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As árvores necessitam de atenção e cuidados

Que nenhuma árvore se sinta solitária enquanto houver pessoas sensíveis e amantes da natureza. Não deixemos de cuidar das árvores e de dar-lhes atenção para que elas continuem perfeitas e puras como o olhar de uma criança.

Quem ama um cajueiro nunca deixa de ser caju e ser caju é a melhor coisa, porque a gente vem depois da castanha que conheceu o mundo antes e veio nos dizer como ele é para termos a sorte de escolhermos ou não se queremos ser caju de verdade.

Inicio este texto com uma frase do poema “O cajueiro” do nosso querido escritor Rubem Braga que diz “O cajueiro já devia ser velho quando nasci. Ele vive nas mais antigas recordações de minha infância: belo, imenso, no alto do morro, atrás de casa. Agora vem uma carta dizendo que ele caiu.” Assim como o cajueiro de Braga eu também tive um, lindo e amigo no quintal da minha casa, na infância.

O meu cajueiro foi o meu melhor amigo nos tempos de criança. Eu cuidava dele e ele cuidava de mim. Éramos únicos no mundo.

A gente não precisava de mais ninguém e mais nada para ser feliz. Nos completávamos. Fiz a minha festa de aniversário de dez anos de idade embaixo das suas sombras com suco de caju e bolo de ovos servido à meninada da rua que veio me parabenizar naquela tarde linda de inverno.

A gente aprende a amar uma coisa quando ela é única no mundo e nos trata bem, nos dar atenção e nos admira sem criticar o nosso jeito de ser. Eu era uma menina calada e buchuda. Cheia de coisas estranhas, mas o meu cajueiro nunca me criticou. Só uma vez quando comecei a cantar para ele, ouvi vindo das profundezas das suas raízes um pedido para eu parar porque a minha voz gasguita estava doendo nos seus ouvidos sensíveis.

A gente precisa aprender a dar atenção às pessoas e as coisas que gostamos porque não sabemos nunca quando elas partirão. Foi assim com o meu cajueiro a vida inteira. Eu sempre ouvi as suas mais bobinhas histórias e anedotas que nem traziam graça, mas eu sorria só para não o desencorajar a não mais contar nada para mim. Precisamos saber cuidar das coisas que amamos. Uma palavrinha dita ao acaso pode machucar um coração que nos admira. Um gesto brusco e todo o amor se acaba ali.

Foi sempre assim com o meu cajueiro, respeito e cuidado nunca deixou de existir e acredito que deve ser assim com todas as árvores porque elas nos fazem muito bem e nunca pedem nada de volta. São delas as sombras nos dias de quentes, os frutos que comemos para aliviar a nossa fome, a madeira da qual fazemos o papel e as folhas e raízes que têm fins medicinais.

Devemos cuidar das árvores com todo o nosso carinho sempre perguntando se estão precisando da gente, contando as nossas mais loucas histórias para elas, limpando-as, podando-as e nunca riscá-las com canivetes ou facas. Também não devemos xingar as árvores porque deixam caírem folhas secas no chão sujando a nossa e a calçada do vizinho. Se não cuidarmos delas vão adoecer e até são capazes de morrerem só para nos deixarem com uma sensação de culpa e irresponsabilidade.

Eu mesma já experimentei dessa culpa quando o meu lindo cajueiro foi tomado por cupins. Mas, eu era apenas uma menina de dez anos de idade e nem sabia que os cupins davam em árvores. Apesar da pouca idade já tinha vivido a experiência com os cupins dentro da minha casa, porque eles comeram o nosso telhado que quase veio abaixo numa noite de muita chuva. Os cupins destruíram tudo o que havia de madeira dentro da nossa casa. Isso foi uma coisa horrível para mim. Eles foram os meus únicos inimigos a minha vida inteira. Era preciso ter raiva dos cupins. Era necessário desgostar deles.

E mais raiva tive dos cupins, mais triste fiquei com eles quando soube que o meu cajueiro estava cheio deles. Em todos os seus galhos, no seu tronco e até no chão onde ele vivia. Era o tal cupim de solo, como falou o homenzinho que veio nos visitar certa vez e entendia bem de cupins. Nossa, gente! Eu quis sumir do mundo naquele dia em que descobri que o meu cajueiro estava muito doente e podia morrer a qualquer momento.

Então, fiquei pensando nas dezenas de árvores que sofrem com cupins. Eu fui uma irresponsável! Se tivesse prestado mais atenção ao meu cajueiro talvez tivesse descoberto cedo os cupins. Talvez tivesse dado tempo de salvá-lo. E fiquei me culpando a vida inteira por não ter cuidado dele como deveria. Foram quarenta anos de culpa. Só hoje que resolvi escrever esta história sei que não tive culpa. Eu era uma criança bobinha que só queria saber de brincar e ia à escola com raiva porque não podia levar o meu cajueiro comigo.

A gente tem o hábito de achar que as coisas e pessoas que amamos só nós sabemos cuidar delas, e por isso queremos levá-las conosco para onde formos como forma de cuidado e proteção. Estando conosco saberemos do que elas estão precisando ou se estão se sentindo bem. Eu era assim. Já que não podia levar o meu cajueiro para a escola levava um galhinho dele dentro da minha mochila.

Certo final de manhã quando voltava da escola contente porque tinha tirado um dez na prova de matemática e eu já tinha me contentado em ser ruim nas continhas fiquei toda feliz e louca para contar ao meu cajueiro do resultado da minha prova. Cheguei correndo em casa com a língua saindo pela boca e a respiração ofegante. Queria abraçar o meu cajueiro de tanta felicidade que eu estava.

Vou dar um conselho a vocês necessário que eu aprendi ainda criança: abracem e digam que amam as pessoas enquanto elas estão por aqui porque depois elas não mais poderão ouvir e morrerão sem nunca saberem se você as amava de verdade.

O meu cajueiro nunca soube que eu o amava, porque achava que não era necessário dizer isso para ele. Eu era tão tímida na minha pequena idade.

Naquela manhã o meu cajueiro veio abaixo, caiu no chão. A mamãe disse que foi um barulho tremendo. Ele não resistiu aos cupins. Estava oco por dentro. Restou só um pedacinho de nada do seu tronco onde havia muitos cupins e era preciso queimar tudo para não empestar a casa novamente.

Eu fiquei triste por demais com a morte do meu cajueiro. Parecia que tinha sido alguém da minha família que morrera. Mas, ele era o meu melhor amigo e meu quarto irmão dos três que eu tinha, o único que não brigava comigo. Contei esta história para vocês porque já vi outras árvores morrerem devido os cupins. Elas não são bem cuidadas como deveriam, principalmente as árvores dos canteiros da minha cidade. Outro dia, numa praça aqui perto de casa uma árvore secular caiu no chão com a chuva forte, depois foram investigar direitinho e disseram que ela estava oca por dentro, os cupins comeram tudo.

Então, além dos cupins precisamos cuidar também das pragas que dão nas folhas das árvores como das suas raízes. Sempre que você vir uma minhoca, percevejo ou joaninha perto da sua árvore não os mate, pois eles são tipo “engenheiros do solo”, ou seja, aqueles que trabalham para manter o solo nutrido e forte. Eles protegem as raízes das suas árvores, são insetos do bem.

Segundo o site Ana Maria Primavesi, as minhocas são os maiores indicadores de um solo vivo. Estas são onívoras, ou seja, alimentam-se de fontes animais e vegetais (estes últimos em diferentes graus de decomposição), além de organismos decompositores acompanhantes, tais como fungos, bactérias, protozoários e nematoides. Ingerem seus próprios excrementos e fezes de outros organismos.

Podem ser classificadas em categorias ecológicas, dependendo de que camada habitam no solo: epigéicas vivem na superfície (0 a 10 cm), habitando geralmente a serrapilheira, endogénicas habitam os horizontes minerais do solo, onde constroem galerias semi permanentes e permanentes em profundidades de 10 a 40 cm e anécicas podem ultrapassar 40 cm de profundidade.

As minhocas melhoram a estrutura e qualidade do solo através da movimentação de partículas dentro e entre os horizontes, formando agregados que permitem a entrada da água, do ar e a penetração das raízes. As galerias que abrem com seus corpinhos também ajudam a abrigar outros bichinhos. Participam da decomposição de matéria orgânica, da mineralização de nutrientes e da disponibilização destes elementos para as plantas.

As árvores são muito resistentes e revolucionárias mesmo, iguais às mulheres feministas quando se revoltam contra o patriarcado assim são as árvores nas suas lutas pela sobrevivência, pois perto da minha casa tem duas árvores que recebem água de esgotos a céu aberto faz mais de seis meses.

Já ligamos para a empresa que trata esgotos na nossa cidade, relatamos o problema e nada. A água suja dos esgotos corre direto para as duas árvores e ficam ao seu redor. Não tem como evitar porque é uma ladeira.

Quanto mais cuidado mantermos para com as nossas árvores ainda assim estaremos fazendo pouco. Elas precisam de carinho e atenção. Nas noites de frio e inverno em que as suas folhas secam rapidamente ninguém as protege. Só queremos ficar embaixo dos nossos cobertores e não nos damos conta de que a nossa árvore do quintal ou da calçada também está sofrendo com a friagem. Neste caso não podemos fazer quase nada a não ser ficamos conversando com a nossa árvore das janelas do quarto de dormir ou da sala enquanto a chuva cai.

O meu sonho era nunca mais ver uma árvore tristonha ou doente, por isso creio que a prevenção também é necessária para a saúde delas. Além dos cupins as árvores se não tiverem atenção das pessoas que passam por elas e fazem de contas que não significam nada podem se sentir abandonadas e sozinhas, logo entrarão em depressão como qualquer ser humano. Isso é sério.

Talvez vocês já tenham visto muitas árvores em depressão pelos canteiros das cidades ou parques florestais. Geralmente elas deixam as suas folhas caírem sem ser no outono, elas murcham e param de balançar os seus galhos. Ficam ali, quietas, silenciosas. Uma árvore em depressão também precisa de terapia. Alguém deve ouvir as reclamações, anseios e medos da árvore.

Uma das maiores causas das doenças nas árvores é o medo da morte. Diferente de algumas pessoas elas têm muito medo da morte, mesmo sabendo que podem reencarnar em outro planeta.

As árvores têm medo da morte quando vêm um homem com um machado ou uma serra elétrica se aproximar delas. Esse medo pode fazer com que os seus frutos apodreçam mais rapidamente, suas raízes enfraqueçam e elas tombem no chão de tanto pânico. As suas emoções e sentimentos são parecidos com os dos seres humanos, por isso todas precisam que algum bom profissional na arte da escuta esteja ali um ou duas vezes na semana para ouvir tudo o que elas desejarem falar. Muitas vezes só desejamos desabafar mesmo, falar, falar e falar. Noutras só precisamos de um abraço. São esses cuidados que devemos manter com as nossas árvores.

