Economia de acumulação, excesso antropocêntrico e mundo insustentável

“A economia é como um organismo faminto em fase de crescimento. Ela consome recursos naturais como árvores, peixes e carvão. Deles, produz energia e bens úteis e cospe resíduos como dióxido de carbono, lixo e água suja. A maioria dos economistas se preocupa com o sistema circulatório do organismo e em como a energia e os recursos podem ser eficientemente alocados. E tende a ignorar seu sistema digestivo: os recursos que o organismo consome e o lixo que produz. Os economistas pressupõem que ambos sejam infinitos.”

(Revista Época, abril de 2009)

Olhar atento aos desdobramentos da epígrafe aqui mencionada, não resta dúvida de que, pelo paradigma civilizacional, “o modo de funcionamento da humanidade”, como sustenta com elevada razão Aílton Krenak, “entrou em crise”.

Assim sendo, pela força dos acontecimentos, agora vivemos tempos [anormais] de crise ecológica, crise socioambiental, crise de civilização propriamente dita, enfim, uma gravíssima crise gestada sobretudo pelo modo de produzir da modernidade. E isso, é claro, deixa a Natureza devastada, os Ambientes fragmentados, o Planeta adoecido.

Vale dizer, sem cerimônias, que, em toda a nossa história de vida, jamais havíamos interferido radicalmente na saúde planetária, no corpo dos ecossistemas.

A esta altura, insistindo com a crítica, pelo processo produtivo de subtrair recursos naturais (decerto, ignorando os limites do planeta), tanto mais profunda a transformação da dinâmica ecológica. Para piorar, tudo se complica ainda mais por um motivo simples de entender: “nosso tempo”, como identifica a filósofa espanhola Marina Garcés, “já não é o da pós-modernidade, mas o da insustentabilidade”.1

Insustentabilidade, cabe rápido comentário, é a condição de tudo aquilo que não se pode sustentar (manter). E é esse, reiteradamente, o caso da insustentabilidade ambiental de agora, agravada, como se sabe, pela impossibilidade de comportar economias modernas cada vez mais viciadas em crescimento ininterrupto – paradigma da racionalidade econômica, tecnocientífica, influente e dominante. O edifício estrutural da civilização contemporânea, digamos assim, levantado pelas elites de poder, tão interessadas em manter o status quo.

Em nosso sentir, dentro dessa concepção, quando o crescimento das modernas economias globais vem com mais força, vem junto a degradação ecológica, multiplicando adversidades ambientais (erosão ecológica, com efeito, talvez seja o termo mais apropriado).

Seja como for, diante de nós, nesse vasto mundo de abundâncias que a cultura ocidental aprendeu a admirar, o veneno daí extraído atende pelo nome de emergência planetária. Exatamente aquilo que os negacionistas (ferrenhos adversários da ciência) insistem em negar.

Contudo, para o caso de reforçar assertivas, imaginamos assim que isso tudo tem a ver com o tipo de desenvolvimento que a tribo humana resolveu adotar e que, cada vez mais fácil de notar, está nos levando ao desastre. Logo, bastante significativo, a questão principal, a nosso ver, está na mesa: diante da pegada mortal do carbono nos tornamos um perigo para nós mesmos.

Ademais, notar-se-á que, à luz do antropocentrismo moderno, já se diz abertamente que nos especializamos em afrontar a biosfera (o conjunto de todos os ecossistemas da Terra). Portanto, na mesma extensão, é lícito concluir que com nosso estilo (consumista) de vida, com nosso jeito de viver e conviver em sociedade, não cessamos de produzir perturbações nos processos da natureza. Afetamos a biodiversidade e, que fique muito claro, com a economia moderna que nos guia e que determina os destinos mundanos, ajudamos a promover devastação ambiental. Aliás, já colocamos em situação de risco de extinção mais de 1 milhão de espécies vegetais e animais.

Continuamos a mudar o curso de rios e a transformar florestas inteiras em cinzas. Pelos declarados interesses por trás da pata do boi e da soja, derrubamos a vegetação natural. Contaminamos o solo que nos dá o alimento, destruímos as colheitas, devastamos biomas inteiros. Agora mesmo, nada menos que 47% das bacias hidrográficas do mundo apresentam sinais de esgotamento.

O que isso mais quer dizer? Ora, nesses tempos de temperaturas “extremamente” perigosas, não cessamos de dar provas de que fomos, em grau maior ou grau menor, doutrinados a enxergar a Natureza – eixo de tudo, matriz da vida – como um imenso e inesgotável baú, por isso, sequer hesitamos em consumir em excesso os recursos naturais, sem preocupação alguma com a eficiência de nossas economias, sem que se respeite o tempo de regeneração do mundo natural.

Moral da história: na complexidade das sociedades modernas, seduzidos pela ideia de que o crescimento econômico – sempre o crescimento, o fazer mais para o must have, isto é, “você tem que ter” – nos dará mais prosperidade, mais sucesso e mais conquistas sociais, tendemos a valorizar a quantidade (essência própria do crescimento) do que a qualidade. Nessa direção, pode parecer estranho, mas a massa construída (estradas, prédios, máquinas, instalações etc) pela inteligência humana já supera o peso de todos os seres vivos do planeta.

De todo modo, queremos enfatizar: na história do mundo moderno, é a primeira vez que atingimos tal estágio.

Desnecessário dizer que daí emergem consequências. Assim sendo, pelo avanço desse capitalismo ocidental e masculino, os eventos climáticos extremos continuam nos mostrando até onde a crise climática chegou e até onde o aquecimento (anormal) da atmosfera se torna catastrófico. De igual maneira, pelo conhecimento científico, somos devidamente informados que as ondas de calor extremas podem dobrar até 2050 e que cada uma das últimas quatro décadas, quando analisados documentos oficiais do IPCC, Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, foi sucessivamente mais quente do que qualquer outra década que a precedeu desde 1850.

De resto, pelos fatos, é dado saber outros que tais: i) a temperatura da superfície da Terra foi 1,09 graus mais alta entre 2011-2020 do que entre 1850-1900; ii) as concentrações atmosféricas de CO2 foram maiores, nesse período, do que em qualquer momento em pelo menos dois milhões de anos e, iii) as concentrações de metano e óxido nitroso foram as maiores dos últimos 800 mil anos.2

Particularizando a questão, a ciência alerta que: i) setenta e sete por cento da terra e 87% do oceano foram alterados pelo antropocentrismo arrogante e alheio à causa ecológica e; ii) setenta por cento dos sinais vitais da Terra estão em estado crítico.

Logo, não desviando o olhar dessas gritantes anomalias, é tempo de admitir que o estado ambiental do mundo já atingiu um grau jamais alcançado. Simplesmente, depois de dez mil anos de estabilidade do clima, conseguimos – juntamente com nossa economia linear, vale repetir – reverter a causa básica do clima.

Tal e qual, entre a desordem e o caos da realidade biodiversa desse momento, pesa constatar que comprometemos o destino ecológico de todos.

