O que precisamos aprender para desenvolvermos nossa inteligência? De que forma a filosofia pode nos ajudar a aprender com os erros?
Aristóteles já dizia nas primeiras páginas de sua famosa Metafísica que todo homem deseja conhecer. Esse pressuposto que marca toda a história da filosofia, dos gregos até nossos dias, também pode ser um elemento fundamental da educação.
O ser humano é um ser aprendiz, e nisso consiste sua grandeza, seu diferencial com relação aos outros seres. Mas o que significa aprender com os erros nos tempos atuais?
O que precisamos saber para nos situar num mundo complexo e plural como o nosso? O que precisamos aprender para desenvolvermos nossa inteligência? De que forma a filosofia pode nos ajudar a aprender com os erros?
Roger Shank, um importante cientista da computação e reconhecido psicólogo cognitivo americano, em um de seus escritos “sobre o repertório científico do mundo que nos cerca”, destacou três requisitos fundamentais para que alguém possa ser considerado um inteligente aprendiz: propor e resolver problemas; aprender com os próprios erros; direcionar o próprio aprendizado. Os três indicativos de Shank nos remetem diretamente a aprendizagem com os erros.
Nunca imaginei que pudesse existir uma ciência do erro, mas ela existe e se chama “errologia”. Em seu livro Por que erramos?, (traduzido para o português em 2011), a jornalista e escritora Kathryn Schulz realiza um excelente trabalho de investigação sobre a importância do erro para os processos de aprendizagem e para uma vida de tolerância.
O erro é constitutivo do humano, porque é dessa forma que nos tornamos mais abertos e aptos a praticarmos nossa ignorância. E praticar nossa ignorância significa praticar nossa inteligência, nossa imaginação, criatividade, intuição e um conjunto de habilidades cognitivas e afetivas que são ativadas quando nos dispomos a aprender com os erros.
Há mais de 40 anos o reconhecido epistemólogo inglês Karl Popper declarava em uma de suas conferências publicada no livro A lógica das ciências sociais (1978) que “conhecemos muito. E conhecemos não só detalhes de interesse intelectual duvidoso, porém, coisas que são de uma significação prática considerável e, o que é mais importante, que nos oferecem um profundo discernimento teórico, e uma compreensão surpreendente do mundo”. No entanto, adverte Popper (1978, p.13), “nossa ignorância é sóbria e ilimitada”, pois a cada problema que resolvemos, a cada nova descoberta, nos damos conta que “todas as coisas são, na verdade, inseguras e em estado de alteração contínua”.
É a consciência da ignorância que nos impulsiona a conhecer mais, pois dar-se conta dos erros e aprender com eles pode nos ajudar a avançar na trajetória do conhecimento.
Infelizmente a cultura escolar tem prestado pouca atenção a esse ensinamento que pode surgir dos erros e da capacidade de construir conhecimento a partir deles. De fato, nossos sistemas tradicionais de avaliação dificilmente possibilitam um olhar construtivo do erro.
A “errologia” nos lembra que fracassar pode se tornar muito mais importante que o êxito e que punir o erro é punir a forma humana de aprende. Como nos lembra de forma instigante Gabriel Perissé em seu artigo “A errologia é infalível”, publicado na Revista Educação nº 182, “a resposta certa limita-se a colaborar o que já se sabe”; quem erra, no entanto, está em nítida vantagem, pois está prestes a aprender algo que o estudante nota 10 tem menos condições de aprender, ele já acertou tudo o que tinha de acertar e com isso pode simplesmente se acomodar.
Se estudarmos a história da ciência de forma cuidadosa, perceberemos que o seu progresso e avanço decorrem muito mais dos seus erros, do que seus acertos.
Os grandes inventores, e mesmo as grandes tradições de pesquisa, conseguiram realizar promissores avanços porque souberam aprender com os erros. Como diz Gabriel Perissé no artigo já mencionado, “o errologista é um otimista, pois defende o princípio de que, errando, contribuímos para a nossa evolução intelectual e emocional”.
A propósito disso, tem razão o reconhecido estadista americano Benjamin Franklin quando dizia que os erros da humanidade foram muito mais úteis do que as verdades uniformes e estreitas. Os erros são infinitamente variados e desafiadores. Aprender com os erros implica necessariamente numa arte: a arte de ver oportunidades onde a maioria prefere ver fracasso.
Em tempos de escolhas erradas no campo da política, nos investimentos duvidosos em projetos de desenvolvimento, na fabricação de certas crenças fundamentalistas que tem levado milhares de pessoas a idolatrarem personalidades com “pés de barro”, aprender com a pedagogia do erro pode se mostrar uma atitude filosófica educacional conscientizadora da realidade em que vivemos.
Proposta de Aprofundamento:
Depois da leitura do texto, fazer um debate de ideias na turma, procurando identificar a importância dos erros e acertos, bem como das dúvidas e das certezas.
Fazer uma pesquisa na internet de erros da ciência que resultaram em grandes invenções ou descobertas.
Questão para debater: Qual é a importância da ciência? O que a filosofia tem a ver com a ciência?
A organização de um dicionário sociofilosófico, em metodologia crítica e hermenêutica, permite um primeiro movimento na sistematização do ambivalente/plurivalente conhecimento produzido por Bauman.
O Dicionário Crítico-Hermenêutico Zygmunt Bauman, editado pela Editora da Unijuí e Editora da URI, organizado por Claudionei Vicente Cassol (Professor na URI, Frederico Westphalen-RS), João Nicodemos Martins Manfio (Professor na UniSociesc, Joinvile-SC) e Sidinei Pithan da Silva (Professor na Unijuí, Ijuí-RS), se esforça em sistematizar uma obra sociofilosófica, de cunho teórico-técnico e concentrar esforços nesse que pode ser um primeiro movimento para instituir uma história crítico-hermenêutica.
Esses primeiros escritos dão conta de uma mínima parcela do pensamento complexo/plural assumido e desenvolvido pelo filósofo social em estudo. São eleitas algumas categorias ou conceitos, aqui denominados de verbetes – para identificar a linguagem com o estilo literário que é objeto dessa escrita -.
As interpretações e a intencionalidade da obra Dicionário Crítico-Hermenêutico é, justamente, ventilar a possibilidade de diálogo, de incorporação da pluralidade e, desse modo, viabilidades que se descortinam para enriquecimento contínuo e alargamento de compreensões, de sentidos e de instituições humanas.
A complexidade do pensamento de Zygmunt Bauman (Poznán, 19.11.1925-Leeds, 09.01.2017), filósofo social de pensar plural, detentor de ímpar capacidade de diálogo entre diversas e divergentes tradições de pensamento, preocupado com questões da dignidade humana, da justiça social, de crescimento exponencial dos processos de simplificação da vida e do pensar, motiva o estudo e o debate permanente das conceitualidades presentes na sua obra, colorida pelas ricas metáforas, de operações teóricas desde o âmbito da ambivalência e da metodologia pluralizadora, denominada hermenêutica sociológica.
O Dicionário Crítico-Hermenêutico Zygmunt Bauman se torna possível, também, pelo apoio financeiro da FAPERGS, através de projeto aprovado para tal finalidade, pelo Edital ARD-04/2019.
O Dicionário se apresenta como 1) um debate em torno do pensamento baumaniano na tentativa de assegurar algumas gêneses teóricas desde a Sociologia e a Filosofia, identificadoras de seu constructo teórico; 2) possibilidade de elevar o conhecimento acerca do complexo, amplo e original pensamento de Bauman, professor de incertezas, contingências, ambivalências e plurivalência que povoam a vida, a existência, os discursos e os imaginários; 3) possibilidade de estabelecer, ainda que na transitoriedade/relatividade do pensamento situado na pós-modernidade ou, para ser fiel a Bauman, na modernidade líquida, alguns elementos teóricos da identidade de Bauman sobre as quais podem ser construídos e desconstruídos aprendizados, na perspectiva da dignidade humana; 4) um movimento de demarcação de um novo paradigma, uma nova forma de pensar, compreender e agir, na influência, na crítica e na interpretação do pensamento de Bauman, com e a partir dele.
A produção coletiva do dicionário sociofilosófico não significa a formatação definitiva de conceitos e a construção de amarras impeditivas de novos discursos e compreensões. Estaríamos na contramão do percurso teórico de Bauman. Contudo, a complexidade ou plurivalência do pensamento de Zygmunt Bauman e seus modos de operação teórica, múltiplas tradições sociofilosóficas que incorpora, desafiam a este empreendimento, não para fechar as perspectivas do filósofo social, mas para marcar amplitude, alcance, força e potencialidade da sua teoria. Desse modo, a organização de um dicionário sociofilosófico, em metodologia crítica e hermenêutica, permite um primeiro movimento na sistematização do ambivalente/plurivalente conhecimento produzido por Bauman.
O Dicionário Crítico-Hermenêutico sobre Zygmunt Bauman, prevê a) que conceituadores/as apresentam o (s) termo (s), situam no contexto, desenvolvem a compreensão, indicam fontes e sugerem leituras, tanto baumaniana quanto outras para permitir ao leitor/à leitora focalização, ampliação e pluralização da conceitualização; b) os conceitos/categorias/verbetes trabalhados, nesse primeiro momento, passam por análise da organização e, havendo divergências ou sondagens que se evidenciam necessárias, realizam-se contatos a título de revisões, consensualidades e validações; c) na perspectiva da continuidade da obra, estudiosos/as, pesquisadores/as e interessados/as, na região, no Brasil e no mundo, dispostos/as a construir, como colaboradores/as e autores/as de conceitos, serão contatados/as ou podem contatar a organização para submeter novos conceitos, sentidos, verbetes e interpretações. Consideramos a possibilidade de manter um fluxo contínuo para qualificar o projeto, atualizar e desenvolver novas edições. A empreitada construtiva da obra e/ou o desenvolver do projeto Dicionário Crítico-Hermenêutico de Zygmunt Bauman está aberta ao encontro de novas partes autoras; d) sempre que houver interesse em participar da composição do dicionário, com contribuições nas construções de sentidos às terminologias baumanianas, categorias/conceitos.
Escritores/as participantes:
Alejandro César Rayo Werlang, Altair Alberto Fávero, Arnaldo Nogaro, Bruna Sorensen, Carina Tonieto, César Augusto Danelli Jr, Claudionei Vicente Cassol, Claudir Miguel Zuchi, Daniela Lippstein, Eliane Cadoná, Eliete Jussara Nogueira, Evandro Consaltér, Fábio Roberto Pillatt, Fabrício José Dudek Kalfels, Felipe Pinheiro, Felipe Quintão De Almeida, Fernanda Dos Santos Ueda, Gabriela Antes Kuhn, Heloísa Derkoski Dalla Nora, Ivan Marcelo Gomes, João Nicodemos Martins Manfio, Juliana Brandão Machado, Junior Bufon Centenaro, Lidiane Limana Puiati Pagliarin, Luana Fussinger, Marcio Giusti Trevisol, Mariana Domitila Padovani Martins, Marie Jane Soares Carvalho, Olivério Vargas Rosado, Rogério Henrique Castro Rocha, Rosane De Fátima Ferrari, Rosmari Marodin Gobo, Sidinei Pithan Da Silva, Suimar João Bressan.