Os griots e indígenas sabem cuidar bem das suas árvores porque eles acreditam que dentro delas moram deuses. Assim como eles deveríamos aprender a cuidar bem das nossas. Nos contos de fadas os duendes moram dentro dos troncos das árvores e se espalham pelas florestas quando aparece uma criança.

Alguns bichos moram dentro dos troncos das árvores. A casa deles deve ser cuidada por nós que temos a razão para diferenciarmos o que é bom ou não, mantê-la limpa e cheirosa.

Do mesmo jeito que você limpa a sua casa todos os dias assim deve fazer com a sua árvore. Limpá-la cuidadosamente. Agora me veio a lembrança da casa de uma amiga onde as galinhas e galos dormem em cima do cajueiro no quintal. São tantas as galinhas nos galhos do cajueiro que mais parecem frutas do que animais. Também tem perto da minha casa um gato que só dorme em árvores. Os animais têm bom gosto.

E para finalizar ficamos com uma frase da nossa poeta maior Cecília Meireles que nos diz “Nunca tive os olhos tão claros e o sorriso em tanta loucura. Sinto-me toda igual às árvores: solitária, perfeita e pura.” Que nenhuma árvore se sinta solitária enquanto houver pessoas sensíveis e amantes da natureza. Não deixemos de cuidar das árvores e de dar-lhes atenção para que elas continuem perfeitas e puras como o olhar de uma criança. Eu sou a tua árvore!

Eu não sei porque Deus criou cajueiros, mas eu acho que foi para ser amigo de uma menina
que morria de medo das pessoas grandes, porque elas só têm garfos e facas na cabeça. Leia mais:
https://www.neipies.com/menina-e-o-cajueiro/

Link de referência do texto: https://anamariaprimavesi.com.br/

Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alex Rosset

A utopia da Paz

As mulheres, crianças, velhos, doentes e homens guerreiros, que morrem ou são lançados na dor da violência, reduzem-se a uma explicação genérica, de que a guerra sempre existiu. Esse é o sentimento que se pulveriza na consciência humana. Abandonamos a utopia da paz.

O temor inexorável da humanidade é o destino único da morte, quando termina o ciclo biológico dos humanos e todos os seres vivos. Estar vivo é a absoluta certeza e condição determinante de que um dia chega o fim. Este final inevitável é designo traçado pelo criador, como explica a crença da maioria das fontes religiosas da humanidade.

É das mais remotas criações pela mão humana, a saga das guerras. Esta sim foi instalada em atos de ódio, denominada em momentos de glória vã, de arte bélica. A mística desta degeneração natural veio blindada pelo status de sustentação da mais alta nobreza em suas conquistas históricas. Até nossa memória milenar assinala a versão dos vencedores.

Pálida é a memória das conquistas de paz genuína. As razões mais diversas de libertação de grupos humanos, ao par de outros momentos de ódio implacável na imponderável utilização da força física letal, narram o permanente modelo fraticida da existência dos homens.

A Bíblia conta o episódio que moveu Caim a tirar a vida de seu irmão Abel por motivo torpe, mas até esse evento perdeu-se no tempo como necessidade de reprovação. É absolutamente doloroso reconhecermos que a relação dos povos insere a guerra como fato consumado. O resultado fatal, a morte e mutilações corporais, tanto quanto a dor moral e sequelas infames e desabrigo total do ser humano, são lançados no conformismo.

As ilações da literatura avaliam com flacidez ética o final seriado de batalhas devastadoras. Soa com simpatia a frase harmonizadora de Siro na convulsão bélica romana: “Bis vincit qui si vincit in victoria” (vence duas vezes que se vence na vitória).

Fala-se, então, em respeitar os vencidos, vivos ou mortos. E o que chamamos de paz é uma pedra sobre as sepulturas. E nada mais!

Estamos em plena escalada da guerra em sua configuração mundial. As mulheres, crianças, velhos, doentes e homens guerreiros, que morrem ou são lançados na dor da violência, reduzem-se a uma explicação genérica, de que a guerra sempre existiu. Esse é o sentimento que se pulveriza na consciência humana. Abandonamos a utopia da paz.

A guerra anunciada, e finalmente declarada, entre Rússia e Ucrânia desencadeia um rio humano de pessoas em fuga. Nos últimos decênios vimos os casos do Iraque, da Venezuela, da Síria, de Mianmar, do Afeganistão, do Sudão do Sul e, agora, da Ucrânia. Refugiados que se contam aos milhões ao redor do mundo. (Alfredo Gonçalves) Leia mais: https://www.neipies.com/a-multidao-dos-desterrados-e-errantes/

Civilização armada

As fantásticas conquistas tecnológicas evidenciadas a partir do século XX chegaram velozes até nosso cotidiano. Os meios de comunicação disponíveis à atual geração avançaram tanto que desafiam o imaginário. A transição de tudo isso tem exigido adaptação urgente na linha do afeto das relações humanas. Tudo é ótimo como recurso da criação do homem, especialmente o avanço da ciência médica que decretou o fenômeno da longevidade.

As castas oligárquicas, no entanto, retomam rapidamente o signo do extermínio, manipulando os que se dizem líderes mas que não passam de alucinados gênios do mal. O resultado de enorme pressão no jogo de poder leva a potência mundial, Alemanha, a investir em poder bélico. É o sinal de que o mundo está mesmo em perigo.

Ucrânia

O desmanche da União Soviética sepultou um regime totalitário, mas não eliminou o pensamento totalitário fortemente disseminado no mundo. O ex-presidente Trump tentou sua consagração com ajuda soviética nos USA. A democracia americana impediu sua ascensão.

Os métodos de ataque à democracia estão marcados em quadrantes do planeta. A ação que começa com fórmulas híbridas de constituição do poder político nas nações, logo salta para a autocracia rumo ao totalitarismo. A estratégia começa com a dilapidação das instituições democráticas.

Aqui no Brasil presenciamos ataques vergonhosos contra poderes constituídos, instituições de defesa ambiental, e mais enfática contra o sistema eleitoral. A guerra da Ucrânia revelou o estranho apreço de Bolsonaro pela figura de Putin. O alegado preito em favor do fornecimento de fertilizantes e gás ao Brasil não explica o suficiente. A Ucrânia sofre a guerra, mas suas consequências mexem com a difícil situação na economia brasileira. Inflação, preço do combustível e a crise nos fertilizantes agravam o que já era difícil.

Imagem da publicação: Autor Alisson Affonso: “A lágrima não tem cor”
Conflito sangrento na Etiópia já dura mais de 16 meses…

Autor: Celestino Meneghini

Edição: Alex Rosset

Filosofia no Referencial Curricular Gaúcho do Ensino Médio

O componente curricular Filosofia traz como preocupação oportunizar aos/às estudantes a busca pelo conhecimento – pesquisar, compreender, refletir, problematizar, debater, sistematizar, argumentar – de modo a projetar-se para além do senso comum, investigar e incorporar epistemologias que permitam pensar próximo da realidade e transcendê-la, ao contribuir com a sociedade, como sugere a BNCC.

O objetivo desta exposição é auxiliar os/as colegas da Área de Conhecimento das Ciências Humanas, especificamente, do Componente Curricular de Filosofia a compreender a estrutura, a organização, o desenvolvimento e as vinculações hierárquicas dos documentos nacionais e estaduais que implicam o Ensino Médio nesse aspecto e contribuir com a compreensão do funcionamento e arquitetura da Filosofia na sala de aula. Não de modo hermético e dogmático, mas como um desenho possível e, talvez, esclarecedor que se coloque como ponto de partida para os primeiros movimentos de apropriação da dinâmica. Sugestões que, necessariamente, pela natureza da Filosofia e das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, se constituem referencial, apenas.

Por ação de Edital de Transferência Temporária para Dedicação à escrita do Referencial Curricular Gaúcho do Ensino Médio para o Estado do Rio Grande do Sul, no ano de 2020, a Secretaria Estadual de Educação realizou seleção de dezoito (18) redatores/as titulares e respectivos suplentes, Professores e Professoras efetivos/as da rede estadual de ensino. Após entrevistas, os/as redatores/as, organizados/as em suas respectivas Áreas de Conhecimento, iniciaram os trabalhos previstos em 22 de outubro de 2020 e seguem em ação de escrita (PIES, 2022).

A partir das dificuldades encontradas com a compreensão dos documentos e a viabilização das atividades docentes, encaminhamos, sugestões de operacionalidade para ações de sala de aula e, também, para a compreensão da gênese e construção dos documentos. Destacamos que a Filosofia, enquanto Componente Curricular das CHS, juntamente com a Sociologia, tem sofrido reveses intensos no que tange a sua presença nas escolas. Significativos movimentos têm sido realizados pela ANPOF e pelo Fórum Sul de Filosofia, além de entidades da sociedade civil para sua manutenção nas matrizes curriculares.

Primeiras palavras

O documento denominado Referencial Curricular Gaúcho do Ensino compreende, logo na introdução, que

Referencial Curricular é um documento orientador da caminhada educacional de uma sociedade, especificamente, no ensino. Ao responder às perguntas: “o quê”, “quando”, “como”, “para quem” e “para onde”, pensa, como documento sistematizador, a educação de um determinado território e estabelece possibilidades, horizontes, metas, finalidades, perspectivas, sobre a práxis educacional. O Referencial Curricular Gaúcho se traduz em um caminho a ser seguido baseado em pressupostos teóricos e práticos, consideradas as condições, as realidades em que se encontram as redes de ensino no atendimento às demandas sociais. Constitui-se em guia que indica objetivos, sugere linhas gerais unificadoras, aponta fragilidades e recomenda parcerias, formas de enfrentamento e superação das insuficiências do sistema educacional. (RCGEM, 2021, p. 16)

Nesse sentido e em concepção hermenêutica, quer seja, de interpretação e da própria essência filosófica, o RCGEM apresenta linha gerais, amplas e abre para possibilidades de construção de planos e de aulas democráticas, dialógicas, criativas e, especialmente, com cientificidade e promotoras do conhecimento e da cidadania.

Na perspectiva de auxiliar a compreender as estruturas dos documentos e suas vinculações, explicamos que a Filosofia, na BNCC e no RCGEM é Componente Curricular integrante da Área do Conhecimento das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, simbolizada pela sigla CHS. A titulo geral, o documento se apresenta na seguinte linearidade:

Fonte: Fig. 01 – parte autora

Processo de Construção

O Componente Curricular de Filosofia, nas páginas 124 a 126 do RCGEM, reflete acerca da atitude e do pensar complexo e plurivalente na manutenção, continuidade e defesa da vida. E, a partir dessa compreensão, assim se posiciona em linhas gerais sobre sua concepção de fundo, sobre a metodologia e sobre os horizontes e ideais:

 “A humanidade, em seus processos de produção, relações, instituições e desconstruções, da ação concreta e simbólica, desenvolve cultura e modifica a natureza – no sentido adotado por Aristóteles e por Rousseau – a partir do pensar e compreender mítico, teocêntrico, senso comum, técnico, científico e filosófico (CHAUÍ, 2010; ARANHA, 2013). As constituições racionalizadas ou aleatório-inusitadas apresentadas ao longo da história, de algum modo, caracterizam o modo como os seres humanos pensam, compreendem e posicionam-se no mundo; como compreendem a si próprios, aos demais e ao cosmos e como estruturam suas relações. Nos fundamentos das atitudes humanas, parece haver, explícita ou implicitamente, modos de compreender a complexidade da vida, hegemônicos ou alternativos, que revelam tradições e tendências de pensamento com potências suficientes para constituir escolas, influenciar pessoas e sociedades e dirigir o mundo, ainda que, por um período/tempo ou em um local/espaço.

