremer de medo, outras fazem xixi nas calças e ainda há aquelas que gritam para não ficarem sozinhas na presença do outro genitor.

É muito triste a alienação parental.

Os pais e avós que fazem isso precisam saber que estão provocando um grande mal a saúde psicológica das suas crianças e contribuindo para que se tornem adolescentes problemáticos.

Os motivos de quem pratica a alienação parental são a vingança em relação aquele que não mais o ama e não quer mais viver uma relação amorosa; logo, o genitor rejeitado pelo parceiro não consegue poupar o próprio filho das suas tristezas e decepções com um casamento acabado.

A criança não poderia ser o alvo de vingança, mas é o que ocorre desde há muitos tempos e que só agora recebeu o nome de alienação parental.

Existe lei para proteger as vítimas desses abusos e aqueles que se sentirem prejudicados devem procurar ajuda da justiça como também de psicólogos que possam desfazer essa ideia que foi colocada no pensamento da criança de que o genitor que não mora mais na mesma casa virou um desconhecido que pode fazer-lhe mal.

Quando amamos uma criança só pensamos no seu bem-estar. Alguns pais dificultam o contato dos genitores com os filhos, realizam campanha de desqualificação deles, omitem informações da criança sobre o desenvolvimento escolar, dados médicos e até mesmo alterações de endereço. Mudam de domicílio sem informar o novo endereço para deixarem a criança distante do genitor não detentor da guarda.

Aprendam a amar os seus filhos. As atitudes negativas afetam a criança que não compreende direito o que está ocorrendo com o genitor distante. É preciso respeitar a criança e nunca tirá-la do convívio de quem ama. O amor e cuidado são importantes às criancinhas. Não use a sua criança como vingança para uma separação amorosa. Proteja-a. Ela vai precisar de amor.

 “Criança não namora nem de brincadeira, criança brinca, criança é amiguinha da outra e apenas isso. As crianças têm vínculos de amizade inocentes e cheios de carinho, gostam de abraçar, beijar, ficar junto, mas tudo isso não significa que seja com outras intenções senão as de demonstrar afeto pelo amiguinho”. Leia mais: https://www.neipies.com/crianca-nao-namora-nem-de-brincadeira/

Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alexsandro Rosset

Os sonhos das coisas

Tenho medo de não saber dizer não quando o sonho das armas pedir realidade.  Melhor mesmo é ter em casa só grãos e sementes. De alimentos e de flores.

Quanto às sementes, minha mãe falava a verdade. Feijão cozido com pé de porco é um desperdício. Serve apenas para matar a fome, não cumpre seu sonho de perpetuar a espécie dos feijões. Nada adianta dar-lhe cova e adubo, apodrece e não vinga. O feijão preparado para ser alimento frustrará um de seus sonhos. Mata a fome, mas não brota. Escolhido entre pedras e carunchos, o grão vai à panela com sonho também escolhido. Os sonhos do feijão são alternativos e não aditivos. Se matar a fome, não germina. Se germinar, não mata a fome.

Minha mãe achava certo não comer sementes de flores. Inda bem, nos dizia. Flores nascem para esperar a primavera. Ela apenas se resignava a entregar algumas, de girassóis, para uma caturrita já velha.  “Compensamos com flores o voo que lhe roubamos na vida”, justificava.

Sobre o sonho das coisas e sua ânsia em realizá-los, Jorge Luis Borges conta em O Punhal. Enquanto alguns se divertem enfiando-o e tirando-o da bainha, sente-se, o punhal, frustrado e inútil. De que lhe valeu o sofrimento da têmpera e forja? Quer matar, quer sangue. “Numa gaveta da escrivaninha, entre rascunhos e cartas, interminavelmente sonha o punhal seu singelo sonho de tigre, e a mão se anima quando o rege porque o metal se anima, o metal que pressente, em cada contato, o homicida para quem o criaram os homens.

Às vezes tenho pena. Tanta dureza, tanta fé, tão dócil ou inocente soberba, e os anos passam, inúteis”.

Tem dias que habito o sonho das coisas e seu latente desejo de vir à tona.  Além do sonho das sementes, naturalmente engendrado, há coisas nascidas da imaginação do homem com seus desejos também humanos.  Natural ou inventado, todo sonho possui uma força indomável para a realidade. As batatas e as cebolas brotam na despensa, os venenos vazam dos frascos. Por trás das coisas, há um poder maior que elas, sonho para o qual foram plasmadas.

Se o sonho das coisas não se tornar realidade, sempre haverá frustração.  Um livro não lido, uma roupa esquecida, uma panela no armário, um perfume vencido. Livro fechado, uma imaginação morta. Se a roupa não foi vestida, alguma beleza ocultou-se. Se a panela não foi usada, uma ceia deixou de ser feita. Se o perfume evaporou, um cheiro cítrico se perdeu para sempre.

Enxertando uma utilidade antes inexistente, pessoas traem o sonho original das coisas. Utilidade não é sonho, não o substitui.

O livro guardando recortes, o vestido tapando uma fresta, a panela aparando goteiras e o perfume incendiando as achas de lenha. Caberá ao sonho resignar-se à espera de um tempo propício, ou à eterna frustração imposta.

Quando uma pessoa desvia o sonho das coisas, torna-se responsável pelos resultados. Porque traiu o sonho latente enxertando outro impróprio e extrínseco. É o caso de se usar um tijolo, com seu sonho de casa, para estraçalhar um ser vivo. Ou quando uma faca de cozinha, com seu sonho de cortar alimentos, transpassa átrios e ventrículos.

Por causa dos sonhos latentes nas coisas é que nunca terei armas em casa.  Na bala e na arma, como no punhal de Borges, haverá um sonho buscando alguém para realizá-lo. Tanto metal forjado e inútil.

Tenho medo de não saber dizer não quando o sonho das armas pedir realidade.  Melhor mesmo é ter em casa só grãos e sementes. De alimentos e de flores.

São Francisco de Assis pedia para ser instrumento de paz. Os cristãos de hoje preferem pedir para Deus balas e revólveres. Seria aquela história do Semeador jogando sementes a primeira fake bíblica? Teriam os tradutores trocado as balas do Semeador por sementes para mostrar um Jesus mais pacífico?

O sonho das balas é serem rosas?

Autor: Pablo Morenno

Edição: Alexsandro Rosset

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