Caso seja do seu interesse adquirir esta obra, contate e-mail cassol.cv@gmail.com
Toda mulher deve ter o seu orgulho e o seu bom senso. Orgulho não por ser mulher, mas por tornar-se mulher sempre que é chamada pela natureza a amar alguém.
Há mulheres que morrem de amores por homens machistas que não estão nem aí para elas. Submetem-se as mais diversas humilhações, correm atrás, são xingadas e iludidas por eles, mas mesmo assim continuam a amar, amam intensamente, não conseguem ver as suas vidas sem a presença do macho escroto que só sabe dizer-lhes não, que não compreendem os seus amores, que não sabe amar ninguém. Essas mulheres sofrem e se deixam ser levadas por um amor doentio, sim. Um tipo de amor que precisa ser acompanhado por especialistas para não maltratar tanto o seu corpo e a sua alma.
Para quem não conhece o mito de Narciso farei um resumo breve. É um mito grego da antiguidade muito discutido na psicanálise. Trata-se de um jovem que ama a si próprio e que é de uma beleza radiante, recusa o amor de uma linda jovem chamada Eco. Ela corre atrás dele, deseja-o mais que tudo nessa vida e até pede para uma deusa castigá-lo por não querer o seu amor e morre em decorrência da sua culpa pelo castigo que Narciso recebeu e o faz sofrer. Eco se arrepende. Eco chora. Eco morre de desgosto. Identificou-se com Eco? Se sim, então peço que você reveja o seu conceito de amor. Amor é um sentimento que traz felicidade e não sofrimento. Quem ama deve receber cuidados da pessoa amada.
É certo que ninguém é obrigado a ficar com outro sem gostar, porém não é disso que quero falar. Detenho-me ao amor próprio que a mulher deve ter. Muitas mulheres no mundo inteiro vêm lutando para que o patriarcado fique no passado e que possamos ter os mesmos direitos dos homens. Não é nos deixando levar pela beleza de um homem que aceitemos todo tipo de maus-tratos.
Tantas mulheres morrem de amores por homens que abusam de suas fraquezas emocionais e vão e vêm quando querem.
Sem contar nos homens que contam dez ou vinte namoradas, uma em cada esquina da cidade. Os machistas se acham belos, mesmo sendo feios. Se acham os melhores na cama e os que mais merecem ser paparicados pela mulherada. Querem casa e comida pronta quando voltam das suas farras que às vezes duram dias. Atenção dedicada somente para eles. E ai daquela mulher que resolver sair da sua vida sem a sua permissão.
Homens como Narciso que só amam a si mesmos não merecem serem amados pelas mulheres nem jovens e nem adultas. Sim, porque as jovens sofrem mais mandando bilhetes, esperando a juventude inteira por aquele macho safado que só faz enganá-la dizendo que casa amanhã e depois e nunca casa. Nunca mesmo.
Toda mulher deve ter o seu orgulho e o seu bom senso. Orgulho não por ser mulher, mas por tornar-se mulher sempre que é chamada pela natureza a amar alguém.
O amor é belo, nele não há espaço para violência psicológica ou física. No amor não cabem palavras ou grosserias. Não quero defender Eco, mas também não vou julgá-la.
Quantas de nós já não fizemos algo errado em nome do amor e depois nos arrependemos?
Quantas de nós já pedimos aos deuses, Deus ou santos que trouxessem a pessoa amada para junto de nós e nos propusemos a fazer tudo para tê-lo ao nosso lado? Até mesmo fomos capazes de praticar maldades só para ter o homem amado ao nosso lado.
Não amem machistas. Escolham amar homens gentis que saibam valorizar o corpo e a alma feminina. Que saiam com vocês para passear, que não sejam considerados Dom Juans da vida, porque eles adoram serem chamados assim. Procurem amar homens que cuidem de vocês com carinho e respeito, que estejam aos seus lados na alegria e na tristeza.
Olhem-se para dentro de vocês! Vejam quão lindas são! Não permitam abuso de homem nenhum! Não se deixem serem levadas por ameaças psicológicas de que vou morrer se você me deixar ou você não vai saber viver sem mim se me deixar. Eles precisam mais de nós do que nós deles.
Mulheres, aprendam a amar primeiro vocês. O amor pede que nos conheçamos para amar o outro. Se você não gosta de usar sapato de salto alto, batom ou cabelo longo o seu macho deverá lhe aceitar do jeito que é sem exigir que mude nada na aparência, sem lhe humilhar diante dos amigos sorrindo quando você fala uma palavra errada.
Não! Não permita humilhações! Saia para passear sozinha pelos shoppings, museus ou teatros. Dê um pouco de atenção a si mesma. Vá a um show musical e curta o momento a sós onde você pode fazer tudo o que desejar sem ninguém lhe julgar porque está rebolando demais o corpo ou porque a saia está curta.
A maioria dos homens que se dizem belos costumam trocar de mulher como quem troca de roupa. Vivem em academias cuidando do corpo e falando mal uns dos outros com os amigos enquanto pegam aqueles pesos para construírem mais músculos. Eles acham que quanto mais musculosos ficarem mais atrairão mulheres para junto de si. São uns tontos.
E nós, como mulheres, devemos ser espertas cuidando de nós também para ficarmos lindas, cultas e inteligentes mostrando para aqueles que quiseram nos fazer de bobas o quanto demos a volta por cima e nos tornamos maravilhosas ao ponto de sermos cobiçadas por homens e por outras mulheres também, do mundo inteiro, gentis e amorosos(as).
Nenhuma mulher precisa de um homem para viver. Isso é um tabu que o patriarcado criou. Você, mulher, é capaz de viver sozinha e, muitas vezes, estar sozinha é melhor do que deixar-se permanecer num relacionamento abusivo e violento. Pense nisso!
Geralmente, homens de corpos belos somente amam a si mesmos e não estão nem aí para as mulheres que morrem de amores por eles. O tempo em que gastam cultuando os seus corpos é demasiado para ficarem preocupados com a mocinha ingênua que o espera sentada num sofá ou mesa de bar. Eles querem mais é serem endeusados por toda a mulherada.
Mulheres, aprendam a amarem.
Não deixem de amar homens bonitos porque nem todos são machistas e grosseiros, mas a qualquer sinal de desrespeito se afastem imediatamente dos mesmos. O amor de uma mulher é lindo demais para ser doado a um macho que só sabe subir em cima dela e violentamente penetrá-la até se satisfazer. Não é isso que queremos para nós, mulheres. Não merecemos esse tipo de homem.
Amemos os homens, sim, porque alguns merecem ser amados demasiadamente. Mas estejamos sempre em alerta a qualquer sinal de descuido ou grosseria. Afinal, o amor de uma mulher é o que de mais bonito pode ser encontrado no Universo depois das flores.
“Estamos no século vinte e um, mas ainda é muito comum encontrar mulheres submetidas a homens nas pequenas cidades brasileiras, principalmente nas regiões com menos acesso a serviços públicos. O patriarcado nada mais é do que essa estrutura social que define a submissão como a postura que a mulher deve ter em sua relação com o homem, ou seja, ele dita as regras de como a mulher deve se comportar”. Leia mais:https://www.neipies.com/o-patriarcado-nas-pequenas-cidades-brasileiras/
Ora, acolher é ação social. Para que e como se efetiva o acolhimento depende de decisões humanas. Libertar uma criança da condição de excluída da humanidade e filiá-la à comunidade requer iniciativas práticas por parte dos servidores públicos pertinentes ao caso.
Considerações iniciais
As reflexões aqui apresentadas têm como base empírica fragmentos de uma história de vida de uma menina cujo modo de ser não se deixa apreender mediante os modelos usuais de representação psicopedagógica a respeito dos estudantes.
À medida que se apropriar da narrativa, o leitor poderá ter a impressão de estar diante de um contraexemplo existencial do importar-se-consigo-mesmo, tido por Martin Heidegger como um fenômeno originário do ser/estar-aí-no-mundo, com os outros e junto às coisas, de modo que deixaria perplexo o corifeu da fenomenologia hermenêutica com a singela pergunta: “pode existir uma pessoa humana que não se importa consigo mesma?”
No veio da ética levinasiana, a questão é se os/as educadores/as estão dispostos/as a atender a apelos provenientes de outros modos de ser, a apelos éticos que põem em questão os modelos de compreensão e moralidade dominantes, centrados no conceito da autonomia.
Há, nas escolas, educadores/as adultos/as que se dispõem a acolher, sem razões robustas, a vida precária de jovens pobres? E se não há fortes razões para isso, o que pode vincular eticamente os/as educadores/as à alteridade das pessoas marcadas por vidas precárias? São questões que introduzem a reflexão sobre os impasses e as possibilidades pertinentes à escolarização dos/das jovens pobres, exigida pela lei republicana e democrática. Nesta perspectiva, há que pensar se a escola pode lidar com os estranhamentos, com os/as alunos/as “fora do lugar” (e do tempo) sem excluí-los/las da vida escolar.
A discussão da problemática da alteridade determina a (im)possibilidade de estabelecer um vínculo ético com os radicalmente outros, como são as crianças e adolescentes pobres, condição sem a qual a relação pedagógica fracassa, previsivelmente.
Uma menina sempre de touca
Em um mundo distante, frequentando uma escola distante, vivia uma menininha distante. Distante da vida, da meninice, do reconhecimento. Essa menininha vivia distante das brincadeiras, dos colegas, dos professores. Mas por que tanto distanciamento? Não! Não era Covid-19. Eram os piolhos! Ela tinha piolhos. Muitos piolhos! Eles habitavam nela e, por assim dizer, ela habitava na companhia deles em seu mundo vivencial distante. Perguntada se não sentia coceira, ela respondia com certa indiferença:
– Não! Não! … Às vezes coça um pouquinho.
Parecia que aquela pergunta não fazia muito sentido. Esboçava um semblante de quem é íntima dos pequenos habitantes de sua cabeça. Bem, eles habitam sua cabeça? Habitam sua psiqué? Sua alma? Seus direitos? Quem sabe o direito ao reconhecimento? O direito a ser reconhecida ao menos como A Menina dos Piolhos? Ah, se é isso, eles habitam seu mundo vivido! Se é isso, eles fazem as vezes dos grandes mestres da literatura e de outras áreas de conhecimento na vida dos jovens: ajudam-na a ver sentido em sua vida rasa e monótona.