Encontrar a verdade ou aproximar-se dela tem sido o grande debate, acompanhado de questões clássicas sobre: quem somos? Qual o sentido da vida? De onde viemos? Para onde vamos? O que é o certo, o belo e o bom/bem? O tudo e o nada? As buscas humanas oscilam entre abordagens racionais e emocionais, idealistas e empiristas, refletidas/mediadas e imediatas, simplistas e complexas. Desse modo se constitui a ciência filosófica, uma atitude, um modo de ser – ou não ser -, um método, uma compreensão.

A Filosofia move a humanidade ao pensar, ao conhecer, na direção da sabedoria, da intensidade do saber, do valor da vida, do pensar o pensar, do conhecer o conhecimento – na compreensão de Morin e de Foucault – ou não é Filosofia.

Em Filosofia, procura-se compreender as teorias filosóficas de pensadores/as desde o período clássico ao contemporâneo, com conceitos reflexivos e de inteligibilidade especulativa aguçada, abordados a partir da atualidade e da historicidade dos/das estudantes do Ensino Médio, o que torna mais significativa a experiência de ensino e aprendizagem das temáticas e problemáticas propostas pelos seres humanos ao longo da história.

O componente curricular Filosofia traz como preocupação oportunizar aos/às estudantes a busca pelo conhecimento – pesquisar, compreender, refletir, problematizar, debater, sistematizar, argumentar – de modo a projetar-se para além do senso comum, investigar e incorporar epistemologias que permitam pensar próximo da realidade e transcendê-la, ao contribuir com a sociedade, como sugere a BNCC.

Nesse contexto, o saber filosófico se justifica pela criticidade que proporciona ao fundamentar e dar significado a aprendizagens dos estudantes do Ensino Médio com base na pesquisa, aprofundamento e produção dos conhecimentos adquiridos para que possam transformar a condição de espectador em agente atuante, cidadão envolvido e comprometido com o mundo comum.

A Filosofia é, também, reflexão e debate sobre a historicidade do pensamento humano que sistematiza conhecimentos plurais, com diversas compreensões, desde o mundo antigo, passando pelo medievo, moderno e contemporâneo contribuindo com os tempos nos quais o ser humano partilha suas experiências e vivências.

Pensar a vida, sua constituição, construção e os modos como, a partir das relações e compreensões da humanidade em sua condição diversa e plural têm se assumido, compreendido, posicionado e transformado a natureza, a condição humana e sua dimensão espiritual. Desse modo, ressalta-se a relevância do trabalho realizado pela educação: se o senso comum é um conjunto de ideias e valores que servem de base à nossa primeira visão de mundo, trata-se, no entanto, de um saber não, necessariamente, crítico e científico, fragmentado, por vezes incoerente, desarticulado, misturado a crenças, portanto, pré-reflexivo (BRASIL, 2002, p. 44). Porém, potente para as sociedades ao longo dos tempos, assim como todos os modos humanos de ser, conhecer e conviver.

A Filosofia no Ensino Médio, com seu rigor conceitual de abordagem crítico-racional, subscreve a máxima délfica “Conhece-te a ti mesmo”, pois quer estimular nos/nas estudantes a consciência não apenas do mundo ao seu redor, mas de si mesmos – suas ações, sua corporeidade, suas disposições morais e psíquicas, suas crenças e modos de pensar -. Assim se constitui a proposta filosófica para o RCGEM, como possibilidade de conhecimento da história do pensamento, atitude crítico-reflexiva diante do mundo da vida nas suas dimensões concreta e imaginária.”

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Os debates e as construções sintonizadas entre a equipe de redação do RCGEM para a Área de CHS, as contribuições e sugestões da Consulta Pública a que foi submetido o RCGEM nos meses de novembro e dezembro de 2021, resultaram na produção de mais algumas habilidades que a BNCC não contemplava. Desse modo, destacam-se, algumas habilidades que são mais específicas para o Componente Curricular de Filosofia, mas ressalta-se que o objetivo é o desenvolvimento de uma formação integral das juventudes do ensino médio, inter e transdisciplinar de modo a evitar formação fragmentada e superficializações tecnicistas.

O texto do RCGEM está aprovado pelo Conselho Estadual de Educação (CEEd) desde o dia 20 de outubro de 2021. O Parecer CEEd n.003/2021 institui o Referencial Curricular Gaúcho para o Ensino Médio (RCGEM), etapa final da educação básica, bem como, suas modalidades. O CEEd, reforça que o RCGEM é “referência obrigatória para elaboração dos currículos das instituições integrantes dos Sistemas Estadual e Municipais de Ensino do RS” que devem seguir os termos do Parecer e da Resolução CEEd n.361/2021.

Para facilitar, desse modo, a compreensão da estrutura hierárquica dos documentos e a operacionalização na escola e na sala de aula, destacamos o seguinte esquema:

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Competências gerais da BNCC para a Educação Básica

A BNCC apresenta dez (10) Competências Gerais para a Educação Básica. Elas são a base para as ações educacionais em todas as modalidades e níveis da Educação Básica. Por educação Básica se compreende desde a Educação Infantil até o Ensino Médio e a Educação Profissionalizante (Ensino Médio Integrado, Cursos Técnicos Concomitantes e Subsequentes).

As dez Competências Gerais, podem ser encontradas na BNCC (p. 09-10):

1. Conhecimento: Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.

2. Pensamento científico, crítico e criativo: Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas.

3. Repertório cultural: Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.

4. Comunicação: Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.

5. Cultura digital: Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.

6. Trabalho e projeto de vida: Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.

7. Argumentação: Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.

8. Autoconhecimento e autocuidado: Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.

9. Empatia e cooperação: Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.

10. Responsabilidade e cidadania: Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários

Competências específicas das CHS que podem ser desenvolvidas pelas Filosofia

Como desdobramentos das dez (10) Competências Gerais, a BNCC organizou competências especificas por área do conhecimento. Essas Competências estão disponíveis na BNCCEM (p. 558 a 565) e no RCGEM (p. 134 a 139), conforme Fig. 2. Para auxiliar no trabalho docente, visto que a BNCC não apresenta, objetivamente, Objetos do Conhecimento para serem trabalhados, tomamos a liberdade de sublinhar os aspectos que identificam a dimensão filosófica em cada uma das Competências Específicas das CHS.

Competência 1 – Analisar processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais nos âmbitos local, regional, nacional e mundial em diferentes tempos, a partir da pluralidade de procedimentos epistemológicos, científicos e tecnológicos, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a eles, considerando diferentes pontos de vista e tomando decisões baseadas em argumentos e fontes de natureza científica.

Competência 2 – Analisar a formação de territórios e fronteiras em diferentes tempos e espaços, mediante a compreensão das relações de poder que determinam as territorialidades e o papel geopolítico dos Estados-nações.

Competência 3 – Analisar e avaliar criticamente as relações de diferentes grupos, povos e sociedades com a natureza (produção, distribuição e consumo) e seus impactos econômicos e socioambientais, com vistas à proposição de alternativas que respeitem e promovam a consciência, a ética socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional, nacional e global.

Competência 4 – Analisar as relações de produção, capital e trabalho em diferentes territórios, contextos e culturas, discutindo o papel dessas relações na construção, consolidação e transformação das sociedades.

Competência 5 – Identificar e combater as diversas formas de injustiça, preconceito e violência, adotando princípios éticos, democráticos, inclusivos e solidários, e respeitando os Direitos Humanos.

Competência 6 – Participar do debate público de forma crítica, respeitando diferentes posições e fazendo escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.

Habilidades propostas pela BNCC e RCGEM

A BNCCEM apresenta uma lista de habilidades, enquanto documento base da educação nacional. Porém, a equipe de redação do RCGEM, para as CHS, percebeu que havia algumas lacunas que poderiam ser sanadas com habilidades específicas para algumas temáticas que não estavam contempladas e outras relacionadas com o Rio Grande do Sul. Nesse sentido, foram incluídas habilidades àquelas já construídas pela BNCCEM. Desse modo, nas habilidades elaboradas pelo RCGEM há um acréscimo da sigla RS ao código. Isto significa que ela foi elaborada pela equipe redatora por decisão autônoma ou por sugestão das entidades, docentes e comunidade durante a consulta pública organizada pelo CEEd-RS.

A preocupação da CHS para o Componente Curricular de Filosofia é facilitar o trabalho docente com o destaque das principais habilidades. Contudo, cada docente pode ir além e aproximar a Filosofia a outras habilidades a fim de desenvolver com maior amplitude o trabalho pedagógico para almejar as dez Competências Gerais da BNCC, onde se localiza a excelência congitiva.

Cada docente de Filosofia deve retomar o RCGEM e aprofundar os estudos das 10 Competências Gerais da BNCC, das 6 Competências específica da área de CHS e das habilidades que decorrem de cada uma das 6 Competências específicas de CHS. Apresentamos agora, as habilidades que decorrem da BNCC e aquelas elaboradas pela equipe do RCGEM que implicam diretamente a Filosofia.

– Acerca da Competência Específica das CHS, 01:

(EM13CHS101) Identificar, analisar e comparar diferentes fontes e narrativas expressas em diversas linguagens, com vistas à compreensão de ideias filosóficas e de processos e eventos históricos, geográficos, políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais. (1º, 2° e 3°);

(EM13CHS102) Identificar, analisar e discutir as circunstâncias históricas, geográficas, políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais de matrizes conceituais (etnocentrismo, racismo, evolução, modernidade, cooperativismo/desenvolvimento etc.), avaliando criticamente seu significado histórico e comparando-as a narrativas que contemplem outros agentes e discursos (1º, 2° e 3°);

(EM13CHS103) Elaborar hipóteses, selecionar evidências e compor argumentos relativos a processos políticos, econômicos, sociais, ambientais, culturais e epistemológicos, com base na sistematização de dados e informações de diversas naturezas (expressões artísticas, textos filosóficos e sociológicos, documentos históricos e geográficos, gráficos, mapas, tabelas, tradições orais, entre outros) (1º, 2° e 3°);

(EM13CHS106) Utilizar as linguagens cartográfica, gráfica e iconográfica, diferentes gêneros textuais e tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais, incluindo as escolares, para se comunicar, acessar e difundir informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. (1º, 2° e 3°);

(EM13CHSA109RS) Compreender a lógica das operações de pensamento, das argumentações e suas teses, seus sentidos e contradições para tomar decisões, fazer escolhas e comunicar-se com autenticidade;

(EM13CHSA110RS) Elaborar, compreender e desenvolver argumentações com sentido para a dignidade humana e a justiça social a partir de diferentes concepções teóricas. (1º, 2º e 3º);

(EM13CHSA111RS) Compreender o pensamento sócio-filosófico a partir de suas bases teóricas relacionando-as com as ações humanas e seus significados em vários contextos. (1º, 2º e 3º).