Assim, fato consumado, não há como esconder. Desde que “a economia se tornou uma religião”, repetindo o usual comentário de Jean-Claude Guillebaud, ensaísta francês, tanto o equilíbrio ecológico do planeta quanto às condições ecológicas conhecidas, seguem radicalmente abaladas.

E nesse caso, vamos ainda lembrar: vinte por centro da biodiversidade original já foi perdida; 30% dos ecossistemas naturais de água doce desapareceram desde 1970; 60% dos principais serviços ecossistêmicos e processos biológicos de nosso planeta vivo estão seriamente deteriorados.

Em outras palavras: pelo capitalismo consumista de natureza, o nível de superexploração de capital natural, como se supõe, saiu de controle.

Fechando o raciocínio, em tempos atuais de excessos antropocêntricos e de economia destrutiva, pensada tão somente para o curto prazo e para o lucro imediato, convém voltar à narrativa, forte, como de costume, de Aílton Krenak, nosso Imortal: “(…) entramos, na verdade, em um período distópico em que as florestas, os rios, os oceanos, tudo o que é manancial de vida, está sendo disputado como se estivéssemos, de verdade, num fim de mundo”.

Posto isso, nesse hipotético “fim de mundo”, para tocar de vez o dedo na ferida, coube ao naturalista francês Theodore Monod (1902-2000) registar, em seu tempo, que, sim, “somos capazes de comportamentos insensatos e dementes; a partir de agora, se pode temer tudo, inclusive a aniquilação da espécie humana; esse seria o preço justo por nossas loucuras e crueldades”.

Da mesma forma, e com o mesmo viés, o poeta Paul Valéry (1871-1945) assim escreveu em 1932: “jamais a humanidade reuniu tanto poder a tanta desordem, a tantas preocupações e a tantas manipulações, a tantos conhecimentos e a tantas incertezas. A inquietude e a futilidade se justapõem em nossos dias.

Convenhamos: é difícil discordar de cada um deles.

Autores:

(*) Paulo Betti é ator, autor e diretor. Já atuou em mais de 40 peças de teatro, doze das quais sob sua direção. Interpretou vários personagens marcantes no cinema e na TV, com destaque especial para “Lamarca” e o “Visconde de Mauá”. Escreveu a peça “Autobiografia Autorizada”, entre outros.

(**) Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental. Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo – USP (2005). Autor de Civilização em desajuste com os limites planetários (CRV, 2018) e A Civilização em risco (Jaguatirica, 2024), entre outros.

Notas:

1 GARCÉS, Marina. Novo Esclarecimento Radical. Âyné, Rio de Janeiro:2020.

2 Consultar IPCC, Mudança do Clima 2021, A Base Científica. Disponível em: < https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/sirene/publicacoes/relatorios-do-ipcc/arquivos/pdf/IPCC_mudanca2.pdf>

Edição: A. R.

Desafios para a valorização da herança africana no Brasil

Infere-se que a valorização da herança africana no Brasil é essencial para a constituição cultural do país, mas é impedida pelo medo do desconhecido.

Ocupamos esta coluna para compartilhar, refletir e contribuir com o debate que foi tema de Redação do Enem 2024 “Desafios para valorização da herança africana no Brasil”.  Convidamos leitores e leitoras para apreciar o texto da estudante Pâmela da Silva Silva, do Colégio Tiradentes da Brigada Militar de Passo Fundo, no qual ela comenta facetas demandadas por repertórios e argumentos que demonstram o quão é rica e diversificada a herança africana, porém desconhecida e desvalorizada. A escolha de seus repertórios para defender sua tese demonstra exemplos práticos e históricos usando a própria literatura como principal referência.

Boa leitura!

Segue o texto.

“Machado de Assis, renomado autor brasileiro, sempre foi negro, porém, só passou a ser reconhecido como afrodescendente após pesquisas acadêmicas comprovarem que ele teve sua ascendência africana ocultada devido à cultura eurocêntrica do século XIX. Esse fato representa um grande avanço no reconhecimento do legado cultural africano na composição da identidade brasileira, dado que esse grupo é responsável por boa parte da multiplicidade cultural que compõe o Brasil. Contudo, a valorização dessa herança ainda é impedida pela mentalidade social que teme o diferente, sendo fundamental combater esse quadro.

Em primeiro plano, é imperativo compreender que os costumes africanos são parte integrante e indissociável da cultura brasileira atual, sendo impossível negar a sua importância. Nesse contexto, nota-se que, desde a introdução dos primeiros escravizados africanos no território que hoje é o Brasil, em meados do século XVI, os hábitos culturais desse povo trazido se fundiram com os costumes dos que aqui já habitavam, dando origem a manifestações que permanecem na sociedade brasileira até hoje, como a capoeira, as religiões de matriz africana (por exemplo, a Umbanda e o Candomblé), o Samba (reconhecido como o ritmo identitário brasileiro, cuja percussão é de origem africana), entre outras milhares de influências da África no Brasil. Desse modo, é inadmissível a desvalorização da herança africana, visto que ela compõe o que é “ser brasileiro”, sendo necessário reconhecê-la e valorizá-la.

Entretanto, ainda há uma parcela da população que não valoriza a cultura africana, pois diverge do referencial eurocêntrico (baseado na Europa) de normalidade, temendo o que lhes é desconhecido. Sob essa ótica, a autora iraniana Tahereh Mafi, em sua obra “Liberta-me”, escreve que as pessoas, muitas vezes, preferem o temor do que lhes é familiar a enfrentar algo que elas não conhecem.

De modo análogo, percebe-se que as pessoas que não respeitam as culturas africanas possuem o comportamento descrito por Tahereh: se afastam, menosprezam, ridicularizam, desprezam – seja por palavras, por ações ou por postagens – aquilo que lhes é “estranho” e “anormal”, só por terem medo do que não conhecem, fazendo-se pertinente mitigar esse cenário.

Diante do exposto, infere-se que a valorização da herança africana no Brasil é essencial para a constituição cultural do país, mas é impedida pelo medo do desconhecido. Portanto, cabe ao Estado, por meio do Ministério da Cultura, promover exposições, palestras, saraus, workshops e outras atividades culturais que visem ampliar o conhecimento da população sobre a cultura africana e seus legados no Brasil, para que, ao conhecerem essas manifestações, não as temam mais. Dessa forma, o Brasil não terá mais heranças desvalorizadas nem ascendências apagadas, fazendo com que casos como o de Machado de Assis não ocorram novamente”.

Foto estudante Pâmela da Silva Silva

Leia também reflexão de estudante Caroline Gobet Barbosa www.neipies.com/querida-alma/

Convidada: Deise Bressan, Graduada em Letras e suas Respectivas Literaturas pela UNIVALI – Itajaí  SC. Pós graduada em Teoria da Literatura e Produções Textuais pela Faculdade FOCUS – Paraná. Professora de Língua Portuguesa e Redação Ensino Médio.