Pediculose não é algo excepcional. Mas esse caso surgiu de maneira especial como demanda de uma escola. Foi na relação de ensino-aprendizado que soou o clamor para que essa menina fosse atendida em algum espaço do Serviço Público, pois os inquilinos do mundo vivido de A Menina dos Piolhos apareciam como inconvenientes para o coletivo da classe escolar. No fazer coletivo da educação escolar, ao ver das professoras e colegas, os viventes que habitavam a cabeça da menina estavam impedindo que ela tivesse encontros interpessoais que aumentassem sua potência de pensar e agir, algo que se espera acontecer nas salas de aula (GALO, s./d. p. 1). Efetivamente, espera-se que a escola seja um espaço de encontros, que ela possibilite vivências humanizadoras, especialmente com as crianças das classes populares, destas, por serem mais vulneráveis no que diz respeito às aprendizagens e sociabilidades, pois, muitas vezes, estão marcadas por exclusões de diferentes ordens (roupas, calçados, moradia, higienização, entre outras).
E A Menina dos Piolhos, como se sente no ambiente escolar? O estar-piolhenta produz desencontros? A retirada dos piolhos, por si só, produziria encontros? Ou essas perguntas não lhe dizem respeito? Nas conversas com a psicóloga da Secretaria Municipal de Educação, a menina de touca não se sentiu tocada pela pergunta sobre tirar, ou não, os piolhos de sua cabeça, mas, ao contrário, instalou na cabeça da psicóloga a dúvida sobre seu desejo de continuar ou não com os inquilinos sobre sua cabeça. Oportunizou à psicóloga pensar se ela, a menina interrogada, não estaria sendo, de alguma forma, reconhecida justamente pelos habitantes de sua cabeça, a saber, como A Menina Dos Piolhos.
Ora, pensemos juntos, autores e leitor/a deste texto: ela era conhecida na escola, pelos colegas, pelas professoras, por técnicos do serviço público municipal de Saúde e de Assistência Social e por outras pessoas como A Menina dos Piolhos. Ou, simplesmente, A Piolhenta. Sempre de touca, inverno e verão. Parece que cuidava dos bichinhos com zelo, deixando-os sempre bem protegidos. Há muito tempo, no mínimo uns quatros anos, ela viera circulando pelas ruas, de touca, quietinha, franzina, silenciosa. Caminhava sem parar. Ia para todos os lugares demandados pela manutenção da família: mercado, bolicho, farmácia, Unidade Básica de Saúde etc. Ajudava a mãe nas atividades da casa. Deu a entender à psicóloga que não conseguia fazer todas as tarefas que lhe eram atribuídas, devido a sua condição física. Mesmo tão frágil, parecia ser a mãe da mãe, ou quase isso. Generosa, com muito esforço.
Talvez Carlos Skliar (s./d.) tenha razão ao dizer: “O outro colonizado é um corpo sem corpo. Uma voz que fala sem voz. Que diz sem dizer. Que foi massacrado e que segue sendo culpabilizado por seu próprio massacre”.
De família muito pobre. Filha de mãe com adoecimento psíquico, físico, social. De pai trabalhando em pequenos serviços temporários no campo e na limpeza de jardins. E ela, bem ela, dentro de suas limitadas possibilidades, dá conta de tudo no seu mundo familiar: acompanha a mãe nas infindáveis idas para serviço público de saúde, lava roupas, limpa a casa, cozinha, e, é claro, religiosamente trata os cachorros e os gatos.
Em caso de se tirarem os piolhos de seu mundo vivencial, como ela seria reconhecida? Qual seria sua identidade? Seria possível reconhecer outra menina na mesma menina? Sem esses habitantes de seu couro cabeludo, ela se compreenderia como sendo a mesma? Diante disso, que construção se faz necessária? Diante de tantos enlaces e desenlaces no cotidiano de A Menina dos Piolhos, ou, A Menina da Touca, “é possível ignorar o outro”?
No caso de A Menina dos Piolhos, essa pergunta, formulada por Silvio Gallo, exige a resposta negativa, pois ela clamava por um olhar e um dizer sobre ela. Não é por acaso que essa menina insistentemente se fazia presente na escola, causando certo “horror” no seu entorno. Ela estava lá, nas aulas, assídua, comportada, com desempenho satisfatório. O que ela estava buscando na escola? E os profissionais dessa instituição estavam dispostos a atender às demandas específicas dela?
Regenerar vidas humanas arruinadas, responsabilidade também da escola?
Notoriamente, estava-se aqui diante de um caso dessas “infâncias e adolescências que chegam tão violentadas, com vidas tão precárias, mas teimam em ir à escola” (ARROYO, s./d.). Ora, pessoas assim, destruídas na sua condição humana, têm o direito não só a aprender a ler, escrever, contar, aprender noções elementares de ciência, mas também a “recuperar a sua humanidade” (Id. Ibid.). Estão os profissionais da educação escolar decididos a assumir esse encargo? Caso afirmativo, estão a acolher quem está sem acolhida! Mas, e caso os profissionais da educação escolar se decidam por ficar indiferentes à condição sub-humana ou desumana de outros/as, como A Menina dos Piolhos?
De acordo com a interpretação de Sílvio Gallo (s./d. p. 6), a opção pelo descaso em relação à desumanização dos outros é autoengano ou má-fé (no sentido sartreano), “pois, no fundo, sabemos que o outro está ali, que o outro nos olha, nos captura, nos objetifica”. Escamotear o conflito com o outro em nada contribui para eliminá-lo, pois o outro permanece ali e, com ele, o conflito, sem condições de ser resolvido (Id. Ibid.). Apresentando a tese de E. Levinas de que o rosto do outro, que diz “estou aqui”, significa uma ordem para mim e que o laço com esse outro “é atado somente como responsabilidade”, responsabilidade “pelo que não fiz ou pelo nem sequer me interessa”, Zygmunt Bauman (1998, p. 211) afirma que minha responsabilidade com o outro não depende de conhecimento anterior do outro (e de suas qualidades) nem de uma intenção interessada pelo outro, pois ela precede essa intenção e esse conhecimento, os quais em nada contribuem para o modo especificamente humano de conjunção (Id. Ibid.)
Cabe aqui uma pequena reflexão sobre o engendramento do humano nos viventes individuais da espécie homo sapiens. A propósito, vale lembrar que as crianças-lobo Amala e Kamala, descobertas em 1920, na Índia, pertenceram geneticamente à espécie homo sapiens, mas como no seu modo de vida compartilhavam o (culturalmente) pobre ser-no-mundo dos lobos, elas não foram agraciadas pelo acolhimento e pelo cuidado humanos,razão pela qual o humano não pôde ser enxertado em sua estrutura zoológico-genética. Amala em particular, porque precocemente abandonada às lobas, não teve oportunidade de nascer “segundo o espírito”, no mundo cultural dos seres humanos. Com efeito, como, ao nascer, a criança “não passa de um candidato à humanidade” e “não a pode alcançar no isolamento”, ela necessita da relação com os outros seres humanos para aprender a ser um ser humano (LEONTIEV, 1978, p. 238).
Tanto quanto a possibilidade de existir como ser humano, a dignidade humana, isto é, o valor-pessoa de cada um, encontra-se na dimensão relacional, “como uma construção realizada por todos os seres humanos em benefício de cada um”; aliás, não só o ser e a dignidade, mas também a autonomia se recebem dos outros (BARCHIFONTAINE, 2004).
Na perspectiva da ética do cuidado, proposta pelo Conselho Nacional de Educação para os profissionais da educação de todos os níveis, a relação pedagógica com os educandos vulneráveis implica enlaçar o princípio da dignidade (do outro) com o da proteção, o que resulta em corresponsabilidade no sentido de “responder por… perante outros” (BRASIL, 2013, p. 17-19).
O nascer e o renascer dos humanos só é possível no e pelo cuidado dos outros. A saúde, no caso em foco, a simples libertação da pediculose, tem de ser pensada ao mesmo tempo pelo viés instrumental e pelo viés vincular-simbólico. Sem este último, não faz sentido o esforço para melhorar a qualidade de vida (ou prolongar a vida), justamente porque o sentido da vida depende de poder amar e ser amado. Dessa forma, é determinante para a nossa saúde o clima psicossocial que nós criamos em torno de nós, naturalmente em parceria com os outros, através do diálogo.
Cada ser humano individual é “produto de um desenvolvimento histórico”, torna-se humano “em função de ser social” e a sua pertença a determinado grupo cultural não é casual ou aleatória, mas integra seu ser e sua personalidade (BLEGER, 1989, p. 16-20). Sendo relacionais, as pessoas “estão profundamente inseridas em suas circunstâncias históricas e sociais particulares; não se pode compreendê-las apropriadamente abstraindo esses contextos” (SHERWIN, 2004, p. 341). Ao invés de seres pré-sociais, as pessoas “são sempre ‘segundas pessoas’ criadas por meio de processos sociais; tornamo-nos pessoas aprendendo com outras pessoas como ser nós mesmos pessoas” (Id. p. 340).
Por essa ótica, quanto mais profissional, mais personalizado e acolhedor será o trabalho educativo. A dimensão estruturante-disciplinadora da educação escolar deve ser acompanhada pela dimensão vincular-acolhedora. As crianças e adolescentes têm o direito de ver/ouvir sempre na linguagem corporal dos profissionais do cuidar-e-educar a mensagem: “que bom que você veio! Nós estamos aqui para ajudar você a construir e reconstruir sua humanidade!”. No veio de Paulo Freire, Miguel Arroyo tem insistido na tese pedagógica de que “quando tantos seres humanos… são roubados de sua humanidade, a função da educação é recuperar a humanidade roubada” (ARROYO, s./d.).
Em Imagens Quebradas, Miguel Arroyo destaca que, quando escutamos as trajetórias humanas e escolares dos educandos, outras imagens se revelam. Dentre elas, as imagens da barbárie com que são maltratadas a infância e a adolescência. “As imagens reais da infância, adolescência e juventude revelam nossos limites”; mas o reconhecimento de nossos limites não significa que estamos abdicando de nossas responsabilidades profissionais, mas, ao contrário, que estamos assumindo o compromisso de renovar a pedagogia com base em “novas sensibilidades e proximidades com as trajetórias humanas e escolares dos educandos”, reconhecidos como titulares de direitos. Este é o caminho para a renovação da pedagogia (ARROYO, 2014, p. 22 e 56).
Como condição necessária para a renovação da pedagogia, a escola deve se preocupar também com a construção de alianças com os sujeitos de vidas precárias, como A Menina dos Piolhos. Independentemente da questão de nivelar ou hierarquizar condições precárias de vida, para os profissionais do cuidar-e-educar há alianças possíveis e recomendáveis. Quem adivinharia o sentido da pediculose na vida precária da menina de touca? Pediculose manifesta precariedade das condições de vida, sim. Mas como, no caso estudado, trata-se da vida pertinente a uma aluna, essa vida, com sua precariedade, não deve ficar pendurada no lado de fora da escola.