– Acerca da Competência Específica das CHS, 02:

(EM13CHS202) Analisar e avaliar os impactos das tecnologias na estruturação e nas dinâmicas de grupos, povos e sociedades contemporâneos (fluxos populacionais, financeiros, de mercadorias, de informações, de valores éticos e culturais etc.), bem como suas interferências nas decisões políticas, sociais, ambientais, econômicas e culturais. (1º, 2º e 3º);

(EM13CHSA208RS) Estudar, investigar e compreender os sentidos e as processualidades das revoluções, das mudanças e rupturas provocadas na história da humanidade e de seu pensamento. (1°, 2° e 3°);

(EM13CHSA209RS) Identificar e valorar a importância dos agentes sócio-históricos em diferentes contextos de protagonismo e tensionamentos de forças políticas e compreensões na perspectiva de conquistas e garantias dos direitos humanos, no Estado republicano de direito. (1°, 2° e 3°).

– Acerca da Competência Específica das CHS, 03:

(EM13CHS301) Problematizar hábitos e práticas individuais e coletivos de produção, reaproveitamento e descarte de resíduos em metrópoles, áreas urbanas e rurais, e comunidades com diferentes características socioeconômicas, e elaborar e/ou selecionar propostas de ação que promovam a sustentabilidade socioambiental, o combate à poluição sistêmica e o consumo responsável. (1º, 2º e 3º);

(EM13CHSA308RS) Compreender as relações intrínsecas entre os elementos constituintes do cosmos e o protagonismo humano nas fronteiras da ética e da bioética concentrando esforços na promoção, defesa e continuidade da vida. (1º, 2º e 3º).

– Acerca da Competência Específica das CHS, 04:

(EM13CHSA405RS) Analisar e compreender os conceitos de mundialização e globalização, seus processos históricos, culturais, sociais, políticos, econômicos e ambientais, as interações e consequências – em diferentes escalas – para os indivíduos, as sociedades e para os Estados. (1°, 2° e 3°).

– Acerca da Competência Específica das CHS, 05:

(EM13CHS501) Analisar os fundamentos da ética em diferentes culturas, tempos e espaços, identificando processos que contribuem para a formação de sujeitos éticos que valorizem a liberdade, a cooperação, a autonomia, o empreendedorismo, a convivência democrática e a solidariedade. (1º, 2º e 3º);

(EM13CHS502) Analisar situações da vida cotidiana, estilos de vida, valores, condutas etc., desnaturalizando e problematizando formas de desigualdade, preconceito, intolerância e discriminação, e identificar ações que promovam os Direitos Humanos, a solidariedade e o respeito às diferenças e às liberdades individuais. (1º, 2º e 3º);

(EM13CHS504) Analisar e avaliar os impasses ético-políticos decorrentes das transformações culturais, sociais, históricas, científicas e tecnológicas no mundo contemporâneo e seus desdobramentos nas atitudes e nos valores de indivíduos, grupos sociais, sociedades e culturas. (2º e 3º);

(EM13CHSA505RS) Pensar os sentidos e a importância das ações humanas promotoras do bem comum, da solidariedade, da ética e da cooperação, como pressupostos da cultura de paz, da harmonia, da justiça social e da dignidade humana. (1º, 2º e 3º);

(EM13CHSA509RS) Analisar e compreender as condutas humanas a partir dos comportamentos, atitudes e sentidos incorporados historicamente como consolidação de valores morais, éticos e estéticos. (1º, 2º e 3º);

(EM13CHSA510RS) Propor diálogos sócio-filosóficos que promovam compromissos individuais e coletivos com a solidariedade, o respeito às diferenças, a liberdade e a segurança individual e social. (1º, 2º e 3º);

(EM13CHSA511RS) Compreender as relações humano-sociais como construções histórico-culturais e o racismo, a etnofobia e a xenofobia como ocorrências resultantes de processos estruturais dominadores, exploradores e simplificadores da condição humana instituídos por compreensões homogeneizantes e hegemônicas nas fronteiras do mundo democrático e republicano, impeditivos das diversidades. (1°, 2° e 3°).

– Acerca da Competência Específica das CHS, 06:

(EM13CHS602) Identificar e caracterizar a presença do paternalismo, do autoritarismo e do populismo na política, na sociedade e nas culturas brasileira e latino-americana, em períodos ditatoriais e democráticos, relacionando-os com as formas de organização e de articulação das sociedades em defesa da autonomia, da liberdade, do diálogo e da promoção da democracia, da cidadania e dos direitos humanos na sociedade atual. (2º e 3º);

(EM13CHS603) Analisar a formação de diferentes países, povos e nações e de suas experiências políticas e de exercício da cidadania, aplicando conceitos políticos básicos (Estado, poder, formas, sistemas e regimes de governo, soberania etc.). (1°, 2º e 3º);

(EM13CHS604) Discutir o papel dos organismos internacionais no contexto mundial, com vistas à elaboração de uma visão crítica sobre seus limites e suas formas de atuação nos países, considerando os aspectos positivos e negativos dessa atuação para as populações locais. (2° e 3);

(EM13CHSA607RS) Analisar e compreender o ser humano como integral e capaz de desenvolver suas potencialidades e habilidades socioemocionais e cognitivas. (1º, 2º e 3º).

Fontes mínimas de consulta:

– Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF): https://www.anpof.org/.

Base Nacional Comum Curricular – BNCC.

Site do Professor Nei Alberto Pies.

Parecer n. 003/2021.

Referencial Curricular Gaúcho do Ensino Médio – RCGEM.

Resolução CEEd n.361/2021.

Autor: Claudionei Vicente Cassol

Edição: Alex Rosset

Marielle Franco e Paulo Vaz, presentes!

Quanto mais pessoas se mostram importadas com vidas LGBT+ e negras dentro da sua bolha, mais se fortalece essa ideia utópica e absurda de que ninguém deveria ser assassinado por ser quem é (e lutar pra ser).

Dia 14 de março, segunda-feira, fez quatro anos que a Marielle Franco foi assassinada. Diante da comoção nas redes pedindo justiça por Marielle e respostas que não temos até hoje: quem mandou matar Marielle e por que? – eu iria chegar em casa no fim do dia, fazer uma foto com a camiseta que tem a placa “Rua Marielle Franco”, e postar. Não porque eu seja um grande influenciador digital, longe disso, mas porque quanto mais pessoas se mostram importadas com vidas LGBT+ e negras dentro da sua bolha, mais se fortalece essa ideia utópica e absurda de que ninguém deveria ser assassinado por ser quem é (e lutar pra ser).

Iria postar, mas não postei porque cheguei em casa aumentando a conta dos mortos. Mais um dos nossos se foi. Paulo Vaz, um homem trans, gay, policial civil e ativista de direitos humanos que, ao que tudo indica, escolheu o suicídio a ficar sendo morto aos poucos em meio a pessoas tão cruéis. Nunca conheci o Popo pessoalmente, mas seguia nas redes sociais e admirava demais. Inspirador pra mim, homem cis gay, imagina o que ele representa pra pessoas trans.

O Paulo postou o endereço de onde ele poderia ser encontrado morto, depois de uma avalanche de comentários transfóbicos feitos sobre a relação dele e do seu marido, Pedro HMC, nas redes sociais, por pessoas que fazem parte da própria comunidade LGBTQIA+. Ao que tudo indica, foi gatilho, depois de trinta e poucos anos de agressões, falta de acolhimento, constrangimentos e vergonhas. E assim, a gente que fica, segue contando mortos.

Eu perdi a conta. Tenho 31 anos e já vi tantas pessoas incríveis perderem a vida (assassinadas ou que cometeram suicídio) – conhecidos, amigos de amigos e até amigos queridos. Nessas horas só me resta aquele sentimento de que a humanidade falhou no propósito coletivo.

Se por um lado nós tivemos sucesso evolutivo a partir do momento em que aprendemos a cooperar, por outro conseguimos nos mostrar, milhares de anos depois, nada acolhedores.

Incapazes de discernir o limite entre humor e crueldade, entre a necessidade e a não necessidade de comentar algo sobre o outro. Yuval Noah Harari diz que o sucesso evolutivo é numérico, apenas, ele não mensura sofrimento, se mensurasse, talvez percebêssemos que a nossa espécie não teve tanto sucesso assim.

Divagações filosóficas à parte, o fato é que não há como não entristecer em 14 de março. Não há como não sentir desânimo. Só resta nos fortalecermos no legado de Marielles e Paulos, tenho certeza que eles são eternos.

“É engraçado dizer que não se aguenta mais, porque dia após dia, a gente segue aguentando. Acho que “resistência” é isso: o sentimento de não aguentar mais tanta barbárie, mas continuar aguentando, se opondo, marcando posição, denunciando. Nunca estamos parados, estamos sempre resistindo e isso é um movimento forte o bastante para não deixar que o fascismo prevaleça”. Leia mais: https://www.neipies.com/resistir-a-que/

Autor: Oscar de Souza

Edição: Alex Rosset

Você é um só

Fruto de um sistema capitalista, a única resposta que a tecnologia pode trazer é mais tecnologia. Ela é só uma ferramenta, não há consciência nela. Tudo que ela faz é fruto de ideias de gente como você.

E não é aquele do Facebook. Do Google+. Do Instagram. Dos games. Do WhatsApp. Nem de todas essas redes, e outras tantas, combinadas. Morando sozinho ou se isolando por trás das telas brilhantes de smartphones, tablets, PCs e notebooks, falando pelo Twitter o que não teria coragem de dizer ao vivo, multiplicado por diversos perfis e avatares, você ainda é um só.

Você, que acumula objetos de uso questionável e contribui para a formação do lixo eletrônico ao mesmo tempo que reclama da poluição e da exploração do planeta.

Você, que faz passeata contra a corrupção enquanto compra notas frias. Que critica o tráfico ao mesmo tempo em que o financia, que reclama do preço do ônibus, mas não deixa o carro nem para ir até a padaria. E que, uma vez nele, não respeita faixa, deficiente, idoso ou limite de velocidade e fala ao celular enquanto guia.

Você que, via redes sociais, se orgulha de ter atingido uma fusão entre intimidade e distância, quando o máximo que fundiu foi a ilusão de ambas. Sua comunidade se transformou em um mecanismo terceirizado de autoimagem, ao mesmo tempo vaidoso e inseguro, preguiçoso e ansioso, otimista e pragmático.