Edição: A. R.

Comenda Porto do Sol: uma homenagem à Gladis Pedersen de Oliveira

A Câmara Municipal de Porto Alegre entregou a Comenda Porto do Sol à educadora Gladis Pedersen de Oliveira em Sessão Solene realizada na noite desta sexta-feira (8 de novembro). A homenagem foi proposta pela vereadora Atena Roveda (PSOL). A Comenda é uma honraria concedida pela Câmara a pessoas ou instituições que se destacam por seu trabalho em prol da sociedade porto-alegrense.

Atena disse ter sido impactada pela ação educativa de Gladis, em uma palestra que assistiu aos 15 anos de idade. “O que vocês, jovens, farão com aquilo que os seus pais fizeram de vocês?”, era o questionamento enunciado por ela, relembrou Atena, afirmando que Gladis é uma “bússola” para os jovens. “Faltam homenagens para educadoras neste País”, ressaltou a vereadora, que defendeu ainda que “a educação é o único caminho para a libertação da opressão”.

“É com muita emoção que a gente chega neste momento”, destacou Gladis. “Esta homenagem é para todos os professores, não só para a minha pessoa”, ressaltou, afirmando dividir a Comenda com aqueles “que lutam bravamente pela educação, para que a criança e o jovem tenham a oportunidade de desabrochar”. Ela ressaltou a marca da educação na infância: “Nós não esquecemos nunca da nossa alfabetizadora”.

A educadora relembrou histórias de sua trajetória escolar, tanto enquanto estudante quanto como docente. Destacou ter sido aluna de Paulo Freire e afirmou que ele “baseou a nossa caminhada e a nossa trajetória no magistério”. Defendeu que cada aluno tem um potencial que precisa ser estimulado e disse que “o professor aprende com o aluno, ele vai se autoconhecendo na medida em que exerce o seu magistério”. Gladis afirmou que há uma pluralidade de inteligências que não se restringe à intelectual, o que pesquisas científicas em diferentes áreas têm demonstrado, destacou. “A criança e o jovem precisam ter sentido de vida”, enfatizou.

Histórico

Gladis Pedersen de Oliveira é graduada em Pedagogia e pós-graduada em Ciências da Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Possui, ainda, curso de extensão universitária em Logoterapia no Instituto de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Foi diretora e supervisora pedagógica e exerceu magistério nas disciplinas de Sociologia, Didática e História em diversas escolas públicas e particulares. É escritora e também organizou o projeto Coleção Conte Mais, que engloba histórias de educação moral para crianças e jovens. Foi presidente da Federação Espírita do Rio Grande do Sul (FERGS).

FONTE: https://www.camarapoa.rs.gov.br/noticias/gladis-pedersen-recebe-comenda-porto-do-sol

DISCURSO DE AGRADECIMENTO COMENDA PORTO DO SOL

Com a permissão da homenageada, reproduzimos discurso escrito por Gladis Pedersen de Oliveira por ocasião da homenagem recebida na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, RS.

Exmo. Sr. Presidente da Sessão de outorga da Comanda Porto do Sol;

Exmos. Srs. Vereadores desta Casa;

Exma. Sra. Vereadora Atena Roveda;

Exmas. Autoridades presentes;

Distinto Público,

Minhas respeitosas saudações.

Ao receber esta deferência da Câmara de Vereadores de Porto Alegre recordamos, com carinho e gratidão, de todos os professores que tivemos em nosso caminho de formação para o magistério e de como eles nos deixaram marcas importantes, e algumas cicatrizes.

No transcorrer de nossa caminhada como educadora, fomos percebendo e nos atendo nas características individuais de cada aluno.

 Cada um é um ser único, excepcional, com um potencial divino a ser estimulado, com múltiplas capacidades latentes que, quando bem trabalhadas, nos surpreendem.

Ao ensinar, fomos aprendendo com os alunos, quem somos realmente. Com este desafio, fomos acompanhando todos os avanços do conhecimento científico em relação ao ser humano, na área biológica, psicológica, emocional e espiritual.

A inteligência – essa capacidade inerente ao indivíduo – que lhe permite o ajustamento a situações novas de vida, de adaptação ao meio, de aprender e resolver problemas, foi sendo estudada com afinco.

De uma concepção unicista da inteligência, até meados do século passado, ela passou a ser compreendida de forma pluralista pois em 1985, o psicólogo norte-americano Howard Gardner, após exaustivos estudos, relacionou nove dimensões da inteligência do ser humano, onde as habilidades de relacionamento social e emocional são fundamentais e não apenas resultantes da racionalidade, do intelecto.

Em 1995, Daniel Goleman, nos Estados Unidos, apresentou sua tese sobre o Quociente emocional da inteligência.

A educação emocional deve ser compreendida pelo lado subjetivo e propõe as habilidades de resolver situações que fazem parte do relacionamento social. 

Robert Coles, psicólogo, em 1997, apresenta a dimensão moral na criança e propõe a didática do exemplo, explorando o resultado da observação da criança a partir das atitudes dos pais e educadores.

No ano 2000, Danah Zohar, também psicóloga e filósofa americana, juntamente com Ian Marshal, apresenta o Quociente Espiritual da inteligência, baseado em estudos da neurociência que localizaram no cérebro humano o DNA DIVINO, o ponto de Deus no Homem. A pesquisa concluiu que o desenvolvimento e a educação das dimensões racionais, emocionais e as capacidades múltiplas podem trazer crescimento e sucesso profissional, financeiro, social, mas não necessariamente, paz interior e alegria.

Nas crises existenciais normais, que o ser humano passa, se não tiver a dimensão espiritual educada, ele perde o sentido da vida.

O desenvolvimento da dimensão espiritual da inteligência proporciona ao aluno encontrar sentido mais amplo e profundo para a vida e desperta a habilidade de lidar adequadamente com problemas existenciais e de criar situações novas que ajudam a superar as crises, dando sentimento de plenitude perante a vida: é a fé.

A linguagem simbólica da arte toca a alma do aluno: a literatura, a música o desenho, a pintura, o teatro, a dança, AJUDAM a desenvolver todas as dimensões da inteligência humana de forma integral e harmônica.

Nos especializamos na utilização da literatura infanto-juvenil como recurso importante para educar a criança e o jovem.

Acompanhamos, em 2006, a proposta da UNESCO sobre os quatro pilares da educação: Aprender a aprender – Aprender a fazer – Aprender a conviver – Aprender a ser

Hoje se discute a necessidade de um quinto pilar: Aprender a crer: desenvolver a religiosidade básica que é inerente ao ser humano.

De 2010 a 2019 participamos do Conselho de Ensino Religioso do Estado do Rio Grande do Sul, representando o Espiritismo, e onde exercemos a presidência por duas gestões, utilizando os conhecimentos científicos e pedagógicos baseados nos educadores citados.