Explicitando o sentido profundo da formação humana integral, Miguel Arroyo (s./d.) diz que a escola tem que se preocupar com a formação plena das crianças e adolescentes “que a sociedade trata de maneira tão injusta, tão dura, tão cruel, aqueles a quem se nega a sua possibilidade de ser criança, de ser adolescente, que são jogados na pobreza extrema, que trabalham para ir à escola e vão da escola para o trabalho, que moram em lugares precaríssimos”. O autor citado indaga se “é possível garantir humanidade nessas vidas tão precarizadas” (Id. Ibid).
Dignidade humana universal e inviolável: pressuposto também do trabalho escolar?
Para que a humanidade possa ser construída em vidas tão precárias, é necessário pensar a construção de propostas que viabilizem vida digna não só para um determinado sujeito, mas para todos aqueles que estão em situação de precariedade/vulnerabilidade, independente de suas demandas. Os sujeitos precarizados necessitam do reconhecimento dos outros sujeitos que compõem a vida em sociedade. O princípio republicano e democrático da dignidade humana universal e inviolável proíbe restringir só para alguns o acesso a condições dignas de vida. Os sujeitos precarizados, abandonados aos piolhos, ao desemprego, à doença, à falta de moradia precisam ser elevados à condição de pertencentes a uma comunidade que os acolha, os proteja e proponha possibilidades concretas de vida alegre e humana.
Kant, no século XVIII, definiu a dignidade humana como valor-pessoa, por oposição ao valor-preço das mercadorias: quem é humano, por esta condição fática, encontra-se no direito fundamental de não ser reduzido a objeto de compra e venda. Além disso, no entender de Kant, a dignidade implica o reconhecimento de que cada um defina para si o seu próprio projeto de vida, ficando assim moralmente proibido aos outros usá-lo como simples meio ou instrumento (KANT, 2004, p. 58-68). Já há mais de dois séculos, Kant defendeu um “direito civil universal”, superior às legislações nacionais, como “complemento necessário ao código jurídico público ainda não elaborado dos direitos humanos”; o argumento a favor desse direito cosmopolita é que “a violação do direito num lugar da Terra pode ter consequências em todos os outros” (KANT, s./d. p. 140). A categoria-chave desse argumento é a de “condições de hospitalidade universal” (Id. p. 137).
Kant iniciou a reflexão sobre os direitos humanos, que foi radicalizada por Hannah Arendt, em consideração aos refugiados. Em Origens do totalitarismo (s./d.), defendeu o direito-a-ter-direitos que esteja acima da ordem internacional dos países, impondo a cada um deles a obrigação de garantir o direito de cada pessoa a pertencer a uma sociedade norteada por direitos. Com efeito, a partir do início do século XX, quem perde sua pátria está impossibilitado de encontrar uma nova, descambando à condição de desamparado/desenraizado, esteja onde estiver. “Só conseguimos perceber a existência de um direito de ter direitos, e de um direito de pertencer a algum tipo de comunidade organizada, quando surgiram milhões de pessoas que haviam perdido esses direitos e não podiam recuperá-los devido à nova situação política global” (ARENDT, s./d. p. 330). Paradoxalmente, “só com uma humanidade completamente organizada, a perda do lar e da condição política de um ser humano pode equivaler à sua expulsão da humanidade” (Id. p. 330). Para a filósofa, perde-se a dignidade humana quando se perde a própria comunidade. Com a perda da comunidade se é expulso da humanidade (Id. p. 331).
Ora, em qualquer lugar do globo terrestre isso vale também para as crianças e adolescentes ameaçados e vitimados pelas condições precárias de vida, de acordo com a Convenção da ONU sobre os Direitos das Crianças e dos Adolescentes, de 1989, cujo cumprimento integral no Brasil foi decretado em 21 de novembro de 1990 (BRASIL, 1990).
A menina distante, de certo modo desterrada, devia ser reconhecida como sujeito de direitos. Devia ser reconhecida como “membro de uma cidade”, com direito à “filiação a uma comunidade política” (GADOTTI, 2014), com o direito de tomar a palavra e falar, em condições de confiabilidade, acerca das motivações subjetivas de sua intimidade com a comunidade dos pediculi humanus capitis.
O ser-humano só pode subsistir no interior da trama instituída e instituinte de relações comunitárias e societárias. O indivíduo autossuficiente não passa de uma abstração enganadora. O social vincula e estrutura o humano, sim, necessariamente. Contudo, existe algo no sujeito que escapa do enredamento do social e/ou coletivo. Tem algo que o constitui com os traços de sua própria subjetividade, a saber, “a empreitada de tornar o ser humano mais humano nunca foi tarefa fácil. Exatamente porque faz parte da condição humana a liberdade” (ARROYO, 2014, p. 48).
Na perspectiva dos profissionais do cuidar-e-educar, poderia A Menina da Touca ser acolhida? Com os piolhos? Sem os piolhos? Ora, acolher é ação social. Para que e como se efetiva o acolhimento depende de decisões humanas. Libertar uma criança da condição de excluída da humanidade e filiá-la à comunidade requer iniciativas práticas por parte dos servidores públicos pertinentes ao caso.
Miguel Arroyo (2012, p. 28-29) propõe aos profissionais da educação que nos perguntemos em que medida somos obrigados a uma ética profissional reformulada “diante da chegada de vidas e corpos infantis e adolescentes vítimas de tantas precariedades”; o autor sugere que tal ética teria que ter “como referente o valor da vida a partir da compreensão da própria precarização de corpos, vidas das infâncias-adolescências populares que vão tendo acesso à escola”.
Após alguns anos de descaso, quando se percebeu que a pediculose de A Menina da Touca se tornou “um problema de saúde pública”, ou seja, que era ameaça para os incluídos, desencadeou-se uma discussão sobre quem deveria atendê-la. Os servidores públicos da saúde, do serviço social, da educação e do Conselho Tutelar, todos emitiram o mesmo juízo: “não é nossa função!”. Se retirar piolhos e ensinar os cuidados básicos com o corpo não é função dos servidores públicos, a quem cabe esse serviço? Também a essa pergunta, as respostas soaram em uníssono, em alto e bom tom:
– Cabe à família! Nós, os técnicos, temos outras atribuições!
Ah! “Nós, os técnicos…!” Não estariam presos, engessados pelos respectivos códigos e estatutos, escondidos por trás do tecnoburocratismo de suas respectivas funções?
Acontece que há famílias extremamente fragilizadas. A mãe adoecida exige da menina de touca o encargo de ser mãe da mãe. Como é impossível a ela dar conta dessa carga, justifica-se ético-juridicamente que algum dos serviços públicos instituídos para efetivar socialmente os direitos fundamentais de todos forneça o suporte necessário e adequado, ao menos momentaneamente, para o empoderamento da menina e de sua família. Com esse pensamento, uma profissional do serviço de psicologia da secretaria municipal de Educação, ao ser abordada sobre se era ou não sua função auxiliar a menina a se livrar dos piolhos, respondeu:
– Se não é minha função, é minha humanidade. E dessa humanidade não abro mão!
Tal posicionamento se inspira numa ideia de Arroyo: “lutar pela humanização, fazer-nos humanos é a grande tarefa da humanidade” (2008, p. 240). O autor citado vai mais longe e apresenta uma elaboração mais concreta dessa ideia antropológica: “essas experiências partem das manifestações de humanismo, de preocupação e de cuidado, de sentimentos que envolvem a relação com as crianças e os adolescentes em todas as comunidades, por mais inumanas que sejam suas condições de produção da existência” (2008, p. 250).
Diante de situações de exclusão e marginalização dos sujeitos que não se apresentam com aquilo que é esperado pelo social e/ou pela escola, é necessário ser a voz daqueles que são considerados como inexistentes na vida. Arroyo (2008, p. 248) fortalece essa ideia, colocando que “tirar a infância da barbárie é um dever da sociedade e um direito de cada ser humano. A escola e nós temos esse dever”. Por isso, devemos compreender as marcas da infância e da adolescência destruídas, trazidas à escola. “Que processos socializadores, culturais e mentais, identitários e éticos os/as marcaram. Que desumanidade carregam para a escola e como fazemos para recuperar a humanidade que lhes foi roubada. Qual é nosso olhar de mestres quando chegam à escola?” (Id. Ibid.).
A barbárie a que estava submetida a aluna em foco aponta para uma exclusão social, uma negação à cidadania. Assim, fazia-se necessário que a menina fosse reconhecida enquanto sujeito integrante da comunidade escolar e que pudesse dar continuidade às aprendizagens sociais, culturais e coletivas. Ainda citando Arroyo (2014, p. 46): “tentar recuperar a humanidade e dignidade que lhes é roubada é de ofício de tantos profissionais dedicados aos cuidados e à formação da infância e adolescência”.
Cabe aqui lembrar do pensamento sociológico de Zygmunt Bauman sobre a moralidade. Respaldado nas obras de H. Arendt e de E. Levinas, Z. Bauman (1998, p. 212) argumenta que “o único significado de ser um sujeito” é a responsabilidade em relação aos outros, “que não tem nada a ver com obrigação contratual”. Para ele, a responsabilidade não condicionada à reciprocidade é o “tijolo constitutivo de todo comportamento moral” (Id. Ibid.). Partindo desse pressuposto levinasiano, “a moralidade é a estrutura primária da relação intersubjetivana sua forma mais cristalina, não afetada por quaisquer fatores não morais (como interesse, cálculo de benefícios, busca racional das melhores soluções ou capitulação à coerção)”, de modo que a moralidade “não é um produto da sociedade”, mas algo manipulado por ela (Id. Ibid.).
Apoiado em pesquisas psicossociais e em análises acerca do Holocausto, o pensamento de Bauman trabalha com a ideia de que a responsabilidade “surge da proximidade do outro”; consequentemente, a responsabilidade tende a ser silenciada pelo desgaste da proximidade com os outros que sofrem, possibilitado pelas conquistas tecnológica e burocrática da moderna sociedade racional (Id. p. 213). Assim, a mentalidade tecnoburocrática, exemplificada pelo grupo de executores do Holocausto, tira das pessoas a sensibilidade pela qual elas seriam afetadas em presença do sofrimento alheio (Id. Ibid.). Junto com isso, produz representações abstratas e depreciativas acerca de certos grupos de pessoas, “justificando” sua expulsão de nosso convívio (BAUMAN, 1998, p. 216-218).
A pergunta que deve ser feita a cada professor/a é se, por homologia à representação abstrata de judeu produzida pelos nazistas, que não tinha nada a ver com os judeus de carne e osso, nossos estereótipos sobre certos grupos de crianças e adolescentes não bloqueiam nossa responsabilidade moral de aceitá-los e ensiná-los, sem que tenhamos problemas de consciência moral, depositando a culpa de sua expulsão da escola sobre as próprias vítimas. Ou estaria errado o Senhor Bauman em seu alerta para nossa tentação de arrancar o que consideramos joio daquilo que consideramos trigo?
Conhecimento escolar: com ou sem reconhecimento da alteridade?