Um só

Imerso na rede, você criou um reflexo psicológico em que precisa saber de tudo no mesmo momento, posicionando-se o quanto antes, já que cada atualização diz mais respeito à opinião dos outros do que ao que você realmente pensa.

Fascinado pela ideia de se transformar em veículo de informação, você parece ter se esquecido (ou deixado de se importar) que só haverá meios se houver mensagens. E que ao reproduzir sem pensar o que ouve dos outros, não gera mais do que microfonia.

Não adianta se esconder nem tentar desafiar seus ritmos biológicos na vã tentativa de acompanhar o mundo simbólico em que vive, evitando qualquer contato com a realidade. O máximo que conseguirá é confundir seus mapas com o território que representam.

Você acha que é diferente e, no entanto, é igualzinho aos que critica. Não espanta que espere cada vez mais da tecnologia e cada vez menos das pessoas.

É inegável, você está só. Sua solidão não foi criada pelo mundo digital, mas por suas ações esquizofrênicas. Não adianta mais colocar a sociedade na terceira pessoa, tentando se isentar de qualquer responsabilidade. O mundo “real” tem muito de virtual. E vice-versa. É uma relação simbiótica.

Mas conexão não é o mesmo do que vínculo. O budismo (o de verdade, não essa onda chamada de “sabedoria 2.0”, em que a meditação é uma espécie de videogame contemplativo) ensina que todos estão interconectados. Que os desafios reais não estão no futuro, mas bem à nossa frente. E que o apego aos bens e às ideias pode ser muito prejudicial.

Ao dar à tecnologia um espírito vago, impessoal, o que move a sociedade é uma desculpa esfarrapada.

Fruto de um sistema capitalista, a única resposta que a tecnologia pode trazer é mais tecnologia. Ela é só uma ferramenta, não há consciência nela. Tudo que ela faz é fruto de ideias de gente como você.

Por mais que você ache, como Mário de Andrade, que é trezentos, que é trezentos e cinquenta, não se iluda. Como ele, você é um só. E ainda terá que topar consigo e prestar contas com seu legado.

Apesar de você, diz a música, amanhã há de ser outro dia.

***

FONTE: https://www.observatoriodaimprensa.com.br/enoticias/_ed753_voce_e_um_so/

Autor: Luli Radfahrer,  professor-doutor de Comunicação Digital da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP e colunista da Folha de S.Paulo; mantém o blog www.luli.com.br

PROPOSTA DE ATIVIDADE PEDAGÓGICA

Essa atividade pode ser realizada com estudantes dos anos finais do ensino fundamental no componente Filosofia.  Também pode ser realizada com estudantes do Ensino Médio nos componentes Cultura e Tecnologia Digital ou Filosofia e Sociologia).

QUESTÕES:

  1. Qual é a problemática abordada no texto que você leu?
  • Liste cinco benefícios e cinco malefícios do uso das tecnologias.
  • Leia a tirinha abaixo e responda: o mundo virtual influencia no mundo real? Construa sua resposta considerando o uso que fazes das redes sociais.
  • Você sabe o que é algoritmo? Pesquise o significado deste conceito e as implicâncias deste para a formação da nossa identidade.  (Esse programa tratou sobre o tema refletindo a influência do algoritmo e as implicâncias disto para a democracia. https://www.youtube.com/watch?v=gawIX8ri_lg  sugere-se acompanhar e em seguida responder a pergunta.
  • Leia a tirinha abaixo e inspire-se para produzir sua crítica à sociedade, à tecnologia e influências das mesmas na formação das identidades.

*** Esta proposta de atividade foi elaborada pelo professor Marciano Pereira, também Convidado deste site, a quem agradecemos pela generosa colaboração.

Conheça mais: https://www.neipies.com/author/marciano_pereira/

Edição: Alex Rosset

Realidade assombrosa

Qualquer um que se interesse minimamente pelo desempenho da vida moderna sabe bem, e não é difícil assim concluir, que já não é mais possível aceitar a existência de um modelo econômico (cujo crescimento é sempre o ponto de destaque) que coloque em perigo o equilíbrio ecológico.

Para começo de conversa, é preciso considerar que vivemos sob uma crise sistêmica provocada por nós mesmos que não tem precedente na história. Particularmente, como não é difícil presumir, dado os efeitos nocivos de nossas atividades que alimentam o nosso sistema de economia global e a nossa ordem política atual, temos configurada uma crise multiforme constantemente retroalimentada que coloca o destino da humanidade, isto é, o nosso destino, numa situação limite. É esse o ponto grave diante de nós.

Gostemos ou não, os saberes da ciência apontam que todos os sistemas de vida do planeta estão ameaçados – alguns seriamente ameaçados.

Ocorre que, ao acatarmos padrões insustentáveis estabelecidos (os processos produtivos globais e o consumo global, ainda hoje vistos como referenciais da modernidade), é frequentemente espantoso perceber, pelo lado ambiental, que seguimos atrapalhando os sistemas naturais na tarefa de autorregeneração. Isso, por óbvio, tem um claro desdobramento: à medida que se amplia o impacto dos seres humanos (antropocentrismo dominador, usemos de saída essa expressão bastante precisa) sobre o meio ambiente e se aceleram as mudanças climáticas, aumentam – e muito – o peso das ameaças (sociais), dos riscos (ecológicos) e dos custos (econômicos). 

Na direção da esfera ecológico-ambiental, dois dos mais adversos pontos já bem perceptíveis – a degradação do meio ambiente e o pesadelo climático – elevam de vez nosso nível de preocupação. Assim, sendo taxativo, convém estar atento para os mais diversos avisos que temos recebido. Sobre isso…

OS GLACIÓLOGOS ALERTAM: o gelo está derretendo a uma velocidade três vezes maior do que eles temiam apenas dez anos atrás;

OS CIENTISTAS DO IPCC PREVÊEM: os danos causados por enchentes vão aumentar de cem a mil vezes até o final deste século. (E não custa lembrar aqui que dois terços das maiores cidades do mundo estão a centímetros do nível do mar);

OS CLIMATOLOGISTAS AVISAM: um aumento de 3°C na média global de temperatura afetará drasticamente todas as formas de vida;

OS OCEANÓGRAFOS DENUNCIAM: até 2030, o aquecimento e a acidificação dos oceanos ameaçarão 90% de todos os corais que sustentam pelo menos um quarto de toda a vida marinha;

OS CIENTISTAS DA TERRA CONJECTURAM: apenas entre 1992 e 2015, os humanos alteraram 22% da massa terrestre do planeta;

OS BIÓLOGOS ADMITEM: de 40 mil espécies estudadas, 12% de todas as aves, 13% das plantas e 25% dos mamíferos correm risco de extinção;

OS DEMÓGRAFOS ANUNCIAM: a cada dia, em todo o mundo, uma a cada seis pessoas padece de fome e malnutrição – o número mundial de subnutridos já alcança 800 milhões, sendo que 100 milhões desses passam fome devido aos choques climáticos;

OS ESPECIALISTAS EM GESTÃO PÚBLICA ARGUMENTAM: em 2025, metade da população mundial passará pela falta de água potável por pelo menos um dia da semana;

OS TÉCNICOS DA ONU PROJETAM: até 2050, o mundo conhecerá 200 milhões de refugiados do clima;

OS ECONOMISTAS ECOLÓGICOS SENTENCIAM: os limites físicos do planeta colocam em xeque à ideia de crescimento sem fim;

OS CIENTISTAS SOCIAIS CONCLAMAM: devemos reorientar nosso modelo de civilização, e mais do que isso, devemos alterar o sentido civilizatório;

OS AMBIENTALISTAS NÃO CANSAM DE DIZER: nenhum progresso será viável se não buscarmos manter o equilíbrio entre a nossa espécie e o resto da natureza.

Embora esteja claro que tudo isso provoca múltiplos desdobramentos em graus variados, pelo lado da questão social, e importa mencionar isso, há de se dizer com muito pesar que as evidências continuam mostrando que desigualdades e diferenças socioeconômicas, ao afetar o cotidiano das populações vulneráveis (vítimas das circunstâncias), minam de vez expectativas de uma vida com mínima segurança, o ponto vital. E nesse caso, somos confrontados de imediato com uma realidade assombrosa.

A fratura social (totalmente fora de controle e moralmente indefensável) é de tamanha ordem que atingimos absurdos e extremos: o 1% mais rico do mundo equivale aos 99% seguintes.

Pela realidade brasileira, ainda sobre esse assombroso assunto, apenas 0,5% dos brasileiros concentram quase 45% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Convencionalmente considerada como uma sociedade bastante desigual, não mais do que seis brasileiros – isso mesmo, apenas 6 indivíduos – concentram, juntos, a mesma riqueza que os 100 milhões mais pobres do país, ou 47% da população. 

E mais: esses dados em particular, quando vistos em conjunto, continuam a nos deprimir. Para entrar no detalhe, em 2019, por exemplo, resumindo numa única situação, apenas 2.153 indivíduos mundo afora detinham mais riqueza do que 4,6 bilhões de pessoas – o equivalente a cerca de 60% da população mundial. O pior é que, em tais circunstâncias, apesar de ser escandaloso, assombroso e estarrecedor, isso não é nenhuma novidade, tanto que o sempre iluminado Boaventura de Souza Santos esbraveja com razão: “um sistema com desigualdades gritantes sobrevive há séculos”.

E como tudo está interligado, a questão que se coloca diante de mais essa indecência é relativamente simples de entender.

Vejamos: gestadas por um dominante modelo de crescimento ecologicamente predatório, esses custos, ameaças e riscos socioambientais – capazes de destruir as bases ecológicas de produção e de subtrair a possibilidade de uma vida com qualidade – trazem em si marcas de anormalidade que carregam nomes próprios: pobreza, miséria, aprofundamento de vulnerabilidades, secas, inundações, ondas insuportáveis de calor, recuo de geleiras, elevação do nível do mar, proximidade de esgotamento dos ecossistemas, excesso de rejeitos (cultura de descarte, e, dá no mesmo, economia do desperdício), poluições atmosféricas, exército de refugiados ambientais, sistemática degradação ecológica e acentuada diminuição da biodiversidade, para o caso de citar por esse momento apenas algumas das situações mais desconexas e alarmantes possíveis.

Ainda assim, diante de mais essa dura realidade, o detalhe apavorante contido em toda essa ideia, e que precisa ser bem explicitado, é que já fomos longe demais com nossas loucuras, inclusive as consumistas. Sabendo disso, num quadro de críticas justificáveis, há um ponto importante de toda essa discussão que não podemos perder de vista: onde quer que nos encontremos, precisamos ter sempre em mente que, por conta do violento capitalismo global, a grave predação planetária, conjugada ao pesadelo climático que paira sobre toda a população global, não pode continuar a ser “administrada” do modo como estamos acostumados a fazer.