Na Federação Espírita do Rio Grande do Sul, onde também exercemos a presidência da entidade por duas gestões, os mesmos conhecimentos científicos, aliados à filosofia espírita, orientaram todo um trabalho educacional que resultou na criação de um projeto de luz, Projeto Conte Mais, onde a contação de histórias educativas, através da linguagem simbólica da Literatura, visa a formação moral e espiritual de crianças, jovens e adultos.

Essa preocupação sempre foi o móvel de nossa existência como educadora: formar moralmente a criança e o jovem para que possam construir uma vida que valha a pena ser vivida e que lhes proporcione a felicidade. Ter um sentido de vida: esse o grande objetivo.

Jesus, o grande educador, tem sido sempre o nosso modelo. Era exímio contador de histórias, através de parábolas, que motivam o ser humano refletir sobre si mesmo e viver uma vida de forma equilibrada e plena de esperança em um mundo melhor.

Assista também ao evento completo neste link do yotube: https://youtu.be/zX7i5VFqO8k?t=1420

Fotos: Divulgação/arquivo pessoal

(Gladis de Oliveira, 08/11/2024)

Nossa amiga, companheira de construção de conhecimentos, pedagoga e escritora Gládis Pedersen de Oliveira recebeu Comenda Porto do Sol na Câmara de Vereadores de Porto Alegre neste último dia 08/11/2024. Gládis também é convidada deste site e publica reflexões em coluna: www.neipies.com/author/glpedersen/ Esta homenagem é extensiva a todos os professores e professoras do RS e do Brasil.

Sobre furacões

Viver a experiência de furacões como força da natureza, como episódio violento na vida psíquica ou como resultado de decisões prepotentes de lideranças públicas irresponsáveis traz consequências maiores, menores ou irreparáveis. Não ficamos imunes ao surgimento de furacões em nossas vidas.

Há furacões físicos, nas previsões metereológicas, que assolam cidades e países, deixando atrás de si sinais de mortes. Há, também, outros tipos de furacões emocionais, que produzem desastres violentos, na vida psíquica das pessoas, tornando-as quase incapazes de cuidar de si.

E há uma terceira ordem de furacões assoladores na vida política das sociedades, povos e nações, cujas consequências podem ser imprevisíveis e desoladoras. Viveu-se essa experiência, desde as origens da vida civil organizada, passando por todos os descalabros de poder e de extermínio escravista, até o tempo das guerras modernas, culminando com a explosão da bomba atômica.

Na atualidade, quando imaginávamos que pudéssemos ter atingido um patamar superior, pelas conquistas dos avanços republicanos e democráticos, aliados às conquistas científicas e tecnológicas, presenciamos o espetáculo trágico de atitudes e ações discriminatórias e preconceituosas de diversos tipos raciais, religiosos, econômicos e políticos, de parte de governos, líderes partidários e supremacistas que desejam impor sua vontade por se sentirem privilegiados pela riqueza e a cor da pele que possuem. Esse cenário vulcânico é atroz!  E não tem Inteligência Artificial que resolva, uma vez que a inteligência natural é a responsável por guerras e genocídios, numa expressão refinada da maldade humana.

Como avaliar, qual desses tipos é o mais aniquilador, uma vez que todos resultam de ações e descuidos da humanidade, que destrói o planeta em que vive e mata com soberania os que julga inimigos e seres inferiores?!

Em suas diferentes escalas cíclicas, os furacões são temidos, por suas características e pela própria fragilidade do ser humano, que se depara com seus limites.

Tanto os furacões físicos, quanto os emocionais e os que atingem o ordenamento político são vertiginosos, enfurecidos, rompem obstáculos, produzem inundações, destruindo resistências e barreiras físicas, emocionais e morais.

Quais experiências e consequências podem produzir a passagem de um furacão por nossas vidas? Sabemos ou saberemos, verdadeiramente, quais serão nossas reações?

Ainda que possamos nos prevenir contra os furacões físicos, porque anunciados, tomando diversas medidas de proteção e cuidado, há pessoas e famílias que nem sempre conseguem chegar aos melhores locais, por absoluta falta de condições materiais. 

Em relação ao furacão emocional, que pode surgir de forma intempestiva, inusitada, imprevisível, ocasiona perplexidade nas pessoas atingidas, cuja perplexidade é robusta, diante do inesperado.

No que se refere aos furacões na vida civil, na ordem política, o mais grave é que se trata de escolhas e decisões dos mais fortes em riquezas e poder e que melhor sabem manipular o imaginário popular com mentiras e ameaças de toda ordem.

Viver a experiência de furacões como força da natureza, como episódio violento na vida psíquica ou como resultado de decisões prepotentes de lideranças públicas irresponsáveis traz consequências maiores, menores ou irreparáveis. Não ficamos imunes ao surgimento de furacões em nossas vidas.

Autora: Cecilia Pires. Este artigo foi escrito, quando estive fora do Brasil, em Miami, na Flórida, nos meses de setembro e outubro e resultaram essas reflexões. Também escreveu e publicou no site “A fala das águas”: www.neipies.com/a-fala-das-aguas/

Edição: A. R.

Querida Alma

Sento-me para escrever-te e, ao mesmo tempo, para descrever a inquietude que agita meu ser após o encontro com o semblante perdido de um animal. Nunca imaginei que um olhar pudesse carregar o peso de tanto sofrimento, que uma simples troca de olhares pudesse ser o espelho de uma humanidade ausente.

O animal, em sua forma que desmentia a crueldade, era um ser de uma pureza dilacerada, marcada pelo descaso e pela dor. É como se cada fibra de seu corpo sussurrasse o eco de uma dor inaudita, uma dor que não se encontra nos livros nem se expressa nas palavras, mas que pulsa em uma forma de  expressão crua e inarticulada.

A tragédia não está apenas no sofrimento visível, mas no que ele revela sobre nossa própria natureza. O que somos senão a sombra de nossa própria indiferença? Há algo de irremediavelmente sombrio no fato de que seres sencientes possam ser reduzidos a objetos de nosso descaso. É uma cegueira que não permite ver que, ao maltratar um animal, mutilamos a nós mesmos, como se a essência de nossa humanidade se perdesse na violência de nosso  comportamento.

Observando o animal, não pude evitar a sensação de que sua dor era um espelho de nossa própria fragilidade. Nós, seres humanos, que acreditamos ser senhores do mundo, estamos na verdade indefinidos diante do espelho da nossa própria criação. Ao olhar para o animal, vi a face do que não queremos ver: a nossa própria vulnerabilidade e o nosso medo.

E ao fazer esta reflexão, percebo que o verdadeiro questionamento não está na capacidade de sentir, mas na disposição de reconhecer e amar o outro em sua totalidade, em sua essência mais pura. A relação que temos com os animais é um reflexo brutal de nossa relação conosco mesmos e com o mundo. É uma conexão profunda e essencial, que, se ignorada, nos arrasta para um abismo de insensibilidade.