A escola podia e devia desenvolver atividades que pudessem acolher a menina, criando condições para que se desenvolvesse de forma integral. Um sujeito integral é alguém que está de corpo e alma dentro da instituição. Se o corpo ou a alma não estiverem em condições de corresponder aos anseios da coletividade, de vivências solidárias, grupais e de amizades, precisamos pensar e construir formas para que o sujeito esteja em condições de usufruir das sociabilidades e de construir relações de interação com os outros.
Fortalecer o conhecimento acumulado ao longo da história e também criar espaços para novos conhecimentos, acolhendo o que cada um traz de suas culturas, é o caminho para a cidadania. Caso contrário, segundo Boaventura de Sousa Santos (2011, p. 30), teremos um conhecimento que se sustenta na ignorância e no colonialismo, sendo colonialista a concepção do outro como objeto e o consequente não-reconhecimento do outro como sujeito.
O sociólogo citado propõe o conhecimento-reconhecimento, que progride na medida em que eleva o outro “da condição de objeto à condição de sujeito. Esse conhecimento-reconhecimento é o que designo como solidariedade, […] uma forma de conhecimento que funcione como princípio de solidariedade”. Elegendo a solidariedade como ponto fundamental das relações entre os seres humanos, é possível fortalecer o “conhecimento que se obtém por via do reconhecimento do outro”, que “só pode ser conhecido enquanto produtor de conhecimento” (SANTOS, 2011, p. 30). Assim, o outro é reconhecido como produtor e detentor de saberes.
Para que isso possa acontecer, o outro precisa ser ajudado a se colocar em condições de construir seu discurso sobre a vida, sobre as relações entre os seres, sobre o conhecimento. Essa construção não pode ser feita de forma solipsista. Precisa-se de outras pessoas para que se tornem possíveis a construção e a legitimação de outros saberes, para fazer frente ao saber hegemônico e transgredir o que já está colocado como verdade. É preciso coletividade para o anúncio de outras possibilidades.
Voltando o foco do pensamento para a menina distante, não tem como tirar piolhos sozinho. É preciso parceria. É preciso aproximação, proximidade para tirar esses moradores, tão incômodos para alguns e tão conhecidos dela. Além disso, é preciso convencimento da hospedeira de que os piolhos não fazem parte da humanidade enquanto forma de ser e existir. É preciso que a menina acredite que viver sem eles é melhor do que dividir sua cabeça com esses seres incomodativos. Dando crédito à cultura popular, o aprender acontece “na cabeça”. Assim, o piolhos vivem de dividir o espaço do aprender. Logo, incomodam e criam dificuldades para o aprendizado. Ou não é este o caso de A Menina da Touca?
Como a escola estava no atravessamento desses dois universos – com piolho e sem piolho –, ela tinha a responsabilidade de buscar alternativas viáveis para a aluna. De construir juntamente com a menina, com a família e com outros serviços públicos, um plano de atendimento/acompanhamento para a viabilidade de suas aprendizagens escolares serem fortalecidas.
Segundo a Constituição Federal, no seu artigo 6º, “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional aponta no artigo 2º: “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Isto tudo precisa ser construído em interação com o aluno. É preciso fazer com que o sujeito fale. Se pronuncie sobre sua situação, seu estar no mundo, a partir da cultura na qual está inserido/a, mesmo que essa cultura se apresente fora daquilo que o social hegemônico aprova ou solicita. Boaventura de Sousa Santos (2011, p. 30) alerta: “como realizar um diálogo multicultural quando algumas culturas foram reduzidas ao silêncio e suas formas de ver e conhecer o mundo se tornaram impronunciáveis?
Por outras palavras, como fazer falar o silêncio sem que ele fale necessariamente a linguagem hegemônica que o pretende fazer falar?”. Em outras palavras, como fazer com que essa aluna falasse a partir de sua história, da sua cultura e não simplesmente aquilo que queríamos ouvir dela? O “querer que ela falasse” já estava colocado na expectativa do conhecimento hegemônico. Esperava-se que ela pronunciasse o que já estava colocado como aquilo que devia ser dito. Pois, como escreveu Carlos Skliar (2003, p. 41), “o outro da educação foi sempre um outro que devia ser anulado, apagado”; mas, como atualmente o abandono, a distância e o descontrole não são mais suportáveis, os projetos pedagógicos “se dirigem à captura maciça do outro para que a escola fique ainda mais satisfeita com a sua missão de possuí-lo, tudo dentro de seu próprio ventre” (Id. Ibid.)
Assim, os profissionais do cuidar-e-educar precisam suspeitar de seus conceitos e suas verdades, para que se torne possível uma escuta acolhedora e reconstituinte desse outro fragilizado e marginalizado, visando a uma cidadania possível. Os/as professores/as de diferentes níveis/séries de ensino têm dificuldades quanto ao acolhimento, principalmente das crianças e adolescentes das classes populares. Carlos Skliar (2003, p. 39) afirma com ênfase nossa dificuldade de compreender o outro e nossa tradição de massacrar, assimilar, ignorar o outro.
Atualmente, para negar “nossa invenção do outro”, inclinamo-nos a “afirmar que estamos frente a frente com um novo sujeito. Mas é preciso dizer: com um novo sujeito da mesmice” (Id. Ibid.). O autor citado justifica sua afirmação com o argumento do tratamento serial e reiterativo de “identidades a partir de unidades já conhecidas; se repetem exageradamente os nomes já pronunciados”, de modo que “são autorizados, respeitados, aceitos e tolerados apenas uns poucos fragmentos da sua alma” (Id. Ibid.).
Considerações finais: piolhos atrapalham a educação escolar?
Pelo visto, a docência precisa também se render aos piolhos. Ela pode se enveredar por caminhos mais humanizados e acolhedores. É preciso que os/as docentes tenham a coragem de dar um basta na proliferação de ideias, dizeres, escritas que discriminam as crianças e adolescentes das classes populares (ARROYO, 2012).
Que os piolhos nos sirvam de alerta sobre as condições sub-humanas de crianças e jovens que circulam pelas urbes de touca de lã em pleno verão, por não estarem em condições de usufruir da liberdade de deixar os cabelos ao vento, de abraçar e enredar os cabelos com as colegas de classe. De ler em voz alta para que todos escutem o seu dizer. De ter a possibilidade de dizer: “estou presente”. Sem esconder-se. Sem silenciar-se. Sem morrer-se. É de vida que precisamos nos espaços escolares. É de correrias, gritarias, recreios cheios de vivacidade, de cantos e encantos. De falas, de perguntas, de respostas que a docência se constitui.
A docência precisa sair dos armários, das bibliotecas chaveadas, dos silêncios, das caras feias, da falta de preparo no trato com o infanto-juvenil desestabilizador e interrogante. A docência precisa abrir os braços para acolher a vida, precisa abrir os olhos para enxergar os sujeitos, abrir os ouvidos para escutar histórias de gente.
Ao ver de M. Arroyo (2014, p. 79), “é um avanço repensar nossa docência em função dessa infância, adolescência e juventude reais. Temos maior sensibilidade para a centralidade da vida, da alimentação, da moradia e do trabalho na condição humana. São os direitos mais básicos”. O avanço a que o autor se refere tem o sentido de desbanalizar os direitos humanos básicos, incluído o direito à educação. É o sentido inverso da vulgarização da vida humana, que termina por vulgarizar também o trabalho docente. Para milhões de alunos/as, sobreviver é tarefa seriíssima, “tarefa humana, social, cultural e ética extremamente complexa”, que exige a construção de capacidades diversas, construção que corta transversalmente todas as disciplinas escolares e traciona a formação humana integral. Com esta visão da luta pela sobrevivência e por uma vida mais digna “não vulgarizaremos nem a docência, nem a escola pública popular, nem o direito à educação” (Id. Ibid.).
Mas essa visão exige um refinado profissionalismo docente; exige “maior profissionalismo para garantir o direito à educação, aos conhecimentos, à cultura e aos valores de crianças, adolescentes e jovens ou adultos que se debatem pela sobrevivência do que daqueles que a tiveram garantida desde o berço” (ARROYO, 2014, p. 79)
Que os piolhos nunca sejam a desculpa usada pela comunidade escolar para excluir meninos e meninas. Sabe-se que eles – os piolhos – são resistentes. Persistentes. Fortes. São vários. São muitos. Essa menina também era resistente, persistente, forte. Ela também era muitas, sendo uma. Assim se faz referência às crianças e adolescentes das classes populares que ela representa. Pelo fato de aqueles que ela representa estão desenlaçados, são vistos pela escola pura e simplesmente como indivíduos. Dessa forma ficam fragilizados, desamparados. Presas fáceis do discurso hegemônico que a escola reproduz, pois, segundo Bourdieu (1999, p. 41), a organização da escola “é um dos fatores mais eficazes de conservação social, pois fornece a aparência de legitimidade às desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural e o dom social tratado como dom natural”. Sim, a escola contribui para a reprodução das desigualdades sociais, mas não é menos verdade que, por decisão de seus profissionais, ela pode contribuir para elevar as crianças populares ao gozo de seus direitos fundamentais e para construir as capacidades necessárias para o exercício da cidadania plena.
Pensando que os piolhos incomodam o pensar, como diz o povo, talvez os educadores também devessem pegar piolhos para desacomodar certos pensamentos e, juntamente com outros profissionais, pensarem alternativas de experiências escolares. Outros saberes para o mundo do conhecimento, para que este deixe de ser excludente e se torne acolhedor e construtor de cidadania. Enfim, como diz Boaventura de Sousa Santos (2010), conhecimento prudente para uma vida descente. Vida digna, alegre, sem touca, sem discriminação, sem temores. E, finalmente, sem piolhos!
Autoras e autor: Amabilia Beatriz Portela Arenhart[1]
Este texto faz parte do Livro Interlocuções de Saberes XVII do Instituto Estadual de Educação Odão Felippe Pippi, Editora Metrics, 2021, organizado pelos professores Milton César Gerhardt e Irena Bielohoubceck.
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[1] Bacharel em Psicologia e em Direito; Especialista em Direito, Psicanálise e Sociedade; Mestra em Ciências Sociais Aplicadas; Doutora em Educação nas Ciências; Psicóloga na Secretaria de Educação do Município de Entre-Ijuís; docente na Faculdade CNEC de Santo Ângelo. E-mail: amabilia_a@hotmail.com
[2] Licenciada em Matemática; Mestra em Modelagem Matemática; docente de Matemática em escola da Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul. E-mail: arenhartais@gmail.com
[3] Licenciado em Filosofia e em Pedagogia, Mestre e Doutor em Filosofia e docente adjunto da Universidade Federal da Fronteira Sul. Pós-doutor em Educação nas Ciências. E-mail: livio.arenhart@uffs.edu.br
Isabel não tinha noção de como se operava, e se opera hoje, a luta pelo poder. Fiquei com muita pena dela. Era apenas um sonho juvenil.
Quem luta por poder fica sujeito a todo o tipo de violência. É o caso de quem entra na política no Brasil. Dizem: “Se não tem rabo, vamos colocar um rabo nele”. Então, o importante é entrar sabendo do que vai enfrentar. Criar uma “casca grossa”. Não entrar despreparada como a ingênua Princesa Trakánova.