À primeira vista, apesar dos pesares, se quisermos superar os principais sinais da crise do mundo globalizado (incluindo aí, é claro, a questão climática) temos o dever de passar à ação imediata, a começar por empreender mudanças radicais, incluindo o rompimento com as ideias tradicionais. Isso pode parecer simples, mas não é. Toda ação de ruptura, em muitos casos, se traduz num rompimento com uma dimensão normativa. Nesse caso, a referência aqui diz respeito à posição padrão da racionalidade econômica ainda muito presente no imaginário coletivo, vide o exemplo vivo da ideia do crescimento sem fim (tolice imaginar que isso seja possível) colocado como selo de salvo conduto.

E mais um detalhe: não se trata aqui de apenas criticar o crescimento sem uma base de fundamento, mas sim procurar enfatizar a necessidade que temos de romper tradições. Afinal, qualquer um que se interesse minimamente pelo desempenho da vida moderna sabe bem, e não é difícil assim concluir, que já não é mais possível aceitar a existência de um modelo econômico (cujo crescimento é sempre o ponto de destaque) que coloque em perigo o equilíbrio ecológico.

Em outras palavras, não será tirando a qualidade dos ecossistemas, do qual dependemos, que o sistema vida irá progredir. É justamente o contrário.

Logo, em termos claros, o que mais precisamos é de uma sociedade e uma economia que não abandone sua face humanista e sua reverência à Natureza (matriz de tudo e parceira da vida). O que mais precisamos, insistindo no assunto que sabemos ser urgente, é de uma economia equilibrada que esteja à serviço da comunidade humana, e que opere dentro dos limites planetários.

Para se chegar a isso, os desafios que nos espreitam são conhecidos. Para além de tudo, os especialistas não cansam de dizer que precisamos: (1) redesenhar uma nova estratégia planetária; (2) equilibrar os diversos interesses (“só os interesses são o motor da história”, dirá Daron Acemoglu); (3) administrar disputas entre os que decidem o destino do mundo; (4) mudar nossa cosmovisão; (5) desconstruir o paradigma do economicismo; (6) conter a expansão desenfreada das finanças mundiais (onde de fato reside o poder econômico); e, (7) abandonar, como uma espécie de prêmio final, a mania do crescimento (a growthmania, termo utilizado pelo economista inglês E. J. Mishan [1917-2014]).

Em síntese, precisamos repensar a economia global de uma forma inclusiva e sustentável, socialmente justa e ambientalmente segura, e isso requer, notadamente, impor o que tem sido discutido desde as negociações do Protocolo de Kyoto (1997): a definição de um preço global (taxação) para o carbono (ironia ou não, aqui é a lógica econômica a favor de benefícios climáticos), facilitando a reconversão da estrutura produtiva, imperativo à correção climática.

Com efeito, à medida que avança essa atual economia movida a combustíveis fósseis (que a economia ecológica acertadamente chama de economia entrópica) e que tanto nos aproximam de pontos de ruptura (tipping points), a agenda do futuro sustentável acaba imprimindo mais prioridades de realizações, entre as quais: (i) melhorar o padrão de vida da sociedade moderna, aumentando o bem-estar, a participação social e a inclusão; (ii) olhar na direção da descarbonização absoluta da economia, partindo para superar de vez a economia “fóssil-nuclear”; (iii) levantar esforços para ampliar o investimento em energia limpa com vistas a alcançar a meta do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) de emissão zero (eliminar as emissões indiretas) até 2050, consolidando assim o movimento global por justiça climática, reconhecido jeito que a humanidade tem de fazer as pazes com o planeta.

De novo: tudo isso porque está muito claro que o modelo econômico convencional dos dias de hoje não funciona em favor da maioria. Daí a ênfase para a busca de uma nova economia e de um novo projeto político global à serviço do bem-estar humano e planetário. É nesse sentido, único e abrangente, que devemos nos esforçar para inaugurar novos e promissores modos de vida solidários. Nosso entendimento mais imediato aqui, além do mais, é que necessitamos de uma economia plural construída pela e para a sociedade. Uma economia que seja capaz de “colocar o progresso a serviço dos mais pobres” (M. S. Swaminathan).

No ponto que move as decisões econômicas e políticas, nada pode estar acima da certeza de que necessitamos de uma economia de todos, e para todos. Uma economia para propósitos humanos que vá além da economia monetária. Uma economia de cooperação com olhos postos na “escala humana do desenvolvimento” (Manfred Max-Neef).

Mas qual desenvolvimento? De um desenvolvimento, por fim, que tenha o necessário “semblante humano”, como ensina o filósofo alemão Elmar Altvater.

No melhor dos casos, para alcançar a desejada transformação, é nosso dever exigir a organização de um novo plano político voltado ao alcance de práticas sustentáveis, necessariamente alinhavando atividades econômicas sustentáveis.

Dito isso, a discussão está na mesa: se Mary Robinson (2021), ex-presidenta da Irlanda, estiver certa quando anuncia sem meias palavras que “nosso prazo está chegando ao fim”, todos os que se preocupam com a justiça ambiental (environmental justice) e a justiça climática (climate justice), ou seja, todos os que se preocupam em defender a sustentabilidade da vida e projetam um mundo melhor, tem o dever de entender como mais um sinal de alerta (quiçá, um lembrete de urgência), as contundentes palavras do Dalai Lama (2001), um dos maiores líderes religiosos da atualidade: “É senso comum que não conseguiremos sobreviver se continuarmos trabalhando contra a natureza”.

Em outra reflexão, já escrevemos: “o que mais queremos é ter a possibilidade de construir oportunidades e meios de reorientar os rumos do planeta para igualmente levantar uma nova economia devidamente combinada à conscientização ecológica, isto é, a base para se chegar numa civilização verdadeiramente humana”. Leia mais: https://www.neipies.com/civilizacao-insustentavel-a-difusao-do-mal-estar/

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DALAI LAMA, QUAKI F. & BENSON, A. “Imagine all the people: a conversation with the Dalai Lama on Money, politics and life as it could be”. Boston: Wisdom Publisher, 2001

 ROBINSON, Mary. “Justiça climática”, São Paulo: Civilização Brasileira, 2021.

Autor: Marcus Eduardo de Oliveira

Edição: Alex Rosset

Subsídios Campanha da Fraternidade 2022 para professores e professoras

“A realidade da educação nos interpela e exige profunda conversão de todos. Verdadeira mudança de mentalidade, reorientação da vida, revisão das atitudes e busca de um caminho que promova o desenvolvimento pessoal integral, a formação para a vida fraterna e para a cidadania.” (Texto Base CF 2022, nº 5)

A Campanha da Fraternidade de 2022 da Igreja Católica, através da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) traz uma oportuna e necessária reflexão sobre os desafios da educação no Brasil, considerando o contexto histórico da pandemia e também a necessidade de uma educação inclusiva e com qualidade social.

Em 2022, pela terceira vez, a educação volta a ocupar as reflexões da Campanha da Fraternidade, agora, impulsionada pelo Pacto Educativo Global, proposto por Papa Francisco.

Assista: https://youtu.be/RmiqKXTB83Q?t=12

Os objetivos da Campanha são:

Objetivo geral: promover diálogos a partir da realidade educativa do Brasil, à luz da fé cristã, propondo caminhos em favor do humanismo integral e solidário.

Objetivos específicos:

1. Analisar o contexto da educação na cultura atual, e seus desafios potencializados pela pandemia.

2. Verificar o impacto das políticas públicas na educação.

3. Identificar valores e referências da Palavra de Deus e da Tradição cristã em vista de uma educação humanizadora na perspectiva do Reino de Deus.

4. Pensar o papel da família, da comunidade de fé e da sociedade no processo educativo, com a colaboração dos educadores e das instituições de ensino.

5. Incentivar propostas educativas que, enraizadas no Evangelho, promovam a dignidade humana, a experiência do transcendente, a cultura do encontro e o cuidado com a casa comum.

6. Estimular a organização do serviço pastoral junto a escolas, universidades, centros comunitários e outros espaços educativos, em especial das instituições católicas de ensino.

7. Promover uma educação comprometida com novas formas de economia, de política e de progresso verdadeiramente a serviço da vida humana, em especial, dos mais pobres.

Destacamos duas ideias do Texto-Base que julgamos relevantes para nossa reflexão:

“A Campanha da Fraternidade nos recorda que educar não é um ato isolado. É encontro no qual todos são educadores e educandos. É tarefa da própria pessoa, da família, da escola, da Igreja e de toda a sociedade. Afinal, como nos ensina o conhecido provérbio de origem africana, ‘é preciso uma aldeia para se educar uma criança’.” (Apresentação – Texto Base CF 2022)

“Uma educação humanizada não pode limitar-se a fornecer um serviço de formação, mas também cuidar dos seus resultados no horizonte das capacidades pessoais, morais e sociais dos participantes no processo educativo. Não pede simplesmente ao professor para ensinar e ao aluno para aprender, mas exorta cada um a viver, estudar e agir de acordo com as premissas do humanismo solidário.” (Texto Base, nº 227)

SUBSÍDIOS PARA APROFUNDAMENTO DE PROFESSORES E PROFESSORAS

Vídeo aulas sobre a CF 2022 – Fraternidade e Educação

A CNBB produziu 05 vídeos-aulas para Campanha da Fraternidade 2022. Seguem os links para acesso e aprofundamento.

Campanha da Fraternidade 2022– Vídeo aula 01

Campanha da Fraternidade 2022 – Vídeo aula 02

Campanha da Fraternidade 2022 – Vídeo aula 03

Campanha da Fraternidade 2022 – Vídeo aula 04

Campanha da Fraternidade 2022 – Vídeo aula 05

Slides de aulas para estudantes do ensino fundamental e médio

O professor Valdecir João Bianchi, de Passo Fundo, RS, estudioso do Ensino Religioso, produziu uma série de slides com propostas de atividade que podem ser trabalhadas em aulas durante todo ano de 2022, destacando a importância da educação na vida de cada estudante e na vida de todos os brasileiros e brasileiras.

Agradecemos pela contribuição generosa e pela partilha deste material.

Segue link dos Slides:

https://drive.google.com/file/d/1ut1SpIewvdZHVfsWmjNOY7qJflLpJU-S/view?usp=sharing

Edição: Alex Rosset

O que podemos fazer com as folhas secas caídas das árvores

As folhas secas de uma árvore são poemas lindos que podemos rimá-los em nossos jardins e vasos de plantas. Antes de as jogá-las no lixo veja se nelas consegue ver a poesia da sua alma.

Sempre gostei de ler o filósofo e escritor Voltaire que participou do movimento do Iluminismo na França e deixou grandes ideias para a posteridade e é com ele que começo este meu texto dizendo nas suas belas palavras “um ancião é uma grande árvore que, já não tendo nem frutos nem folhas, ainda está presa à terra.” Sim, as árvores também envelhecem. Elas têm vida própria e precisam trocar de vestes vez ou outra, por isso as suas folhas secas caem no chão das nossas calçadas, canteiros ou ruas.