Que possamos encontrar uma forma de remediar essa tristeza e trazer de volta a luz para os olhos que foram ofuscados pelo sofrimento. Que o nosso olhar para os animais seja um reflexo de nossa compaixão e um lembrete de que, ao cuidar deles, cuidamos de nossa própria humanidade.

Com consideração e esperança, da sua querida amiga.

Caroline Gobet Barbosa, 3ª série – CTPasso Fundo

Um Desafio ao Escritor e ao Leitor

Certamente, todos já ouviram falar sobre a importância da concisão na escrita. Mas você sabia que há um gênero de texto em que tal atributo é palavra de ordem? Trata-se do microconto.

            Como o prefixo já indica, o microconto constitui uma narrativa curta, uma história completa, condensada em poucas palavras. Dependendo do grau de brevidade do texto, sua denominação pode variar. Geralmente, de 50 a 300 palavras, considera-se um miniconto; até 50 palavras, um microconto; e até 20 palavras, um nanoconto. 

Nomenclaturas à parte, o fato é que essas micronarrativas de ficção, já desenvolvidas por grandes autores internacionais como Franz Kafka, Anton Tchekhov, Jorge Luis Borges e também nacionais, como Dalton Trevisan, Lygia Fagundes Telles e Marina Colasanti, têm se tornado febre nos últimos anos, impulsionadas pela dinamicidade das redes sociais.

Brevidade, contudo, não significa superficialidade. Muito pelo contrário. A principal característica dessas narrativas é justamente dizer o máximo com o mínimo. Para isso, haja criatividade do escritor: metáforas, ironias, intertextualidade, uma imensidão de recursos para sugerir sentidos ao leitor, o qual precisa servir-se de seu conhecimento de mundo e de suas habilidades de leitura para depreendê-los. Um fascinante jogo que já me conquistou há algum tempo. Lanço aqui o desafio com algumas de minhas produções. Vamos mergulhar juntos nesse mundo?

TRATAMENTO PREVENTIVO

A saúde oftálmica do príncipe exige cuidados rigorosos. Rapunzel decide ir ao cabeleireiro. Não sem antes conferir a cotação no mercado de cabelos para Mega Hair. A saúde financeira da princesa exige cuidados redobrados.

(Semifinalista no Prêmio Microconto de Ouro-2024, promovido pela Casa Brasileira de Livros)

SORRISO SARCÁSTICO

Ela tinha o mar no nome, mas o mar não conhecia.

– Muié, ganhemu o sorteiu da Rádiu! Vamu passá o Reveião no Rio!

– A sorte, finalmente, sorriu pra gente! – pensou ela.

O ônibus corria… não mais que seu coração.

Uma curva fechada. O salto no vazio. O grito desesperado do marido:

– MAR-IIIIII-A!

RENASCIMENTO DE NARCISO

Ainda criança, dançava flamenco. Narciso vermelho no cabelo, graça no corpo.

-Moça de respeito não dança, casa! – diz o pai.

Cortam-se sonho e flor. Concreta-se o jardim.

Filhos crescem. Marido morre. Concreto racha. Pela fenda, surge o broto. Pela orelha, sente ela os ramos. E a flor desabrocha.

ÚLTIMA VISITA AO MUSEU

– Amor, olha que incrível! A Inteligência Artificial dá vida às pinturas!

Ele não respondeu. E nem mais o poderia. Estático permanecia em frente ao quadro da Medusa.

METAMORFOSE II

“Certa manhã, ao despertar de sonhos agitados, Gregor Samsa deu consigo na cama”. Numa cama estranha. E com um estranho!?

Ao avistar o gato, constatou que havia sido transformado em um monstruoso presente…

Autora: Rosemery Lorenz

E se a barbárie tivesse vencido?

Há alguns meses escrevi um artigo sobre a banalidade do mal, conceito que ainda hoje reverbera sua atualidade, mesmo que nele enfiemos outras métricas e perspectivas. O reconhecimento da face torpe da condição humana, dadas certas circunstâncias, principalmente associadas à recusa do pensar, pode levar pessoas comuns a práticas desumanas, ou a se associarem com relativa facilidade às benesses conquistadas pelos algozes de ponta. Hannah Arendt indica o despojamento da faculdade de pensar e o esfacelamento do mundo comum, do espaço do agir e falar na esfera pública, este, inclusive, podendo ser desdobrado como consequência daquele, como a gênese do fascismo/nazismo. Lentamente cada espaço, cada célula vai sendo subsumida ao cálculo, ao fascínio dos encurtamentos políticos, esticados pela propaganda facínora de líderes e ideias que tornam os indivíduos massa indiscernível, aniquilando a condição singular. A barbárie  é a radicalização desse processo.

O ponto fulcral da autora é tentar compreender, como ela mesma diz, compreender não é o mesmo que perdoar (devemos lembrar que Hannah Arendt era judia e precisou fugir da Alemanha), como pessoas comuns, “normais” são capazes de matar milhões de outros seres humanos a partir de uma lógica de extermínio produtivo e calculado. 

Hoje desdobro a partir de um questionamento: e se a política da morte nazi-fascista tivesse vencido? Se a sanha da barbárie ocupasse cada centímetro das relações, instituições e afetos curvados sobre nossos corpos, sentiriam seus algozes e cúmplices algum desconforto em continuar empurrando milhares/milhões para o extermínio? Não podemos naturalizar a morte, banalizar práticas e ideias políticas alicerçadas no ódio e na desumanização. Também não podemos esquecer as marcas do Integralismo e as raízes autoritárias e cambiantes da nossa já nem tão jovem democracia; muito menos esquecer que há pouco mais de um ano, milhares de pessoas se aglutinavam na frente de quartéis para pedir “pacificamente” pelo fim da democracia, pelo direito a renunciar aos próprios direitos, desdobrando uma performance que ainda hoje encontra respaldo na nossa sociedade.

O ódio e a barbárie não são posições políticas, mas repercutem da anulação do espaço público, da ausência da política, e precisamos estar sempre atentos aos que em nome da família e dos bons costumes, geralmente, cavam seus tentáculos no tecido dirigível das massas. Nos ocupemos de pensar o quanto já não fomos conduzidos pelos meandros da banalização da vida e dos afetos. Como já nos alertou Walter Benjamin, “se perdermos, sequer os mortos estarão a salvo”.

E se tivessem vencido, de que lado estaríamos?

Autora: Marli Silveira

Acadêmica da Academia Rio-grandense de Letras Também escreveu e publicou no site ” A banalidade do mal”: www.neipies.com/a-banalidade-do-mal/

Edição: A. R.

Autoimagem: quando o vazio é existencial, não há matéria que o preencha

Horas bem vividas com a família, com os amigos, tempo dedicado à prática de alguma atividade física, às artes, cuidados com alimentação (sem excessos), boas leituras e qualidade de sono irão resultar em uma satisfação muito maior do que artificialidades.