Estive em Petersburg quando se chamava Leningrado, nos anos Gorbachev. A economia era socialista, as regras vinham do governo central.
Um brasileiro, consultor de negócios, queria convidar para um evento em Lisboa os dirigentes de uma estatal fabricante de turbinas para hidroelétricas. O problema me disse ele que, por não falar russo, precisava de tradutor e o governo só liberava tradutor para ônibus e não para táxi. Tive a ideia de sugerir que alugasse um ônibus, pois um dólar comprava quase tudo lá. Acabei indo como secretário dele. No ônibus, apenas o motorista, ele, eu e a jovem tradutora.
Leningrado me atraiu a ponto de ficar colecionando fatos de sua história.
Vou contar um retirada do livro “Catarina, a Grande, & Potemkin” de Simon Montefiore. Almirantes russos ancorados em Livorno contaram a Catarina II (1729-1796) que na Itália uma jovem chamada Isabel afirmava ser a verdadeira herdeira do trono russo. Dizia-se neta de Pedro I.
A moça, de vinte anos, era esbelta, de cabelos negros e olhos cinzentos. “Apaixonava-se” por aristocratas mais velhos que a financiavam. Era dotada de uma cativante delicadeza sentimental.
Nunca se soube de fato quem era ela. Filha de um dono de cafeteria tcheco? De um padeiro de Nuremberg? Como as comunicações eram lentas, era fácil se passar por membro da aristocracia e da realeza de um outro país.
Catarina não estava disposta a correr riscos com pretendentes, por mais aparentemente frágeis que fossem. Mandou seus subalternos russos a sequestrarem. O comandante da frota russa na Itália e o representante diplomático Orlov-Tchésmenski arquitetaram um plano para atraí-la. Alegaram que planejavam destronar a golpista Catarina, nem russa era, do trono de Petersburg. Orlov, inclusive, mostrou-se apaixonado por ela.
A “Princesa Isabel” aceitou inspecionar a frota russa em Livorno. Salvas imperiais foram disparadas. “Viva a Imperatriz!”, saudaram-na os obedientes marinheiros. Os seus sonhos se realizavam. Porém, logo estava confinada na parte baixa do navio.
Ao chegar em Petersburgo, em 12 de maio de 1775, a “princesa” foi presa na Fortaleza de São Pedro e São Paulo. Lá permaneceu, na companhia de baratas, em cela subterrânea que alagava nas enchentes do rio Neva.
Sofrendo de tuberculose, em 4 de dezembro de 1775, com vinte e três anos, veio a falecer, ficando conhecida como a “princesa Tarakánova”, literalmente, “das baratas”.
Isabel não tinha noção de como se operava, e se opera hoje, a luta pelo poder.
Fiquei com muita pena dela. Era apenas um sonho juvenil.
No comunismo, deparei-me com a utopia. No nazismo só encontrei pesadelo.
Como defender uma ideologia responsável pela morte de milhões de pessoas em todo mundo? Uma ideologia que promoveu perseguição, torturas, guerras, genocídios não deveria nem sequer ser considerada, quanto mais defendida.
A que ideologia estou me referindo?
Se você disse “nazismo”, você acertou.
Se respondeu “comunismo”, também acertou.
E se ousou dizer “cristianismo”, lamento informar que você também acertou.
Não há inocentes nesta história.
Entretanto, não se pode jogar fora a criança com a água do banho, tampouco igualar e criminalizar cada uma delas.
O cristianismo, por exemplo, é um subproduto do movimento iniciado por Jesus de Nazaré e seus apóstolos. Não podemos condená-los por aquilo em que a mensagem se tornou três séculos depois, quando o império romano se apropriou da mesma, tornando o movimento em sua religião oficial. É aquela estória… Jesus é o cara, mas o fã-clube estraga.
Jesus pregava o amor ao próximo e aos inimigos. O cristianismo promoveu cruzadas, inquisições, caça às bruxas, etc. A comunidade cristã original tinha tudo em comum.
O cristianismo criou a teologia da prosperidade, estimulando o acúmulo de bens em vez da partilha. Os cristãos primitivos acolhiam a todos igualmente. O cristianismo criou o Apartheid, segregando negros em sua própria nação. A mensagem subversiva do evangelho oferecia liberdade e igualdade indistintamente. O cristianismo endossou a escravidão. Jesus valorizou as mulheres, o cristianismo preferiu perpetuar o patriarcado.
Para não ser injusto, devo admitir que não haja um único cristianismo, e sim, cristianismos. Sempre houve um remanescente fiel aos ensinos do mestre. Gente como São Francisco de Assis, Teresa D’ávila, o Papa Francisco, Madre Teresa de Calcutá, Martin Luther King, Bonhoeffer, e outros. Mas também sempre houve gente indigesta que deturpou a mensagem de Cristo para encaixar-se em seus interesses mesquinhos. Prefiro aqui não dar nomes aos bois. Pelos frutos, são reconhecidos.
Por isso, não faria o menor sentido criminalizar o cristianismo.
E quanto ao comunismo? Deveria ser criminalizado tanto quanto o nazismo?
Quem se deu ao trabalho de ler os teóricos comunistas, certamente perceberá que há diversos pontos em comum com a proposta original de Jesus. Mas assim como não há somente um cristianismo, também não há somente um comunismo.
Pode-se dizer, por exemplo, que a comunidade cristã original era, em essência, comunista, visto que “ninguém dizia que coisa alguma era sua, mas tinham tudo em comum.” Pelo menos, este é o testemunho encontrado no livro dos Atos dos Apóstolos.
“E era um o coração e a alma da multidão dos que criam, e ninguém dizia que coisa alguma do que possuía era sua própria, mas todas as coisas lhes eram comuns.” Atos 4:32
“Todos os que criam estavam unidos e tinham tudo em comum.
E vendiam suas propriedades e bens e os repartiam por todos, segundo a necessidade de cada um.” Atos 2:44,45
A experiência comunitária da igreja cristã primitiva parece encontrar eco na máxima popularizada por Karl Marx: “De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades.”
Para quem nutre grande admiração por Israel, saiba que um dos experimentos comunistas mais bem sucedidos da história são os kibutz. Trata-se de uma forma de coletividade comunitária israelita. Apesar de existirem empresas comunais em outros países, em nenhum outro as comunidades coletivas voluntárias desempenham papel tão importante como o dos kibutz em Israel, onde tiveram função essencial na criação do Estado judeu.
O problema do comunismo foram as desastrosas tentativas de sua implantação. Algo análogo à tentativa do império romano de impor a fé cristã ao mundo na ponta da espada. Uma coisa é compartilhar seus bens movido por uma consciência social encharcada de amor; outra completamente diferente é fazê-lo por imposição de um Estado opressor.
A propósito, o comunismo em sua essência preconiza o fim do Estado. Portanto, querer implantá-lo a partir da força coerciva do Estado é uma contradição.
Jamais houve, de fato, um país comunista. Por mais que tenham sido ou ainda sejam administrados por um partido comunista, isso não significa que aquela sociedade tenha aderido à utopia comunista. A China, por exemplo, pratica um tipo de capitalismo de Estado.
Se Cristo nada tem a ver com Constantino, nem como o neo-pentecostalismo e sua teologia de domínio, Karl Marx nada tem a ver com Lenin, Stalin, Mao Tsé-Tung, Kim Jong-un ou qualquer outro ditador ou regime.
Portanto, se não se deve criminalizar o cristianismo, também não se deve criminalizar o comunismo, visto ser uma utopia que visa romper com a opressão do capital e combater as injustiças sociais.
Já o nazismo são outros quinhentos. Não existem nazismos. Não há nazismo do bem. O nazismo segue sendo o mesmo desde sua origem e ascensão. Sua ideologia defende a supremacia de uma etnia sobre as demais. E não apenas isso, mas também o extermínio de grupos humanos como judeus, ciganos, homossexuais e deficientes físicos.
Não se fala de justiça social, igualdade de direitos, dignidade humana, e sim de nacionalismo cego e supremacia da raça ariana. Nazistas são eugenistas. O problema não está apenas em sua aplicação, mas na ideologia em si, fomentadora do ódio e da discriminação. Por essas e outras que o nazismo é criminalizado na maioria dos países. Ninguém quer ver a reedição do que Hitler tentou impor ao mundo.
Quero deixar claro que não sou comunista, tanto quanto Deus não é cristão. Prefiro identificar-me como um seguidor de Jesus buscando discernir os tempos, adequando-me àquilo que faça jus aos Seus ensinamentos. Como disse Paulo, examinando tudo, mas retendo o que é bom.
No comunismo, deparei-me com a utopia. No nazismo só encontrei pesadelo.
Precisaremos de muita coragem e sabedoria para enfrentarmos esses costumes que oprimem a mulher desde a sua pequena infância quando é submetida a aprender a cozinhar e costurar mesmo sem gostar do que faz.
Estamos no século vinte e um, mas ainda é muito comum encontrar mulheres submetidas a homens nas pequenas cidades brasileiras, principalmente nas regiões com menos acesso a serviços públicos. O patriarcado nada mais é do que essa estrutura social que define a submissão como a postura que a mulher deve ter em sua relação com o homem, ou seja, ele dita as regras de como a mulher deve se comportar.
Para muitas mulheres de luta, essa submissão imposta é uma ofensa por agredir violentamente os direitos das mulheres. O patriarcado é um bicho de sete cabeças.
Nenhum conceito consegue explicar completamente por que ele ainda existe, mas ele está vivo e aparece todos os dias nas estatísticas de feminicídios, distribuição desigual de propriedades, dificuldades de acesso de mulheres às profissões, etc.
Andando pelas pequenas cidades brasileiras, pude perceber que o patriarcado ainda é muito comum até mesmo nas instituições públicas. Numa família patriarcal, se uma moça quer namorar um rapaz é preciso que o pai o conheça e autorize o namoro. Somente o pai pode autorizar, e apenas depois de o jovem passar pelo crivo paterno é que o namoro poderá ou não seguir adiante. Também ninguém janta enquanto o homem da casa não se sentar à mesa. Os homens é que dirigem o velho automóvel para a mulher. O homem não vai à cozinha preparar refeições e não sabe sequer fazer um prato de comida, pois é a mulher quem tem o dever de servir.
Pelo exposto acima, dá para perceber o quanto essa mulher brasileira ainda anda sem voz. Ela não conhece os seus direitos, submete-se às ordens e às opressões machistas dos seus companheiros. Sim, algumas se rebelam. Algumas não suportam tanta opressão, mas são poucas. E as que se rebelam, em geral fogem para a cidade grande, onde a coisa também não é tão fácil. Essas mulheres nunca saberão o que é ter prazer numa relação sexual, pois são tratadas como parideiras de filhos. Elas não têm o direito de escolher o número de filhos que querem ter, não têm direito a gemerem na cama e muito menos a falarem em orgasmo. Não! Os seus direitos são podados desde a infância quando o irmão mais velho é o que as “pastora” na ida e volta da escola.