Muitas pessoas acham feio aquele monte de folha seca “sujando” a sua calçada. Não sabe da belezura que tem em casa. Acha sujeira na natureza. Não tem olhos para ver apenas para enxergar. Não olha as coisas com amor e sim com aquela espetacular arte de julgar tudo. As folhas secas formam tapetes no chão e são levadas pelo vento para adubarem jardins e servem para fazermos muitas coisas.

A queda das folhas é um processo natural e acontece para que árvores e plantas se protejam e se mantenham nutridas durante o inverno. Em lugares de mata preservada, o solo onde são reunidas quantidades significativas de folhas secas é escuro. Isso é sinal de que a terra está devidamente adubada e fertilizada por conta das folhas que caíram. Outro aspecto importante desse fenômeno é a retenção da umidade no solo, que, aos poucos, se alimenta dos nutrientes que chegam até ele.

Tem gente que com muita raiva pega a vassoura e todas as manhãs varre a frente de casa, tirando aquele lixo da sua porta. As folhas secas são chamadas de lixo por aqueles que não sabem apreciar a natureza. Existe até gente que briga e já se desentendeu com o vizinho porque as folhas da sua árvore caem no seu quintal sujando tudo. É uma briga feia. Conheço vizinhos que já foram parar na justiça por causa disso. A coisa é séria.

Como se sentem as árvores diante de tudo isso? Como se sentiria você se alguém brigasse por que deixou o seu coração cair em outro corpo?

Seu coração que para você tem tanto valor e para o outro significa sujeira e lixo. Assim sentem-se as árvores. As suas folhas caídas não são lixo elas são as vestes trocadas num outono necessário para ficarem mais bonitas com novas folhas verdes. As folhas secas não deveriam incomodar ninguém. Sei que é chato ficar varrendo o tempo inteiro a calçada por causa de tantas folhas caídas da sua árvore, mas isso não significa que seja preciso derrubá-la.

Muitas pessoas têm o costume de podar a copa das árvores e deixarem apenas no tronco porque estão cansadas de limparem a frente de casa com tantas folhas secas espalhadas pelo chão. Estão cansadas de reclamações dos vizinhos. Não sabem elas que essas folhas podem impedir que as suas ruas se alaguem retendo água da chuva, podem servir para adubar outras plantas, fazer um chá medicinal ou decorar uma página de livro.

As folhas secas podem servir para várias coisas. Uma delas é a beleza de decorar salas e quartos através das artes visuais. Alguns artistas usam as folhas secas para fazerem quadros com a ajuda de alguns produtos químicos que vão conservar aquelas folhas secas por muitos anos. Tem pessoas que guardam uma folhinha seca como lembrança de um momento lindo ou de um lugar especial.

Eu, certa vez, ganhei de presente uma folhinha seca de uma mangueira que fica num terreiro de Candomblé na cidade do Rio de Janeiro. Foi um dos maiores presentes que já recebi até hoje. A mãe de santo trouxe para mim quando veio visitar a minha cidade. Guardei a folha dentro do meu livro de poemas de Florbela Espanca dividindo os poemas “Eu” e “Ser Poeta”. Os marcadores de páginas dos meus livros físicos são todos feitos de folhas secas. Eu, particularmente, acho-os lindos. Uso um verniz indicado por um professor de artes visuais que me ensinou a como conservar por muito tempo a minha folha seca. Apenas isso.

Outro dia, vi uma amiga usando um lindo colar com um pingente de três folhas secas também envernizadas. Achei a coisa mais bela do mundo e desejei muito aquele colar para mim. Pedi para ela, mas claro que não recebi. Ela disse que foi presente do seu primo e até falou do bom gosto do rapaz. Realmente ele sabe bem como agradar uma mulher.

As folhas secas podem servir para adubarem outras plantas e assim servirem de nutrientes.

Lá no parque onde caminho é uma belezura de se ver as folhas secas caídas pelo chão e as pessoas pisando nelas sem nem reclamarem de nada, as poças de águas que costumam ficar paradas em cima delas à espera de que o sol venha secá-las e deixá-las ainda mais bonitas. Ah! Como eu amo as folhas secas do meu velho cajueiro!

Conheço empresas de cosméticos que usam as folhas secas das árvores para fazerem produtos de beleza e até mesmo muitas delas servem como essências para perfumes cheirosos e maravilhosos. Também tem aqueles sachês cheirosos que servem para perfumarem as nossas roupas guardadas em maleiros ou até mesmo guarda-roupas. Sim, as folhas secas servem para muitas coisas mesmo e você pode experimentar isso usando a sua criatividade.

A minha mamãe na sua juventude para sobreviver contou-me quando tive a ideia de escrever este texto e descobri a sua importância de que na juventude ela fazia perfumes com folhas secas que colocava dentro dos vidrinhos junto com outras essências e ficavam cheirosos por demais. Vendeu muitos perfumes feitos assim e com isso conseguiu comprar o leite para o meu irmão mais velho.

Na minha cidade tem calendário para os garis limparem as folhas secas caídas pelo chão. O prefeito acha que as árvores sujam as nossas ruas e por isso é preciso que de vez em quando elas sejam podadas e as suas folhas secas retiradas dos canteiros. Eu nem acho que fosse necessário isso porque não vejo mal algum num tapete feito de folhas secas cobrindo a mãe terra, protegendo-a do frio e do sol.

Acho que a natureza sabe cuidar de si sem interferência do homem. Se as folhas caem das árvores é porque, certamente, elas são necessárias ao chão. Os homens têm mania de mexer com o movimento da natureza. Ele não se contenta em mexer apenas com as tradições e costumes dos povos que vive a colonizar e roubar deles as suas culturas.

Para aquelas pessoas que realmente precisam se desfazer das folhas secas das suas árvores recomendo que as coloquem dentro de uma caixa de papelão para que o carro do lixo possa levar. Às vezes não temos tempo de decorar as nossas casas e nem sairmos à procura de quem quer folhas secas porque nem vamos encontrar quem queira assim com facilidade. E são tantas as folhas na verdade, não é mesmo? O tempo não nos permite pensar ou esperar por nada… o tempo nos consome  e consome a nossa paciência.

As folhas secas adubam o solo e isso é maravilhoso para quem gosta de plantas. Há um tipo de processo chamado de compostagem que é produzido com folhas secas e ocorre a partir de um processo diferenciado da compostagem tradicional. A principal diferença está no fato de como a matéria orgânica se decompõe. No caso do método tradicional, o calor gerado torna o ambiente propício para que as bactérias transformem o material orgânico em matéria orgânica.

A compostagem com folhas secas se dá pelo processo denominado frio, em que os fungos as transformam em matéria orgânica. O tempo de transição é outro ponto que marca diferença entre ambas. Enquanto a compostagem tradicional ocorre, em média, 3 meses, o composto de folhas pode atingir a maturidade em até 3 anos.

O principal benefício da compostagem com folhas secas é que ela promove condições que fornecem nutrientes ao solo e às plantas. Isso implica na melhoria da estrutura da terra. Por esse motivo, é considerada um condicionador de solo.

Ademais, ajuda a suavizar solos pesados, como os argilosos; possibilita a retenção de água, favorecendo assim a irrigação, estimula a atividade biológica, criando um ambiente de micro-organismos que ajudam a prevenir as pragas.

A maioria das folhas secas das árvores Castanholas quando pegas nas mãos se desmancham feito vidro. Você pode optar por usá-las como adubo no seu jardim, no seu vaso de planta que tem em casa, no apartamento ou no seu quintal. Se forem muitas e você não tiver o que fazer, infelizmente, será necessário conseguir uma caixa de papelão e jogá-las no lixo. Mas, antes de fazer isso procure ver se não existe perto de você alguém que esteja precisando delas para adubar o jardim ou coisa parecida.

Os nossos indígenas sabem muito bem como utilizar as folhas secas caídas das árvores.

Podemos descobrir com eles o que fazermos com elas além de adubarem as nossas hortas e jardins. Uma pesquisa na internet ou uma conversa com um deles seria maravilhoso.

Se for necessário descartar as folhas secas, lembre-se do cuidado com o meio ambiente e nunca as coloque em sacos plástico para o carro do lixo levá-las. Os sacos plásticos levam anos para se decomporem e podem prejudicar o meio ambiente. Evite qualquer tipo de plástico para embalar o seu lixo. Coloque as folhas secas dentro de uma caixa de papelão ou numa sacola ecológica que possa ser reaproveitada e feita por você mesmo.

No outono, as folhas secas costumam a caírem bastante das suas árvores e isso é um presente para o nosso solo. Um espetáculo divino que a natureza nos presenteia e ajuda o meio ambiente economizando energia, sabiamente, para a aridez do inverno que se aproxima. Tudo na natureza é perfeito. Não mexa com as nossas árvores e plantas. Os deuses sabem o que fazem.

Um dos maiores desastres da atualidade é vermos as pessoas, mesmo as que se dizem cultas e instruídas, desvinculadas da natureza.

Não gostam de pisar no chão para não sujarem os seus pés, não apreciam a teia que uma aranha teceu, não curtem o cheiro das flores em um jardim e acham que folhas secas dão muito trabalho e só servem para sujar as suas portas de casa. O ser humano perdeu a sua identidade com a natureza e vive preso aos objetos eletrônicos que não sujam e não dão trabalho, mas que ao contrário das folhas secas são altamente prejudiciais ao meio ambiente. Troque o seu celular por um momento de contato com o meio ambiente. Pise no chão e sinta a terra acariciar os seus pés.

É tão triste ver o solo sendo varrido e contemplar depois ele nu, completamente nu. Como se as suas vestes tivessem sido arrancadas abruptamente. Como se elas não lhe servissem mais. Sentindo frio e desprotegido. Quem gosta de ficar nu diante de estranhos? Deixe a natureza agir, não interfira no seu movimento. Ela sabe o que é melhor para si.

Para finalizar deixo vocês com o pensamento de John Keats que nos diz “se a poesia não surgir tão naturalmente como as folhas de uma árvore, é melhor que não surja mesmo.”

As folhas secas de uma árvore são poemas lindos que podemos rimá-los em nossos jardins e vasos de plantas. Antes de as jogá-las no lixo veja se nelas consegue ver a poesia da sua alma.

Autora: Rosângela Trajano

Edição: Alex Rosset

O autocontrole como desafio educacional

Se quisermos ter uma sociedade mais decente, então, inevitavelmente, temos que ajudar nossas crianças a compreenderem e exercitarem o autocontrole. E a melhor forma de ensinar o autocontrole é dando o próprio exemplo.

“Pensar antes de agir” tem sido um dos sábios preceitos dos grandes mestres da vida. Agir sem pensar pode levar as pessoas a tomarem decisões erradas, arrepender-se das escolhas e sofrer com possíveis consequências desastrosas.

Estudos mostram que as piores tragédias cometidas pelo ser humano são resultados de ações tomadas de forma impulsiva e destituídas de uma reflexão prévia. Não faltam exemplos de experiências coletivas ou pessoais para atestar isso.