Li recentemente uma entrevista de um “influencer” brasileiro dizendo ter recebido R$ 15 mil para aplicar botox em seu rosto e divulgar a clínica que o patrocinou. Disse ainda ter recorrido, posteriormente, à uma harmonização facial para recuperar a autoestima e a confiançaMais tarde, após ter participado de um reality show e ouvir comentários negativos sobre sua aparência, decidiu por realizar mais aplicações. Deixou claro que tais declarações tiveram influência na percepção que tinha sobre si mesmo e, por isso, passou a ficar muito insatisfeito com a sua aparência.

Na ocasião, começou a receber propostas para realizar parceria com clínicas estéticas. Em sua fala:“Passei a receber propostas de marcas para mexer no meu rosto e ganhar por elas. Na minha cabeça, isso era só benefício. Encontrei naquele meio uma forma de monetizar. Por exemplo, para uma aplicação de botox, ganhava R$ 15 mil pela divulgação. O implante de cabelo na barba rendeu R$ 50 mil. A lipoaspiração foi quase R$ 100 mil”. Resumindo: depois de tantos procedimentos (artificiais, segundo ele) que lhe renderam algum dinheiro, insatisfeito com os resultados, optou por retirá-los, o que implicou num demorado processo e mais riscos à sua saúde.

 O relato acima apenas reflete o sentimento de muitas pessoas com baixa autoestima, algumas das quais, se tivessem a seus alcances condições financeiras para procedimentos clínicos, os fariam. Em busca de quê? Qual a segurança com relação à saúde?

Temos lido e assistido com frequência sobre procedimentos estéticos malsucedidos (alguns resultando em mortes) por profissionais despreparados ou então não habilitados para tal, ou ainda, em clínicas e consultórios sem o mínimo de condições de socorros emergenciais, caso necessários.

Reitero: em busca de quê? Há muitas insatisfações que vão além das de ordem da estética: por exemplo, aquelas decorrentes de relacionamentos amorosos frustrantes, de desempenhos medíocres em seus trabalhos, da falta de habilidade em educar os filhos, da impaciência em dar atenção aos seus pais, tantas, que não há procedimento clínico algum que as resolvam.

Desculpem-me o trocadilho, mas quando a busca por “harmonização facial” se dá em corpos que estão em desarmonia interna, vivendo conflitos, medos, inseguranças e ansiedades, o resultado será apenas de fachada, pois a insatisfação interna continuará existindo.Não há matéria alguma que preencha um vazio que seja da ordem existencial.

 É preciso olhar para si com confiança e aceitar que alguns fios de cabelos brancos e rugas na pele podem simbolizar troféus conquistados. Entender que é possível, sim, cuidar muito bem de sua aparência sem, no entanto, acreditar que isso seja o mais importante, pois, o tempo é inexorável, e suas marcas virão, independentemente de feições de beleza ou de condição social. 

Horas bem vividas com a família, com os amigos, tempo dedicado à prática de alguma atividade física, às artes, cuidados com alimentação (sem excessos), boas leituras e qualidade de sono irão resultar em uma satisfação muito maior do que artificialidades.

Nestas horas de dúvidas, a intervenção pelo trabalho de escuta que um psicoterapeuta proporciona pode auxiliar na tomada de decisões. Não se trata de ser contra tais procedimentos, mas sim, sobre se é isto mesmo que se busca. Poder compartilhar com segurança relatos de angústia ou de ansiedade, questionar-se sobre seus planos, orientar-se sobre a escolha de uma clínica ou profissional para seus intentos, o ajudará, de maneira mais sensata e equilibrada na sua decisão.

Além do que, um trabalho psicoterápico voltado à valorização do sujeito, à elevação de sua autoestima, resultará em maior segurança pessoal e na aprendizagem de que não devemos dar muita importância ao que os outros dizem. Aliás, já escrevi sobre isso: o maior arrependimento que as pessoas dizem ter em seus momentos finais é o de terem tido uma vida muito preocupada com a opinião dos outros.Viva para ti mesmo, viva a tua vida e seja feliz!

Autor: César A R de Oliveira – psicólogo. Também escreveu e publicou no site “O mundo muda quando eu mudo”: https://www.neipies.com/o-mundo-muda-quando-eu-mudo/

Educação inclusiva deve ir além dos alunos e se estender também aos professores

Mesmo com avanços na legislação, ainda há muito a ser feito para garantir a inclusão de quem ensina. (Matéria de Carol Firmino, da Revista Nova Escola)

Embora os debates sobre acessibilidade nas escolas se concentrem muitas vezes nos estudantes, a questão sobre professores com deficiência também faz parte das discussões sobre Educação inclusiva. É igualmente importante refletir sobre as condições de trabalho dos docentes que enfrentam esses desafios. Hoje, eles ainda encontram uma série de barreiras, desde a falta de infraestrutura nas instituições até a ausência de políticas públicas que garantam de fato a inclusão.

Para que haja a real integração de todos os indivíduos no ambiente escolar, independentemente de suas características, o local deve ser acessível e acolhedor também para os professores com deficiência. Isso inclui desde adaptações físicas nas escolas, como rampas e elevadores, até tecnologias assistivas, materiais pedagógicos adequados e um ambiente que valorize a diversidade. Apesar de alguns avanços, como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), de 2015, muitos professores precisam superar obstáculos diários para exercer sua profissão.

Desafios persistentes

A LBI é destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoas com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. Mas, segundo Talita Delfino, coordenadora pedagógica na rede municipal de São Paulo e mestre em Educação, os resultados de seu estudo “Atividades e grupos: formação de professores, pessoas com deficiência, desigualdade” indicam que há uma longa distância a ser percorrida quando se trata dessas condições igualitárias. 

A pesquisa, que focou na capital paulista, apontou que apenas 0,05% dos professores do município têm algum tipo de deficiência, indicando estar longe do que prevê a Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência (Lei nº 8.213/1991). Conforme a legislação, as empresas privadas de todo o país devem reservar entre 2% e 5% das vagas para pessoas com deficiência ou reabilitadas, conforme o número total de empregados. O índice também fica longe do que determinam a Lei nº 8.112/1990 e o Decreto nº 9.508/2018, vigentes no setor público, que estabelecem que concursos federais, estaduais ou municipais precisam separar, no mínimo, 5% e até 20% das vagas para PCDs, sempre que houver essa possibilidade.

Porém, há muitos desafios para a plena implementação dessas leis, principalmente em relação à adaptação dos ambientes e à capacitação para receber os profissionais de maneira adequada.

No caso da docência, Talita explica que essas dificuldades já se iniciam antes mesmo da contratação e do ingresso na carreira: “São etapas violentas e arbitrárias, na medida em que há mecanismos violentos para fazer o candidato comprovar reiteradas vezes que tem uma deficiência. E a cada questão de saúde, sua capacidade laboral é posta à prova, ainda que não haja qualquer relação com o quadro clínico”, diz. Uma professora com mobilidade reduzida entrevistada por Talita relatou que já recebeu questionamentos sobre sua competência até mesmo em uma perícia por gripe. 