Muitas dessas mulheres, por incrível que possa parecer, não podem ir à escola para não aprenderem a ler e começar “cedo” a se “enxerir” aos jovens rapazes por poderem marcar encontros às escondidas através de bilhetes. Como também não devem ser alfabetizadas para não escreverem cartas de “sem-vergonhice”. Um direito que todo ser humano deve ter é negado à mulher pelos homens da família, mais precisamente pais violentos que castigam as suas filhas quando essas desobedecem às suas ordens.
Não é difícil para essas mulheres viverem assim, pois desde cedo são acostumadas a obedecerem aos homens da família. Elas sabem que devem obediência ao pai, avô ou irmão mais velho. E nada dizem. Nada reclamam. Apenas vivem como se tudo estivesse certo para elas. Mas, não está. Para acadêmicas e mulheres de luta, o patriarcado é um mal às mulheres. Ele oprime, abusa, violenta os direitos fundamentais que elas deviam ter. Ele nega o que de melhor a mulher pode viver numa sociedade já tão machista e mesquinha para com ela.
O problema todo é que essas mulheres não têm quem lute por elas. São mulheres simples, analfabetas, donas de casa e mães de muitos filhos.
Se ousarem se rebelar contra os seus maridos ficarão sem casa e comida. Perderão tudo o que construíram ao longo da vida. Serão renegadas pela família. Uma moça que vai à casa do namorado fica falada, assim como a moça que perde a virgindade sem se casar. Quando o povo da localidade sabe disso, a pobre moça é hostilizada, deixada de lado e os jovens rapazes não querem mais namorar com ela. Moça para casar tem que ser virgem. A mesma opressão ocorre quando uma moça solteira engravida. A violência é tamanha que, muitas vezes, ela tem que sair da cidade para ter o seu filho bem distante e abandoná-lo por lá mesmo. Parece inacreditável, mas tudo isso acontece em pleno século vinte e um!
A moça de família tem que ir à igreja aos domingos, temer ao Nosso Senhor Jesus Cristo e não fazer peraltices quando estiver menstruada, sim, porque, para muitas mães, quando a filha menstrua, está doente. Esses são costumes que colocam a mulher numa posição inferior ao homem.
Se alguma mulher moderna chega à cidade trazendo novidades é logo malvista e falada. “Negadora da moral e dos bons costumes”, a sociedade teme a sua influência perante as jovens mocinhas da cidade, por isso essas saem sempre acompanhadas do irmão mais velho para que não deem atenção a pessoas com ideias revolucionárias.
Os homens costumam comprar os tecidos dos vestidos das suas mulheres e elas muitas vezes não podem cortar os seus cabelos curtinhos para não ficarem “parecendo com um macho”. São coisas assim que as feministas combatem. A mulher tem o direito de vestir-se do jeito que quiser, de ter o número de filhos que desejar e amar quem o seu coração se interessa. Em alguns lares, os pais ainda escolhem os maridos das filhas, que, muitas vezes, é o primo mais próximo ou o filho do compadre. Quando uma mulher não aceita esse tipo de relação, fere os laços familiares, envergonhando a família, “sujando” o nome da família.
Está enraizado nas famílias das pequenas cidades brasileiras esse patriarcado. Difícil desfazê-lo. Serão anos de luta das mulheres feministas.
Precisaremos de muita coragem e sabedoria para enfrentarmos esses costumes que oprimem a mulher desde a sua pequena infância quando é submetida a aprender a cozinhar e costurar mesmo sem gostar do que faz. Sabemos que não é fácil a luta, mas podemos começá-la plantando sementinhas aqui e acolá. Despertando nas mulheres a quebra desses costumes mais opressivos e aos poucos derrubando tabus.
Juntas somos mais fortes. O patriarcado não tem mais vez em nenhuma sociedade. A mulher vencerá os seus medos e a opressão do machismo interiorano. Em nossos dias, a mulher luta para ser a guardiã da sua própria vida e nela poder mandar como quiser. É assim, deve ser assim. Mulheres com direitos respeitados, seja qual for o lugar em que vivem.
Não duvide nunca do poder de quem se move com amor, e esperançaentre as ardilosas tramas de um poder que não serve.
Ao finalizar as atividades da jornada pedagógica 2022 promovida pela SEDUC/ RS precisamos estar cientes de que nossa expedição está apenas começando! Temos duzentos dias letivos pela frente, é caminhando que se faz a caminhada, a cada passo que nos aproximamos do horizonte, ele se distancia ainda mais, tendo como única intenção nos ensinar: muito mais importante que a certeza dos objetivos atingidos são os sentimentos de perseverança, entusiasmo, superação que farão parte de todo percurso.
Professores e professoras, além de especialistas na arte de construir aprendizados são também mestres em ressignificar, são os seres mais resilientes que conheço.
Em meio as incertezas da pandemia que começou em 2020 e trouxe muitas dificuldades para os sistemas de ensino, especialmente o público, vi colegas professores que se fizeram estudantes em tempo integral, que aprenderam a manusear ferramentas do mundo digital, vi gente inovando nas suas metodologias, se desdobrando para alcançar estudantes e suas famílias.
Pode ser que você não tenha se dado conta, mas és um ser cuja existência tem o poder de tocar outras vidas e nelas ascender perspectivas de futuro. Você sabe quantas pessoas já foram tocadas e transformadas por sua causa?
Pode ser que muitos dos estudantes que passam pela sua vida não se recordem de conteúdo específicos, fórmulas e regras podem ser esquecidas, mas o jeito como tratamos o estudante se eterniza nele, o testemunho que damos fala mais alto do que os objetos do conhecimento que trabalhamos para desenvolver habilidades.
Talvez você não perceba, mas o seu jeito de ser educador promove a dignidade, alimenta sonhos, constrói cidadãos. É nesse ambiente denominado Escola Pública que se faz a diferença nessa nação carente de justiça, de solidariedade, inclusão, humanidade.
O professor possui grandes responsabilidades, dessa profissão se desdobram consequências éticas que a sociedade experimenta no cotidiano. Estamos cientes das agruras pelas quais passam os educadores, sabemos que não é do interesse das elites que governam essa nação valorizar o fazer docente, a defasagem salarial demostra que os investimentos na educação são intencionadamente escassos, porque uma geração esclarecida não interessa aos governantes e a sede de poder destes.
Contrariando a lógica do capital entendemos que o trabalho dos professores é de inigualável valor, não duvide nunca do poder de quem se move com amor, e esperança entre as ardilosas tramas de um poder que não serve.
Muito se fala e se escreve sobre os professores e a escola pública, muitas críticas infundadas são feitas a esses profissionais e daqui nasce a urgência de uma educação criativa que rompa as bolhas da ignorância para semear nas mentes questionamentos que movam as buscas por novos conhecimentos.
Vivendo tempos difíceis onde a mudança bate às portas de nossas escolas convido cada um e cada uma a novamente dar testemunho de resiliência, de coragem e de amor ao fazer que toca e transforma vidas. Bons professores nunca param de aprender, então desenvolvamos ainda mais o espírito colaborativo, crítico- criativo, para com a vida ensinar respeito, cidadania, humanidade.
Numa realidade que nos desvaloriza, viemos para protestar, para amar a humanidade que servimos, e nosso maior protesto vai consistir em um trabalho amorosamente construído.
Eu bem sei que o amor não paga contas, mas entendo que o amor pelo fazer qualifica, valoriza e dá sentido as nossas ações.
Não sejamos professores por amor, sejamos sim, mestres na capacidade de amar, de com amor fazer deste um ano especial, marcado pelo enfrentamento dos desafios, pelo desenvolvimento de novas habilidades e, por fim, cheio do significado que sozinhos temos dificuldades para ver, mas que unidos conseguimos vislumbrar.
Siga em frente caro professor/ cara professora – viva as lições do horizonte, sentindo-se caminheiro de mãos dadas com outras esperanças, alimentando o sonho de dias melhores. Feliz ano letivo para você que com amor encarar os desafios de cada dia.
Estou falando do valor simbólico e social de um professor; estou me referindo ao reconhecimento que qualquer profissão precisa ter para que possa ser exercida com dignidade, com paixão e com dedicação; estou alertando para o fato de que os estudos mostram que num futuro próximo não teremos mais professores para educar nossos filhos; estou propondo uma necessária reflexão sobre o cuidado que todos nós podemos e devemos ter com nossos professores se quisermos ter um educação melhor para nossos filhos e uma pátria educadora. (Altair Fávero)https://www.neipies.com/quanto-vale-um-professor/
A reforma não está criando uma falsa ideia de que, se fizerem tudo certo, se planejarem sua vida, se conseguirem fazer tudo o que os reformistas e a escola orientarem, eles vão prosperar e ter sucesso?
A realidade da juventude brasileira é bem mais complexa e grave. Atualmente, 12,3 milhões de jovens até 29 anos estão SEM ESCOLA e SEM TRABALHO (denominados equivocadamente de Geração NEM NEM).
Dados levantados pelo Ibge, FGV, Ipea e sistematizados pelo Idados, apontam que são quase 800 mil pessoas a mais ante o primeiro semestre de 2019 – quando o grupo representava 27,9% dos jovens até 29 anos. O problema é que desde 2012 o número está em crescimento. Naquele ano, os “nem-nem” representavam 25% da faixa etária.
Considerando que a reforma do “novo ensino médio” instituiu o Projeto de Vida como novo componente obrigatório em todas escolas de ensino médio, algumas pergunta se fazem necessárias: é possível esses jovens sem escola e sem trabalho estruturarem um Projeto de Vida no Brasil atual? A reforma não está criando uma falsa ideia de que, se fizerem tudo certo, se planejarem sua vida, se conseguirem fazer tudo o que os reformistas e a escola orientarem, eles vão prosperar e ter sucesso? No mundo real do trabalho e do mercado é simples assim?
Neste contexto, algumas outras interrogações também precisam ser feitas para pensarmos com seriedade e responsabilidade.
É possível um jovem fazer Projeto de Vida em um país que não tem projeto de nação?
Quais as políticas de Estado para as juventudes em vigência em 2022?
Qual o projeto nacional de educação e cultura para os estudantes?
Qual o projeto de formação integral e profissional, geração trabalho, renda e emprego para esse público?
Na exclusão, na pobreza, com fome e a vida em risco é possível pensar um Projeto de Vida médio e longo prazo?
Com 12,3 milhões de jovens “NEM NEM” e 13 milhões de desempregados, como projetar futuro profissional?
Qual é o Projeto do Brasil para seus 50 milhões de jovens?
A reforma do ensino médio desconsidera uma categoria fundamental: a realidade.
E mesmo ao mencionar a realidade, a toma enquanto uma parte fragmentada e não como uma totalidade, como é o caso dos novos desafios do trabalho e da formação profissional, simplificando e subordinando a educação não só ao mercado de trabalho, mas às próprias relações de trabalho.