Numa matéria intitulada “Ciência do autocontrole” divulgada recentemente na Revista Mente & Cérebro, estudiosos indicam que “sem dominar nossos impulsos não poderíamos conviver de forma civilizada”. Segundo neurocientistas, a capacidade de autocontrole social pode ser compreendida por meio de marcas neurobiológicas.

Mas o que é autocontrole? De que forma ele pode ser exercitado? Que relação existe entre a Educação e o autocontrole?

“Pessoas com bom autocontrole são, em geral, mais bem-sucedidas no trabalho e mantêm relacionamentos mais estáveis”, como comprovam os estudos do Psicólogo Roy Baumeister e seus colegas de pesquisa da Universidade Estadual da Flórida em Tellahassee, nos Estados Unidos.

A equipe de pesquisa investigou longamente duas questões importantes: os processos cerebrais responsáveis por nossa capacidade de autocontrole social e as características neurobiológicas que possam esclarecer as diferenças individuais relacionadas a essa capacidade. Os resultados da pesquisa mostraram que o autocontrole é imprescindível para uma vida mais saudável e um convívio social mais promissor.

Um estudo semelhante em termos educacionais foi feito ainda na década de 1970 pelo Psicólogo Walter Mischel e sua equipe na Universidade de Stanford, também nos Estados Unidos. Trata-se do famoso Teste do Marshmallow. Nesta experiência feita com crianças de 4 a 6 anos, os pesquisadores deixavam as crianças sozinhas numa sala em frente a um doce (marshmellow) com uma instrução muito clara: podiam comer o doce imediatamente ou esperar cinco minutos e aí poderiam comer dois doces. Após a instrução o adulto se afastava da sala por 15 minutos. Tratava-se, portanto, de um teste de adiar a gratificação.

O estudo longitudinal de Mischel mostrou que as crianças que tinham a capacidade de autocontrole tiveram um melhor desempenho escolar, conquistaram melhores empregos, tiveram uma vida mais saudável e feliz comparada as crianças que não tiveram o autocontrole.

O estudo mostrou também que o grupo de crianças que conseguiram adiar a gratificação, tiveram indicadores menores de envolvimento com drogas, com atos criminais e com propensão a obesidade em comparação com o grupo de crianças que não tiveram autocontrole.

O autocontrole certamente deveria ser um dos focos importantes da educação, pois está relacionado a forma como reagimos diante de certas situações, enfrentamos os problemas e tomamos decisões. Cotidianamente, assistimos inúmeros acontecimentos em que crianças e adultos tem dificuldade de lidar com a impulsividade do momento. Grande parte da violência que tomou conta das nossas vidas tem por base a dificuldade de exercer o autocontrole, de pensar antes de agir.

Sócrates, um dos mais importantes filósofos da Grécia Antiga, já dizia há mais de 25 séculos: “Uma vida não examinada não merece ser vivida”.

Certamente, um preceito atual de autocontrole que não pode ser negligenciado e omitido nos processos formativos.

Se quisermos ter uma sociedade mais decente, então, inevitavelmente, temos que ajudar nossas crianças a compreenderem e exercitarem o autocontrole. E a melhor forma de ensinar o autocontrole é dando o próprio exemplo.

Me proponho do decorrer na coluna quinzenal deste ano escrever e refletir sobre isso. Convido a todos os leitores a acompanharem algumas reflexões sobre essa forma espontânea de pensar a filosofia. Num mundo marcado pelo descontrole e pela irracionalidade, talvez um pouco de filosofia seja apropriado para pensarmos sobre a forma de vida que estamos vivendo e talvez concordar com Sócrates que “uma vida não examinada, não merece ser vivida”. Leia mais: https://www.neipies.com/filosofia-para-que/

Autor: Dr. Altair Alberto Fávero

Edição: Alex Rosset

Lugar de Diversidade

Vitória Bernardes defende que o caminho para uma sociedade mais humana e saudável é o reconhecimento da diversidade humana, e não a separação pela diferença. “Diante da diversidade e das possibilidades do corpo humano, por que vamos dizer que existe uma única forma de se enxergar ou de andar”?

Vitória Bernardes se tornou uma mulher com deficiência quando uma bala atingiu o seu corpo, em 31 de dezembro de 2001. A menina de 16 anos tinha saído da casa da avó, em Novo Hamburgo, município vizinho à capital gaúcha, e parou em um orelhão para ligar para uma amiga. Ela não percebeu o assalto que acontecia em um estabelecimento próximo ao telefone público.

Para Vitória, poderia ter sido um dia de comemoração do final de mais um ano, como tantos outros que ocorreram antes, mas esse mudaria sua vida — a bala perdida, o chão, o corpo sem sensação, o susto, três meses de internação em uma UTI, em Porto Alegre, e mais um período de reabilitação na Rede Sarah, em Brasília. A lesão deixou marcas profundas, além do que é visível. Por conta dela, Vitória ficou tetraplégica e viu seu futuro ser transformado.

Na volta à “outra vida”, como fala sobre o que teve que enfrentar, Vitória diz que a escola foi muito importante em seu processo de reintegração social. “Eu não queria ir. Hoje eu consigo entender o quanto foi importante. Fui acolhida pela escola e por meus colegas. Eu me emociono quando falo. Fiquei seis meses no hospital, voltei e concluí [o Ensino Médio] com a mesma turma”, observa, numa conversa por uma plataforma de vídeo.

Enquanto ela estava internada, a escola fez com que seu espaço ficasse mais acessível e ela pode continuar os estudos.

Na festa de formatura, os colegas pegaram sua cadeira e a conduziram por uma escada, pois não havia mais locais disponíveis para locação. “Pode não ter sido o mais adequado, mas foi simbólico. Eu desci com os meus colegas que diziam ‘é óbvio’. Isso que a gente precisa resgatar. Não é óbvio que as pessoas precisam ocupar os mesmos espaços e que devemos preservar sua dignidade? Senão a deficiência fica como algo estático, que não existe”, observa.

Vitória conta que teve que “reaprender a viver em uma nova condição”. Não foi fácil, diz. Ela relata o estranhamento que sentiu ao voltar aos lugares que costumava frequentar como uma pessoa andante. “Houve uma mudança no comportamento. Um dia te tratam de uma forma e no outro, não. Aprendi que a deficiência é isso”, afirma. Depois da escola, ela entrou para a faculdade de Psicologia, veio a formatura, a busca pelo trabalho.

Hoje, Vitória mexe as mãos, é autônoma, casou e tem uma filha, Lara, de oito anos. Com um sorriso, comenta: “A vida é feita de fases”. E a vida de Vitória seguiu com vivências que a tornaram uma ativista pela inclusão. “Os nossos corpos pertencem, ou deveriam pertencer, a todos os lugares. O que faz com que todo lugar em que eu esteja eu acabe reivindicando algo. É bem violento”, relata.

Gaúcha, moradora de Eldorado do Sul, na região metropolitana de Porto Alegre, Vitória ativista de direitos humanos e conselheira nacional de saúde, representando a Associação Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME). Seu ponto de partida na militância começou em 2005 com a causa que marca sua trajetória, o controle de armas.

Natural de São Leopoldo, município próximo a Porto Alegre, ela nasceu na cidade que sedia a maior empresa de armas leves da América do Sul e que tem o monopólio da fabricação de armas no Brasil. Foi uma arma que, segundo Vitória, a situou em um lugar social em que predomina o estereótipo de ser uma pessoa incapaz e improdutiva — e que, segundo ela, pode ser ocupado por qualquer um em qualquer momento da vida.

Para ela, há uma “hierarquia de corpos” enraizada na sociedade que define pela comparação um corpo visto como “defeituoso” e “inválido” com um modelo de pessoa considerada “perfeita” e “normal”. “Por que uma pessoa com dois metros de altura não é vista de forma negativa e uma com baixa estatura é patologizada e seu tamanho fica fora do padrão? Precisamos ficar atentos a essa estrutura de dominação entre corpos, que é dinâmica. Às vezes é por raça, gênero, classe, e outras por funcionalidade”, alerta, falando sobre o preconceito que enquadra pessoas, não só com deficiência.

Por achar que subvertia o chamado “mantra da falta de capacitação” das pessoas com deficiência, Vitória acreditou que teria um emprego garantido logo depois de formada, em Psicologia. A realidade mostrou o contrário. “Ainda não me entendia nesse lugar de atividade política. Eu, de classe média, achei que estaria fora do enquadramento dado às pessoas com deficiência, mas não foi isso que vivi. Tentei várias posições e consegui emprego em um local que trabalhava com pessoas com deficiência. Precisava trabalhar, era o que tinha. Não foi uma escolha”, observa. Apesar disso, reforça que “fui muito feliz por lá”.

Discriminação estrutural

Para Vitória, a discriminação é estrutural e não resulta apenas de uma ação individual. “Criamos guetos [espaços segregados] com escolas especiais para mulheres, para pessoas negras, para meninos que são lidos no lugar de feminilidade ou de meninas que fogem ao padrão aceito.

As estruturas são perversas para todos. A escola não está sendo um lugar saudável para ninguém”, salienta. Segundo ela, o discurso dessa educação segregadora é baseado na proteção das pessoas com deficiência para que não sofram violência na escola.

“A ideia é colocar esses estudantes em uma redoma. E a decisão vai ficar a critério da família. Mas que família é essa se entre 40% a 68% das mulheres com deficiência serão estupradas antes dos 18 anos dentro de casa?”, argumenta.

Por isso, ela defende que o caminho para uma sociedade mais humana e saudável é o reconhecimento da diversidade humana, e não a separação pela diferença.

“Diante da diversidade e das possibilidades do corpo humano, por que vamos dizer que existe uma única forma de se enxergar ou de andar? Por que vamos ignorar todas as potencialidades e possibilidades de se relacionar com o mundo? Precisamos falar sobre isso”, reflete.

A ativista lembra que qualquer um pode se tornar uma pessoa com deficiência. “A pessoa pode adoecer ou condições inseguras e acidentes de trabalho podem levar à vivência da deficiência. Precisamos trazer humanidade porque a luta das pessoas com deficiência é pela nossa humanização”, defende. (L.M)

Há, nas escolas, educadores/as adultos/as que se dispõem a acolher, sem razões robustas, a vida precária de jovens pobres? E se não há fortes razões para isso, o que pode vincular eticamente os/as educadores/as à alteridade das pessoas marcadas por vidas precárias? São questões que introduzem a reflexão sobre os impasses e as possibilidades pertinentes à escolarização dos/das jovens pobres, exigida pela lei republicana e democrática. Leia mais: https://www.neipies.com/vidas-vulneraveis-em-escola-publica-quando-o-aprender-clama-por-acoes-que-ultrapassam-a-execucao-formal-das-atribuicoes-profissionais/

Autora: Liseane Morosini

FONTE: https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/home/reportagem/lugar-de-diversidade

Edição: Alex Rosset

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