Preconceito e ausência de políticas públicas

Em Brejo Santo (CE), Maria Luciana Alves Lima Rocha, que tem baixa visão, é professora e formadora da rede municipal. Ela conta que, apesar de não ter enfrentado muitas dificuldades para entrar no mercado, pois é concursada, percebe a ausência de políticas públicas para professores PCDs. Ela comenta que muitos costumam ser desviados de sua função ou até mesmo afastados ao atestar uma deficiência. 

No seu dia a dia, Maria considera que um dos maiores obstáculos está relacionado à tecnologia assistiva , pois a disponibilidade de ferramentas ainda é limitada. Esse tipo de tecnologia visa compensar limitações físicas, sensoriais ou cognitivas, proporcionando maior independência e inclusão. “Em 2023, participei de uma formação para pessoas com deficiência visual com dois professores que têm cegueira. Só assim consegui ampliar meus conhecimentos para usar as [poucas] ferramentas disponíveis. Por exemplo, quando o material didático usado em sala traz letras muito pequenas, eu as amplio com o tablet.”

Além disso, a dúvida sobre a competência dos educadores PCDs, muitas vezes, é reproduzida pelos pares, que não confiam 100% na condução das turmas por esses profissionais. “Existe o preconceito de acharem que sou menos capaz porque enxergo menos e uso óculos com grau alto. Certa vez, uma colega disse que eu não serviria para determinada atividade porque não enxergava de longe”, completa. 

Trabalhando com autonomia

Professora na EM Terezinha Picoli Cezarotto, em Cascavel (PR), Angela Maria de Souza tem Transtorno do Espectro Autista (TEA) e faz parte da rede Conectando Saberes (CS) da Comunidade NOVA ESCOLA. Ela recorda que, ainda como aluna do Ensino Médio, a atenção que recebeu de uma educadora a fez perceber que era alguém capaz e inteligente. “Despertou em mim um interesse pela aprendizagem que antes não existia. Esse apoio emocional me encorajou a buscar conhecimentos e a desenvolver uma nova relação com a escola, que, até então, eu via com desconfiança.” 

Mais tarde, trabalhando com alunos pequenos, Angela diz que passou a perceber a importância de um olhar sensível e inclusivo na Educação. “Compreendi que não se tratava apenas de ensinar conteúdos, mas de construir um ambiente acolhedor, onde cada criança pudesse se sentir valorizada e segura”, destaca. 

No entanto, ela lembra que o mercado de trabalho lhe apresentou desafios, como a necessidade de ressignificar sua comunicação e interação com outros professores, por mais que tenha encontrado apoio: “A maioria deles respeita minhas limitações e oferece suporte sempre que necessário. Mas sei que ainda existem pessoas que estão em processo de desenvolvimento da empatia e compreensão sobre o tema.” 

Entre as adaptações que Angela considera importantes para que mais professores com deficiência possam atuar de maneira autônoma e segura, ela cita:

  • no que se refere às condições físicas, é fundamental que as escolas tenham estruturas acessíveis, com espaços que permitam a circulação de todos, independentemente de suas necessidades. Isso inclui rampas, banheiros adaptados, mobiliário etc.;
  • do ponto de vista pedagógico, é necessário formação continuada que capacite os profissionais da Educação a lidar com diferentes realidades, por meio da troca de experiências e práticas entre colegas, além de workshops que ajudem a desmistificar preconceitos;
  • em relação aos recursos tecnológicos, usar ferramentas que facilitem o registro de atividades e a comunicação, como softwares de transcrição, programas de leitura e plataformas de ensino a distância, podem contribuir com o trabalho do professor, permitindo que ele se concentre mais na interação com os alunos. Recursos adaptativos, como quadros digitais interativos e dispositivos móveis, também podem enriquecer o ambiente de aprendizado.

A presença de professores com deficiência nas escolas é um dos caminhos para desenvolver uma sociedade mais inclusiva, diversa e equitativa. Esses profissionais não só desempenham seu papel no processo educacional, como também trazem consigo contribuições únicas que enriquecem a experiência de aprendizagem dos alunos. 

“Quando os estudantes veem um professor com deficiência atuando ativamente em sua função, há uma quebra de estereótipos e preconceitos, mostrando que as limitações não definem a capacidade de alguém”, defende a professora Angela. “Essa visão inclusiva também ajuda a promover o sentimento de empatia e aceitação entre as crianças, preparando-as para interagir de maneira mais respeitosa e solidária com a diversidade que existe no mundo.”

Por Carol Firmino

16/10/2024

FONTE: https://novaescola.org.br/conteudo/21970/educacao-inclusiva-deve-se-estender-tambem-aos-professores?

Privatização, militarização e patrulhamento da educação

Uma ação se impõe a todos professores, gestores, escolas, entidades educacionais e científicas: resistir internamente e demonstrar aos jovens e seus responsáveis a necessidade da defesa da escola pública com professores respeitados e valorizados.

Segundo os dados do Censo da Educação Superior de 2023, as Instituições de Ensino Superior (IES) – sendo algumas empresas privadas de capital aberto – concentram 79,3% das matrículas no ensino superior do Brasil e, os ingressantes no mesmo ano, correspondem 90% na esfera privada. Isto corresponde que no Brasil apenas 20,7% dos estudantes estudam em instituições públicas, enquanto nos países membros da OCDE são mais de 63% das matrículas na esfera pública.

Já na Educação Básica brasileira, segundo o Censo Escolar do Inep/2023, registraram‐se 47,3 milhões de matrículas nas 178,5 mil escolas, sendo 19,9% na rede privada e 81,1% nas redes públicas municipais, estaduais e federal. Praticamente o inverso do que ocorre no ensino superior.

O que isto tem a ver com privatização, militarização e patrulhamento da educação?

 É este “mercado” de 48 milhões de matrículas, de fundos públicos, de mentas criativas e abertas a aprendizagens, de estruturas instaladas, de investimentos necessários e de possibilidades de fundos de investimentos disponibilizados inclusive por bancos públicos.

Existem várias outras formas privatizantes da educação pública nacional na educação básica, por meio de convênios, vouchers, homeschooling, charters schools (ONGs e Entidades privadas administrando escolas públicas), a entrega de escolas a organizações sociais (OS) e organizações da sociedade civil de interesse público (Oscip); a militarização das escolas da educação básica, os sistemas privados apostilados e de gestão de equipamentos e redes, a avaliação em larga escala quase sempre entendida como a única aferição de qualidade.

Na educação superior a privatização ocorre por meio do Prouni, do Fies, da desregulamentação e da EaD de forma indiscriminada do setor privado superior, entre outras formas de privatização e que geram ampla possibilidade de realização dos interesses do capital aplicado no mercado educacional” (Fineduca, Carta de Curitiba, 2023 e Carta de São Luiz 2024).