Essa escola da reforma, segundo Debora Goulart (Unifesp), não é mais uma preparação para o trabalho, já é o próprio trabalho. Daí os eixos formativos serem “processos criativos”, empreendedorismo”, “investigação científica” e “mediação e intervenção sociocultural”, voltados para elaboração de projetos e produtos. O próprio estudante pode ser um produto mais empregável ou ser mais aceitável num mercado muito instável e precário. O sujeito transformado em mercadoria.
Na presente reforma, o Projeto Vida é um componente curricular a partir de 2022. A diretriz é ensinar os jovens a empreenderem, mesmo sem as condições adequadas para isso. Sabemos que a escola não garante a alteração das relações de trabalho. Mas vai ensinar o que é prático, útil, algo de uso imediato, aplicável na inserção precoce dos adolescentes no mercado de trabalho.
A escola vai realizar uma espécie de coach existencial.
Prestará uma ajuda que dialoga com o imediatismo da vida da maioria dos jovens. Atrair a atenção dos estudantes é o principal argumento para incluir o Plano Vida no currículo do novo ensino médio em detrimento de disciplinas como geografia, história, sociologia, artes, educação física e filosofia.
Para Cristiano Bodart, doutor em Sociologia (Usp), o Projeto de Vida não é uma disciplina, não resulta de um campo disciplinar ou área de conhecimento científico. Apresenta erros de falta de definições, de cunho teórico-metodológico, pedagógicos, de gestão de pessoas e erros de matriz curricular. Trata-se de uma temática pouco clara e sem bases epistemológicas.
Ele afirma que tal componente curricular impacta, ainda, sobre a carga horária das disciplinas. É falso que atrairá atenção dos estudantes, não foi pensado para o sucesso dos jovens pobres, desresponsabiliza o Estado com oferta da educação, cria instabilidade nos docentes e o “desemprego, a pobreza e a falta de acesso aos bens de consumo são convertidos em falta de interesse, de planos e de vontade de cada um e cada uma”.
O Plano de Vida aprofunda a irresponsabilidade do Estado e gera danos ao ensino médio.
Falar em Projeto de Vida para a juventude brasileira implica falar de processos resultantes de uma conjugação própria entre nossa herança histórica e padrões societários vigentes. São os jovens mais pobres e de periferia – a grande maioria negra – os mais atingidos pelos processos de desqualificação geradores de desigualdades sociais, discriminação e preconceitos.
Regina Novaes, especialista em estudos sobre juventudes, aponta que as “desvantagens relativas acentuadas são expressas nas relações etno-raciais e nos atributos de género, idade, local de origem ou moradia e, também, de orientação sexual. Neste sentido, a juventude é como o espelho retrovisor que reflete e revela a sociedade de desigualdades e diferenças sociais”. Esta reforma do ensino médio não assume esta condição da juventude em sua totalidade e complexidade.
Ao contrário, destaca Debora Goulart, nesta reforma os agentes privados estão autorizados a fazer política educacional como se fossem o Estado, ditando políticas públicas.
Quem fez a reforma não foi o governo brasileiro. O governo brasileiro é o Estado onde atuam o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), com assessoria do Instituto Itaú Unibanco. Quem elabora a reforma é o Itaú Unibanco, quem implementa são as secretarias.
Cabe lembrar que o Unibanco já havia testado o “Projeto Jovem do Futuro” no Estado do Rio Grande do Sul e Minas Gerais no passado recente. É uma reforma empresarial feita pelo Estado. E, na ponta final da reforma temos o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), conjunto de editoras que fazem parte desses grandes holdings educacionais e que se apropriam do orçamento público da educação. São empresas e parcerias privadas que orientam a novo ensino médio.
Para Juarez Dayrell, coordenador do Observatório da Juventude da UFMG, a identidade e a realidade precisam ser partes interligadas de um Projeto de Vida. A identidade é um fazer-se, um processo social inter-relacional e, conhecer a estrutura social e os mecanismos de inclusão e exclusão onde os jovens vivem, é necessário e imprescindível.
O direito de escolher entre vários futuros possíveis
O implica, outrossim, a possibilidade de escolher um, entre vários futuros possíveis, com os desejos e fantasias, constituindo objetivos possíveis, uma orientação e um rumo de vida. Um PV é fruto de um processo de aprendizagem, cujo maior desafio é aprender a escolher e, a escolha pressupõe condições. Nossa sociedade e nossas escolas estão preparadas para apoiar essas escolhas?
Ainda predomina em nossa sociedade e nas escolas uma representação negativa e preconceituosa sobre as juventudes. Jovens são concebidos na perspectiva da falta (imaturidade), da incompletude e da desconfiança. Apenas alunos.
Torna-se necessário revisarmos e superarmos nossas concepções e convicções sobre as diversas juventudes coexistentes entre nós. Os jovens precisam ser reconhecidos como sujeitos, para além da condição de estudantes. São sujeitos que amam, sofrem, se divertem, pensam, interpretam o mundo, possuem desejos e projetos de vida. É necessário escutá-los, considerá-los interlocutores válidos e parceiros no processo educacional.
O jovem enquanto sujeito é um ser singular, que tem uma história, que interpreta o mundo e dá-lhe sentido, assim como dá sentido à posição que ocupa nele, às suas relações com os outros, à sua própria história e à sua singularidade.
Para Dayrell, o sujeito é ativo, age no e sobre o mundo, e nessa ação se produz e, ao mesmo tempo, é produzido no conjunto das relações sociais no qual se insere. Portanto, tanto o jovem como o Projeto de Vida se fazem e se refazem no processo social e existencial. Nunca estão prontos nem programados. São seres e processos que se constituem ao longo da vida.
Pedagogia da Juventude
A escola, complementa Dayrell, precisa mudar e adotar uma “Pedagogia da Juventude” considerando processos educativos, que entendam os corpos em transformação, com afetos e sentimentos próprios. É preciso adequar os ritmos dos processos educativos; é necessário fazer da escola um espaço e um tempo de produção de ações de saberes e de relações.
Precisamos acreditar na capacidade do jovem, na sua criatividade e apostar no que ele sabe e que quer dominar. A escola precisa transformar-se em um Centro Juvenil e os professores precisam envolver-se mais e estabelecer relações dialógicas com estes sujeitos jovens estudantes.
Esta reforma do novo ensino médio e esta Base Nacional Comum Curricular (BNCC) continuam sendo fortemente questionadas pelos estudantes e educadores tanto mérito quanto pelo método, aprovados pós golpe 2016 e impostos por Medida Provisória. Há resistências.
Poderá ser adiada (os estados da Bahia e Rio Janeiro já adiaram) e mesmo poderá ser revogada. Levou cinco anos para chegar na escola, sem investimentos em condições de estudo dos estudantes (laboratórios, sem bibliotecas, acesso tecnologias, espaços culturais e de convivência/entretenimento) e, sem condições de trabalho dos professores, sem formação e sem valorização profissional.
Os problemas da (De)Reforma do Ensino Médio não se reduzem ao Projeto de Vida. Outros componentes e temas específicos que compõem itinerários esvaziam uma formação básica sólida em bases humanísticas e científicas.
Qual a saída?
Cristiano Bodart sinaliza: enquanto não é possível a revogação da reforma e a discussão/construção, com a sociedade e as entidades científicas, de um projeto educacional humanizado, ao fecharmos as portas da sala de aula é preciso questionar a meritocracia e o empreendedorismo individualista a partir dos campos científicos.
Em síntese, instrumentalizar os jovens a lerem e entenderem o mundo que vivem e como as relações de trabalho os afetam é nosso dever ético para com eles. “Resistir é preciso, fazer não é preciso”!
Num mundo marcado pelo descontrole e pela irracionalidade, talvez um pouco de filosofia seja apropriado para pensarmos sobre a forma de vida que estamos vivendo e talvez concordar com Sócrates que “uma vida não examinada, não merece ser vivida”.
Tinham razão os gregos quando “inventaram a filosofia” de que o “pensar bem” se traduz em “viver bem”. Tanto um quanto o outro podem ser equivocadamente interpretados em nossos dias: muitos atribuem o “pensar bem” como sendo uma bem orquestrada estratégia para montar um grande negócio, ou encontrar uma fórmula infalível de “sair-se bem”, escolher uma prestigiada profissão, ou ainda ter encontrado “pessoas certas” para projetar-se num futuro pleno de sucesso e de uma “vida bem sucedida”.
Na mesma direção muitos levianamente confundem “viver bem” com uma vida repleta de “conforto”, dinheiro, poder, prestígio. No entanto, se tivermos um olhar que ultrapassa a “vala comum” do pensamento, nos daremos conta que no sentido grego, tanto o “pensar bem” quanto o “viver bem” não se reduz a essa simples condição material.
“Viver bem” no sentido grego pode ser interpretado como “vida boa” e não se confunde com “êxito social”. “Vida boa” nos tempos iniciais da filosofia no solo grego significava, no dizer do importante filósofo contemporâneo Luc Ferry (2004), “empenhar-se na busca de um princípio transcendente, de uma entidade externa e superior à humanidade, que lhe permitisse apreciar o valor de uma existência singular”.
Avaliar se uma vida teria valido a pena tê-la vivido, implicava em adotar um critério sobre-humano, ou seja, algo que pudesse ser utilizado como uma espécie de balança capaz de medir a “densidade da vida”.
O termo filosofia, em nossos dias, é concebido como sendo um conceito extremamente amplo e polissêmico. Fala-se que empresa X possui tal “filosofia”; que fulano tem uma excelente “filosofia” de trabalho; que a cultura Y tem uma “filosofia” de vida formidável; que o novo gerente, ao assumir a empresa Z, implantou uma “filosofia” radical; ou de que a “filosofia” da escola W visa a tais e tais princípios.
Se observarmos todos esses conceitos, parece que “filosofia” tem a ver com uma concepção e, pois, com um “saber de direção, aquilo que alguns filósofos chamam de “filosofia espontânea”, “senso comum”, ou “concepção de mundo”.
Me proponho do decorrer na coluna quinzenal deste ano escrever e refletir sobre isso. Convido a todos os leitores a acompanharem algumas reflexões sobre essa forma espontânea de pensar a filosofia. Num mundo marcado pelo descontrole e pela irracionalidade, talvez um pouco de filosofia seja apropriado para pensarmos sobre a forma de vida que estamos vivendo e talvez concordar com Sócrates que “uma vida não examinada, não merece ser vivida”.
A filosofia se coloca, mais do que nunca, na perspectiva inter e transdisciplinar do conhecimento, principalmente na área de Ciências Humanas, como uma atitude filosófica, como uma postura crítica diante da vida e dos fenômenos, como um viés investigativo/científico e crítico da realidade social, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio. (Nei Alberto Pies) Leia mais: https://www.neipies.com/por-que-filosofia-e-importante-na-educacao-basica/