Outras iniciativas de privatização recentes estão em pauta: são as Parcerias Público privadas (PPP). No Brasil já existem mais de 60 iniciativas de Parcerias Público-Privadas (PPP) de educação em diferentes estágios de implementação. Alguns estão em estágio avançado e outras estão sendo acelerados após as últimas eleições municipais, como é o caso São Paulo e do Rio Grande do Sul.

A prefeitura de Belo Horizonte foi pioneira no modelo de PPPs de escolas públicas. A concessionária – Inova BH –, é responsável pela construção e a administração de 55 escolas ao longo de 20 anos. No Paraná, o atual governo sancionou a Lei 22.006/2024, que institui o programa “Parceiro da Escola”, aprovada pela Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) em dois turnos que autoriza, inicialmente, a venda de 204 escolas estaduais para empresas.

O governo estadual de São Paulo já realizou em 29 de outubro o primeiro leilão de 16 escolas públicas estaduais na região Oeste e a a empresa vencedora é sócia da empresa responsável pela administração de sete cemitérios em São Paulo. No dia 04 de novembro foi realizado o segundo leilão com mais 16 escolas privatizadas e a empresa vencedora foi O consórcio SP+ Escola, prestadora serviços em rodovias.

Os estudantes foram impedidos de acessar a entrada da B3, onde ocorreu o leilão. Um grupo tentou acessar e a polícia usou bombas de gás e ergueu escudos contra o grupo. Eles também deram golpes de cassetete em alguns manifestantes. Ao invés da escuta e do diálogo com jovens que pensam diferente, aplica-se a repressão como método de ensinagem.

O governo do estado do Rio Grande do Sul lançou em julho de 2024 um edital de Consulta Pública de parceria público-privada (PPP) para qualificação de infraestrutura e gestão administrativa de 99 escolas estaduais, localizadas em áreas de vulnerabilidade social, mas a grande maioria na região metropolitana de Porto Alegre. O edital da PPP da Educação deve ser publicado em dezembro deste ano e a previsão é de que o leilão ocorra em fevereiro de 2025.

A associação De Olho No Material Escolar (Donme), com apenas três anos, financiada pelo lobby do Agronegócio brasileiro tem como para patrulhar a política nacional dos livros didáticos , conquistou associados em 17 estados e 129 cidades e vem ganhando espaço em instituições públicas. Já fechou parceria com a Universidade de São Paulo (USP), tem portas abertas nas secretarias de Educação e de Agricultura do estado e mantém diálogos com a cúpula do Congresso, em Brasília, na tentativa de influenciar o novo Plano Nacional de Educação (PNE). A finalidade da associação é incidir que conteúdos podem ser abordados e como devem sê-lo, ou seja, uma ingerência externa sobre as funções das instituições educativas e dos educadores.

A falácia que estas parcerias e patrulhamentos não terão interferência na gestão e proposta pedagógica das escolas – pois a privatização estaria focada nos “serviços não pedagógicos” –, é pura falácia. Para o pesquisador Fernado Cássio (USP), tudo na escola é pedagógico. Todos sabemos que é impossível dissociar a gestão pedagógica de uma pretensa gestão “não-pedagógica”.

Dentro de uma escola, tudo é pedagógico. As decisões executivas sobre os usos dos espaços são pedagógicas. A cozinha onde se preparam as refeições é espaço pedagógico. O acesso livre da comunidade escolar é necessário e pedagógico. O jardim é espaço pedagógico. Os profissionais da secretaria e do apoio escolar são, pela mesma razão, profissionais da educação. A arquitetura das escolas, das salas de aula e dos laboratórios é pedagógica e formativa.

Ao mesmo tempo, adverte o professor, a indissociabilidade entre pedagógico e “não-pedagógico” que serve para demonstrar a ilegalidade da militarização escolar (também ela uma forma de privatização da educação pública) é solenemente ignorada por agentes governamentais quando se trata de defender a PPP redentora do erário; a solução mágica que permitiria construir escolas públicas “por fora” do orçamento público.

Com isso percebemos que a “PPP” destes governos estaduais pode ser a antessala para fins e interesses muito maiores. Ricos como são, estes estados pioneiros de PPP, não dependem do setor privado para construir escolas, mas o fazem pela crença privatista de seus gestores e supostos especialistas em educação, que preferem encher as burras de um consórcio empresarial com dinheiro público a reconhecer que seria menos complicado e mais barato construir escolas e financiá-las de forma regular e adequada pelo poder público estatal.

Tanto a população do Estado do RS como a de SP já sentirem na pele a precarização e a impessoalidade dos serviços privatizados de energia com os recentes eventos climáticos, bem como dos serviços de telecomunicações que encareceram muito com forte queda na qualidade, sem canais de atendimento as pessoas (clientes), obrigando-as a reclamarem para dispositivos e aplicativos robotizados.

A escola não é uma empresa nem a educação um bem do capital. Policiais militares não são educadores e nunca estiveram no rol de profissionais autorizados a exercer esta função pública tão relevante. A educação é um processo humano, social e dialógico. A autoria da gestão e da ação pedagógica do professor é decisiva para pensar as mudanças necessárias na educação e na escola.

Quando relacionarmos estes processos de privatização, de militarização, de patrulhamento ideológicos dos livros e da liberdade de ensinar e aprender concomitante com a destruição da carreira docente pública e o apagão docente – desinteresse pela profissão -, configura-se um cenário de destruição da educação básica de qualidade para os filhos da grande maioria da população brasileira.

Ataques à autonomia docente, liberdade de cátedra, liberdade de ensinar e aprender com os estudantes já são parte de nosso cotidiano. A falta de professores não é apenas consequência de descaso com a educação, mas um projeto de destruição da ciência, da cultura e da educação básica pública de qualidade social e emancipatória.

As atuais (contra)reformas educacionais são, também, parte constitutiva da manutenção e do aprofundamento do apartheid social, rasgando a Constituição de 1988 e se destinam aos 85% dos jovens que frequentam as escolas públicas no Brasil. O que lhes é oferecido é um currículo mínimo, esvaziado de conteúdo, de educação integral, científica e tecnológica, em escolas precarizadas, com docentes desmotivados pela destruição de suas carreiras e condições de trabalho. Este é o propósito, o método e o conteúdo das reformas conservadoras neoliberais da ultradireita.

Uma ação se impõe a todos professores, gestores, escolas, entidades educacionais e científicas: resistir internamente e demonstrar aos jovens e seus responsáveis a necessidade da defesa da escola pública com professores respeitados e valorizados. Todos precisamos sonhar e lutar juntos pelo direito a educação pública com qualidade e a escola precisa ser o espaço comum e coletivo da formação e da participação democrática.

Autor: Gabriel Grabowski, professor e pesquisador. Também escreveu e publicou no site “Escola não é empresa, policial não é educador”:  www.neipies.com/escola-nao-e-empresa-policial-nao-e-educador/

Edição: A. R.

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